terça-feira, 30 de novembro de 2010

A baronesa, Contos de Aprendiz





“A BARONESA”




Trata-se da história de uma baronesa que “era antiquíssima”, uma boa senhora, embora chata que numa noite “sem qualquer incômodo para os da casa, tinha-se finado”.

A velha senhora da época do Império, chamava-se Ana Clementina de Soromenho Pinheiro Lobo e Figueiredo Moutinho..., inclusive com as reticências, descendente de “família de fino trato”. Já estava surda, tinha dificuldades de se locomover, esquecida e vivia remoendo-se, vivendo do passado e recordando-se bailes idos e casos antigos.





Vivia num “estranho apartamento, se juntarmos em sua representação os móveis modernos aos objetos remotos, o duco ao bolor (invisível, mas eterno) que envolve as caixas de madrepérola onde se guardam fitas e broches de antigamente. O living – aquela maravilha de claridade, sbre a baía. Mas no fundo do corredor, a porta do quarto da baronesa marcava o limite de uma região de sombra, rapé, reumatismo, pigarro, bolinhas de cânfora, gorgorão presidido pelo ceticismo do senador, que vinha dos velhos tempos e não se integrava aos novos, porém derramava sobre todas as épocas, raças, religiões e costumes, uma indulgência plenária não isenta de desprezo.”
Luís vivia nesse apartamento há um mês, porém só vira a baronesa quatro vezes. Ao ser notificado sobre a morte da baronesa, imediatamente, foi buscar Renato, o sobrinho neto da mesma. Seus interesses longe de respeito, carinho e afeição com a baronesa estavam centrados na possibilidade de usufruírem de seus pertences, suas jóias de um século e convertê-las em um bom dinheiro ou transformá-las em algo moderno.
 Essa herança aos poucos estava esvaindo-se, algumas dadas de presente de casamentos e batizados e outras perdidas pelo apartamento e desaparecendo inexplicavelmente...

 Chegaram tarde: “os braços da baronesa estavam nus, os dedos vazios”, restando-lhes, apenas, os brincos que depois de arrancá-los de suas orelhas com muitas dificuldades, abandona o quarto deixando o corpo da velha caído descuidadamente.

 Em seguida, Renato comenta com Luís que acredita que a causa mortis da baronesa foi o seu colar:





“Acho que ela morreu foi do colar...Você se lembra que ele dava três voltas folgadas? Cada vez que um da turma precisava de grana, chegava perto da velha, no sono, e arrancava uma conta. O colar foi diminuindo, diminuindo. Na última vez que eu vi a baronesa, ele dava só uma volta, e olhe lá.”



 
Dirigem-se ao banheiro, fazem a partilha justa da “herança” e depois, Renato retorna aos braços de uma de suas amadas.

Dessa maneira, a viúva do barão “cujo patrimônio sobrevivera á corte”, morre e tem seu corpo violado por seus próprios familiares que almejam lhe roubar as jóias.

A baronesa metaforiza o tradicional, o conservadorismo, o antiquado.

Sua morte é o fio condutor do conto e simboliza de forma alegórica o fim do Segundo Reinado, como afirma o narrador: “Assim acabou o Segundo Reinado”.

O conto se desenvolve através do dualismo entre a tradição versus a ruptura.

A descrição do ambiente, um apartamento que, por si, é uma representação do moderno já que o Rio de Janeiro da época do Império é mais conhecido por suas construções horizontais já evidencia essa ruptura.


  “(Estranho apartamento, se juntarmos em sua representação os modernos aos objetos remotos, o duco ao bolor (invisível, mas eterno) que envolve as caixas de madrepérola onde se guardam fitas e broches de antigamente. O living - aquela maravilha de claridade, sobre a baía. Mas, no fundo do corredor, a porta do quarto da baronesa marcava o limite de uma região de sombra, rapé, reumatismo, pigarro, bolinhas de cânfora, gorgorão de seda, pentes de monograma, conversa de bailes idos. Tudo presidido pelo ceticismo do senador que vinha dos velhos tempos e não se integrava nos novos, porém derramava sobre todas as épocas, raças, religiões e costumes, uma indulgência plenária, não isenta de desprezo.”
 Esse fato é confirmado quando o narrador reflete, inclusive, sobre a dificuldade de se morrer em apartamento:

“Impossível conceber enterro saindo de um edifício de apartamentos, onde os mortos são intrusos.”

 Outra característica importante a ser ressaltada é quanto à linguagem que permeia o conto. Carlos Drummond de Andrade contrapõe o estilo linguístico conservador, purista e clássico nas falas do senador (tradição) com o coloquialismo nos diálogos do sobrinho neto da baronesa (ruptura).

O autor representante do modernismo sem apresentar posição ideológica em favor de uma língua mais clássica ou mais coloquial utiliza-se desse recurso literário para expressar sua consciência crítica, característica da modernidade literária e atribuir um caráter alegórico ao conto.

 “ – Luis, avise a Renato que a baronesa faleceu.
Luís, hóspede da casa, estava de costas, debruçado sobre xícaras e pratos.
Apenas voltou a cabeça.
- Visp’rou, senador
- Como, visp’rou?
- Quer dizer, bateu o 31, esticou...”






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