terça-feira, 5 de outubro de 2010

MIRA SCHENDEL (1919-1988)

“Meus desenhos são feitos para serem vistos e não falados. A obra de arte tem de falar por si mesma.” (Folha de São Paulo, 1978)

“Eu não sou muito teórica. Tudo o que faço não está muito ligado à estética.” (Revista Veja, 1981)



Myrrha Dagmar Dub ou MIRA SCHENDEL nasceu em Zurique, na Suíça, em 1919. Na década de 30, vai para Milão, onde estuda filosofia na Universidade Católica e, a partir de 1936, frequenta escola de arte.

Com a II Guerra Mundial acaba abandonando os estudos. Em 1946, muda-se para Roma, até que, em 1949, obtém permissão para vir ao Brasil. Fixa-se em Porto Alegre e começa pintar, trabalhar com cerâmica, dar aulas de pintura, escrever e publicar poesias.
Em 1950, realiza a primeira individual no auditório do jornal Correio do Povo, em Porto Alegre.

Em 1953, muda-se para São Paulo e pinta naturezas mortas e fachadas feitas em matéria densa, o que já a diferencia dos artistas concretos paulistas da sua época.


Schendel, Mira
Natureza Morta, 1953


Em 1954 Mira expõe no Museu de Arte Moderna uma pintura que não remete a nada a não ser a ela mesma, segundo palavras da própria artista, "uma matéria porosa que suga para baixo esse sujeito em pleno estado de imanência, o chão que não o deixa desprender-se em direção ao céu dos conceitos". Poucas cores, nenhum contraste, singeleza e melancolia, porém o senso do vazio e o domínio da textura viriam dez anos depois.


Schendel, Mira
Sem Título , 1954

têmpera, gesso e madeira sobre madeira, c.i.e.
51 x 66 x 3,7 cm
Coleção Particular

Na década de 60 realiza mais de dois mil desenhos com a técnica da monotipia em papel de arroz, divididas em subgrupos apelidados de "linhas", "arquiteturas" (linhas em forma de u), "letras" (alfabeto e símbolos matemáticos) e "escritas" (em várias línguas), posteriormente trabalha também com signos (sinais de pontuação, entre outros) em letraset.
Em 1963, Mira desenvolve o sentimento do vazio e do espaço, na tentativa de imortalizar o fugaz e dar sentido ao efêmero, suprindo o romantismo de sua fase anterior pela cosmovisão do Extremo Oriente aprendida através da pintura chinesa contemporânea.



Schendel, Mira
Sem Título , 1964

nanquim e aguada sobre papel, c.i.d.
48 x 66 cm
Coleção Particular


Schendel, Mira
A Volta de Aquiles , 1964
óleo sobre tela
92 x 130 cm
Coleção Particular

Mira abandona a técnica clássica do óleo e têmpera por massas plásticas e gesso e produz ricas figuras geométricas.

Em 1964, inicia as famosas MONOTIPIAS, série de trabalhos com papel japonês, retratando fragmentos do pensamento, resquícios inconscientes que afloram e se materializam em palavras, traços e formas que são também linguagem.

As Monotipias não seguem uma lógica linear e permitem várias interpretações.
São signos compostos pelo lado material, perceptivo, o seu “significante” e, pelo lado mental, intelectual, o “significado”, onde o âmbito de sua significação situa-se entre o concreto e o abstrato. Em alguns casos, Mira estabelece a dependência entre linguística e comunicação imediata (teoria e matéria), associando duas idéias num só espaço.


Monotipia (este é um desenho gostoso), 1965

A monotipia difere de outras técnicas de gravura por permitir uma obra singular. Próxima do desenho e da pintura, ela se caracteriza por uma execução de grande espontaneidade e rapidez.

Assim, depois da explosão conceitual e das formas geométricas dos concretos paulistas e cariocas, Schendel foi uma das primeiras no país a injetar forte carga subjetiva em suas obras, deixando ver suas obsessões na folha transparente de papel.

Mira Schendel remove sinais gráficos e formas caligráficas do contexto da linguagem promovendo relações espaciais entre os signos, buscando um sentido além do significado. Nelas, surgem palavras, algumas fazem menção à religião, humor, críticas que exigem grande exercício intelectual e ao mesmo tempo, subjetivo do espectador.


Schendel, Mira
Sem Título , 1965

óleo sobre papel arroz, c.i.d.
45,5 x 22,9 cm
Coleção Particular


Mira afirma:
"Talvez a opinião dos outros possa me ajudar a compreender melhor o que faço, pois até hoje, a arte para mim, é um grande mistério".


O procedimento formulado pela artista é valorizar as condições materiais do papel, que reage ao desenho e à pintura, transitando pela ideia de "corporeidade".
Porém, nem sempre o elemento plástico e o elemento verbal estão dissociados; os traços que delimitam áreas e as palavras que ocupam os espaços no plano podem nos remeter ao invisível do visível, às ideias que não foram mencionadas e ao texto que não está lá.
As Monotipias foram, sem dúvida, uma das séries mais importantes da obra de Mira Schendel, quase a sua marca registrada. Entre os anos de 1964 e 1966, Mira produziu cerca de duas mil Monotipias, a série mais extensa de toda sua obra. Um conjunto desses trabalhos foi exposto na VIII Bienal de São Paulo, em 1965. Em suas diversas variações, essas obras marcam o início de uma vasta produção dedicada ao desenho, que se prolongará até 1979, quando há a retomada da pintura.
“Dou a maior importância que seja assim manual, que seja artesanal, que seja vivenciada, que saia assim da barriga. Deve brotar da barriga e não simplesmente da mão'".




“SEM TÍTULO”, DA SÉRIE OBJETOS GRÁFICOS (1967)



“Sem Título”, da série “Objetos Gráficos” (1967), de Mira Schendel
, que está na mostra do MoMA
Óleo sobre papel-arroz montado entre placas de acrílico transparente e tinta plástica sobre o acrílico (97,5 X 97,5 cm)


Na série “OBJETOS GRÁFICOS”, Mira amplia o dualismo de tensão opacidade/transparência, retratando uma maior indeterminação do plano.
Mira Schendel insere letras, linhas, cores, formas, manchas, sinais gráficos e “não objetos” de tamanhos, formas e natureza diversificados, desvendando os processos lentos e os ritmos silenciosos das formações em formação.
Reduzida a fragmentos, cria-se uma gramática que ocupa a superfície do papel, um convite à interpretação do espectador solicitado a decifrar seus enigmas através desses signos e significados múltiplos que ultrapassam o conhecimento linguístico e os aspectos geométricos.
Dessa forma, revelar o que não é óbvio refere-se, justamente, ao conflito proposto pela obra: provocar, penetrar, induzir e possibilitar o acesso do espectador a partir do mundo visível penetrar no mundo inteligível.
A força criadora, feita matéria, ainda não perceptível pelos sentidos, quando toma corpo transforma-se em realidade. Fragmentos de pensamento, resquícios inconscientes afloram e se materializam em traços, formas ou palavras.
O papel de arroz assemelha-se a uma quase pele atravessada pelas inscrições, interagindo com as palavras e desenhos impregnados de suor e marcas de gordura, na passagem da mão da artista por sobre a superfície do papel.
As Monotipias pretendem dar um sentido ao efêmero: nelas, não há cisão entre ideia e sensibilidade, tudo é realizado naquele instante.
Mira recorrendo às folhas transparentes apresenta os dois lados de seu trabalho. Porém, o olhar não distingue em que lado encontra cada signo, sugerindo um espaço indefinido e ideias de profundidade distintas de parte a parte, sem estabelecer qualquer relação, criando uma espécie de porta de entrada para os próprios pensamentos, já que a palavra tinha de mostrar “o maior número de faces para ser ela mesma”.
O texto não é legenda para as formas, as palavras são elementos picturais e as manchas podem se assemelhar às formas que imaginamos e, é na linguagem que surge a relação entre as palavras e as coisas, entre o que podemos captar e o que temos que interpretar, enfim o que se aproxima do mistério da criação.
A dinâmica se inicia no ponto fixo, transformando em agente do movimento: quando o artista se coloca no centro do movimento, ele inter-relaciona sujeito e objeto no momento cosmo-genético, diretriz de toda a ação que elabora a obra.
A economia da composição, o peso da tinta controlado, a leveza dos vazios, as palavras e letras soltas são resultados da serenidade da sua composição e dos elementos essenciais para a sua organização, onde o processo de esvaziamento de sentido remete, nesses trabalhos, à desconstrução da linguagem.

“Ela reinventa a arte, com base na língua. (...) É a língua não como instrumento, mas como encarnação material da voz”, afirma Luis Pérez-Oramas.

“Suas “pequenas orgias de letras flutuando no espaço”, como descreve Pérez-Oramas, tentam refletir o turbilhão de ideias que estudou à exaustão.”

“A vida imediata é só minha, incomunicável, sem significado ou propósito; o mundo dos símbolos é antivida, vazio de emoção e de sofrimento”, escreveu Schendel. “Se pudesse juntar os dois, teria a riqueza da experiência com a permanência relativa do símbolo.”

Essa visão cósmica conjuga-se à experimentação de materiais e técnicas, na busca das origens do processo criativo.
Perseguidas na sua gênese, as formas constitutivas da imagem, pertencentes a uma dimensão não temática, abstrata, prescindem do objeto, revelando na obra o seu conteúdo espiritual.



A partir de 1965, MIRA cria uma série de trabalhos experimentais, as Droguinhas: objetos de papel de arroz retorcido fazem a passagem do plano pictórico ao espaço tridimensional, atestando a fragilidade e a efemeridade da obra.



Droguinha, 1966

Schendel, Mira
Sem Título , 1966

Série Droguinhas
folhas de papel-arroz retorcidas e trançadas
45 cm (diametro)



Schendel, Mira
Sem Título , 1966

ecoline e bastão de pastel sobre papel
43 x 61 cm
Coleção Particular

Por volta de 1968, começa a produzir obras utilizando o acrílico.
Entre 1970 e 1971 realiza um conjunto de 150 Cadernos, desdobrados em várias séries



Schendel, Mira
Sem Título [Toquinho], 1972
letraset e papel artesanal tingido com ecoline colados sobre papel
49 x 25,4 cm
Coleção Particular


Schendel, Mira
Sem Título [Toquinho], 1973
letraset sobre blocos de acrílico montados sobre placa de acrílico
50 x 56,5 x 1,4 cm
Coleção Particular


Na década de 80, Mira passa a explorar as relações verbais e visuais, acrescidas de linhas, sem rigor geométrico, criando uma gramática espontânea e particular, rejeitando às relações formais do espaço e buscando novas correspondências.

“Em alguns trabalhos feitos pela artista, podemos verificar o estudo das potencialidades gráficas das letras através das muitas explorações das suas formas, como se cada letra tivesse um mistério contido no seu próprio desenho. Através da repetição da mesma letra, ora em maiúsculo ora em minúsculo, em tamanhos maiores ou menores, manuscritas ou em letraset, com linhas e manchas misturadas, Mira nos apresenta suas múltiplas possibilidades compositivas. O círculo e a espiral são figuras constantes na sua produção. Formas cheias e planas também fazem parte do seu repertório, tanto quanto o traço que reforça o movimento e o gesto.”

Nos Sarrafos, série de doze trabalhos realizados em 1987, pouco antes de sua morte, Mira torna material e tridimensional suas experiências anteriores feitas em papel: sobre uma superfície branca (gesso e têmpera) um sarrafo quadrado de madeira pintado de preto se projeta no espaço, ausente de massa e de volume, provocando o mesmo "pulsar" das monotipias bidimensionais. Mas dessa vez, a linha finalmente irrompe do plano, atuando concomitantemente com o espaço à sua volta.


Schendel, Mira
Sem Título , 1985
têmpera e folha de prata sobre gesso e madeira
120 x 90 cm
Coleção Particular


Schendel, Mira
Sem Título , 1986
papel artesanal colado e bastão de óleo sobre papel artesanal
40 x 29 cm
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo (SP)


Schendel, Mira Sem Título , 1987
Sarrafo
têmpera acrílica e gesso sobre madeira
96 x 180 x 47,5 cm
Coleção Particular


Schendel, Mira
Sem Título , 1988
pó de tijolo sobre aglomerado
100 x 200 cm
Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (SP)

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