segunda-feira, 4 de outubro de 2010

GERALDO DE BARROS

Xavantes-SP. 1923/SP. 1998


Basta à arte social brasileira e os modismos internacionais da abstração livre e subjetiva. Viva a socialização da arte!

“A tentativa da arte concreta em sua finalidade era a de socializar a arte, obter um objeto a partir de um projeto. Os objetos obtidos de um projeto são originais e únicos. O fato de serem iguais entre si é uma decorrência. Se copia o objeto que é produto de um projeto, não se está produzindo objetos a partir de um projeto. A diferença é qualitativa e não quantitativa. O projeto se mantém íntegro e os objetos obtidos, neste caso, permanecem únicos, apesar de produzidos em enormes quantidades ou em massa.”


Geraldo de Barros

GERALDO DE BARROS, fotógrafo, pintor, gravador, artista gráfico, designer de móveis e desenhista, nasceu em Xavantes-SP em 1923 e em 1945, iniciou seus estudos em artes plásticas com Clovis Graciano e em seguida, com Colette Pujol.
Em 1946, desenvolve pesquisa em fotografia e gravura e faz suas primeiras fotos com uma câmera construída por ele mesmo, fotografando partidas de futebol na periferia de São Paulo. Nessa época frequenta o Cine Clube Bandeirante, principal núcleo da fotografia moderna no Brasil.
Geraldo de Barros, junto com Thomaz Farkas, German Lorca e José Yalenti, cada um com uma pesquisa individual, questionam a fotografia de tradição pictorialista amadora e acadêmica no Brasil que valorizava regras de composição clássica. Desta forma, começa a fazer experimentações que investigava os limites do processo fotográfico tradicional ao realizar intervenções diretamente no negativo, como cortar, desenhar, pintar, perfurar e sobrepor imagens.
Em 1947 estuda com Yoshiya Takaoka e Takeshi Suziki, executando trabalhos figurativos de tendência expressiva e torna-se um dos fundadores do Grupo 15 (composto por 15 pintores em sua maioria de origem japonesa), criando um ateliê com um laboratório fotográfico.
Inicialmente sua pintura se aproxima de tendências expressionistas, período que estuda através de livros, os trabalhos de Klee e Kandinsky, bem como os fundamentos da Bauhaus e do desenho industrial.
Em 1948, Geraldo de Barros conhece Mário Pedrosa (1900-1981), ensaísta e crítico de arte, que influenciará a sua formação artística, cultural e política. Por seu intermédio, Geraldo de Barros entra em contato com a teoria da forma (Gestalt Theorie).
Em 1949, organiza, com Farkas, o laboratório fotográfico do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), permitindo-lhe fazer pesquisas formais em o que interessa são os ritmos e planos que muitas vezes se projetam para o espaço além da moldura.
Em 1950, realiza a exposição, hoje antológica, Fotoformas.


Geraldo de Barros. Fotoformas e Sobras



“Nos trabalhos apresentados não se distingue a fotografia da gravura e do desenho. Os negativos sobrepostos, recortados, pintados com nanquim ou ponta seca e até perfurados, ampliando assim os limites do suporte.”


Através dessa técnica inovadora (fotografia experimental), Geraldo de Barros é considerado o “responsável pela fotografia moderna brasileira”, fazendo com que a fotografia deixasse de ser mera representação e tornar-se uma linguagem artística.


“(...) A Fotografia é para mim um processo de gravura. Defendi esse pensamento quando tentei introduzi-la como categoria artística, na 2ª Bienal Internacional de São Paulo. Acredito também que é o “erro”, na exploração e domínio do acaso, que reside à criação fotográfica. Me preocupei em conhecer a técnica apenas o suficiente para me expressar, sem me deixar levar por excessivos virtuosismos.
(...) Acredito que a exagerada técnica, o culto da perfeição técnica, leva a um empobrecimento dos resultados, da imaginação e da criatividade, o que é negativo para a arte fotográfica”.

(BARROS, Geraldo de. A Fotografia. In: Fotoformas, São Paulo, 1994)


Em 1951, matricula-se na École National Superiéure des Beaux-Arts, em Paris e estuda litografia, graças a uma bolsa de estudo do governo francês e gravura, no ateliê de Stanley William Hayter. Ainda em 1951, na Alemanha, frequenta a Escola Superior da Forma, aprimora-se em artes gráficas com Otl Aicher e conhece Max Bill, cujos textos teóricos sobre arte e a função social do artista influenciaram, decididamente, o rumo do movimento de Arte Concreta brasileira.


Em 1952, de volta a São Paulo, participa do Grupo Ruptura, o grande detonador do Movimento de Arte Concreta em São Paulo. Criado por Anatol Wladyslaw (1913-2004), Lothar Charoux (1912-1987), Féjer (1923-1989), Geraldo de Barros, Leopold Haar (1910-1954), Luiz Sacilotto (1924-2003), liderado pelo artista e crítico Waldemar Cordeiro (1925-1973), o grupo propõe em seu manifesto a "renovação dos valores essenciais das artes visuais", por meio das pesquisas geométricas, pela proximidade entre trabalho artístico e produção industrial, e pelo corte com certa tradição abstracionista anterior.


“Em 1952, novamente em São Paulo, renova seus contatos com Cordeiro em torno das discussões da elaboração do manifesto “Ruptura”. Ambos produzem quadros que podem ser considerados abstratos geométricos e ambos os denominaram arte concreta. Porém a fundamentação teórica por trás de cada um deles é diversa. A de Cordeiro (...) baseia-se principalmente nos teóricos europeus já mencionados (Kandinsky, Mondrian etc), e seu pensamento político é orientado pela concepção do “intelectual dirigente” de Antônio Gramsci. Geraldo de Barros norteia-se pela interpretação dada por Mário Pedrosa à Gestalt, que pretende atingir o espectador sem a mediação do intelecto, tornando-se universalmente compreensível. (...) Ele quer democratizar a arte na medida em que pretende que o objeto artístico seja acessível às massas, procurando conseguir isso criando desenhos que são projetos que poderão facilmente ser transformados em protótipos de projetos industriais e passíveis de serem produzidos em grande número”.


(WILDER, Gabriela Suzana. Waldemar Cordeiro: pintor vanguardista, crítico de arte, teórico e líder do movimento concretista nas artes plásticas em São Paulo, na década de 50. São Paulo; ECA/USP, 1982. (Mestrado). P. 48-49)

A partir de 1954, atua na área do desenho industrial e de comunicação visual.
Sua preocupação com o papel social do artista e com as possibilidades de uma arte feita para atingir um público mais amplo, leva-o a um grupo socialista e juntamente com frei João Batista, funda a “Unilabor”, cooperativa dedicada à produção de móveis (1954); a Form-Inform, escritório de design onde cria diversas marcas e de logotipos (1957) e a Hobjeto Móveis Ltda. (1964).
Em 1966, participa da fundação do Grupo Rex, ao lado de Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Carlos Fajardo, Frederico Nasser e José Resende, responsáveis pelos primeiros happenings em São Paulo.
Produziu importantes cartazes, como o vencedor para o IV Centenário da Cidade de São Paulo e, a partir dos meados de 60, uma série de out doors influenciados pela Pop Art e pela Nova Figuração, estilos em voga naquele momento, numa proposta de interlocução direta com a população da cidade.


Cartaz para o IV Centenário de São Paulo, 1954

Nos anos 70, retoma sua pesquisa iniciada com a Arte Concreta (relacionar formas no espaço em busca de ritmo, contraponto e harmonia, dentro do estilo geometrizante) e realiza obras geométricas tendo como suporte à fórmica, o que permite sua reprodução em grande escala.
A partir da década de 80 retoma a fotografia e trabalha na série Sobras, em que realiza diversas interferências gráficas sobre negativos, retomando sua pesquisa iniciada nos anos 40 a partir de sobras de material fotográfico.


Colagens – Sobras
1996/1998


Geraldo de Barros, aos 72 anos, alerta: “Basta à obra!” e proclama no seu bom humor costumeiro, que agora vai dedicar-se às “sobras”. A vanguarda que se cuide!”

“A biografia de Geraldo de Barros é exemplar daqueles artistas que compõem a história do modernismo no Brasil, particularmente, no capítulo dedicado a artistas comprometidos com a experimentação e a inovação em diferentes linguagens visuais”, afirma Gabriela Suzana Wilder

“Geraldo de Barros é um homem centrado no mundo, possui a consciência de um impulso que o impele ao uso da liberdade”, a afirmação é do amigo Mário Pedrosa, pressuposto básico à condição do artista na sociedade moderna: “o exercício espiritual da Liberdade”, liberdade que o artista inventa e retoma, inventor que é das evidências entre a arte e o homem. Artista à frente de seu tempo. Com singularidade da mais pura percepção, utiliza-se da seriação e aproxima-se da comunicação visual e do design com a mesma radicalidade afetiva com que “descobre” a foto, fragmenta o outdoor pop, revela o traço “kleen” da gravura; com uma Rolleiflex na mão descobre a Arte; seus ensaios fotográficos revelam uma autonomia artística que irrompe o movimento concreto afora e atravessa seus feitos posteriores; o enigma da fotografia apontado por Roland Barthes – “emblema de semelhantes” – é assim descartado: desconstrói a imagem significante, eminentemente imitativa; procura distanciar-se cada vez mais de sua literalidade e fazer mais que inventariar sentimentos analógicos; confia no erro, na sua contribuição; explora e domina o acaso, na busca da diferença; em certo momento, abandona a câmera e trabalha a luz diretamente sobre o fotograma. Sua construção fotográfica faz lembrar Carlos Drummond de Andrade – “cristal do tempo no papel” – e a eminência da atitude do Artista: a capacidade de inovar.

Geraldo de Barros repassa aos trabalhos gráficos as noções de erro e acaso; suas litografias alimentam-se dos rótulos readymade das pedras no ateliê de Paris; nas águas-tintas e águas-fortes, alusões diretas a Klee, o suave vislumbre, a estrutura simples, quase astro, fragmentado no metal; as monotipias, campo vago que nasce da superfície entintada: campo vivo no papel – ao deslocar-se já é mancha, marca, sujeira, ausência a aflorar-se em ação una e vária, percurso de possíveis; o traço fino do papel carbono nos desenhos afronta ortodoxias; aproveita a pouca gramatura do papel e sua transparência para filtrar as cores, aplicando-as atrás dos desenhos; onde a cor é a ternura do tempo.
Por oposição aos “velhos figurativistas” e ao tachismo da abstração internacional, o concretismo se apresentava, então, como produção de um “novo” que, dentro da gramática da abstração geométrica, seria capaz de criar uma arte racional, uma arte que pudesse ser homogeneamente apreendida pelo intelecto. Tratava-se de rejeitar simultaneamente a arte social brasileira e os modismos internacionais da abstração livre e subjetiva.



“ELEMENTOS DE TIPOGRAFIA” (1952)


“Geraldo de Barros (1923-1998) foi um dos membros do grupo Ruptura, o qual, nos anos 50, era responsável por reunir artistas com características construtivas, utilizando basicamente o geometrismo. Em 1952, uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com sete participantes do grupo, dá início ao que se denominou arte concreta no Brasil, que ganhou repercussão também na literatura, com os poetas Haroldo e Augusto de Campos.” (www.fgvsp.com.br)

Segundo Marcus Gonçalves (1996), seria uma “arte quase design, socializável como produto industrial, que eliminasse a aura religiosa ou aristocrática do objeto único. O artista poderia passar a ser considerado um artista-projetista industrial, o que justifica a idéia de Gonçalves de arte “quase design”.

No início da década de 1950, no Brasil, mais precisamente no eixo Rio-São Paulo, artistas, designers e poetas, trabalharam os pressupostos da arte Concreta, importando modelos europeus construtivistas e funcionalistas.
Com a expansão industrial, conceitos de padronização, serialização e racionalização da produção começaram a ser aplicados industrialmente; e artistas da época discutiram a inserção da máquina na sociedade, com tentativas de unir arte e indústria.
A visão da realidade passou a ser dualista: humanizar a máquina ou mecanizar o homem, com exceção do surrealismo, as vanguardas incorporam como valores estéticos: as máquinas e os objetos industrializados, a abstração formal e a geometria, a ordem matemática e a racionalidade, a disposição linear e/ ou modular de elementos construtivos, a síntese das formas e a economia na configuração, a otimização e racionalização dos materiais e trabalho.
Geraldo de Barros defende o distanciamento da arte de qualquer sentido lírico ou simbólico e pretende atingir o espectador sem a mediação do intelecto, tornando-se universalmente compreensível.
O quadro, construído com elementos plásticos, não tem outro significado a não ser ele próprio. Assim, acredita na racionalidade e rejeita o expressionismo, o acaso, a abstração lírica e aleatória. O intuito das obras é acabar com a distinção entre forma e conteúdo e criar uma nova linguagem. Essa concepção de arte não representa a realidade, mas evidencia estruturas, planos e conjuntos relacionados.
O artista quer democratizar a arte na medida em que pretende que o objeto artístico seja acessível às massas, criando obras que são protótipos construídos com poucas formas, possibilitando sua reprodução com perfeição e transformando-os em protótipos de projetos industriais, passíveis de serem produzidos em grande escala.
O que lhe interessa é a socialização da arte e obter uma série a partir de um projeto.
Via na produção em série uma forma de transformar a sociedade, tornando-a mais igualitária e para atingir este ideal, o caminho era a universalização da forma, reduzindo-a a aspectos especificamente funcionais.
Em termos ideológicos, senão utópicos, a universalização funcional ia ao encontro do sonho de diminuir as diferenças sociais
Com singularidade da mais pura percepção, utiliza-se da seriação e aproxima-se da comunicação visual e do design.

“ELEMENTOS DE TIPOGRAFIA”, busca a universalização formal, a redução, a economia de elementos e a clareza absoluta concebida de acordo com uma criação passível de reprodução e execução, cujas figuras podem ser deduzidas, sem erro, por construção geométrica.
A arte não é abstrata, pois seus elementos significam as suas próprias formas: uma circunferência é uma circunferência simplesmente e não pretende significar nada além dos elementos visuais, ou seja, outra forma, uma ideia ou um sentimento.
Nesta perspectiva, o papel atribuído ao artista seria o de elaborar protótipos.
Mais do que dedicado às mudanças da arte, explora o efeito psicológico do aprimoramento das formas na mente humana, dessa maneira, a partir de elementos simples surge uma dinâmica de relações, tanto entre as formas e cores quanto entre as formas, cores e fundo, a sistematização projetual e a divisão do espaço da página em módulos seguidos durante a composição.

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