quarta-feira, 25 de agosto de 2010

HÉLIO OITICICA


(RJ. 1937 – RJ. 1980)


“A beleza, o pecado, a revolta, o amor dão a arte desse rapaz um acento novo na arte brasileira. Não adiantam admoestações morais. Se querem antecedentes, talvez este seja um: Hélio é neto de anarquista.” (Mário Pedrosa, no artigo “Arte ambiental, arte pós-moderna, Helio Oiticica”. In: Correio da Manhã, 26/06/1966)



I – HÉLIO OITICICA:


“Eu comecei com Ivan Serpa no Grupo Frente, em 1954. Mas, ao meu ver, a partir do movimento neoconcreto, quando comecei a propor a saída para o espaço, a desintegração do quadro, isso tudo, aí é que eu realmente comecei a criar algo só meu e totalmente característico. A desintegração do quadro foi na verdade: a desintegração da pintura; ela é irreversível, não há possibilidade, nem razão para uma à pintura ou à escultura. E daí para a frente. Então parti para a criação de novas ordens, que se dirigiram da primeira série de espaços significantes para um abolição da estrutura significante. Eu procurava instaurar significados, que depois fui abolindo. Havia uma certa influência do Merleau-Ponty e das teorias do Ferreira Gullar na evolução de Lygia Clark, por exemplo (ela descobriu o negócio da imanência). Para mim, foi uma abolição cada vez maior de estruturas de significados, até um chegar ao que considero a invenção pura “Penetráveis”, “Núcleos”, “Bólides” e “Parangolés” foram o caminho para a descoberta do que eu chamo de “estado de invenção”. Daí é impossível haver diluição. Não se trata de ficar nas idéias. Não existe idéia separada do objeto, nunca existiu, o que existiu é a invenção. Não há mais possibilidade de existir estilo, ou a possibilidade de existir uma forma de expressão unilateral como a pintura, a escultura departamentalizada. Só existe o grande mundo da invenção.”

Hélio Oiticica



Hélio Oiticica nasceu no Rio de Janeiro em 1937. Neto de José Oiticica (1882-1957), filólogo e anarquista, que influencia sua formação. Por opção familiar, não frequenta escolas na infância. Recebe educação formal a partir de 1947, quando seu pai, o fotógrafo e docente da Faculdade de Medicina e do Museu Nacional da Universidade do Brasil, José Oiticica Filho (1906-1964), ganha bolsa da Fundação Guggenheim e a família se transfere para Washington.
Retornando ao Brasil, Oiticica iniciou seus estudos de pintura com seu irmão César Oiticica e frequenta o curso de desenho de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1957, que possibilita Oiticica a ter contato com materiais variados e liberdade de criação.
Em 1957, inicia a série de guaches sobre papel denominada nos anos 70, Metaesquemas. Segundo Oiticica, essas pinturas geométricas são importantes por já apresentar o conflito entre o espaço pictórico e o espaço extra-pictórico, prenunciando a posterior superação do quadro. Baseada na Gestalt como estrutura de composição, cria jogos ópticos para o espectador, gerando uma ilusão de movimento.
Esta vibração é dada, em primeiro lugar, pelo deslocamento em diagonal dos retângulos, que desestruturam o quadro e, em segundo, pela relação de contraste com o fundo.
A arte concreta foi o primeiro estágio do artista para chegar à morte da pintura de representação.
A cor, que será explodida por Oiticica mais tarde, aqui aparece tímida, presa na estrutura formal.
O artista rejeita a obra justamente pela construção concreta que abandonaria alguns anos depois, na formação do grupo Neoconcreto.
Em 1959, o artista liga-se ao grupo Neoconcreto e com Invenções, marca o início da tela para o espaço ambiental, como exemplo em Bilaterais (chapas monocromáticas pintadas com têmpera ou óleo e suspensas por fios de nylon) e os Relevos Espaciais, obras tridimensionais.
Em 1960, cria os primeiros Núcleos, também denominados Manifestações Ambientais e Penetráveis, placas de madeira pintadas com cores quentes penduradas no teto por fios de nylon. Neles tanto o deslocamento do espectador quanto a movimentação das placas passam a integrar a experiência.



NC1 – Pequeno Núcleo nº1, 1960

Oiticica abandona os trabalhos bidimensionais e cria relevos espaciais, bólides, capas, estandartes, tendas e penetráveis.
Embora não tenha participado da 1ª Exposição Neoconcreta e nem assinado o Manifesto Neoconcreto, em 1960 participa da 2ª Exposição Neoconcreta no Rio de Janeiro e pensa sua produção em relação à Teoria do Não-Objeto, de Ferreira Gullar.
O artista constrói em 1961, a maquete do seu primeiro labirinto (um jardim em escala pública para a vivência coletiva que envolve tanto a relação com a arquitetura quanto com a natureza), o Projeto Cães de Caça, composto de cinco Penetráveis, o Poema Enterrado, de Ferreira Gullar, e o Teatro Integral, de Reynaldo Jardim. A maquete é exposta, no mesmo ano, no MAM/RJ, com texto de Mário Pedrosa, mas a obra nunca chega a ser construída.


A Invenção da Luz (1978): instalação da série Penetráveis, em fotografia tirada pelo sobrinho de Hélio, César Oiticica Filho

Em meados dos anos 60, através de Amílcar de Castro e Jackson Ribeiro, Oiticica entra em contato com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, envolve-se com a comunidade do Morro da Mangueira, torna-se passista da Escola de Samba e dessa experiência nascem os Parangolés.



Caetano Veloso vestindo Parangolé


“A antiarte é pois uma nova etapa (...); é o otimismo, é a criação de uma nova vitalidade na experiência humana criativa; o seu principal objetivo é o de dar ao público a chance de deixar de ser público espectador, de fora, para participante na atividade criadora. É o começo de uma expressão coletiva. O Parangolé, ou Programa Ambiental, como queiram, seja na sua forma incisivamente plástica (uso total dos valores plásticos tácteis, visuais, auditivos etc.) mais personalizada, como na sua mais disponível, aberta à transformação no espaço e no tempo e despersonalizada, é antiarte por excelência”.

Hélio Oiticica


Trata-se de tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir que fundem elementos como: cor, poesia, dança e música e pressupõem uma manifestação cultural coletiva.


O artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) veste o Parangolé, um de seus trabalhos mais notáveis (1968)

“A minha posição ao propor Parangolé é a busca de uma nova fundação objetiva na arte. Não se confundir com uma “nova figuração”, isto é, pretexto para uma volta a uma representação figurada de todo superada, ou ao “quadro”, seu suporte expressivo. O “Parangolé” é não só a superação definitiva do quadro, como a proposição de uma estrutura nova do objeto-arte, uma nova reestruturação da visão espacial da obra de arte, superando também a contradição das categorias “pintura e escultura”. Na verdade ao propor uma arte ambiental não quero sair do “quadro” para a “escultura”, mas fundar uma nova condição estrutural do objeto que já não admite essas categorias tradicionais. Seria tentar a constituição de um novo “mito do objeto”, que não é nem o objeto transposto da pop art, nem o objeto-verdade do nouveau-realisme, mas a fundação do objeto em todas as suas ordens e categorias manifestadas no mundo ambiental, que é revelada aqui pela obra de arte. O objeto que não existia passa a existir e o que já existia revela-se de outro modo pela visão dada pelo novo objeto que passou a existir. Está reservada ao artista a tarefa e o poder de transformar a visão e os conceitos na sua estrutura mais íntima e fundamental; é esta a maneira mais eficaz para o homem de hoje dominar o mundo ambiental, isto é, para recriá-lo a seu modo e segundo sua suprema vontade. É esta também uma proposição eminentemente coletiva, que visa abarcar a grande massa popular e dar-lhes também uma oportunidade criativa. Esta oportunidade é claro teria que se realizar através das individualidades nessa coletividade; o novo aqui é que as possibilidades dessa valorização do indivíduo na coletividade torna-se cada vez mais generalizada – há a exaltação dos valores coletivos nas suas aspirações criativas mais fundamentais ao mesmo tempo em que é dada ao indivíduo a possibilidade de inventar, de criar – é a retomada dos mitos de cor, da dança, das estruturas criativas enfim.”

Hélio Oiticica

Em 1965, na abertura da mostra Opinião 65 no MAM/RJ, protesta quando seus amigos integrantes da escola de samba Mangueira são impedidos de entrar; Oiticica é expulso e, então, realiza uma manifestação coletiva com parangolés, capas, poemas de Lygia Pape, com a presença de passistas da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, do público e dos artistas Pedro Escosteguy e Rubens Gerchman.


Em 1967, surgem nas Manifestações Ambientais: a Tropicália, 1967; Apocalipopótese, 1968 e Éden, 1969, obras que proporcionam ao espectador as sensações mais elementares entre o humano e a terra, explorando todos os sentidos.




Detalhe da instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica - a primeira versão da obra está no Tate Modern, em Londres
Depois que o compositor Caetano Veloso passa a usar o termo tropicália como título de umas de suas canções ocorre diversos desdobramentos na música popular brasileira e na cultura que ficam conhecidos como tropicalismo.
Em 1969, apresenta-se em Londres, na Whitechapel Gallery, o projeto Éden, composto de Tendas, Bólides e Parangolés.
Detalhe da instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica - a primeira versão da obra está no Tate Modern, em Londres
Depois que o compositor Caetano Veloso passa a usar o termo tropicália como título de umas de suas canções ocorre diversos desdobramentos na música popular brasileira e na cultura que ficam conhecidos como tropicalismo.
Em 1969, apresenta-se em Londres, na Whitechapel Gallery, o projeto Éden, composto de Tendas, Bólides e Parangolés.


Hélio Oiticica com Bólide Cara de Cavalo

Preocupado com a vida em comunidade surge à proposição Crelazer, ligada à percepção criativa do lazer não repressivo e à valorização do ócio.
Em 1970, ganha bolsa de estudo da Fundação Guggenheim; muda-se para Nova Iorque; inicia os projetos ambientais chamados Newyorkaises e retoma os Parangolés, com ênfase não mais no samba, mas no rock.
Decepcionado com o cinema, observando a passividade do espectador, elabora juntamente com Neville d’Almeida e Thomas Valentin, a Cosmococa – programa in progress.
Em uma de suas muitas anotações, Oiticica escreveu que as cosmococas eram uma obra para o ano de 2000. Ele devia estar certo. Depois de 30 anos de sua elaboração e de passar por 14 instituições internacionais de forma isolada, uma série de quatro cosmococas pôde ser vista na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
São basicamente filmes não narrativos, produzidos com base em slides e trilha sonora, projetados em ambientes especialmente criados para eles e com instruções para participação.

“A cosmococa rompe com a linguagem do cinema, criando uma narrativa através da projeção de imagens fixas. O cinema são imagens em movimento, o quase-cinema são imagens fixas em movimento. Você projeta uma imagem depois da outra e esse movimento vai criando uma narrativa, uma linguagem”, afirma Neville.


Ainda em Nova Iorque, o artista inicia alguns filmes em Super-8 entre dezenas de projetos de Penetráveis.
Retorna ao Brasil em 1978 e organiza alguns eventos coletivos: Caju-Kleemania; o contrabólide Devolver a Terra à Terra e 1980, no ano de sua morte, propõe o segundo acontecimento poético-urbano Esquenta pr’o Carnaval, no Morro da Mangueira.
Em 1996, a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro funda o Centro de Artes Hélio Oiticica, para abrigar todo o acervo do artista e colocá-lo à disposição do público.
Infelizmente, no dia 16/10/2009, pelo menos 90% das obras do artista plástico Hélio Oiticica foram destruídas devido a um incêndio no primeiro andar da casa da família no Jardim Botânico, na zona sul do Rio. Lá estavam abrigadas mais de mil peças do acervo do Projeto Hélio Oiticica e nada se salvou. O prejuízo é estimado em US$ 200 milhões pelo arquiteto César Oiticica, irmão do artista, que mora no segundo andar da mesma casa e não possui seguro das obras.

"Fracassei. Porque minha missão, depois que me aposentei, era cuidar da divulgação e da guarda da obra dele. Me sinto péssimo", disse o irmão. "Perdemos cerca de 200 milhões de dólares, mas esse não é o valor principal, o valor em dinheiro não significa nada. É uma perda que o mundo inteiro irá lastimar. A cultura brasileira ficou ferida. Eu me sinto pessimamente", disse César



METAESQUEMA II (1958) – coleção MAC-USP



Guache s/ cartão
55 x 63,9 cm
Doação Projeto Hélio Oiticica


“Hélio Oiticica (1937-1980) representa um dos mais importantes momentos da transformação do fazer artístico no país. Sua carreira começa no movimento concreto dos anos 50, passa pelo neoconcretismo, lançado com manifesto escrito por Ferreira Gullar e do qual Metaesquema faz parte, e chega a um programa ambiental radical, que praticamente borra as fronteiras entre arte e vida. Os conceitos desenvolvidos por Oiticica norteiam a 27ª Bienal de SP, que ocorre em outubro deste ano, e tem como tema “Como Viver Junto”. (FGV)

Os Metaesquemas representam, na trajetória de Hélio Oiticica, a investigação de uma nova estrutura espacial, prenunciando as direções que o artista irá tomar a partir de 1959, com o Neoconcretismo.

“Apesar de ter sido rejeitada pelo artista, segundo Aracy Amaral (In: Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962) São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977), a série Metaesquemas é um documento histórico de sua obra, e precisa ser estudada.”

Metaesquema, diz Oiticica, é “esquema” (estrutura) e “meta” (transcendência da visualização), indicando uma posição ambígua do espaço pictórico, entre o desenho e a pintura.” (FAVARETTO, 1992, p. 51-52)

Em texto de 1972, Oiticica afirma que “não há porque levar a sério minha produção pré-59”, denominando seus metaesquemas de “apintura”, resquícios de seu aprendizado concretista “aconteudístico”. (HÉLIO OITICICA, “Metaesquema 57/58”, in Hélio Oiticica, 1992, p. 85)

É inquestionável, porém, que seus estudos deste momento, nos guaches que o jovem realiza com dedicação, revelam-se o ímpeto necessário às conquistas futuras do artista.
Os Metaesquemas, todos em guache sobre papel, são estruturas formadas por gráficos ou placas de cor criadas entre 1957 e 1958, remetendo-se à matriz neoplástica horizontal-vertical. Esta, entretanto, comparece perturbada pelo dinamismo imprimido pelas operações efetuadas na superfície com obsessiva dissecção do espaço sem tempo.
Oiticica já os considerava uma evolução da pintura, e traziam uma preocupação cromática através de um alto grau de racionalidade - a construção da cor, segundo o pensamento fenomenológico de Marleau Ponty, “do olho que vê”, do olhar que sintetiza as relações do pensamento, sem jogos óticos.
Obras da série Metaesquemas são compostas de quadrados e retângulos, normalmente contra um fundo claro, refletindo a influência de Kazimir Malevich e Mondrian Piet. Dispostos em uma estrutura gridlike, mas sem regularidade completo, suas formas parecem mudar ritmicamente e flutuar um pouco fora da superfície do papel.
Sobre a estruturação monocromática destes trabalhos, Paulo Venâncio Filho constata:

“ (...) desde o início ela é uma só, inequívoca, homogênea. Pois só quando falamos de uma cor podemos falar dela integral e substancialmente. Só assim a cor é sempre uma cor, aquilo que não se conforma a nenhum limite, vibração, presença que transcende. Tal condição só poderia surgir com a morte do horizonte, da relação entre figura e fundo, da pintura de cavalete. Uma nova condição, efetivo estar no mundo, que torna possível um presente sempre atual.”(VENÂNCIO FILHO, 1998, p. 224)

A diferenciação compositiva entre as duas obras, Metaesquema I e II, de 1958, está na conformação linear das formas vazadas, cuja oposição simétrica evidencia a vontade de expandir-se no espaço em uma composição e nas formas que se anunciam sólidas na obra em estudo, revelando o movimento incômodo de suas ordenações irregulares, reafirmado pelos intervalos entre elas.
Metaesquema II sugere a desestabilização de um padrão de distribuição das figuras, segundo um referencial perpendicular.
Nesse caso, Hélio Oiticica escapa do padrão supostamente universal para uma composição singularizada, ao mesmo tempo geométrica e não estática. O caráter sensível dessa obra de transição na trajetória do artista é alcançado pela junção de um símbolo de rigor objetivo ocidental (o ângulo reto) com a idéia de movimento.

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