sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MARCEL DUCHAMP (1887-1969)


Irmão de outros também notórios artistas, DUCHAMP ganhou fama popular em Nova York, graças à escandalosa perplexidade produzida por seu “Nu Descendo uma Escada”. Mas teve a valentia de não vender sua liberdade de artista em troca dos contratos que os comerciantes de arte não demoraram em lhe oferecerem.



Em Nova York, conheceu Francis Picabia e desejoso de encontrar uma nova materialização da arte, de 1915 a 1923, realiza “A Casada Desnudada por Seus Sonhos”, uma grande prancha de vidro com lâminas de estanho fixadas ao vidro.


Marcel Duchamp, Francis Picabia e Beatrice Wood em Coney Island, 1917


DUCHAMP foi um dos Cubistas periféricos em 1911-12 e que, a partir de 1915, viveu quase continuamente nos Estados Unidos, foi certamente a mais notável representação das ideias Dadá, embora nunca tivesse sido um componente do grupo.
Muitos artistas recentes seguem devedores do seu invento do “ready-made”; a surpresa que produziu manipulando objetos comuns, de forma que, sem deixar de sê-lo, adquirissem uma estranha, insólita e com certeza, insolente aparência artística com a qual esbofeteava os olhos do espectador perplexo; e, de passagem, mostrava o cotidiano desde uma ótica insuspeitada; talvez se tratasse de um vulgar sacador de garrafas ou do urinol, exposto em 1916 nos independentes de Nova York.
O Dadaísmo costuma ser bastante identificado aos ready-mades de Duchamp, como os urinóis elevados à categoria de obras de arte ou outras proezas do artista, como o acréscimo de bigodes à Mona Lisa, para demonstrar seu desprezo pela arte tradicional.
DUCHAMP ao longo de sua vida criou reduzido número de obras, mas, praticamente, todas são obras-primas.
Reduzir DUCHAMP ao Dadaísmo é acabar com o grande artista.


“Fonte” (1917)


Ao expor sua Fountain, um urinol assinado com o pseudônimo de R.Mutt (conhecido fabricante de sanitários), no Salão dos Independentes, que carrega em si também a palavra “mutation” (mutação) e a palavra mudo, de calado, competindo com as obras de outros escultores, Marcel Duchamp comenta:

“Não interessa se Mr. Mutt fez ou não, com as próprias mãos, a sua fonte. Ele a escolher: pegou uma coisa banal do cotidiano e, criando para essa coisa uma ideia nova, colocou-a de tal modo que o seu significado utilitário sumiu, sob outro nome e outro ponto de vista”.


A princípio como uma brincadeira entre seus amigos, entre os quais Francis Picabia e Henry Roché, Duchamp passou a incorporar material de uso comum às suas esculturas. Em vez de trabalhá-los artisticamente, ele simplesmente os considerava prontos e os exibia como obras de arte.
Foi à invenção da técnica dos ready-mades (dessacralizar os conceitos de arte e do artista, expondo objetos do cotidiano como esculturas). Sua intenção foi somente demonstrar até que ponto o critério subjetivo do artista podia transformar qualquer objeto em obra de arte.
Era um mictório industrializado, produzido em série, DUCHAMP: virou, assinou e colocou o nome de fonte (o caráter artístico não está na forma e sim, escolher o objeto, tirar do seu contexto original, recondicioná-lo e levar à posição de arte).
A escultura foi rejeitada pelo júri, uma vez que, na avaliação deste, não havia nela nenhum sinal de labor artístico. Com efeito, trata-se de um urinol comum, branco e esmaltado, comprado numa loja de construção e assim mesmo enviado ao júri; entretanto, a despeito do gesto iconoclasta de Duchamp, há quem veja nas formas do urinol uma semelhança com as formas femininas, de modo que se pode ensaiar uma explicação psicanalítica, quando se tem em mente o membro masculino lançando excrementos sobre a forma feminina. Os ready-made passaram, então, a ser o elemento de destaque da produção de Duchamp.
Com exemplos desse tipo e outros, pode-se afirmar que Duchamp é sem dúvida, o primeiro pai da arte conceitual.



“Nu descendo a Escada nº 2” (1912)




"Nu Descendo a Escada" (1912). Marcel Duchamp.


A exposição de arte mais significativa da história americana, chamada Mostra do Arsenal porque teve lugar no prédio do Arsenal 69º Regimento em Nova York, exibindo obras dos mais controversos mestres modernistas da Europa, quebrou a redoma do provincialismo americano em 1913. Os americanos estavam evidentemente despreparados para as cores audaciosas de Matisse, às formas fraturadas de Picasso e espírito dadaísta de Duchamp. A sensação absoluta da Mostra foi o “Nu descendo a Escada”. Retratando um nu em estágios superpostos de movimento, veio a simbolizar a essência da arte moderna.
Um jornalista qualificou-o de “explosão numa fábrica de telhas”.
O nu era um tema artístico com umas regras fixas já estabelecidas, que desde depois não incluíam figuras baixando por escadas. Duchamp mostrou a ideia de movimento mediante imagens superpuestas sucessivas, similares às da fotografia estroboscópica. Duchamp, nesta época, está em discordância com o Cubismo analítico, questionando o seu caráter estático. Neste quadro, introduz um elemento cinético: uma figura nua que desce as escadas individualiza as sucessivas posições, e liga-as num complexo ritmo de formas. Falou-se em analogia e provável relação com o dinamismo Futurista; na verdade, são duas pesquisas diferentes. Para os Futuristas, o movimento é velocidade, uma força física que deforma os corpos até o limite de sua elasticidade, assim relevando, no efeito, o dinamismo invisível da sua causa. Em outros termos, o movimento é uma condição objetiva que dá ao objeto em movimento uma forma diferente da do objeto imóvel. Para Duchamp, ele determina uma mudança não apenas na conformação, mas ainda na estrutura do objeto: desmembra-o, altera o tipo morfológico de seus órgãos internos, muda o seu sistema de funcionamento biológico. O movimento de uma pessoa que desce a escada é um movimento repetitivo, mecânico, semelhante ao movimento de uma máquina. Ao executá-lo, a pessoa passa do estado de organismo vivo para o de engenho ou máquina; o funcionamento biológico se transforma em funcionamento mecânico. Movimento repetitivo é também aquele a que, numa civilização da técnica, habitua-nos a familiaridade com as máquinas; portanto, a transformação do funcionamento biológico em funcionamento tecnológico é destino que nos aguarda. É plenamente compreensível que, partindo dessa premissa, Duchamp tenha chegado a contestar in toto a cultura da sociedade moderna; é também facilmente explicável que este quadro tenha conhecido um enorme sucesso, gerando consequências profundas no Estados Unidos ( foi exposto, em 1931, no Armory Show, em Nova York), isto é, um país onde a passagem do ambiente natural para o ambiente tecnológico fora mais rápida e traumática do que na Europa.
Manifestações de hostilidade, zombaria e indignação sem precedentes acolheram a exposição, chamada de “insanos depravados bombardeiros” e qualificaram o salão de quadros cubistas de “Câmara dos Horrores”. As autoridades exigiram o fechamento da exposição alegando salvaguarda da moral pública.
A Mostra surtiu dois efeitos importantes e duradouros. No aspecto positivo, os artistas americanos tomaram conhecimento da revolução artística que acontecia nos estúdios parisienses, a um oceano de distância.
A arte “progressiva” se tornou uma força que não podia ser ignorada, as galerias de arte moderna proliferaram e os artistas passaram a fazer experimentações com as formas abstratas. O aspecto negativo foi à primeira impressão causada pela arte moderna sobre o público americano, a de uma piada de mau gosto, uma fraude – impressão que, de certa forma, permanece até hoje.


“O Grande Vidro” ou “A noiva despida pelos seus celibatários” (1915-23)


Foi laboriosamente pintado e colocado em duas chapas de vidro que, por acidente, quebraram em 1926; caracteristicamente, DUCHAMP aceitou as rachas, que hoje são vistas como parte integrante do desenho, como simpática contribuição do destino.
Decorrente dessa fase, e em virtude de seus estudos sobre perspectiva e movimento, nasce o projeto para a obra mais complexa de DUCHAMP: trata-se de duas lâminas de vidro, uma sobre a outra, onde se vê uma figura abstrata na parte de cima, que seria a noiva, inspirada no quadro acima mencionado, e, na parte de baixo, se percebe uma porção de outras figuras (feitas de cabides, tecido e outros materiais), dispostas em círculo, ao lado de uma engrenagem (retirada de um moinho de café). Essa obra consumiu anos inteiros de dedicação de Duchamp, e só veio a público muito depois do início de sua construção, intercalada, portanto, por uma série de obras. Não se tem um consenso acerca do que representa essa obra, mas diversas opiniões conflitantes, com base em psicologismos e biografismos, renderam e ainda rendem bastante discussão.



“Porta-Garrafas” (1914)


Ferro galvanizado. Uma extensão lógica da introdução de materiais “reais” na arte.


“L.H.O.O.Q” (1919)


Entre os mais famosos, podemos citar a obra L.H.O.O.Q. (sigla que lida em francês,
assemelha-se ao som da frase “Elle a chaud au cu”, que, traduzida para o português, significa “Ela tem fogo no cu”). Trata-se de uma reprodução do célebre quadro de Leonardo Da Vinci, Monalisa, acrescida de bigodes e barba como forma de dessacralizar a Monalisa.



“Roda de Bicicleta”


Não serve para nada, não tem nenhuma utilidade. O ato artístico está no objeto e como ele é associado.
Em uma nota de 1913, Duchamp anota a pergunta “Podem-se fazer obras que não sejam de arte?”


“Fresh Widow” (1920)


Trata-se de uma pequena réplica de uma janela tradicional francesa. Os vidros são cobertos com couro preto obstruindo a visão metafórica através da janela. Está associado com a pintura ilusionista que, Duchamp insistiu que "deve ser engraxado a cada dia como sapatos."
A obra foi construída por um carpinteiro, de acordo com as instruções de Duchamp e com a mudança de três letras, Duchamp transforma "janela francesa" para o título "Fresh Widow", um trocadilho que aponta para a recente guerra e para a tradição do obsceno dos amorosos (ou "fresco"): as viúvas de soldados. A inscrição na base "Copyright ROSE Sélavy 1920" é a primeira vez que o nome do alter ego feminino de Duchamp aparece em uma de suas obras.
“A viúva fresca” refere-se à tinta que está fresca, portanto, não chegue perto – afastem-se.


Duchamp travestido de Rrose Sélavy. Foto de Man Ray (1921).


Sélavy, alter ego de DUCHAMP, surgiu em 1921, em uma série de fotografias de Man Ray de Duchamp vestida como uma mulher. Através dos anos 1920, Man Ray e Duchamp colaboraram em mais fotos de Sélavy.
Duchamp usou o nome no título de uma escultura, Why not sneeze, Rose Sélavy?


Duchamp encheu uma gaiola de arame com pequenos blocos de mármore branco de corte para as mesmas dimensões de cubos de açúcar. Rose Sélavy é um trocadilho com Eros c'est la vie ("o amor é vida"), e pode ser uma referência codificada ao orgasmo, fazendo com que o título seja um convite sexual. No entanto, o termômetro, o mármore frio, a brancura da gaiola e tudo sugerem frigidez. A gaiola é um símbolo de confinamento e, talvez, sugere a supressão do clímax erótico.

Um comentário:

ZRG Sons e Vínculos disse...

Muito esclarecedor.
Sou professor de Arte no ensino médio e pela 1ª vez encontrei um texto sobre Duchamp que dá uma idéia geral das intenções do grande artista que ele foi.
Obrigado e parabéns.
Zé Renato Gimenes