(1841-1919)
“Renoir”, disse um escritor contemporâneo, “talvez seja o único pintor que nunca produziu uma pintura triste”.
Pierre Auguste RENOIR nasceu em Limoges, região central da França, em 23 de fevereiro de 1841. Seu pai, Leonard, era alfaiate; e mãe, Marguerite, costureira. Embora artesãos pobres e todos trabalhassem muito, Pierre teve uma infância feliz, marcada pela descoberta de que era dono de ima bela voz. Na esperança de prosperar, a família muda-se para Paris quando Pierre tinha três anos de idade.
Aos quatorze anos de idade, entrou como aprendiz numa firma de pintores de porcelana, chamada Irmãos Lévy. Ali ele passou quatros anos pintado rosas em pratos e buquês de flores em bules de chá, motivos Luís XVI na tradição de Limoges, sua região natal.
Pouco depois recebia a incumbência de pintar o perfil de Maria Antonieta em delicadas xícaras de porcelana branca.
Em 1858, ano do início da Segunda República e época de grande mudança social, a Irmãos Lévy cessou as atividades: com os métodos industriais introduzidos no ramo da porcelana, a máquina começava a substituir artesãos.
Este foi seu primeiro contato com a máquina e bastou para colocá-lo em definitivo contra a produção em massa e a padronização da vida.
Enquanto permaneceu na fábrica, Renoir visitava as galerias de arte do Louvre durante as suas folgas do almoço. Apaixonara-se pelas estranhas pinturas do século XVIII sobre as festas da corte, pintadas por Watteau, Boucher e Fragonard, assim como pelas dramáticas e coloridas de Delacroix.
Renoir foi trabalhar então para certo M.Gilbert, pintor de temas religiosos para missionários. Pintava madonas e retratos de santos em tiras de tela que os missionários iriam desenrolar e pendurar em toscas igrejas.
Em 1862, aos vinte e um anos de idade, Renoir inscreveu-se na Escola de Belas-Artes e foi aprovado logo no primeiro exame. Achava que tinha sorte; na verdade, tinha talento. Também passou a freqüentar o estúdio de Charles Gleyre, uma escola particular de pintura, bastante respeitada em Paris.
Apesar de acadêmico, Gleyre reforçava a importância de se desenhar ao ar livre. Essa característica, assim como o admirável grupo de alunos que freqüentava sua academia, marcou profundamente a carreira de Renoir.
Os professores da Escola de Belas-Artes mal o notaram, mas Renoir conheceu ali outros jovens artistas que marcaram profundamente a sua carreira. Entre eles estavam Claude Monet, Alfred Sisley e Frédéric Bazille, por intermédio de quem Renoir conheceu Edgar Degas e Èdouard Manet, além de escritores e críticos em evidência.
Nessa época o mundo da arte vivia um tumulto. Em 1863 Manet tinha pintado “Almoço na relva” e, em 1865, “Olympia”. Renoir e os amigos agruparam-se em torno de Manet e formaram um grupo que se encontrava regularmente nos cafés, para discutir suas teorias: desse modo começaram a emergir as primeiras idéias do que seria o Impressionismo.
Ciente de que suas concepções de arte eram muito diferentes das dos professores, em 1863, Renoir deixou a Escola de Belas-Artes e passou a trabalhar com Monet na Floresta de Fontainebleau, a 60 quilômetros de Paris, um dos locais preferidos pelos parisienses para seus passeios domingueiros e preferido também pelos escritores e pintores: tanto a população que o frequentava como sua natureza exuberante serviam de tema para suas criações.
Ali conheceu Gustave Courbet, que influiria em seu trabalho, e também Diaz de La Pena, que um dia lhe disse: “Pintor de respeito jamais pega o pincel sem ter o modelo à sua frente”.
Além de Fontainevleau e de suas pequenas vilas vizinhas, como Barbizon e Chailly, surgiram outros agrupamentos, ao norte de Paris, ladeando o Sena, que atraíam os entusiastas das regatas e cuja paisagem também se imortalizou na arte: entre outras, Argenteuil, Bougival, a ilha de Chatou e o balneário La Grenouillère.
“Como se ria naquele tempo”, dizia Renoir mais tarde; “as máquinas ainda não tinham tomado as vidas por inteiro, havia tempo para viver e nós o fazíamos da melhor forma!”
Nesse clima, pouco a pouco Renoir definia um estilo próprio. Porém, viviam em dificuldade financeira. Renoir, ao menos, recebia alguma ajuda de sua família, dividindo com Monet. Mas nenhum deles tinha dinheiro para tintas ou telas, e, se conseguiam comprar algum material, é porque Bazille contribuía com uma parcela de sua pequena renda.
Em 1866, Renoir apresentou-se para o Salão Oficial, mas seu quadro “A Hospedaria da Mãe Anthony” foi rejeitado.
Dois anos depois ele conseguia ser aceito com “Lise”. Renoir conheceu Lise Tréhot, na casa de Le Coeur, amigo e colega pintor, e, em pouco tempo Lise passou a ser seu modelo preferido: nos anos seguintes, Renoir pintaria mais de vinte retratos dela. Entre estes: “Diana e Mulher com Sombrinha”, em 1867; “A Jovem Cigana”, em 1868; e “Odalisca”, ou “Mulher de Argel”, em 1870.
Nos primeiros retratos dela, o artista usava técnica tradicional, com esquema cromático um tanto escuro, tintas mescladas com suavidade e esbatimentos que deixavam transparecer o fundo aplicado à tela. Mas em “Mulher com Sombrinha” e “A Jovem Cigana” ele recorreu a meios mais modernos, que prenunciavam a técnica de Le Moulin de la Galette: esboçou o motivo diretamente na tela nua, usou ocre e vermelhão e substituiu com azuis os tons de terra dos retratos anteriores. Tornara-se adepto das cores brilhantes, que achava mais apropriadas para exprimir os efeitos da luz ao ar livre.
Durante esse período, Renoir mudou-se para casa de Bazille e pintou um atraente retrato de seu anfitrião. Bazille aparece sentado à frente de seu cavalete, chinelos vermelhos, cotovelos nos joelhos, olhos fixos na natureza morta que está pintando.
Também na casa de Bazille, conheceu Edmond Maître que o apresentaria a artistas e escritores. Ele e Maître foram muitas vezes juntos ao Café Guerbois, para encontrar Manet, velhos amigos das Belas-Artes, ou o romancista Émile Zola e seu amigo, Paul Cézanne.
Em 1870, a guerra franco-prussiana veio interromper esse período de intensa criação artística. Renoir foi convocado, mas, logo que pôde, voltou a Paris, ali chegando em 1871.
Mesmo no período da Comuna continuou a pintar. Seu grupo voltaria a se reunir em 1874, embora sem Bazille, morto em combate.
Por intermédio de Monet, Renoir conheceu Paul Durand-Ruel, o primeiro marchand que apoio os impressionistas. Com tanta confiança nos impressionistas, Durand-Ruel associaria sua carreira às deles, pois os apoiou até alcançarem reconhecimento e fama.
Nessa época Renoir estava terminando “Mulheres Parisienses Vestidas com Argelinas”, composição de grandes proporções, que exibiu com sucesso no Salão de 1872 e que inclui, pela última vez, as feições encantadoras de Lise Tréhot.
A Bailarina (1874)
Em 1873, Renoir começou dois quadros hoje famosos: “O Camarote”, que mostra um casal em camarote de teatro, e “A Bailarina”. Renoir havia alugado um sótão no nº 35 da Rue Saint Georges, em Montmartre e seu irmão mais novo, Edmond já despontava como escritor e crítico notável, e, como morava no andar inferior, esse endereço tornou-se ponto de encontro dos intelectuais da época.
Nessa época, o Impressionismo já havia firmado suas bases. Embora sem nome ainda, já se sabia qual era sua proposta: uma impressão momentânea, roubada ao tempo e ao espaço, percebida na conjunção de manchas coloridas; climas, atmosferas, fragmentos da vida que, sabe-se, sente-se, logo retomaria seu ritmo normal; enfim, o instante, em oposição ao eterno, ao imutável.
Para os impressionistas o mundo era exatamente este: o das ruas reluzentes, da luz, da vida cotidiana, que a fotografia imobilizava no tempo. Por isso, os jovens pintores se uniram e decidiram se rebelar contra a mumificação da arte oficializada nos salões. Por isso, sentiram-se atraídos pela fotografia e se aproximaram de Nadar, famoso fotógrafo parisiense que os apoiou, cedendo, inclusive, seu estúdio para exposições.
Em 1874 inaugurou-se a primeira exposição dessa pintura jovem, realizada pelo grupo que, pomposamente, se intitulava Sociedade Anônima dos Artistas, Pintores, Escultores e Gravadores.
Renoir participou dessa primeira exposição com os quadros “O Camarote” e “A Bailarina”, além de fazer uma exposição alternativa no Salão Oficial, na galeria parisiense do fotógrafo Nadar.
Mas o público zombou, indignado diante daquelas manchas coloridas. Ainda assim, Renoir conseguiu vender “O Camarote” a um marchand.
Na esperança de resolver dificuldades financeiras, Renoir, Monet, Sisley e Berthe Morisot decidiram organizar a venda de pinturas impressionistas em 1875, no Hotel Drouot. Foi um escândalo. Albert Wolff chamou-os, no Le Figaro, de “macacos com pincéis nas mãos”. Ainda assim, o evento trouxe certo benefício, pois nele conheceu um funcionário da alfândega, Victor Chocquet, que viria a ser seu mais forte apoio na época. Renoir pintou vários retratos da família de Chocquet e vendeu-lhe vários outros quadros.
Em 1875, Renoir vendeu “O passeio” e, na primavera de 1876, esboçou várias telas grandes em dependências do Moulin de la Galette: “A Árvore”, “Nu ao Sol”, “O Balanço” e o famoso “Le Moulin de la Galette” (“o moinho da massa folhada”).
No topo da Colina Montmartre, entre jardins e campos de como era então o bairro, havia um galpão quadrado entre dois velhos moinhos de vento com plataforma para orquestra e, ao lado, amplo jardim sombreado. Era o salão de dança do Moulin de la Galette, gerenciado por certo M.Debray e seu filho. Ali vinham dançar moradores de Montmatre. Renoir planejou captar um desses eventos populares numa grande composição. O resultado foi uma tela radiante, que exprime a atmosfera de todo um período. Gustave Caillebotte, amigo de Renoir, e também pintor, não hesitou em comprá-la.
Apresentada na terceira coletiva dos impressionistas, Le Moulin de la Galette recebeu elogios de Georges Rivière na primeira edição de L’Impressioniste (Paris, 1877): “È uma página da História, um momento precioso e estritamente preciso da vida parisiense. Sua ousadia a destina ao sucesso que merece!”
O baile no moulin de la galette (1876)
A partir de 1876, Renoir passou a justapor na tela pequenos toques de pincel em cores diferentes. Por efeito de óptica, os pontos pareciam fundir-se em áreas homogêneas, mas sem perderem suas vibrantes qualidades.
Figura esbelta, de conduta simples, adorável, Renoir inspirava extraordinária afeição entre seus amigos a quem ele devotava imensa lealdade e afeto com gestos generosos.
Durante todo esse período, não se casara, apesar de alguns romances. Rejeitava a idéia de casamento como um obstáculo que o afastaria de seu objetivo principal: a pintura.
Mas, quando se aproximava dos quarenta anos de idade, conheceu Aline Charigot, jovem chapeleira de vinte anos. Como o ateliê do pintor ficasse perto do apartamento onde ela vivia com a mãe, Aline muitas vezes ia posar para ele. Na amizade amadureceu o amor. O pintor já pintara Aline vestida de vermelho, agora planejara uma tela grande que teria por motivo uma festa a bordo. Fez então o esboço de “O Almoço dos Remadores”, o fim de uma animada festa em que ela foi um dos modelos.
Renoir vivia uma crise em sua pintura e, a despeito da sugestão de Aline para que se retirassem para sua pequena casa na Borgonha, ele relutava em deixar Paris e temia a perspectiva de filhos e dessa forma, o relacionamento acabou-se.
Renoir passou a viajar: Normandia, Argélia, Espanha e Itália, onde estudou os mestres do passado: Velásquez em Madri, Ticiano em Veneza, Rafael em Roma e os murais de Pompéia.
De volta a Paris, casa-se com Aline e teve uma união harmoniosa, duradoura e feliz.
Aline lhe deu paz de espírito, filhos e, conforme ele mesmo disse, “tempo para pensar. Ela criou uma atmosfera de atividade a meu redor exatamente do tamanho de minhas necessidades e preocupações.”
Renoir adora a esposa e modelo: descobre as formas opulentas de Aline, delicia-se com a plástica de seu corpo. Ousado, retrata-a nua em “A Banhista Loira” (1881), como que despindo uma madona de Rafael.
Enquanto isso, aos poucos ia tomando forma à versão grande de “As Banhistas”. Renoir fez estudos da obra em craiom e sanguínea, assim como vários croquis a óleo. Em 1886, Berthe Morisot visitou o ateliê do pintor e anotou: “Seria interessante mostrar todos esses estudos ao público, que em geral supõe que os impressionistas trabalham a toda velocidade. Não creio que se possa trabalhar mais a forma de um desenho. Essas mulheres nuas entrando no mar me deliciam tanto quanto as de Ingres. Renoir me diz que o nu é, para ele, uma das mais indispensáveis formas de arte”. Renoir só completaria essa tela em 1887.
O ar livre já não o atraía, pois achava que o excesso de luz comprometia a forma e o conjunto; o que ele buscava agora eram linhas, composições, volume e espaço, a estrutura das coisas. Ele e Monet queimaram algumas telas que ambos tinham produzido no período anterior e Renoir passou a pintar apenas no ateliê.
“Ao ar livre”, escreveu ele a Ambroise Vollard, “há mais variedade de luz do que na iluminação do estúdio, que é sempre a mesma. Mas, justamente por essa razão, lá fora ficamos tão empolgados pela luz que não damos atenção suficiente à composição. Ou seja, não chegamos a ver o que fazemos.”
Entre 1885 e 1886 Renoir pintou diversas versões da maternidade: mãe e filho são os motivos de numerosos quadros, pastéis, desenhos a sanguínea, craiom e bico-de-pena.
Em 1888, Renoir passou algum tempo à margem do Sena em Argenteuil, em Bougival, ou em Petit-Genevilliers.
Passou a pintar nus, banhistas, “Menina com as Espigas” e três variações do tema de “Menina Carregando uma Cesta de Flores”, “La Coiffure” (“o penteado”), uma de suas composições “rudes”, que mostra uma jovem arranjando o cabelo após o banho, também pode datar desse mesmo período.
Em 1889, marca o período “iridescente” de Renoir. O pintor rompia com seu prévio período “ingresco”, preciso e linear. Embora retivesse incomparável senso de volume e de formas plenas, recuperava agora a liberdade da juventude.
Durante breve estada em Essoyes, terra natal da esposa, Renoir pintou diferentes versões de “A Vendedora de Maçãs” e usando modelos cedidos por Berthe, pintou “Duas Meninas Colhendo Flores” e “No Prado” ou “Colhendo Flores”.
A partir de 1890, dedicou-se quase exclusivamente a nus e retratos. Com brancos, rosas e meias-tintas, que dão certo lustro perolado aos quadros, pintou em 1890 “Meninas com Chapéu Charlotte” e “Duas Irmãs Lendo”; a essas obras seguiram-se “Banhista Sentada numa Pedra”, de 1892, e, em 1894, “Moças à Beira-Mar” e variações do tema “Ao Piano.”
Mas um pequeno acidente em 1897, a queda de uma bicicleta lhe quebra um braço, teria sérias conseqüências. Um ano depois recrudescia o reumatismo que lentamente iria aleijá-lo.
Em 1907, Renoir muda-se com a família para Cagnes, na Riviera Francesa. Les Colletes, como a chamou, era uma bela propriedade, cercada de oliveiras e de laranjeiras. E diante de si Renoir tinha o azul profundo e único do Mediterrâneo. A luz intensa e o clima descontraído amenizam suas dores e liberam um fluxo criativo expresso em estilo quase clássico e cheio de cores.
Nesse tempo Renoir começou a estudar a Antiguidade. “Que admiráveis criaturas eram aqueles gregos!”, disse ele ao poeta Gasquet. “Viviam tão felizes que imaginavam os deuses vindo à terra para achar seu paraíso e o verdadeiro amor. Sim, a terra era o paraíso dos deuses, e isto é o que eu quero pintar.”
Em 1908, ele pintou sua primeira versão de “O Julgamento de Paris”, seguido por dois grandes croquis a óleo de “Le Rhône et lê Saône”. Renoir, nessa época, já precisava de bengala para caminhar. Quatro anos depois seus braços se paralisam, e ele se vê confinado a uma cadeira de rodas. Mesmo assim, continua a pintar e só pára, temporariamente, quando Aline morre.
Em junho de 1914 o assassinato do arquiduque austríaco Franz Ferdinand levou à eclosão da guerra mundial. A França convocou seus homens, e, Pierre e Jean, filhos de Renoir e Aline foi recrutados. Depois de semanas de ansiedade, esperando em vão por notícias deles, o pintor soube que ambos tinham sofrido ferimentos graves. Aline foi visitá-los, mas voltou exausta e perturbada pelos horrores da guerra. Ao chegar a Cagnes, adoeceu e morreu em 1915.
Renoir viveria poucos anos mais. Durante seus últimos anos de vida, o artista faz algumas esculturas, tendo dois jovens ajudantes como seus braços; mas, sobretudo, pinta. Trabalhava num estúdio envidraçado em seu jardim, com o pincel amarrado nos dedos, sentado em sua cadeira de rodas: sereno e, apesar de tudo, vital.
Um dia, depois de pintar algumas actínias (anêmonas-do-mar) que uma criada lhe trouxe, Renoir pede a um amigo que lhe retire o pincel dos dedos e comenta: “Acho que estou começando a entender alguma coisa sobre isto.”
Em agosto de 1919, depois de uma estada em Essoyes, passou várias semanas em Paris, onde viu seu “Retrato de Madame Charpentier” exposto no Louvre: o quadro tinha sido comprado pelo Estado e estava à mostra no Salão La Caze.
Foi um de suas últimas satisfações. Morreria poucos meses depois, em Cagnes, em 03 de dezembro de 1919. Uma pequena natureza morta com duas maçãs ficou inacabada no cavalete.
II – CARACTERÍSTICAS:
POR QUE NÃO PINTAR A ALEGRIA?
Na pintura, uma forma de expressar seu prazer pela vida: Renoir retratou seus amigos, seus amores, as festas populares, enfim, a alegria de seu tempo, explorando com profunda sutileza os contrastes entre luminosidade e sombras.
“Por que a arte não pode ser bonita?”, perguntou Renoir certa vez. “O mundo já tem muitas coisas desagradáveis.” Aqui se resume sua atitude em relação à pintura e à vida, já que ele mesmo tinha uma incrível capacidade para a alegria, e sua arte expressava esse prazer de viver.
Renoir só trabalhava quando estava feliz e escolhia temas que considerava atraentes: paisagens exuberantes, pessoas se divertindo, frutas, flores, crianças brincando, festas, bailes e mulheres bonitas.
Embora pareça natural hoje, a escolha de seus temas foi radical e corajosa para a época. O mundo das artes em Paris ainda era dominado pelo Salão oficial, que preferia exibir obras sobre temas históricos e literários, pintadas academicamente.
Renoir logo descobriu que estava muito mais interessado na vida das esquinas do que nos exercícios habituais de copiar os gessos das antigas esculturas.
Embora gostasse de paisagem, Renoir não escondia sua preferência em pintar gente. E o que buscava num modelo era: “um ar de serenidade” e uma pele que captasse a luz.
Vestidas ou nuas, as mulheres sempre inspiraram os artistas, não importa em que época ou escola. Os nus sensuais de Boucher, no século XVIII, por exemplo, foram admirados porque retratavam mulheres “ideais”, sob a aura de deusas ou ninfas; já as mulheres mais “reais” de Courbet, com aspectos comuns e traje da época que foram consideradas vulgares pelos críticos do século XIX.
Renoir admirava o realismo de Courbet, mas também amava aquilo que ele mesmo chamava de “mulheres cheias de raça e dignidade”, as habitantes do universo imaginário de Boucher.
Na década de 1870, Renoir expôs junto com os impressionistas, mas ao mesmo tempo submetia suas pinturas ao Salão oficial. No início, Renoir não via contradições entre a insistência dos impressionistas em pintar diretamente da natureza e seu reverente estudo dos grandes mestres do passado. Em “As Banhistas” (1884), embora a paisagem seja nitidamente impressionista, as figuras femininas, de formas opulentas, remetem a Rafael.
TEMAS: Nus femininos voluptuosos, com pele de pêssego, o café-society, crianças, flores.
CORES: Vermelhos ricos, cores primárias, detestava o preto – usava o azul em seu lugar.
ESTILO: Inicial: pinceladas rápidas e figuras manchadas e misturadas ao fundo nublado.
Final: retorna ao estilo clássico e retrata nus solidamente formados.
RECOMENDAÇÃO: “Pinte com alegria, com a mesma alegria com que faria amor com uma mulher.”
III – OBRA:
BANHISTA ENXUGANDO A PERNA DIREITA (1910)
“Pintor profícuo que produziu mais de 6 mil telas, Renoir (1841-1919) , outro impressionista, foi o retratista das festas parisienses ao ar livre, típica cena do movimento modernista. Para ele, assim como os demais impressionistas, o desenho da luz nas telas era uma forma de caracterizar o movimento. Suas telas também possuem visível influência do recorte fotográfico.” (FGV)
Ao olhar para o quadro, percebe-se o sangue que corre dentro das veias assim como os movimentos que os
Representar “a pele de uma moça” era o ápice da felicidade para o pintor, que considerava o nu “uma das formas indispensáveis da arte”.
RENOIR sempre explorou o tema das banhistas. A partir de 1888, o artista pintou uma grande quantidade de banhistas: jovens sonhadoras e mulheres adultas.
Essa composição apresenta a maturidade de RENOIR.
Destaca as formas arredondadas da silhueta feminina; a posição da mulher; suas pernas cruzadas; seu olhar contemplativo; o triângulo formado pelos braços, sendo um apoiado próximo ao joelho e, outro segurando uma toalha; um seio em evidência sugerindo sensualidade; a curva do quadril deixando em penumbra o rosto avermelhado sugerindo calor, sensação de vibração e vida à figura retratada, como também, o movimento que pode ser percebido através da musculatura ao enxugar sua perna.
A toalha de cores indefinidas (rosa e branco) ressalta as partes brancas da pele da mulher.
RENOIR optou por um fundo sombreado que se percebem breves pinceladas de cor contrastando com o avermelhado dos cabelos e o rosado do seu corpo.
Essas figuras arredondadas e sólidas vinham confirmar, mais uma vez, seu encanto e fascínio pelas formas femininas. “Eu nunca acho”, disse ele, “que terminei um nu até sentir que posso beliscá-lo.” “Minha preocupação tem sido a de pintar nus como se fossem frutas esplendorosas.”
O vermelho quente é a cor predominante em suas pinturas nuas, pois ele procurava uma aproximação dos tons de pele saudável.
“Quero que o vermelho fale alto, ressoe como sino; se não sair assim, ponho mais vermelho, ou outras cores, até conseguir”, explicou. “Olho uma mulher nua; ali estão miríades de minúsculas tinturas. Tenho de encontrar aquelas que farão com que a pele em minha tela viva e mexa.”
RENOIR queria expressar mais que apenas vitalidade, fertilidade e o frescor da mocidade feminina.
O artista fazia as mulheres nuas posarem em arranjos ondeados, de acordo com os protótipos clássicos, como as Vênus e as ninfas, mas eliminava os detalhes de fundo, criando um sentido de grandeza intemporal e afastava-se da imobilidade das figuras dando aos contornos das formas uma maneira distinta, à sua manière aigre (estilo aguçado).
“Gosto mais da pintura quando ela parece eterna, sem fazer alarde disso”, disse ele, “Uma eternidade diária, revelada na esquina: uma menina criada pára um instante, enquanto esfrega uma panela, e se torna Juno no Olimpo.”
Embora com a artrite avançada, Renoir demonstrava “a mesma boa disposição e a mesma felicidade quando (podia) pintar”.
Infelizmente, a redução do controle artístico fica evidente nos últimos nus de Renoir, em que as mulheres bem nutridas, de bochechas coradas, estão inchadas, grosseiramente exageradas e intensamente coloridas. Mas, a deficiência não afetou a sensibilidade do seu toque.
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