terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A MULHER QUE PASSA, VINÍCIUS DE MORAES

Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.


Neste poema encontra-se ecos baudelaireanos (“Les Fleurs du mal” – simbolista), apresentando existência de uma intertextualidade com o poema “À une passante”.

Vinícius assume o papel de trovador e exalta de forma idealizada os aspectos físicos e a graça de uma passante.
No plano semântico, o poeta ao descrever a beleza da mulher que passa, explora o efeito conotativo da linguagem e potencia o sentido dos versos através de figuras de linguagem que se projetam na imaginação visual do leitor, despertando-lhe impressões sensoriais carregadas de intenso sensualismo.
A figura feminina surge como se fosse manifestação espontânea, transitória que aparentemente, despreocupada com a multidão e com o que acontece ao seu redor, tem à capacidade de transformar o ambiente pela sua simples presença e passagem.
Trata-se de uma mulher bela que tem seu corpo parcialmente exposto aos olhos do observador/poeta, trazendo consigo algo de sublime, uma vez que é colocada como um ser superior para onde convergem as formas elevadas da existência.
Após a descrição da “mulher que passa”, o solitário observador/poeta entra em transe, pois essa mulher atrai sua atenção e embora silenciosa faz-se entender por meio de seus gestos e comportamentos, tornando-se misteriosa para ele.
O poeta ignora o passado da mulher, assim como desconhece o seu presente, deixando visível esse aspecto de transitoriedade, ao mesmo tempo, não apreende mais do que sua beleza e presença.
A passante é fria e indiferente, ao mesmo tempo, faz com que o poeta sinta-se completo (“me sacia”) e aquece-o mesmo mantendo distância.
Sua passagem acontece rapidamente, como é sugerido pela pontuação do poema; entretanto, essa imagem é marcante para ele que dura o tempo de sua presença.
Ela estimula ao pecado, gerando sentimentos dualistas: por um lado, é elevada, sublimada e idealizada, mas “é tanto pura como devassa”, pois desperta no observador, desejos mundanos e carnais. Outro aspecto relevante é o fato dela estar “sempre perdida, nunca encontrada?” sugerindo a sensação de felicidade temporária ou amor em trânsito, temas que perpassam a poesia de Vinicius.
O título do poema já revela o tema da efemeridade, da transitoriedade e da representação do sentimento inacessível que é corroborado pela passagem e a entrega total, embora passageira, através da afirmação (mudança), negação (evolução) e conflito (transição).
O que resta ao poeta são as imagens que ele capta com a passagem da mulher e as sensações que lhe causam.

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