sexta-feira, 5 de novembro de 2010

ROMANTISMO FRANCÊS

THÉODORO GÉRICAULT (1791-1824)




Iniciou o Romantismo com uma pintura “A Balsa do Medusa”(1819-19).
Em sua vida particular, GÉRICAULT foi um romântico arquetípico. Ela não se preocupava com o próprio bem estar e se dedicava a uma vida de paixão, defendendo os oprimidos.
O professor de GÉRICAULT o chamava de louco, e o Louvre o expulsou por fazer confusão na Grande Galerie.
Fascinado por cavalos, GÉRICAULT morreu com 32 anos, após uma série de acidentes enquanto montava.
Embora só tenha exposto publicamente três pinturas em sua carreira meteórica de uma década de duração, o pintor deixou uma marca indelével.
Sua maneira enérgica de lidar com a tinta e criar cenas de luta titânica deslanchou a era romântica na arte francesa.


“A Balsa do Medusa” (1818-1819)


Retratava um acontecimento contemporâneo, um naufrágio que causou um escândalo político. O “Medusa”, navio do governo que transportava colonos franceses para o Senegal, afundou na costa oeste da África devido à incompetência do capitão e a tripulação foram os primeiros a evacuar o navio e tomaram os barcos salva-vidas, que puxavam uma jangada improvisada com 149 passageiros amontoados.
A certa altura cortaram a corda que puxava a balsa, deixando os emigrantes à deriva sob o sol equatorial por 12 dias, sem comida nem água, sofrendo tormentas indizíveis. Só 15 sobreviveram.
GÉRICAULT investigou o caso como um repórter, entrevistando os sobreviventes para escutar suas histórias terríveis de fome, loucura e canibalismo.
Fez o máximo para ser autêntico, estudando corpos putrefatos no morgue e esboçando cabeças decapitadas de vítimas da guilhotina e rostos de lunáticos num asilo. Construiu uma jangada-modelo em seu ateliê e, como um ator que mergulha num papel, chegou a ser amarrar ao mastro de um pequeno barco numa tempestade.
Essa preparação extraordinária dá conta do rígido detalhamento da pintura. Mas na raiz desse drama épico encontra-se o espírito romântico do pintor.
A linguagem dos corpos em luta, contorcidos, dos passageiros desnudos diz tudo a respeito da luta pela sobrevivência, tema que obcecava o artista.
Dados o tratamento gráfico de um tema macabro e as implicações políticas da incompetência do governo, a pintura gerou enorme sensação. A paixão romântica estava pela primeira vez visível “in extremis”, captando não alguma forma idealizada do passado, mas a realidade contemporânea.
A fama da pintura rompeu a camisa-de-força da Academia Clássica. A partir de então a arte francesa iria enfatizar a emoção em vez do intelecto.


“Cavalo assustado pelo trovão e relâmpago” (1820-21)


Pintura e cavalos eram as paixões gêmeas da vida de GÉRICAULT. O artista combinou-as em muitas ocasiões. Mas o cavalo tinha um significado especial para a arte Romântica; em geral, o de um animal nobre e puro, de extraordinária sensibilidade, com associações árabes.



EUGÈNE DELACROIX (1798-1863)



" Trabalharei até a agonia: que fazer no mundo, além de embebedar-se, quando chega o momento em que a realidade não está mais à altura do sonho?"

"Uma vida inteira não me basta para produzir tudo o que tenho em mente."

"Tenho assunto para ocupar o espírito e as mãos por mais de quatrocentos anos."

DELACROIX opunha-se a que o chamassem romântico e considerava-se parte integrante da tradição clássica. Seu conceito dessa tradição era puramente pessoal.
Admirava Poussin e, com efeito, escreveu até sobre ele. Mas suas opiniões mudaram, e tendo admirado Rafael como o maior de todos os pintores, substituiu-o, sucessivamente, por Rubens, Ticiano e Rembrandt. Em cada fase de sua obra, o clássico e o romântico conflituam e colaboram.
Baudelaire disse que “Delacroix estava apaixonadamente enamorado da paixão, mas friamente decidido a expressar a paixão com a maior clareza possível”. Podemos reconhecer que essa síntese de paixão e controle é à base de toda arte maior.
Como romântico, DELACROIX, deu valor especial à excitação, calor, riqueza, espontaneidade e fantasia, mesmo quando insistia na necessidade de conhecimento e perícia.
Ainda moço, DELACROIX admirou a obra de Théodore Géricault (1791-1824) e através dele que se apaixonou pela pintura e literatura inglesas, principalmente, Byron e Walter Scott.
O artista era um pintor barroco, insuflando nos temas predominantemente seculares o entusiasmo celebrador que o Barroco reservava para os deuses e reis. História e lendas medievais, mitos nórdicos, ficção renascentista e moderna, eventos e cenas contemporâneas e percorreu toda a vasta gama de temas que o Romantismo franqueou à arte.
Um dos temas básicos de pintura do século XIX é o valor crescente atribuído à música pictural e o conflito entre esse valor e o aspecto representativo da pintura. Entre essas qualidades musicais da pintura, a cor é de importância primordial. DELACROIX aprendeu o conteúdo de cor das sombras e o efeito mutuamente revigorador produzido pelas cores complementares em justaposição.
Delacroix restituiu à pintura, além do movimento e da cor, seu caráter passional. Sua obra revela o individualismo exaltado pela Revolução Francesa e pela epopéia napoleônica. Seu objetivo é criar emoção e energia, exaltadas por fortes contrastes de cores, por um desenho torturado e por uma composição turbilhonante. Traduziu em pintura os sentimentos contidos em Goethe, Beethoven, Victor Hugo e Baudelaire. Não deixou uma escola, mas os impressionistas e os neo-impressionistas sofreram sua influência.
Nas artes, os românticos foram os primeiros a pôr em questão os ideais clássicos, herdados da Grécia e de Roma pela via do Renascimento. Defenderam a concepção de que o valor de uma obra não devia ser medido pelo respeito a regras cristalizadas e substancialmente acadêmicas, mas em vista da emoção que pode provocar. Um artista - diziam - não se avalia por sua afinidade aos padrões antigos ou por seu grau de aproximação a modelos clássicos, mas sim de acordo com sua originalidade. Nesse sentido, o Romantismo foi um movimento renovador, que multiplicou as possibilidades de expressão nas artes em geral, principalmente na literatura e na música.
Na pintura, nem tanto. Exceção feita a Delacroix, Géricault e alguns outros nomes, a linguagem da pintura francesa permaneceu quase inalterada. Só com a
revolução realista a partir da segunda metade do século XIX é que os cânones tradicionais receberiam o golpe fatal. O Romantismo na pintura traduziu-se principalmente numa troca de roupas: as túnicas greco-romanas que vestiam os personagens focalizados foram substituídas pelas armaduras dos guerreiros medievais. Os heróis míticos cederam lugar aos cavaleiros cristãos, defensores das nacionalidades européias.
E na virada do século XVIII é justamente o nacionalismo - despertado pela Revolução Francesa e fortalecido pelos projetos de Bonaparte - que dá o tom nas idéias políticas.
Mesmo Delacroix, pensasse o que pensasse, não chegou a ser um pintor romântico no pleno sentido da palavra. Apesar de seu amor pela aventura, seu fascínio pelo Oriente fantástico, seu interesse desmedido por tudo o que fosse exótico, não voltou as costas aos antigos mestres. Como qualquer artista acadêmico, frequentou os museus para copiar os grandes do passado. Nem se furtou em suas obras às sugestões mitológicas da Antiguidade. Ficou a meio caminho entre a lealdade cultural ao mundo clássico e a necessidade de exprimir o mundo interior, rico de sensibilidade e imaginação. Quando a subjetividade prevalecia, conseguia desprezar as regras ortodoxas. E o resultado era uma pintura original e profundamente renovadora.
Renovação era a palavra que corria de boca em boca na França dos últimos anos do século XVIII, tirando seu alento dos feitos do novo comandante do exército, o pequeno general corso que se chamava Napoleão. Em 1798, um ano antes do golpe de Estado que o levaria ao poder, Napoleão chefiava as tropas da República na campanha do Egito; naquele ano, a 26 de abril, na localidade de Charenton-Saint-Maurice, perto de Paris, nascia Delacroix.
Mais por uma questão de temperamento do que por uma avaliação intelectual dos trabalhos, Delacroix sente-se atraído por Veronese, Tintoretto, Goya e Rubens, cujas obras pode ver nos museus de Paris, e os prefere a um Rafael ou a outros mestres consagrados e em evidência na época.
O temperamento é um dado fundamental na história do pintor. Como escreveria seu amigo e crítico, o poeta Baudelaire, "a biografia de Eugène Delacroix é pouco movimentada. Para um homem como ele, pleno de tal coragem e de tal paixão, as lutas mais interessantes são as que deve sustentar contra si próprio". São os sentimentos, não tanto os fatos, que determinam as atitudes do artista.
Delacroix desenvolve seu aprendizado cada vez mais na direção de um afastamento dos padrões clássicos, guiado por artistas inovadores como Gros, Gérard e - sobretudo - Géricault, que sentiram no jovem o talento e a inquietação. Com o tempo, Delacroix viu-se cada vez mais ligado a Géricault: o jovem - então com 21 anos - aceitou posar para um quadro de seu mestre, “A Balsa da Medusa”, que daria muito o que falar, abrindo formalmente as hostilidades entre os seguidores da linha neoclássica e os adeptos da nova escola - os românticos.
Enviado ao Salão Oficial, “A Balsa da Medusa” sofreu cerrados ataques dos críticos ortodoxos; os adjetivos dirigidos a Gericault não foram dos mais brandos. Nessa querela, o ainda desconhecido Eugéne Delacroix interveio a favor do artista e acusou seus acusadores: foi a única vez que Delacroix participou ativamente das polêmicas estéticas. Nos anos vindouros, outros artistas brigarão por ele.
Em 1822, após ter realizado algumas obras de temas sacros, resolveu enviar sua primeira tela ao Salão. É “Dante e Virgílio no Inferno”, onde se vêem as influências do discutido trabalho de Géricault e afirma-se como o expoente de uma nova tendência, a resposta mais brilhante ao consagrado Ingres, mestre do Neoclassicismo. Não que o estilo tradicional tenha deixado de existir nessa obra de estréia, mas as cores vivas, o movimento das personagens, as luzes do horizonte indicam já uma orientação diferente.



Essa orientação fica ainda mais explícita com “Dois Indianos”, pintado em 1823. Este quadro revela gosto de Delacroix pelo exótico - na própria escolha do tema - e, mais que isso, sua habilidade como pintor, seu espírito independente, a espontaneidade com que é capaz de cercar as figuras da pequena tela. Fugindo às descrições de moradas e cerebrais prefere captar as emoções dos retratados com toques rápidos e sugestivos, conseguindo ainda um efeito de primeira ordem ao contrastar o branco da vestimentas com o fundo sombrio.

No ano seguinte, Delacroix produz “O Massacre de Quios”, quadro de inspiração literária, e enviado ao Salão. Reabre-se a polêmica: os críticos acadêmicos, o
mestres oficiais, decididamente torcem o nariz ante a obra Afinal, aceito o quadro, Delacroix ainda introduz nele algumas modificações, provocadas pela descoberta do inglês Constable: naqueles dias, o pintor fazia uma exposição em Paris e Delacroix, ao vê-la, é tomado pelo maior dos entusiasmos, a ponto de aproveitar as lições do pintor estrangeiro mesmo numa obra já realizada.

“O Massacre de Quios” (1824)



Representa simbolicamente o tópico dominante do seu tempo, a luta dos gregos pela independência (presença turca na Grécia) - 20.000 gregos trucidados pelos turcos na ilha de Quíos. Com cores vivas e uma forte emoção a pintura lembra mais uma peste que uma guerra.
Tomando como tema as perseguições sofridas pelo povo grego sob o jugo turco assunto sobre o qual Delacroix fizera algumas leituras, “O Massacre de Quios” mostra claramente o que os contemporâneos do artista não souberam ver: que a arte de Delacroix, conquanto fosse inovador estava longe de assumir um caráter revolucionário ou significar um rompimento radical com a pintura clássica. São teatrais as atitudes das personagens. Sua disposição segue o figurino tradicional. Mesmo as cores exageradamente violentas aos olhos rigorosos da sobriedade acadêmica não conflitam com a estética vigente. A novidade localiza-se mais no tratamento realista dos detalhes e este se de principalmente às alterações motivadas pelo contato com os trabalhos de Constable.
Delacroix sente-se de tal modo atraído pela pintura do inglês que se decide a atravessar a Mancha. Em 1825 embarca para a Inglaterra, onde passa alguns meses, admirando as paisagens, lendo o clássico Shakespeare e o romântico Byron. De volta à França, frequenta os ambientes mais requintados da época. Elegante e simpático, torna-se amigo de celebridades do mundo artístico, entre as quais Frédéric Chopin e sua companheira George Sand. Delacroix os retratou juntos, embora mais tarde a tela viesse a ser cortada, restando apenas a cabeça do compositor.
O êxito de Delacroix não se limitava aos salões. Como bom romântico, não lhe faltaram ligações afetivas, arrebatadas todas, duradoura nenhuma: os modelos Émile e Laure, a loira e delgada Mademoiselle Mars, a misteriosa Madame Dalton, Madame de Forgette (sua prima) e, por fim, Madame de Boulanger, com quem até fugiria na melhor tradição dos mitos românticos para o exterior, chegando à Bélgica e Holanda.
Em 1827, Delacroix apresenta o que seria um de seus melhores quadros, um dos raros que não se ressentem de inspirações literárias ou retóricas. É a Natureza-Morta com Lagostas.



Cor, desenho e composição inteiram-se numa unidade total e poética. Paisagem, personagens, peças de caça conjugam-se como instrumentos numa orquestra afinada. Poucas vezes terá o artista consegui-lo explicar-se tão bem com uma pintura, exprimindo plenamente seus princípios reformistas. Aqui, ele abandona a literatura e cria uma mensagem baseada em recursos exclusivamente visuais. Aqui, Delacroix é absolutamente fiel à sua própria crença de que "o primeiro mérito de um quadro é ter sido feito para o olho".
O quadro “A morte de Sardanápalo”, obra imensa, teatralizada, grandiloquente, decadentista como uma dança dos sete véus. Inspirada na poesia de Byron, descreve o assassínio do velho rei assírio durante uma orgia. Entretanto, os corpos nus e retorcidos, o emaranhado de membros humanos, o tumulto da cena pelo exagero de elementos, acabam redimidos pelo hábil uso das cores, revelando a maturidade do pintor então com 29 anos.
Sardanápalo, rei legendário, ordena que uma pira seja erguida para sacrificar todo seu povo a fim de evitar a vergonha da derrota. Mulheres, crianças, escravos, cavalos, são todos lançados no fogo. E por fim ele se imola. Delacroix, pintor dos extremos, escolheu esse tema para representar um espetáculo de horror.

“A Morte de Sardanapalo” (1828)


O poeta inglês Lord Byron, um dos emblemas do romantismo, tinha publicado em 1821 um drama - Sardanapalus - traduzido na França em 1822. Certos historiadores pensam que Delacroix teria extraído sua inspiração dele. O poema narra o trágico fim deste legendario rei de Asiria, que, viu escapar seu poder em consequência de uma conspiração, elegeu, ao se render contar que sua derrota foi ineluctable, se arrojar em companhia de sua favorita, Myrrha, uma escrava, aos lumes de uma gigantesca fogueira. Delacroix parece ter retomado a trama geral do drama de Byron - Myrrha seria a mulher sobre a cama aos pés do monarca -, mas parece, em mudança, que o holocausto das mulheres, dos cavalos e do tesouro, o extraiu de outro autor, Diodoro de Sicília, que narra uma cena análoga em sua Biblioteca histórica:
Para não cair preso do inimigo, fez instalar em seu palácio uma gigantesca fogueira na qual pôs seu ouro, sua prata e todas suas posses de monarca; encerrou-se com suas mulheres e suas eunucos em um espaço habilitado no meio da fogueira, deixando-se assim queimar com sua gente e seu palácio.


Estudo de Nu feminino visto desde atrás, Pastel, sanguina e tiza sobre papel, 40X27 cm
A cor domina, a luminosidade é brilhante. Delacroix utiliza preferencialmente cores cálidas, em particular pigmentos castanhos e vermelhos; deles surgem, pouco a pouco, cores mais claras como o alvo das teias, da túnica ou da pele do cavalo, e os amarelos e anaranjados dos corpos das mulheres. Sobre um grande leito está disposto Sardanápalo. A seu ao redor, se arremolinan pessoas, animais e objectos, em uma composição abigarrada em torno de diferentes eixos que se entrecruzam.
Era sua primeira composição em diagonal. A luz marca uma diagonal que vai desde o monarca asirio, acima no alto, até o homem que está a dar morte a uma mulher, abaixo à direita, que passa pela figura de uma jovem morrida e um homem agonizante, ambos corpos brancos sobre o leito de intensa cor vermelha. Aos pés do leito e adiante da figura da mulher que vai ser assassinada, aparece uma escrava circasiana, cuja pele é mais escura que o resto das personagens.




Estudo para a morte de Sardanápalo, Pastel com trazos de lápiz, sanguna, lápiz negro e tiza sobre papel, 44X58cm
Este quadro supôs o triunfo definitivo da escola romântica em pintura. Para além da história, este quadro aparece como um manifesto da rivalidade entre a pintura romântica representada por Delacroix e o classicismo ou o neoclassicismo representado por Ingres já que Delacroix põe adiante de sua obra esta relação das convenções formais, que recusam as clássicas: estas não são mais que as formas e os sujeitos que o artista põe em valor, além da intensidade das cores, dos contrastes e da luz .




Uma das maiores (3,95 X 4,95 m) e mais complexas pinturas de cavalete de DELACROIX, demonstra sua atração pela violência.
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DELACROIX encheu seu quadro de incidentes, de formas e cores dinâmicas; contudo, cada uma das partes da pintura gravita em torno da absorvente mobilidade do rei, cujo peso formal soluciona a confusão agitada de corpos e objetos.
O artista retrata o instante de choque em que os servos executam as meninas do harém do rei e os cavalos.
O rei oriental está prestes a morrer, reclina-se sobre a pira funerária, enquanto os objetos que alegraram sua vida são destruídos diante de seus olhos: jóias, jarras e taças preciosas, seus cavalos e mulheres. Os escravos obedecem a suas ordens e a cena é de grande violência, mas o rei não se comove, nem mesmo com o abandono quase sexual das mulheres. Apesar de toda a agitação, é um quadro sereno.
É uma extravagância de corpos torcidos contra um fundo vermelho flamejante.
A despeito do quase caos da composição em forma de cornucópia, a atenção se concentra na figura pesada, imóvel e espiritualmente alheia de Sardanápalo. Não foram desenhados com muita precisão nem o rei, nem os demais figurantes e sim a postura expressiva e o movimento, aos quais acrescentou, ao pintar, a cor e o claro-escuro e as formas turbulentas em amplas pinceladas praticamente compõem um manifesto romântico.
O quadro está cheio de qualidades musicais, com trechos que comunicam seu conteúdo emocional muito antes de serem reconhecidos pelo que representam, com formas que emergem como melodias, para reaparecerem de maneira desenvolvida, e agrupamentos dentro da composição total, que quase parecem os vários movimentos de uma sinfonia.
DELACROIX tinha paixão pela música, que lhe parecia ser a mais pura das artes por seu apelo direto às emoções, e falou muitas vezes de qualidades musicais na pintura.
Escreveu ele: “Existe uma impressão produzida por um determinado arranjo de cor, luz, sombra etc. É o que poderíamos chamar a música de um quadro”.


Em 1828, dá-se o acontecimento talvez mais importante na vida de Delacroix: sua visita ao Marrocos, como membro da delegação que acompanha o Conde de Momay, embaixador da França junto ao sultão daquele país. A missão do artista é documentar gente, terra e costumes, mas a importância do fato está menos nas vantagens que trará ao pintor nos círculos políticos e diplomáticos e mais em termos da expansão de seus sentimentos: o Marrocos, na visão de Delacroix, é o sonho feito existência, o mistério, o exótico, o diferente da cultura e da civilização a que está habituado e que, no fundo, o entediam. O Marrocos é a grande oportunidade que se oferece ao artista: permite que pinte não só sob inspiração de experiências literárias, intelectuais, formalizantes, mas com base em experiências pessoais, sentidas, vividas. Espontâneas.
“As Mulheres de Argel” é seu primeiro trabalho que reflete essa vivência. Embora os críticos façam reparos ao aproveitamento das cores, dizendo que as soluções encontradas aqui por Delacroix poderiam ser mais felizes, é inegável a espontaneidade da obra.


A maneira natural com que a cena é descrita, atingindo dimensões realistas, transmite o sentido direto da relação entre o pintor e seu tema. A literatura e o esforço de reconstrução histórica estão diluídos.
O mesmo acontece com “A Agitação em Tânger” , pintado por volta de 1837/38, ou seja, cerca de quatro anos depois de “As Mulheres de Argel”.



Agora, apura-se ainda mais a expressão do artista, sua percepção apaixonada das coisas: a massa das pessoas, o céu transparente, as casas intensamente iluminadas, o jogo de luzes e sombras transmitem uma vibração sentida, que algumas décadas mais tarde explodiria no Impressionismo.
Nem sempre, porém, Delacroix poderá manter-se nesse rumo, devido às encomendas oficiais que receberá para a execução de grandes pinturas decorativas sobre motivos históricos. Até o fim da vida, sua arte consistirá numa intercalação de trabalhos poéticos, de inspiração subjetiva, e de pinturas grandiosas, narração de episódios militares, lendas medievais e mitologia pagã.
As encomendas oficiais vieram provavelmente em consequência dos desenhos e esboços que Delacroix enviou do Marrocos e que chamaram a atenção das personalidades públicas ligadas ao Governo. Entre elas estava o primeiro-ministro de Luís Filipe, o historiador Thiers, que já conhecia o artista havia muitos anos e o defendera, escrevendo entusiasmado artigo, contra os que criticavam em 1822
“Dante e Virgílio no Inferno”.
Quando o pintor volta do Marrocos, os convites não tardam. Em 1833 recebe de Thiers a incumbência de pintar o Salão do Rei; em 1838, novo pedido, desta vez para decorar a biblioteca do Palácio Bourbon, sede da Câmara dos Deputados. Passam-se dois anos, outra encomenda: pintura da cúpula e de um hemiciclo no Palácio do Luxemburgo, então sede da Câmara Alta. Mas Delacroix não ficara esperando solicitações oficiais para dedicar-se a temas cívicos e políticos. Numa ocasião, voltara-se a eles espontaneamente. É julho de 1830, eclode a revolução que derruba Carlos X do trono e o substitui por Luís Filipe, filho do Duque de Orléans, chamado "Philippe Égalité" por haver participado da Revolução de 1789. O aristocrático Delacroix não participa das escaramuças. Entretanto, entusiasma-se com os acontecimentos e, tomado de súbitos amores pela democracia, pinta “A Liberdade Guiando o Povo”, um verdadeiro manifesto de propaganda, cujo valor enquanto pintura, reside não na retórica mas na habilidade que o artista revela no manejo das cores.


Detalhe curioso da obra é que o próprio pintor nela se fez retratar: o jovem de cartola e fuzil na mão é Delacroix.
“A Liberdade Guiando o Povo” fecha o ciclo das quatro grandes telas de juventude (as outras são “Dante e Virgílio no Inferno”, “O Massacre de Quios” e “A Morte de Sardanápalo”), que, apesar de todas as polêmicas que possam ter suscitado entre os críticos, ou talvez por causa delas mesmo, fizeram Delacroix famoso aos trinta anos de idade. Passado e futuro encontram-se nesses quatro enormes trabalhos de inspiração patriótica ou literária: a execução e os detalhes são tradicionais; a composição e o desenho, renovadores.
Em 1842, entre as encomendas reais e as saudosas lembranças da África (à qual Delacroix chamava "Oriente"), um inesperado interlúdio surge em sua obra. Talvez por fadiga, talvez por querer distanciar-se um pouco do grandioso ou do exótico, pinta “A Educação da Virgem”, em que o tema sacro tão raro em Delacroix é tratado de forma a sugerir meditação concentrada e atenta, calma e harmonia.


Como se um momento de paz e serenidade ocupasse o espírito inquieto do artista. Mas é uma pausa breve. Mesmo quando o pintor retoma o universo religioso, com o “Cristo no Lago Genesaré”, a agitação novamente aparece: as luzes percorrendo os corpos movimentados, as ondas altas, o barco perigosamente inclinado exprimem uma turbulência que só é quebrada pelo sono tranquilo de Jesus, como a indicar que a fé é mais poderosa que a angústia da morte.

Delacroix é agora um homem de cinquenta anos. A fama e o reconhecimento oficial (em 1849 passa a fazer parte do júri do Salão) não lhe atenuam os sonhos e os conflitos íntimos, da mesma forma como a doença (a então incurável laringite tuberculosa) não lhe afeta a espantosa capacidade de trabalho, da mesma forma como a necessidade que experimenta de recolher-se mais e mais não sufoca o antigo desejo de viajar: em 1850 volta à Bélgica, onde revê seus tão queridos quadros de Rubens. Aproveita a ocasião e estendi seu roteiro até a Alemanha. Quando regressa, infatigável, começa a decoração do Museu do Louvre. Quando termina, lança-se à decoração do Salão da Paz, no Hotel di Ville. E escreve: cartas, artigos, um diário começado na juventude e interrompido de 1824 a 1847, apreciações críticas etc. E pinta seus delírios, suas lutas interiores, suas ansiedades. Em 1855, eles rebentam com “A Caça aos Leões”. Os tradicionalistas ficam chocados: "É um caos de tons!", exclamam. "Um absurdo tantos vermelhos, verdes, amarelos, violetas..." Baudelaire, o "poeta maldito", lhes responderá: "Jamais cores tão intensas penetraram até a alma pelo canal dos olhos". Três anos mais tarde, outro quadro, o mesmo título, as mesmas emoções, o mesmo conflito.
O "Rubens doente", "o homem do colete verde" - assim seus contemporâneos o chamavam - quase não abandona o estúdio na praça Fürstenberg. Trabalha o dia inteiro: "Que fazer no mundo, além de embebedar-se, quando chega o momento em que a realidade não está à altura do sonho?" Um dos raros amigos a quem Delacroix permite visitá-lo nota que o pintor vive ultra-agasalhado, embora o ambiente esteja tão aquecido "que até cobras poderiam ali viver felizes".

Nessa fornalha calafetada, trocada de tempos em tempo por uma estada na casa de campo em Champrosay, perto de Paris, tendo por companhia apenas sua governanta, o artista produz seus últimos trabalhos. Da lembrança do Oriente surgem “Cavalos Saindo do Mar” . Não é a pintura de um sexagenário. É uma alvorada de vigorosa juventude, a mesma juventude de espírito que o artista manteria até o fim. E o fim se deu a 13 de agosto de 1863. Delacroix tinha 65 anos.

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