quinta-feira, 7 de julho de 2011

CASA DOS CONTOS, OURO PRETO-MG


“Preservar a memória econômico-fiscal do Ciclo do Ouro, a arquitetura barroca e promover as artes e a cultura nacional.”


INTRODUÇÃO:

“Nesta Casa dos Contos não me encanta recontar os passos de uma história fiscal, de uma peripécia fazendária marcada pelo cotidiano rigoroso dos lançamentos e arrecadações. Eu me coloco antes na perspectiva da primeira destinação com que a concebeu seu próprio construtor, o contratador João Rodrigues de Macedo – menos homem de negócios que homem de sensibilidade, capaz de sacrificar os acrescentamentos do cofre do desfrute do conforto e da beleza. “Grosso rendeiro”, chamou-o Gonzaga das “Cartas Chilenas”, mas grosso sem dúvida pelo volume dos contratos que administrava, porque bem finos eram seus gostos e requintes. Pouco sei, pouco sabemos, por documentos escritos, da personalidade desse homem que excedeu o condicionamento de seu tempo e logrou erguer, em plena decadência da mineração, um edifício que ficaria, pela grandeza arquitetônica, como insólita e tardia metáfora de uma sociedade já despojada de seu fastígio econômico. Mas esta Casa é a melhor e exata biografia de quem a construiu, de quem a idealizou talvez pedra por pedra e esteve atento a cada detalhe da estrutura, do arremate, da decoração. Da obra – há documentos – com entusiasmo aos amigos, e um deles, homem da mesma compleição visionária – o poeta e minerador Alvarenga Peixoto -, lhe confessava em carta que ansiava por ver esta casa concluída. Compreensível ansiedade de quem podia avaliar no projeto do amigo mais do que um simples sentido utilitário da edificação, porquanto haveria ela de suscitar-lhe impressão superior pelo lance criativo da arquitetura. Eu me imagino uma sombra insinuada na roda dos letrados e poetas de Vila Rica e escuto, na recepção que o contratador oferece na sala nobre da Casa recém-concluída, conversas que vão desde comentários do último livro francês lido por um deles à opinião sobre a elegância dos ornamentos e o enquadramento ambiental da pintura do teto. Eu percebo o brilho expressivo do olhar de Macedo a cada observação sobre a Casa e percebo também que alguém da roda censura secreta e intimamente a loucura dos gastos do contratador, endividado e insolvente. Sou tentado a chamá-lo a um das sacadas e adverti-lo do perigo da próxima penhora, mas me detenho comovido à distância de dois séculos e, deixando-o sonhar seu sonho senhorial, retorno à realidade de minha ficha de pesquisador.
É essa ficha que me induz a considerar a Casa de Macedo num quadro mais amplo de construções que dão à exaurida Vila do Ouro o alento derradeiro e confortador.
Da talha exuberante da Pilar do Triunfo Eucarístico, do Palácio fortificado dos governadores contavam-se já quase inteiros 50 anos e à lição pioneira dos Pombais, Xavieres de Brito, Alpoins e Manuéis Franciscos sucedia em Minas uma nova escola na arquitetura e na ornamentação. Entre 1770 e 1800 iniciam-se, têm sequência ou concluem-se em Vila Rica obras do porte da Carmo e da São Francisco de Assis, nas edificações religiosas, desta Casa do Contrato e da Casa da Câmara e Cadeia, nas edificações civis.
Enquanto o Aleijadinho dá o toque de gênio na concepção global da São Francisco de Assis, o arquiteto da Casa dos Contos, Calheiros, Arouca ou quem o foi de fato e de talento, apura nas linhas sinuosas dos cunhais e no partido harmonioso de todo o edifício o mesmo ritmo de linguagem arquitetônica amadurecida e autônoma. Mas por trás da vitória inventiva do arquiteto, eu sinto, nós sentimos a vontade realizadora de Macedo, fascinado pela dimensão e beleza da obra, superando óbice por óbice na firma decisão de concluí-la.
Para quem enfrentara já a adversidade natural do terreno, corrigindo parte de um morro, erguendo muros de arrimo e abrindo nos porões arcadas para a passagem de águas, é certo que soassem em vão as insinuações dos deputados da Junta da Real Fazenda, as advertências do Senado da Câmara, os protestos ressentidos de outros moradores. Só a obra importava para Macedo e ela afinal se concluiu, à sua feição, porém para um júbilo pessoal que pouco duraria. Vem de imediato a requisição do prédio pelo Visconde de Barbacena para as diligências de devassa da Inconfidência. Não muito depois a fatalidade da penhora, a adjudicação ao patrimônio do Real Erário. E a minha ficha de pesquisador encaminha seus dados para uma convenção de tradição que eu me recuso aceitar em lucidez de fantasia. E eu reencontro Macedo no pórtico solene da sua Casa e, transpostos os lanços do saguão lajeado, galgamos a escada monumental e ali já nem sei se somos dois ou três, pois eu percebo a meu lado a sombra gloriosa de Cláudio, já sem nenhum labéu de violência ou fraqueza. E eu nem distingo que tempo barroco é esse em que ressimulo o poeta, nas vertentes douradas dos 40 anos, a reconstituir em paixão, entre papéis que podem ser velhos códices ou modernas listagens de computador, os fundamentos históricos de Vila Rica.”

Affonso Ávila (Texto distribuído pelo Ministério da Fazenda, na implantação do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, na Casa dos Contos de Ouro Preto, em 06 de fevereiro de 1974)

II – CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL:

A utilização da denominação Casa dos Contos caiu em desuso na Corte com o “Regimento do Erário Régio”, baixado pelo Marquês de Pombal em 1772, no qual se declarava extinta a “Casa dos Contos” da Corte. Na Colônia, ela permaneceu em uso ainda por bom tempo, sempre dando nome á casa ou repartição das contas ou da contabilidade pública.
A arrecadação das rendas reais em Minas teve início em 1696, mo então Sertão dos Cataguazes. Em 1715, ano em que foi criado o cargo de Procurador da Real Fazenda para o Distrito das Minas Gerais, instala-se inicialmente na Vila do Carmo, atual Mariana, erigida em capital do Distrito.
Verificada a inviabilidade de manter-se ali a Procuradoria, foi ela transferida para a Vila Rica, situando-se no local onde em 1740 se construiu o Palácio dos Governadores, na Praça de Santa Quitéria. Terminada a construção deste, aproveitou-se o torreão de trás, lado da Rua Nova da Paz, para a instalação da casa de Fundição, ao mesmo passo que a “Casa dos Contos”, ou seja, a Provedoria da Real Fazenda ocupava as dependências do Palácio.
Em 1782, convertida em Junta da Administração da Real Fazenda, esta alugou ao Dr. Manoel Manso da Costa Reis o sobrado que este possuía no início da Rua São José, junto ao Largo, para sede da Administração Fazendária. Mais tarde, a Junta e Intendência passariam para um dos mais amplos, belos e suntuosos monumentos do Barroco mineiro, na Rua José, n° 12, entre a Praça e a Ponte dos Contos, em Ouro Preto, MG, cidade elevada a Monumento Mundial no ano de 1980.
Originalmente, de 1782 a 1784, foi construído para residência e Casa dos Contratos do arrematante da Arrecadação Tributária das Entradas e Dízimos, João Rodrigues de Macedo, uma das maiores fortunas da Colônia no século XVIII e, certamente, eminência oculta da Inconfidência Mineira, tendo sido, inclusive, o seu caixa – Vicente Vieira da Motta – um dos conjurados condenados e deportados para a África,
No prédio, o próprio Tiradentes teria se reunido com outros Inconfidentes.
Durante a repressão à Inconfidência Mineira, o edifício aquartelou tropas do vice-rei, além de servir de prisão nobre para conjurados dos mais elevados títulos sociais, como o cônego Luís Vieira da Silva, o Dr. José Álvares Maciel, o Padre Rolim e o Dr. Cláudio Manuel da Costa, tendo este morrido tragicamente na cela, na madrugada de 4 de julho de 1789.
Em 1792, encontrando-se Macedo em grande débito com a Real Fazenda, iniciou-se a transferência, para o casarão, e mediante aluguel, da sede da administração e contabilidade pública da Capitania de Minas Gerais, a denominada Casa dos Contos, daí a permanência até nossos dias do nome que representa, em uma de suas acepções, o monumental prédio de Vila Rica.
Sobreveio em 1803 o sequestro definitivo do imóvel, devido à inadimplência do contratador para com a Real Fazenda. Nesta época, a “Casa dos Contos” foi avaliada em 52 contos de réis, quantia que não se encontrava em todas Minas Gerais quem pudesse pagar para adquiri-la, preço equivalente na época a 125 Kg de ouro ao toque de 22 quilates.


Entre 1820 e 1821 foi construído o prolongamento do lado direito da edificação e, em 1844, o acréscimo do lado esquerdo, aquele para abrigar, junto aos Contos, a Casa de Fundição do Ouro e da Moeda, e este para permitir o funcionamento da Secretaria da Fazenda da Província de Minas no mesmo local já ocupado pelo Tesouro Nacional.

Com a transferência da Capital de Minas Gerais para Belo Horizonte, em 1897, caracterizando um enorme período de tempo em que o prédio foi submetido a vários acréscimos, intervenções, alterações e descaracterizações, o imóvel passou a ser ocupado simultaneamente pelos Correios e pela Caixa Econômica, nas áreas antes destinadas às repartições fazendárias. Em 1970 a Prefeitura Municipal ocupou o prédio.
Finalmente, em 1973, o Ministério da Fazenda retoma o imóvel, adapta-o e ali inaugura o Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, numa experiência pioneira de levantar, em microfilmes catalogados, também por computadores do SERPRO-Serviço Federal de Processamento de Dados, toda a histórica documentação econômico-fiscal do Ciclo do Ouro - o chamado Arquivo Casa dos Contos - disseminada entre o Arquivo Público Mineiro, o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional.
A investigação profunda desse acervo, que remonta às origens da identidade brasileira, permite uma valiosa contribuição às ciências sociopolíticas, abrangendo todo um ciclo – o Ciclo do Ouro – da maior importância para o país. Repartição fazendária desde antes de seu sequestro, não poderia ter a Casa dos Contos outro destino que não o de repositório da memória econômica-fiscal, além da presença, também no prédio, da Agência da Receita Federal que perpetua sua função, não lhe restando apenas o destino de museu.

 
O projeto do Ceco, elaborado em 1973, cuidou da microfilmagem e catalogação da coleção “Casa dos Contos”, depositada no Arquivo Público Mineiro.

A consequente catalogação, compreendeu duas fases distintas:
1. Série Códices, com 926 volumes, em sua quase totalidade livros de contabilidade pública, de registro de provisões, ordens, patentes ou copiadores de correspondências e comprovantes, tendo seu catálogo, como indicações, o número códice na classificação do Arquivo Público mineiro; o título de códice; as datas de abertura e encerramento do códice, com indicações de quem as fez; a quantidade de folhas numeradas, rubricadas e utilizadas; o período compreendido pela utilização e o número do rolo do microfilme;

2. Série “Avulsos” com cerca de 14.000 autos processuais, que cuja catalogação, foi elaborada por computador, mediante colaboração do SERPRO, empresa pública pertencente ao Ministério da Fazenda, gerando listagens de entrada, para obtenção inicial de dados que levam a outra listagem, onde se obtém um sumário do documento.
Em 2004, o Ministério da Fazenda iniciou um grande projeto de revitalização do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro e, consequentemente, da própria Casa dos Contos.

CARACTERÍSTICAS E PRINCIPAIS OBSERVAÇÕES:


A “Casa dos Contos” é um exemplar notável do Barroco Mineiro, jóia da arquitetura civil setecentista, cenário de uma das páginas mais heróicas da história brasileira – a Inconfidência Mineira, símbolo maior de resistência e bravura de um Brasil que enfrentou sua condição de colônia para afirmar a justiça e a liberdade.


1. O arco abatido da entrada, em madeira imitando pedra, os suportes para tochas e roldanas para lampião;

2. A escadaria monumental, toda em cantaria, tendo em seu início florão (rosácea) que simboliza a construção e que se repete, estilizado, em outros locais do monumento (na balaustrada e em portas da sala nobre);


3 A balaustrada do hall superior, que se encontrava gessada até 1973, e cuja restauração se completou em 1984, na qual, moduladamente, se repetem entalhes estilizados do florão;


4. O falso arco estrutural da varanda;


5. O forno de fundição de ouro e sua monumental chaminé, na Casa de Fundição e da Moeda do segundo pavimento, resultado de acréscimo feito ao prédio em 1821, local onde estão expostos restos dos candinhos usados na fundição de ouro e descobertos em 1975 soterrados na senzala da própria Casa dos Contos e coleções numismáticas da Casa da Moeda do Brasil;


6. O sistema de sanitários do segundo pavimento, próximo à área posteriormente acrescida para a Casa de Fundição, sobreposto a idêntico sistema no andar térreo, ora descoberto, e seu avançado sistema de escoamento, com iluminação interna para melhor visualização;

7. A escada em caracol, acrescentada para uso direto dos funcionários do fisco imperial e que, depois de fechada, propiciou o surgimento da lenda do túnel; nela, exposição do Banco Central do Brasil;
8. As “janelas” em pinturas de parede abertas na sala da escada em caracol, e o nicho existente na mesma sala, que juntamente com outros três (na sala de jogos e em outras duas salas simétricas a essas), foi descoberto na presente restauração, permitindo a reavaliação da arquitetura original do prédio.
9. As pinturas de forro, descobertas sob várias camadas de repinturas em salas do segundo pavimento, e o painel restaurado na sala nobre; o “Livro de Actas” ou “Livro de Ouro”, aberto em homenagem à visita de D. Pedro II a Ouro Preto e à Casa dos Contos, sede da Tesouraria, no qual, em pleno regime monárquico, já se reverenciava o “Tiradentes”;

10. A bela paisagem de Ouro Preto, vista a partir do mirante;
 


11. A entrada para a senzala de escravos domésticos, no pátio, que também serviu de abrigo às tropas do vice-rei enviadas para abafar a Inconfidência Mineira, onde foram achados, em 1975, os restos dos cadinhos refratários utilizados na fundição do ouro (dez anos antes de idêntica descoberta na antiga sede da Casa da Moeda, no Rio de Janeiro);




12. No pátio, a escadaria, com seu arranque em pedra trabalhada, descoberta na restauração, juntamente com os espelhos dos degraus da escada, em sua forma original, após a remoção dos comentados que o encobriam;


13. As fachadas do prédio, principalmente a dos fundos, ainda inexplorada, e que atestam sua grandeza;


14. Externamente, a dupla chaminé monumental, resultante do acréscimo do forno de fundição do segundo piso sobre a possível cozinha dos escravos domésticos;

15. A galeria de águas pluviais, no pátio, que se liga à Praça Tiradentes, no centro de Ouro Preto, obra monumental da engenharia colonial, a cuja rede de drenagem se deve a conservação da cidade até hoje;

 
16. As janelas da senzala, na margem fronteira, os remanescentes do Jardim Botânico do Padre Joaquim Veloso de Miranda, construído ao tempo da Inconfidência;

17. O sistema sanitário no térreo, avançadíssimo para a época, que, descoberto, complementou o sistema já existente no segundo pavimento;
18. As “janelas” em paredes e parte do forro com pinturas artísticas originais no salão térreo, delimitando as áreas primitivas do ambiente, que ora se presta a atividades culturais, bem como a porta, com fechadura de segredo, que dava acesso a uma das celas de Inconfidentes, além dos forros descobertos com pinturas;


19. O acesso à sala onde foi encontrado morto o inconfidente Cláudio Manuel da Costa;

20. A residência que fica além do Jardim Botânico, e que pertenceu a José Pereira Marques, comerciante e arrematante de tributos, celebrizado nas “Cartas Chilenas” como Marquésio;
21. Em frente à fachada principal, junto à ponte dos Contos, a residência e Casa dos Contratos do inconfidente Domingos de Abreu Vieira, compadre de Tiradentes; a casa do centro foi habitada pelo cientista Padre Joaquim Veloso de Miranda e, na terceira casa, o local onde funcionaram a Junta da Real Fazenda e a Intendência do Ouro, antes de se transferirem para a Casa dos Contos, edifício que foi a terceira Casa dos Contos de Vila Rica, pois a primeira funcionou onde posteriormente foi construído o Palácio dos Governadores; dali, onde nos fundos do Palácio adaptou-se a Casa de Fundição, foi transferida para o imóvel do Dr. Manuel Manso da Costa Reis, em frente à atual Casa dos Contos, e desta, por volta de 1792, para a residência de João Rodrigues de Macedo, sendo esta última, portanto, a quarta Casa dos Contos de Vila Rica, terceira em se tratando tão somente de local de edificação;
22. No antigo Largo dos Contos, o belo chafariz dos Contos;


23. A ponte de São José ou dos Contos, de belíssima arquitetura.






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