terça-feira, 5 de julho de 2011

FASES DO BARROCO MINEIRO

A trajetória evolutiva da pintura religiosa assinala os melhores trabalhos realizados no período. A princípio, a pintura resumia-se a painéis de madeira, emoldurados e afixados isoladamente nos tetos das igrejas. São os chamados caixotões pintados com cenas referentes ao santo de devoção ou mesmo a personalidades da irmandade ou ordem religiosa. Os elementos decorativos traziam frequentemente motivos chineses (chinesices) ou formas que reproduzem objetos da natureza, como grutas, penhascos, árvores, folhas e caracóis (grutescos).

Posteriormente a pintura extrapola esses limites e passa a ocupar todo o forro com grandes cenas ilusionistas em perspectiva. A partir da verdadeira cimalha do edifício, cria-se um efeito ilusório com o prolongamento da mesma através da pintura. Colunas e parapeitos em que se debruçam personagens como os doutores da Igreja circundam a cena central, rompendo ilusoriamente o espaço arquitetônico do templo. O espectador tem a impressão de estar assistindo a uma cena celestial, como se estivesse diante do próprio céu. O que interessa ao artista é criar a ilusão de ótica ou o efeito chamado “trompe l'oeil”, desenvolvido pelo padre italiano Andre Pozzo, que decorou o forro da Igreja de Santo Inácio, em Roma.
Manuel da Costa Ataíde foi o artista brasileiro que mais se aproximou do ilusionismo do Padre Pozzo, sobretudo com a pintura do forro da Igreja de São Francisco de Assis.
Em fins do século XVIII, artistas locais simplificam a trama arquitetônica em favor de um parapeito contínuo.
Esta evolução pode ser percebida em quase todos os templos da região que apresentam elementos ornamentais das três fases do Barroco Mineiro, entre o período de 1710 a 1760. São elas:

  • 1ª Fase: Nacional português;
  • 2ª Fase: D. João V ou Joanino;
  • 3ª Fase: Rococó, além da fase chamada neoclássica.

 1ª FASE DE 1710 e 1730: NACIONAL PORTUGUÊS

 Capela de Santana, Ouro Preto-MG.


As edificações da primeira fase, ligadas às devoções e confrarias livres, grande quantidade, foram construídas nos pontos mais altos das vilas e povoados. São pequenas capelas, porém bem assentadas ao chão, com uma cruz no vértice do frontão e uma torre ao lado ou no centro da fachada, como a capela de Santo Antonio, de Padre Faria, em Ouro Preto e N. S. do "O", em Sabará.
A Capela de Santana é uma das três que foram construídas no início da fundação de Ouro Preto. Está no ambiente pedregoso e de duro acesso do Morro da Queimada, em meio às ruínas das casas dos Paulistas. Ali, ergueu-se o primeiro arraial contemporâneo do Padre João Faria Fialho. Em 1720, por ocasião do incêndio ordenado pelo Conde de Assumar, ela já existia e até hoje se tem conservado, apesar do abandono a que foi relegada.
Construída em pedra do Cocar, tem corredores laterais à nave e campanário separado com telhado em pirâmide simples, frontispício de portada e duas janelas; vergas retas e enquadramentos de madeira; óculo acima da porta. Cobertura em duas águas e cruz na cumeeira. Altar-mor de tábuas lisas e o retábulo com duas colunas torsas (ou retorcidas) profusamente ornamentadas com motivos fitomorfos (folhas de acanto, cachos de uva, por exemplo) e zoomorfos (aves, geralmente um pelicano); coroamento formado por arcos concêntricos; revestimento em talha dourada e policromia em azul e vermelho.
Os altares laterais, de época posterior, já apresentam exemplares antigos das primeiras obras de talha, representativos da primeira época.

2ª FASE DE 1730 e 1760: D. JOÃO V OU JOANINO


Matriz de Nossa Senhora do Pilar em Ouro Preto-MG.


A Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto-MG é a expressão máxima de opulência e dramaticidade do Barroco Mineiro. Construída no segundo período do Barroco, chamado "Joanino", é exemplo de transição de época: fachada em estilo Neoclássico, enquanto seu interior mostra trabalhos em talha que transitam entre a primeira e a segunda fase do Barroco.
Considerada a segunda mais rica igreja em ouro do Brasil (450 quilos entre ouro e prata, embora essa quantia não é confirmada, pois muitos dos documentos sobre sua construção foram perdidos). Carregada de motivos ornamentais, com predominância de elementos escultóricos; coroamento com sanefas e falsos cortinados com anjos; revestimento com policromia em branco e dourado, exige um olhar apurado para uma infinidade de detalhes. Ela rivaliza em Minas Gerais, em douramento apenas com a Matriz de Santo Antonio, em Tiradentes.
A construção da Igreja do Pilar é de iniciativa de duas Irmandades de brancos ricos: a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora do Pilar, que decidiram reconstruir o mais antigo templo de Vila Rica dedicado à Virgem do Pilar, na mesma época em que ocorriam as obras da Matriz da Conceição, Ouro Preto-MG, de Antônio Dias.
Para que os fiéis não interrompessem suas práticas o Santíssimo Sacramento foi levado para a Capela do Rosário dos Pretos, atual igreja de Nossa Senhora do Rosário. Em 1733, com boa parte das obras concluídas, foi realizada a famosa festa do Triunfo Eucarístico para o translado do Santíssimo Sacramento ao seu local de origem.
Seu projeto é assinado pelo sargento-mor e engenheiro Pedro Gomes Chaves, no entanto, a autoria do mesmo não é comprovada. A pintura da matriz do Pilar é atribuída aos pintores João de Carvalhais e Bernardo Pires.
A Igreja Matriz do Pilar é de grande relevância nacional, não somente por toda a riqueza existente em sua obra, mas por abrigar o Museu de Arte Sacra, um dos mais completos arquivos documentais de Ouro Preto, que reúne artefatos religiosos, peças sacras, pratarias, vestimentas utilizadas em celebrações solenes de Vila Rica e registros importantes para a compreensão e estudo da história dos tempos áureos brasileiros.

DESCRIÇÃO DA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO PILAR

O processo de construção da Matriz foi uma tarefa difícil, até se conseguir, a harmonização entre interior e exterior. Todos os executores empenharam-se construir uma unidade plástica onde tudo se entrelaça, determinando espaços envolventes e contínuos por meio de paredes sinuosas, cimalhas ondulantes e de ornatos serpenteantes.
O dualismo arquitetônico é observado através do volume externo contrastado com o espaço interno da nave, visivelmente menor, instalado dentro da caixa de alvenaria.
Na entrada, observa-se a imponência das torres e a curiosa localização do templo, aparentemente no meio de uma via, posição em geral, pouco comum aos templos da cidade.
O teto, trabalho atribuído a João de Carvalhais, data de 1750 e possui 15 cenas bíblicas pintadas em caixotões, técnica de pintura de telas em relevo. O jogo de alto e baixo entre elas, cria uma vertiginosa sensação de profundidade.
A pintura do cordeiro ao centro chama atenção, pois dá ideia de movimento. Essa ilusão de ótica simboliza o triunfo de Cristo sobre a morte.
O ambiente interno é austero, carregado, não havendo espaço para o descanso da vista. O piso da nave, menor do que o teto cria uma peculiar sensação de amplitude ao observador em relação ao forro. Nos três planos de visão, piso, laterais e teto, o olhar é estimulado pelos jogos de volume, distância e cor. O desenho octogonal envolve sensorialmente o observador no centro de seis belos altares laterais:
No lado esquerdo de quem entra, encontra-se ao altar de Santo Antônio, que difere dos demais pela diversidade de elementos. Parte de sua estrutura primitiva remete a primeira fase do barroco, quando outros elementos são típicos da segunda fase.
O altar de N. S. do Rosário dos Pretos construído em meados de 1750, possui elementos semelhantes ao altar de Santana, tendo sido realizado talvez pelo mesmo entalhador ou pela mesma escola de artistas, além do altar de N. S. da Conceição, construído em meados dos anos 1740/50, apresentando profusão de detalhes e talha de autoria não identificada.

 
No lado direito, de quem entra, visualiza S. Miguel e Almas, em estilo Joanino concluído em 1741. A imagem expressiva de São Miguel pisando sobre um diabo negro é de 1714 e atualmente encontra-se num canto mais escondido para evitar conotações racistas; Santana, atribuído ao mestre Manoel de Brito, ou sua escola, provavelmente realizado em meados de 1750, possui elementos característicos do estilo joanino, semelhante aqueles encontrados no altar de N. S. do Rosário; Senhor dos Passos, talvez o mais antigo de todos, tendo sido realizado entre 1734 e 1735 pelo mestre Manoel de Brito com talha ricamente acabada e repleta de simbolismo eucarístico. A imagem do Senhor dos Passos é das mais belas imagens de Ouro Preto e sai anualmente na procissão da Sexta-feira Santa.

O Altar-mor é dedicado a Irmandade do Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora do Pilar. O desenho da capela-mor foi realizado por Antonio Francisco Pombal, mestre e tio de Aleijadinho e a talha realizada por Francisco Xavier de Brito. No meio da profusão de detalhes deve-se observar: os atlantes, figuras que suportam nas costas as colunas do altar; as colunas torsas (salomônicas) de composição retorcida que oferece movimento e graça a visão geral da obra; o magnífico trabalho de talha e douramento que impressiona pela quantidade e o sacrário, localizado ao centro da composição sobre uma bancada ricamente trabalhada, ostentando a imagem da ressurreição de Jesus.
Entre as centenas de rostos angelicais os dois querubins sobre o sacrário destacam-se pela delicadeza dos traços e pela impressão de serem feitos de ouro maciço.
No friso superior da capela-mor há ainda uma reprodução das virtudes cardeais representadas por um pilar, uma trombeta, um espelho e uma espada. O significado destas imagens, aparentemente pagãs ainda é controverso. Neste conjunto o espectador ainda encontrará as figuras simbólicas de uma cruz, uma âncora, algumas crianças e uma cobra.
Na pintura do teto que antecede a capela-mor, há uma bela representação da Santa Ceia.
O arco do cruzeiro decorado com riquíssimo trabalho de talha representa flores numa diversidade que não se repete.
A pintura parietal da capela-mor composta por painéis realizados pelo pintor Bernardo Pires representando as estações do ano datam de 1774 e são uma das primeiras manifestações do gosto rococó na região.
Na sacristia encontra-se um pequeno museu com paramentos diversos e mobiliários antigos em perfeito estado de conservação.

3ª FASE DE 1760 a 1840: RETÁBULO ROCOCÓ OU ESTILO D. JOSÉ I

A terceira fase do Barroco Mineiro possui um caráter bem diversificado a partir da escolha dos materiais de construção até o resultado final. Dessa forma, o estilo adotado é bastante heterogêneo entre as várias igrejas da região, com representações naturalistas e até sensuais, introduzido, segundo alguns autores, por Francisco Xavier de Brito a partir de modelos portugueses.
Com a gradativa extinção do ouro, e com os acontecimentos políticos que culminaram com a Inconfidência Mineira, truncou-se o processo de evolução artística de Minas Gerais. Acrescida de outra novidade artística: o Neoclássico, trazido pela Corte, que fugia de Napoleão.
A arte em Minas, assim, assumiu um aspecto profundamente original e chegou a uma intensidade expressiva de alto nível, transcendendo os limites de adorno com a obra de Aleijadinho, mestre mineiro, que encontrou numerosas soluções, já encaminhadas por um grupo de valentes entalhadores, responsáveis por uma linguagem amadurecida e peculiar, com características próprias já determinadas.
As capelas passaram apresentar uma só torre de um lado da fachada, a exemplo de Carmo, Rosário e São Francisco. Prevalece o gosto Rococó pela profusão de rocalhas, guirlandas, flores, laços, conchas e suavização das cores; possui revestimento com fundos em branco e douramentos nas partes principais da sua decoração; colunas clássicas imitando o mármore; quebra de ângulos retos com ornatos e presença do dossel coroando os nichos.
A Igreja de São Francisco de Assis, Ouro Preto-MG é considerada uma das obras-primas do barroco mineiro, além de ser uma das maiores realizações do Aleijadinho (1730 - 1814).


 Igreja de São Francisco de Assis é uma das raras construções em que o projeto, a obra escultórica e a talha são de autoria de um mesmo artista, o que confere grande unidade e harmonia ao conjunto. Não há descompassos entre arquitetura e ornamentação. Mesmo a pintura e o douramento do forro, retábulos e laterais, sob a responsabilidade de Manoel da Costa Athaide (1762 - 1830), encontram-se em perfeita sintonia com o conjunto.

A encomenda do risco para a igreja, feita ao então jovem escultor, arquiteto e entalhador, se efetiva em 1766, logo após a morte do pai do artista, importante arquiteto e mestre de obras local. O Aleijadinho altera o plano primeiro da igreja, arredondando-lhe as torres e elaborando novo frontispício e ornamentos para as fachadas, que se enriquecem em graça e detalhes pela maestria com que maneja a arte do cinzel.

Altar lateral


O conjunto da Igreja de São Francisco de Assis, com suas proporções reduzidas, arquitetura e decoração, constitui um exemplo bem acabado dos contornos que o Rococó europeu adquire entre nós, podendo ser descrito como uma sequência integrada de três volumes: nave, capela-mor e sacristia, de proporções harmônicas e ornamentação sóbria.
A decoração, com anjos, elementos vegetais, fitas, guirlandas e entrelaçados em madeira e pedra-sabão conferem movimento e dinamismo à obra. A planta da igreja mostra um espaço modelado por superfícies convexas, em que as torres cilíndricas, recuadas, conectam de modo sutil o frontispício e o corpo da igreja. A elevação principal é outro elemento a dotar de leveza o conjunto, que parece menor do que efetivamente é. A solução de recuar as torres que são deslocadas do plano da fachada a partir de uma espécie de movimento em rotação, dá destaque ao frontispício.
Na composição deste, a portada ocupa lugar central, dominando a superfície entre as duas janelas do coro. O medalhão, no alto, permite aferir a mão precisa do entalhador.
No interior da igreja, a luz difusa é filtrada pelas janelas laterais. As quatro janelas do coro, por sua vez, jogam a luz em direção ao teto da nave central, pintado por Athaide. Os púlpitos são instalados no arco-cruzeiro, na passagem da nave para a capela, o que promove uma perfeita articulação dos espaços. Em pedra-sabão, os púlpitos dialogam com as talhas.
A talha do retábulo se articula às existentes nos quatro cantos do forro, com medalhões ao centro, em que figuram os santos da ordem em semi-relevo. No retábulo e em suas duas colunas laterais, o ouro sobre o fundo palha, ameniza os contrastes.
A Santíssima Trindade do retábulo, com a virgem ao centro, mostra-se uma peça de grande valor escultórico. Nela destacam-se a ênfase nas expressões faciais das figuras e os efeitos dos olhos, característicos das esculturas do Aleijadinho. O motivo da lua crescente com as pontas voltadas para baixo, que arremata a peça, repete-se no forro de Athaide, acentuando o diálogo entre escultura e pintura.
As portadas, púlpitos e lavatórios da Igreja de São Francisco de Assis são considerados obras maiores da escultura em pedra sabão.
Germain Bazin, referindo-se ao retábulo e ao conjunto da capela-mor da igreja, declara ser surpreendente que "a realização mais perfeita desse rococó português aconteça no Brasil, e não na metrópole, e que seja devida a um mestiço".

ESTILO NEOGÓTICO DO CARAÇA:

O gosto neogótico ou a volta à estética gótica medieval é um fenômeno europeu que se instala no Brasil com certa lentidão e com quase cem anos de diferença. Para reagir ao racionalismo clássico implantado com o Iluminismo e com a Revolução Francesa, o Romantismo apelou para os valores medievais e adotou o estilo Gótico como preferência estética. Ao invés da horizontalidade e do geometrismo clássico, os românticos preferem, como Viollet-le-Duc a verticalidade e a elevação espiritual sugerida pelas catedrais góticas. Desta forma, o Colégio do Caraça, do começo do século XIX, juntamente com os mineiros, foge da "urbis" e se instala nos penhascos da serra, apontando para o infinito, indicando verticalidade, como as montanhas de Catas Altas.
Pode-se afirmar que o Padre Júlio Clavelin, arquiteto que possivelmente trabalhou na reforma do Caraça, criou uma escola que negasse o estilo Barroco e o Iluminismo, gerando o Ecletismo que se espalha pelo ampliado território de Minas.


O Irmão Lourenço, fundador do Santuário do Caraça, por Manuel da Costa Ataíde.

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