segunda-feira, 4 de julho de 2011

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, O ALEIJADINHO

Reconhecido como o artista brasileiro mais importante da época colonial, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em razão de uma doença degenerativa que o acometeu por volta dos 50 anos de idade, é também aquele que suscita o maior número de pesquisas e de publicações na bibliografia da História da Arte brasileira.

Filho do arquiteto português Manuel Francisco da Costa Lisboa e de uma escrava africana de nome Isabel, o mulato Antônio Francisco Lisboa nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto. A data precisa de seu nascimento é um item de sua biografia a ser elucidado. Existe, no entanto, indicação, em um hipotético documento de batismo, da data de 29 de outubro de 1730, a qual não coincide com as indicações do seu Atestado de Óbito conservado nos arquivos da Paróquia Antônio Dias, em Ouro Preto. Com efeito, segundo este último documento, Antônio Francisco Lisboa, "mulato, celibatário, de 66 anos", faleceu em 18 de novembro de 1814, o que ultrapassa em, aproximadamente, oito anos a data mencionada na certidão de nascimento.
A mesma incerteza paira sobre sua formação. Informa-se que, provavelmente, ele não tinha outro ensinamento que as primeiras letras e, talvez, algo de Latim.
Pode-se dizer que Antônio Francisco Lisboa foi um discípulo informal da escola viva de Ouro Preto, e a gravura foi seu grande mestre mudo. Assim se explicariam tantas influências de origem diversas, presentes em sua obra. Sem ter saído da Capitânia de Minas Gerais senão uma vez, para ir ao Rio de Janeiro, o Aleijadinho conheceu o mundo através de textos e ilustrações, que lhe tocaram a sensibilidade.
O pai lhe transmitiu a veia artística, de gosto barroco; a influência africana da mãe foi, talvez, responsável pela tendência à escultura, de índole discretamente expressionista; e a alforria, recebida por ocasião do batismo, incutiu-lhe o sentido da libertação.
A Vila Rica de Aleijadinho era marcada por uma religiosidade aguçada e o artista conseguiu passar para suas obras toda a vibração típica dos grandes artistas, tornando-as cheias de vida, "donas" de olhar e gestos, e capazes de transmitir todos os sentimentos e anseios do mestre no ato da criação.
Era de cor parda escura, possuía voz forte, fala arrebatada e temperamento agastado e apesar dos preconceitos em relação aos artistas e mestiços, o Aleijadinho desfrutou de celebridade ainda em vida.
Antes de ficar doente, em 1777, teve um filho, ao qual deu o nome do seu pai. Dessa época até sua morte em 1814, doenças atacaram-no de forma terrível.
Antônio Francisco Lisboa beirava os cinquenta anos de idade quando sobre ele se abateu uma doença devastadora. No princípio dizia-se que foi a zamparina ou humor gálico que lhe consumiu os dedos e no fim atingiu sua visão. Há quem afirme que ele ingeriu uma droga estimulante dos seus trabalhos. Impossibilitado de andar, era carregado por escravos; sabe-se também, que era obrigado a trabalhar com o cinzel amarrado no que lhe restava das mãos; usava sempre trajes fechados e só saía à noite ou de madrugada, para não ser visto.
A importância de conhecer a natureza exata de sua enfermidade reside em possíveis implicações das condições nas quais produziu suas obras.
Aleijadinho, que contava com auxiliares para a execução e divisão do trabalho, fez alguns discípulos diretos e outros indiretos, que em maior ou menor grau derivaram dele seu estilo. Entre eles estão seu meio-irmão o padre Félix Antônio Lisboa, e talvez cinco autores apelidados por enquanto apenas com topônimos: Mestre São Evangelista de Tiradentes, Mestre Piranga, Mestre Cajuru, Mestre Sabará e Mestre Barão de Cocais, cujas obras estão sendo recentemente rastreadas a partir do estilo, embora os seus nomes e vidas ainda permaneçam uma incógnita. O conhecimento dos ofícios era, inclusive, passado de mestre para aprendiz ou auxiliar e de pais para filhos.

PRINCIPAIS OBRAS DE ALEIJADINHO:

A sua produção artística está localizada basicamente, nas cidades mineiras de Sabará, Tiradentes, Ouro Preto, Congonhas e Cachoeira do Campo.
Sua obra pode ser dividida em duas partes, tal qual sua vida: a primeira fase baseada no estilo rococó, um trabalho que traduz uma existência saudável. A segunda, sofrida e séria, retrata toda a dor de sua doença, como expressa os Profetas de Congonhas, que pela acentuada carga expressionista só poderiam ter por autor alguém que, de certa forma, passou grande parte da vida entre o céu e o inferno.
O elenco das principais obras do Aleijadinho abre-se com os altares de madeira entalhada dedicados a Santo Antônio e a São Francisco de Paula, executados em 1760 para a Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Caeté; em 1761, a Fonte do Padre Faria do Alto da Cruz, em Ouro Preto, considerada sua primeira obra esculpida em pedra sabão. Em 1763 o artista participou da realização do projeto do frontispício e da implantação das torres da Matriz de São João Batista; em 1766 fez o risco da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto (considerada por alguns estudiosos sua obra-prima, pela síntese unitária conseguida entre o externo e o interno), um dos monumentos religiosos mais expressivos de Minas.
Se na arquitetura Aleijadinho foi um renovador, criador de partidos de igrejas singulares, tanto na concepção das plantas quanto nas fachadas principais e laterais, a sua obra de escultura é o resultado de influências múltiplas: o estilo Barroco coexiste com traços do Gótico, acentos Expressionistas e resíduos Renascentistas. O grande artista de Ouro Preto não se deixou limitar por regras e expressou livremente sua genialidade plástica.
Entre 1769 e 1771 executou as esculturas em pedra-sabão no frontispício e na porta da Igreja da Ordem Terceira do Carmo e as imagens de São João Batista e São Simão Stock, em Sabará. Nos anos seguintes, entre 1771 e 1794, trabalhou em sua cidade natal, realizando a decoração para as Igrejas Nossa Senhora das Mercês e Perdões e Nossa Senhora do Pilar; em 1772 desenhou o risco do retábulo da capela-mor da Igreja da Confraria dos Negros de São José; em 1778, esculpiu em pedra-sabão a imagem de São Miguel para a fachada da Igreja São Miguel e Almas entre muitas outras preciosidades.
A afirmação de Aleijadinho como escultor está relacionada principalmente, nas obras criadas pelo artista no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.
Num percurso de apenas duzentos metros em linha reta, na modesta cidade de Congonhas do Campo, entre as montanhas de Minas Gerais, a milhares de quilômetros dos grandes centros mundiais da civilização ocidental, acham-se concentradas 78 esculturas executadas entre 17896 e 1799, que compõem o mais esplêndido conjunto de arte barroca do mundo: são as 66 imagens no cedro dos “Passos da Paixão” e os “Profetas” na pedra-sabão. Entre elas contam-se no mínimo, 40 peças consideradas obras-primas.
Esta grandiosa obra consiste em cenas dos Passos, guardadas em pequenas capelas na encosta, à frente da Igreja representam: a “Ceia”, “Horto das Oliveiras”, “Flagelação” e “Coroação de Espinhos”, “Prisão de Cristo”, “Caminho para o Calvário” e “Crucificação”.

 
As imagens esculpidas refletem as características do material; têm algo de primitivo, atingindo por vezes o expressionismo e até o caricatural, sobretudo nas personagens cruéis. Os doze profetas, distribuídos desde a escadaria até a planura do adro, foram esculpidos em pedra-sabão entre 1800 e 1805.

Apesar de o material usado possibilitar modelado naturalista, as expressões das figuras têm tanta força que ultrapassam os traços humanos: imprecam, testemunham, protestem, possuem vida própria como se falassem ao céu.
Todas as peças são em tamanho próximo ao natural, em cedro. A maioria é constituída de um único bloco, com exceção das mãos, que são móveis.
Oséias, cujo nome é abreviatura de “Iavé Salvador”, ocupa no Santuário, lugar sobre o pedestal que arremata o parapeito de entrada no adro. Oséias viveu em Israel no século VII A.C..
Na extrema direita do adro, ocupando o ponto superior do arco que une os muros externo dianteiro e lateral, encontra-se a estátua de Naum. Viveu no século VII A.C..
Ocupando posição de destaque na entrada da escadaria, encontra-se o Profeta Jeremias, famoso pelas suas previsões da ruína iminente de Jerusalém. Viveu entre os anos 627 e 585 A.C..
A estátua do Profeta Joel ocupa seu lugar no adro na quina de encontro do parapeito de entrada do adro a da parede interna lateral. O Profeta, um dos mais antigos de que se conservam escritos, viveu no século VIII A.C.. Seu nome significa “Iavé é Deus”.
No pedestal que arremata o muro de alinhamento central do adro, encontra-se Ezequiel, o terceiro dos grandes Profetas. Ezequiel concentrou em suas profecias grande número de visões apocalípticas, fortemente influenciadas pela mitologia babilônica.
A estátua do Profeta Jonas está de encontro dos muros que formam o parapeito de entrada do adro à esquerda.
O mais importante Profeta do Antigo Testamento, Isaías, abre a série de honra na entrada da escadaria do lado esquerdo do Santuário.

 
A Capela do “Passo da Ceia” é a mais antiga construída durante a estada de Aleijadinho, em Congonhas. Do ponto de vista arquitetônico, esta Capela supera todas as outras em qualidade de execução e perfeição de acabamento. Situada na parte inferior da rampa ascendente ao Santuário do Bom Jesus, inaugura, do ponto de vista iconográfico, a série de estações da Via Crucis de Congonhas.

As imagens do “Passo da Ceia” são um autêntico drama teatral, conforme a tradição barroca. Às palavras acusadoras de Cristo: "Em verdade vos digo, um de vós me há de entregar", os apóstolos completamente transtornados voltam-se bruscamente para Ele e, reagindo cada qual, conforme seus temperamentos manifestam-se e protestam com largos gestos de mão e de todo o corpo.
O “Passo do Horto” revela uma parcial reformulação em seu estilo arquitetônico. São visíveis as modificações, a começar das balaustradas em pedra-sabão que prolongam a cimalha, envolvendo a cúpula numa espécie de cercado.
Como resultado de todas essas modificações, temos uma capela de volume arquitetônico nitidamente inferior ao da primeira Capela. As imagens de excelente execução e perfeito acabamento formam um conjunto extremamente harmônico.
A Capela representa o tema da “Agonia no Jardim das Oliveiras”, marco inicial da Paixão relatada pelos evangelistas Lucas, Marcos e Mateus.
A fonte de inspiração para a concepção geral da cena se baseia em um texto de Lucas, o que se evidencia tanto pela presença do Anjo, mencionado apenas por esse evangelista, como também pela atitude de Cristo de joelhos, braços abertos em gesto de súplica ardente, a fronte porejada de gotas de sangue.
A Capela que abriga os “Passos da Flagelação” e da “Coroação de Espinhos”, bem como as dos demais Passos e só começaram a ser construídas cerca de 50 anos após a edificação das capelas do “Horto” e da “Prisão”. Essa capela abriga dois Passos em decorrência da decisão de se construírem apenas seis capelas e não sete como fora projetado originalmente. Essa decisão acarretou o congestionamento desse Passo, devido às suas pequenas dimensões. No interior da capela as duas cenas são separadas uma da outra por uma barra de madeira.
O “Cristo da Flagelação” está representado de pé, com as mãos atadas por uma corda que as prende ao anel da coluna baixa colocada à sua frente. O Cristo, de Aleijadinho, embora atado à coluna baixa, mantém-se ereto e firme, como os Cristos medievais, suportando com altivez e nobreza o suplício da Flagelação.
Já defrontando a esplanada que antecede a escadaria monumental do templo, encontra-se a penúltima capela, que abriga o “Passo da Subida do Calvário”, também conhecido como “Passo da Cruz-às-Costas”.
Construída entre 1867 e 1875 a Capela se diferencia das demais na extrema simplificação da cartela acima da porta.
Aleijadinho escolheu, para ilustrar o Caminho de Cristo para o Calvário, o episódio do "Encontro com as Filhas de Jerusalém", relatado por São Lucas.
A figura do arauto tocando a trombeta, a do soldado e a posição de marcha da maioria das imagens indicam claramente que a composição geral da cena está centrada na ideia de um cortejo. O tema se adapta mal às reduzidas dimensões da capela e a ideia inicial é, por isto, substituída por outra, dando uma visão de concentração das personagens. A solução encontrada consistiu em retratar um breve momento de pausa na marcha para o Calvário. Cristo se volta para falar a duas mulheres que o seguem em prantos. Uma delas faz menção de enxugar suas lágrimas, enquanto a outra segura nos braços uma criança.
O “Passo da Crucificação” abriga-se na última das seis capelas, já bem próximo da rampa de acesso às escadarias de acesso ao Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em cujo adro, encontram-se as doze majestosas estátuas dos Profetas.
As onze imagens que compõem o grupo da Crucificação, ao contrário do que se verifica nos outros Passos, não se acham subordinadas a um único foco de interesse. A composição é dividida em três partes distintas. A zona central, onde se passa a ação principal, é ocupada pela figura de Cristo, de dois carrascos que o pregam na cruz estendida em posição horizontal e de Madalena, que, de joelhos, lança seu olhar para o alto em desesperada súplica. Na segunda cena, dois soldados disputam, num jogo de dados, a túnica do condenado. No terceiro foco de atenção, aparecem ao lado direito de Cristo, o mau e o bom ladrão, esperando, com as mãos atadas, o momento de serem também crucificados.
Terminada e execução das imagens dos Passos da Paixão, Aleijadinho e seu "atelier" iniciam as obras no adro do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. O magnífico conjunto estatuário foi totalmente executado em menos de cinco anos. Mesmo muito debilitado pela doença que o consumia e utilizando largamente o trabalho do seu "atelier", Aleijadinho deixou em Congonhas, nas imagens dos Profetas, a marca do seu gênio.
Esta marca se percebe antes mesmo de uma análise mais detalhada dos 12 profetas. Ela é visível na magnífica integração das estátuas ao suporte arquitetônico constituído pelo adro, com suas escadarias em terraços e imponentes muros de arrimo. Os blocos verticais de pedra parecem brotar espontaneamente dos parapeitos que arrematam a parte superior dos muros, contrapondo a linha horizontal dominante, modulações rítmicas de poderosa força expressiva.

 
As atitudes e os gestos individuais de cada uma das estátuas são simetricamente ordenados com relação ao eixo da composição. As correspondências não se fazem de forma geométrica, mas por oposições e compensações de acordo com a lei rítmica do barroco. Um gesto de aparência aleatória, quando visto isoladamente como ampla flexão do braço direito do profeta Ezequiel, adquire extraordinária força expressiva quando relacionado com seu prolongamento natural, constituído pelo braço esquerdo de Habacuc.

Nenhum comentário: