domingo, 10 de julho de 2011

INTRODUÇÃO AO BARROCO MINEIRO

I – INTRODUÇÃO:


"O Barroco Mineiro nasceu mestiço como seus criadores, filtrando influências de várias partes de Portugal e do Brasil. Muitas vezes seu esplendor se esconde no interior das pequenas igrejas de paredes de taipa, quadradas e brancas, revelando-se com impacto quando se abrem as portas. É o que acontece, por exemplo, na Igreja de Nossa Senhora do Ó, em Sabará, ou na Capela do Padre Faria, em Vila Rica, e em várias outras construções da primeira metade do século XVIII".

                            (Saga: a grande História do Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1981, vol. 2- p.127)

A arquitetura mineira não se definiu de imediato. Os paulistas haviam orientado as primeiras construções dos arraiais em formação, instalações provisórias e rudimentares, ranchos de sapé com armações de paus toscos, de vãos barreados. Com o tempo, já nas construções importantes, feitas para durar, foi tentada a taipa de pilão, técnica típica de São Paulo. Mas, na verdade, esse modo de construir não era viável em Minas. Os solos pedregosos tornavam difícil o transporte das raras terras argilosas do fundo dos vales; as enxurradas dos repentinos aguaceiros erodiam a terra socada, comprometendo a construção; além disso, as encostas de pedras mal permitiam os terraceamentos necessários às instalações dos taipais. No entanto, por se realizar em um terreno acidentado, cheio de morros e vales, adquiriam uma forma atraente para a urbanização das cidades.
Dessa forma, a localização dos templos era devidamente escolhida e nem sempre as irmandades dos brancos ficavam com os melhores lotes. Os lugares mais altos eram os preferidos, conforme recomendação canônica.
A atenção dos construtores, tanto paulistas como portugueses recém-chegados, foi desviada para a técnica das estruturas autônomas de madeira, cujos vãos eram preenchidos por taipa de sebe com pau-a-pique, que nos inventários bandeirantes aparece com o nome de "taipa de mão".
As construções de pedra surgiam pouco a pouco, começando pelas casas modestas e pelas capelas humildes.
As capelas de taipa, pau-a-pique e adobe, cerne dos arraiais embrionários e mantidas pelas irmandades, gradativamente cediam espaço para edificações maiores e mais ornamentadas, fortalecidas mais tarde pelo advento das ordens terceiras, associações com finalidade parecida, mas conhecidas por terem mais recursos.
Os acabamentos dessas igrejas evidenciavam a diferença de origens e estágios culturais dos que nela atuaram. É que os taipeiros mamelucos podiam trabalhar junto com os velhos carpinteiros do Reino, pedreiros do Algarve e, principalmente, construtores do Norte, gente do Porto e também de Trás-os-Montes, peritos em cortar pedras para fazer longos muros. O exterior, muito simples, não permitia imaginar a riqueza da decoração interior: altares entalhados, retábulos em madeira, douramentos, pinturas cenográficas e azulejos para revestimentos.
Mais adiante, por volta de 1740, a pedra também assume um lugar importante na edificação, em especial para obras mais avantajadas.

 
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e Manoel da Costa Ataíde são os expoentes máximos dessa arte adaptada ao ambiente tropical e ligada aos recursos e valores regionais.

Nos primeiros anos do século XIX a fase de esplendor de Minas já havia passado, embora o ciclo artístico do Barroco mineiro só possa ser considerado findo com a morte desses dois mestres, ocorrida respectivamente em 1814 e 1830. A situação financeira das irmandades ficou claramente combalida, o que freou a emergência de novos templos opulentos e o patrocínio das artes.
A decadência mineradora desta região foi um fator positivo para a conservação de suas edificações, pois desestimulou a reforma, desfiguração e demolição. Segundo Germain Bazin, tudo o que foi construído durante o ciclo do ouro mineiro, embora tenha sofrido algumas modificações, ainda existe, o que insere a região em um dos poucos exemplos de civilização artística que preservou seus elementos essenciais.

II – CRIAÇÕES E ESPECIALIZAÇÕES:

As encomendas dos edifícios constituíam-se de artesãos e artífices que trabalham nessas construções e agrupavam-se segundo suas especializações:
• Na arquitetura atuavam pedreiros, canteiros (entalhadores de pedra) e rebocadores, além dos carapinas, que faziam os serviços de carpintaria fina e marcenaria.
• O escultor trabalhava preferencialmente a pedra, e o entalhador cuidava da decoração interna dos templos em madeira (altares e retábulos). Esse ofício não era considerado mecânico, e muitos artistas se dedicavam apenas à confecção de imagens, sendo chamados de santeiros, estatuários ou imaginários.
• Pintores e douradores se incumbiam de pintar e dourar com folhas ou pó de ouro partes importantes da ornamentação.
• Entre esses ofícios não havia lugar reservado aos arquitetos que forneciam o risco (ou a planta) e o traço (ou desenho) de uma construção. A parte intelectual do projeto se distinguia da parte material, sendo comum o arquiteto conceber o edifício e o mestre-de-obras realizar a construção a partir dos riscos fornecidos.

Ainda no século XVII, engenheiros militares eram frequentemente, chamados para projetar os riscos das igrejas que vão sendo construídas. Em meados do século XVIII, além dos técnicos especializados vindos de Portugal, outros vão se formando, nos próprios canteiros de obras, suprindo a carência de profissionais locais.
A partir da aprovação do risco, abria-se concorrência em toda a região para o início dos trabalhos. A proposta mais vantajosa era aceita, e seu proponente nomeado arrematante. Raramente os serviços eram arrematados por um único profissional e abrangiam a totalidade das obras. Eram comuns várias concorrências específicas para a parte construtiva e para a ornamentação interna.
Muitos dos artistas eram autodidatas, e pesquisas recentes atestam que era uma praxe basearem suas criações em gravuras de procedência européia, algumas, surpreendentemente, reproduzindo obras de artistas da Alta Renascença, como Rafael, o que traz dados de grande interesse para o estudo das origens da pintura mineira. Até mesmo o célebre Ataíde, o mais insigne mestre dessa escola, se valeu de exemplos importados, embora sua interpretação dos mesmos seja muito original, com um delicioso sabor popular que chega ao ponto de representar anjos e santos com feições mulatas. A falta de escolas formalizadoras de artes também incorriam no intercâmbio de conhecimento entre os mestres portugueses e os aprendizes.

III – MATERIAS UTILIZADOS:

O barro, escolhido pela fácil maleabilidade aos detalhes e habilidades do escultor, foi o material mais empregado nas esculturas devocionais do Brasil no século XVIII.
As imagens na região precursora de Minas podiam ser em barro cru (maciças) ou cozido, ocas (em exigência de uma técnica bem mais apurada), sem policromia ou com a policromia bem simplificada, feita diretamente sobre o suporte após a queima. O douramento, quando existente, era colocado geralmente, em alguns detalhes, como nas bordas de algumas vestimentas.
A pedra-sabão foi muito usada nos frontões e portadas dos templos, assim como nos Profetas do Aleijadinho, mas raramente, em imagens devocionais.
A pedra-talco, nome popular dado ao silicato de magnésio hidratado, foi bastante usada em imagens de pequenas dimensões, para a composição de oratórios.
O primeiro uso do gesso em Minas é atribuído às esculturas da nova igreja da Província Brasileira da Missa, Casa do Caraça.
Em Minas, há também imagens feitas com mais de um material, como por exemplo, o São Jorge de Aleijadinho no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, composta por madeira e as mãos em chumbo.

 
No século XVIII, todavia, a madeira foi mais utilizada como elemento de suporte, sendo o cedro predominante em Minas.


Policromia:

Terminada a talha e colocados os olhos (esculpidos, pintados ou de vidro), a imagem ia para as mãos do pintor, que, em geral, era também dourador e se encarregava de aplicar todas as camadas de policromia, ou seja: preparação (que consistia na colocação de cola animal, sulfato de cálcio, caulim, gesso mate e sulfato de cálcio no entalhe), bolo armênio (camada de argila com cola), folhas metálicas (de ouro ou prata, vindas de Portugal ou do Rio de Janeiro) e camada de tinta (na maior parte das vezes têmpera), podendo terminar com veladuras. Ele se encarregava do que chamamos de policromia, que está dividida em duas partes: a carnação, cujo nome vem de carne, ou seja, pintura da anatomia aparente da figura, quando se dá a cor da pele; e o estofamento, que é a imitação dos tecidos da época, feita em várias camadas. Nos exemplares em marfim, mais raros, o material podia ser deixado aparente.

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