BRECHT
1898-1956
I – AUTOR:
BRECHT, dramaturgo e poeta alemão. Nasceu num bairro operário, filho do diretor de uma fábrica de papel que nunca “fabricou papel, mas sim palavras para preencher papéis, palavras que serão armas contra sua própria classe.”
Brecht optou pela defesa do povo oprimido, tornando-se o mais expressivo poeta revolucionário do século 20.
Serviu na Primeira Guerra Mundial como enfermeiro, interrompendo seus estudos de medicina. Começou a carreira teatral em Munique, mudando em seguida para Berlim. Durante a Segunda Guerra exilou-se na Europa e nos EUA. Acusado de atividade antiamericana durante o macarthismo, voltou à Alemanha e fundou, em Berlim Oriental, o teatro “Berliner Ensemble”.
Em “O círculo de giz caucasiano”, “Galileu Galilei” ou “Os fuzis da senhora Carrar”, substituiu o realismo psicológico por textos didáticos, comprometidos com uma ideologia de esquerda. Afirmando que, em vez de hipnotizar o espectador, o teatro deveria despertá-lo para uma reflexão crítica, utilizou processos de "distanciamento", que rompiam a ilusão, lembrando ao público que aquilo é apenas teatro e não a vida real.
Brecht deixou uma rica produção artística, que inclui algumas das melhores peças teatrais de todos os tempos, encenadas e vistas por gerações e gerações de atores e espectadores do mundo inteiro, até hoje, em pleno domínio da cibernética e do ciberespaço.
Nenhum escritor do século XX influenciou tanto o teatro como teórico, dramaturgo e diretor como Brecht, que se ocupou principalmente da dimensão social e política dessa arte. Algumas de suas primeiras anotações, assim como suas primeiras obras já demonstram pistas da revolução que se seguirá. Quando todos achavam que o teatro alemão estava morrendo, que a tragédia era uma impossibilidade dos novos tempos e que o próprio drama já estava ultrapassado, Brecht nos brinda com sua força e seu gênio.
II – CARACTERÍSTICAS:
Brecht, militante socialista, aposta num teatro politizado.
A sua proposta é criar uma obra essencialmente educativa e de reflexão com o intuito de promover o aprendizado do coletivo através de questionamentos e intervenções ideológica, sociológica e histórica; além de derrubar as tradições tanto clássicas quanto naturalistas.
Suas peças tornaram-se alegorias dramáticas destinadas a discutir teses morais no sentido marxista, e arrancar o espectador de sua indolência de pensamento e consciência (teatro épico), da qual “Os fuzis da Senhora Carrar” é um belo exemplo.
Utilizou-se de “efeitos de estranhamento”, como recurso de formação intelectual do espectador através de perguntas diretas do palco para o público; frases fundamentais escritas em cartazes, como “Os pobres nasceram para apanhar” e “Quem com ferro fere, com ferro será ferido” e a desconstrução do espaço cênico com mudanças de cenário em cena aberta.
O dramaturgo elegeu distanciar-se do espaço real e criou uma peça com compromisso estético para evidenciar a ilusão teatral. Esse recurso dramático aproxima-o da modernidade, em que a transgressão e a pesquisa de linguagem mudaram a ordem natural das coisas. Daí sua teoria do teatro épico opor-se tão drasticamente às práticas do teatro dramático.
Brecht afirma que:
“Os esforços do ator convencional concentram-se tão completamente na produção do fenômeno psíquico da empatia, que se poderá dizer que nele, somente se descortina a finalidade principal da sua arte (...) a técnica que causa o efeito do distanciamento é diametralmente oposta à que visa á criação da empatia. A técnica de distanciamento impede o ator de produzir o efeito da empatia”.O espectador não necessitava ser um grande estudioso das causas sociais e filosóficas do seu tempo para compreender a obra brechtiana, pois, o autor desmascarava-a no palco, com sua auto-imagem projetada. Ainda que, evitava sua transparência, graças ao recurso do distanciamento narrativo, deixando claro que ele era apenas um artista que estava representando uma personagem e não a própria personagem. Entretanto, preocupava-se com a dimensão social do homem e com a criação de uma arte de infundir no público uma forte reação crítica. Dessa forma, propunha um debate com espectador alertando-o sobre a realidade de todos os dias, dramas, misérias, desesperos e frustrações de que se compõem mesmo o mais inocente de todos os públicos.
Para Bertold Brecht “o espectador de teatro é um crítico-social, ou seja, com um júri popular de um julgamento, cujas testemunhas são os atores, que, com sua voz impostada, tentam frisar as partes mais elucidativas de seus testemunhos, fazendo com que os jurados se apropriem desses testemunhos, não por empatia, mas por grande conveniência, por necessidade clara de buscar uma verdade.
A técnica da dúvida perante os acontecimentos usuais, óbvios, jamais postos em dúvida, foi cuidadosamente elaborada pela ciência, e não há motivos para que a arte não a adote, também, uma atitude tão profundamente útil como essa. Tal atitude adveio à ciência do crescimento da força produtiva da humanidade, tendo-se manifestado na arte extremamente pela mesma razão”, conclui Bertold Brecht.
A montagem de “Os fuzis da Senhora Carrar” é minimalista utilizando-se apenas do essencial: chão, janela e mesa, potencializando a tensão opressora do texto.
Há a participação de um coro, que interrompe aos gritos as falas dos atores que deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica do espectador.
Os atores contracenam-se com o rosto pintado de branco, resultando numa complexidade de emoções.
As luzes do palco de intenções realistas são atenuadas e fontes artificiais iluminam a primeira fila, onde está o resto do elenco.
III - TEMPO E ESPAÇO:
A peça foi escrita por Brecht em 1937, ambientada no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939 e retrata o conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas.
Esse período significou dez milhões de vidas, cinco anos de conflito, nações em crise econômica, política e social, desestabilização, famílias destruídas e um longo processo de reconstrução. Além de proibições, interdições e, principalmente, a urgência em reconquistar os ideais, os valores e a humanidade perdida com a guerra. Anos depois da ascensão de Hitler ao poder, em 1933, e da consolidação do regime nazista, Brecht exila-se em países europeus antinazistas e nos Estados Unidos.
A obra dramática é composta por um ato, com duração precisa: o tempo de assar um pão, que Teresa Carrar coloca no forno no início da peça e retira no final.
É estruturada de forma linear e cronológica e retrata a decisão trágica de uma mulher que diante de determinados acontecimentos não encontra outra alternativa para sobreviver, a não ser lutar.
IV – OBRA:
Considerada uma das obras mais famosas do autor, “Os fuzis da Senhora Carrar” é um clássico da dramaturgia mundial.
Trata da luta dos povos em defesa da democracia contra o fascismo.
Brecht foi profundamente influenciado pelas obras de Marx e Engels, bem como pelos grandes fatos da luta de classes na defesa da classe operária e dos povos oprimidos.
Sua proposta artística, seu ideário estético, seu teatro épico-didático é dirigido à conscientização das massas e ao despertar do povo, sempre reservando um olhar especial para a mulher.
A peça narra á trajetória de Tereza Carrar, mulher de quarenta anos de idade, que vive na região de Andaluzia, na Espanha.
Ela é viúva do soldado Carlos, morto por uma bala no pulmão em Olivedo durante o levante, lutando nas brigadas de autodefesa contra o exército de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Brecht explora o drama e as contradições vividas pela Senhora Carrar que procura conservar sua família longe da barbárie da guerra, abandona a resistência e assume os códigos morais da igreja.
Numa época de conflitos, permanecer neutro corresponde a aliar-se ao inimigo.
O autor, dessa maneira, promove uma discussão antagonizando ideais entre a neutralidade e o posicionamento político.
A base desta investigação de cunho dialógico está centralizada na personagem da Senhora Carrar e no processo de metamorfose pelo qual a personagem passa.
Angústias, conflitos pessoais e sofrimentos coletivos misturam-se, brigam, rivalizam personagens atordoados por essa guerra cruel.
A Senhora Carrar possui dois filhos: José, o mais novo, que na peça é chamado de Rapaz e Juan, o mais velho.
Ela teme que seu filhos se envolvam no combate revolucionário e sejam mortos em defesa dessa. Assim, por sua determinação, impede que seus filhos se alistem e partam para o campo de batalha.
A mãe protetora mantêm o filho José dentro de casa, enquanto vigia atentamente os movimentos do filho mais velho pescando, observando-o pela janela.
José queria ingressar na linha de frente com a resistência formada pelos republicanos, pessoas da esquerda contrários a ditadura.
Nesse momento instaura-se o conflito existencial da Senhora Carrar: de um lado, encontra-se a protagonista lutando contra a violência e pela proteção de seus filhos, por outro, a comunidade que a vê como traidora e insiste para que ela entregue seus filhos e os fuzis para a causa, vista como justa.
Juan contesta durante o decorrer da peça as atitudes de sua mãe e a situação se agrava com a chegada do tio irmão de Thereza, o Operário, de nome Pedro Jaqueiras.
Ele faz parte da resistência no setor de Málaga e para aumentar o poder de fogo da resistência dirige-se à casa dos Carrar em busca dos fuzis que pertenceram a Carlos e que a Senhora Carrar mantém escondidos debaixo do assoalho.
A guerra é visível e próxima. Pedro tenta convencê-la a dizer onde estão os fuzis que vem guardando há algum tempo.
Os diálogos da mãe com o filho; com o irmão operário; o diálogo do irmão com o padre; com a noiva do filho; com os vizinhos vão se acumulando e desvendando a situação do povo espanhol na guerra civil, despertando sua função de agente transformador social
Porém, a sua conscientização atingirá a integralidade quando recebe o cadáver de seu filho, assassinado enquanto pescava.
A Senhora Carrar, nesse momento, compreende o verdadeiro significado de neutralidade. Diante do corpo do filho, Teresa Carrar percebe que numa época de guerra e atrocidades, calar-se é concordar, por conseguinte, deve assumir a luta.
Entrega os fuzis, retira do forno o pão e parte para o front.
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Brecht baseia-se nos fatos históricos de sua época, ao mesmo tempo que analisa meticulosamente o caráter e a psicologia do ser humano desse período conturbado pela guerra, apresentando-o de forma determinista e lírica.
Embora, limita-se á um tempo e espaço, Brecht cria um drama universal, denunciando a opressão feminina, levando-o criar complexas personagens femininas em seu papel social decisivo, conscientes disso ou em processo de conscientização.
Em “Os fuzis da Senhora Carrar” não há herói nem anti-herói; existem vítimas da selvajaria da guerra.
Um comentário:
Mandou bem na postagem hein.....
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