1936 - 1970
"Arte e trabalho e arte e vida são muito conectadas e minha vida inteira foi absurda", Hesse contou para Cindy Nemser.
"Não há uma coisa em minha vida que não aconteceu ao extremo - saúde pessoal, situações familiares, econômicas... absurdidade é a palavra chave... Tem a ver com contradições e oposições. Nas formas que eu uso em meu trabalho as contradições estão certamente lá. Eu sempre estava atenta que deveria levar ordem contra caos, pegajoso contra massa, enorme contra pequeno, e eu tentaria achar os opostos mais absurdos ou opostos extremos".
Eva Hesse (1936-1970) é uma judia alemã que escapou dos campos de concentração em 1939, quando fugiu com sua irmã para Amsterdã.
Depois de dois meses em um orfanato, Hesse e sua irmã foram reclamadas pelos seus pais divorciados. Em 1946, Hesse perdeu sua mãe num suicídio e este fatídico acontecimento provocou-lhe grande angústia e depressão, temas que Hesse explorou continuamente em sua arte.
Eva Hesse graduou-se na School of Industrial Art em Nova York, em 1952. Após a graduação estudou no Pratt Institute e na Cooper Union e, finalmente formou-se na Yale Scholl of Art and Architecture, onde obteve orientação do genial pintor e professor da Bauhaus, Josef Albers em 1959.
De volta à Alemanha, no início dos anos 60, residiu no vale do Ruhr, perto de uma fábrica desapropriada de produtos têxteis. A artista observou a quantidade e a diversidade de materiais abandonados neste local, e experimentou novos processos escultóricos com fios de tecidos, elétricos e painéis de madeira, ocupando uma particular participação de valor no desenvolvimento da arte internacional dos anos 60, na Alemanha.
Através de uma bolsa num ateliê em Kettwig no Ruhr, Eva Hesse estabeleceu contatos com os escultores alemães mais conhecidos internacionalmente, entre eles, Hans Haacke, Karl-Heinz Hering e Joseph Beuys.
Em 1961, casou-se com o escultor Tom Doyle.
No meio dos anos sessenta, a objetividade destacada do Minimalismo; a imparcialidade da Pop Art e o racionalismo levou alguns jovens artistas americanos buscarem no subjetivismo lírico sua expressão artística.
Hesse com suas esculturas expressionistas radicais e, ao mesmo tempo, com sua própria experiência íntima do corpo, destacou-se contra a tendência prevalecente no mundo da arte, em sua época, que favorecia a redução e a impessoalidade artística.
A arte pós-guerra dos anos 50-60 acompanhou as grandes transformações na escultura tradicional, substituindo-a por uma escultura espacial levemente linear, visando o espaço e o movimento.
O balanço e a leveza, bem como a geometria como meio de uma construção arquitetônica foram ás premissas de um novo desenvolvimento artístico.
Dessa forma, a necessidade de expressar o pessoalismo do artista, levou-o a substituir os materiais usuais do escultor como bronze e pedra, por metal, vidro, semente, luz, látex e fibra de vidro.
Doyle e Hesse, nos anos 60, transferiram-se para Düsseldorf, na Alemanha, ponto cultural ativo e renovador da arte, na época. Lá, travaram contato com Günter Ucker e Joseph Beuys, dois artistas que influenciaram a mutação artística de Hesse.
Ainda em 1966, Hesse apresentou seu primeiro trabalho individual no prestigioso Düsseldorf Kunstverein.
Hesse tinha vinte e oito anos e vivia grande crise existencial.
Eva Hesse em seu estúdio em 1965. “No Title” (1966)
“Eu não posso ser tantas coisas", ela confidenciou num caderno em 1964 "... Mulher, bonita, artista, esposa, empregada, cozinheira, vendedora, todas estas coisas. Eu não posso nem mesmo ser eu".
Suas primeiras obras tridimensionais, feitas entre 1965 e 1966, possuíam certa característica antropomórfica e não descartavam a importância do espaço. Eram feitas com barbante pintado e papier maché.
Em seguida, suas obras, adquirem corporeidade e remetem ao sensualismo.
“Ishtar”, 1965.
“Hang Up”, 1966.
O corpo sugerido em “Hang Up”, 1966, rompe os limites entre arte e não-arte.
"Metronomic Irregularity I", 1966
De volta a New York, outros dissabores atormentam sua vida: a sua separação conjugal e em seguida, o falecimento de seu pai, que resultaram num sentimento profundo de abandono.
Nesta época, Hesse incorporou definitivamente a utilização de novos materiais na sua linguagem, utilizando-se de fibras de vidro, látex e plásticos.
Durante 1967, o trabalho de Hesse refletiu uma sensualidade mais direta nestes materiais.
Ainda, ao mesmo tempo, exibições influentes como "Eccentric Abstraction" (Abstração Excêntrica) organizada por Lucy Lippard pelo outono de 1966; "Nine at Leo Castelli", de Robert Morris, denominado "Warehouse Show" (Espetáculo de Armazém) em dezembro de 1968, e a "Anti-illusion: Procedure/Materials", o qual Marcia Tucker e James Monte vestiram pelo verão de 1969, de Whitney Museum, colaboraram para eleger o reconhecimento artístico de Hesse.
Em “Acessão II”, apresenta uma obra de beleza complexa e fugidia. Trata-se de uma caixa metálica revestida com fios de borracha. Externamente, a obra é uma couraça, mas, internamente, lembra-se uma cabeleira revolta e indecifrável.
Nessa obra, a artista faz uso de materiais da indústria, e de uma geometria utilizada pelo Minimalismo. Um cubo aberto que não representa somente uma forma primária. A repetição, característica dos minimalistas, talvez, fica por conta dos inúmeros tubos de borracha enfiados nas superfícies das faces do cubo que constituem se de ferro. A face superior do polígono não existe, possibilitando ser observado por fora e por dentro. O interior oferece uma sensação de organicidade, maleabilidade, o que já não confere mais aos minimalistas originais.
Ás vezes tem-se a impressão de que a obra não deseja representar nada que não seja ela mesma: quatro planos quadrados de metal unidos por rebite formando um cubo cinza, um módulo regular coberto em seu interior por tubos de borracha, colocado no chão. Um elemento puro, simples, único, mantendo uma relação de abstração, repulsão, equilíbrio, coesão. Mas, na verdade esse objeto se apresenta como uma redução na utilização mínima da forma, retratando á experiência primeira do quadrado ou do cubo; simples, estável, racional e impessoal, remetendo a um caráter masculino. No entanto os pelos nos forçam associá-los á uma sexualidade inconfundível capaz de resgatar a leitura do objeto sob uma ótica que é sem sombra de dúvidas sedutora, erótica, feminina.
Em 1968, Hesse trabalhou com plásticos fabricados na Ilha de Staten. Como tantos artistas dos anos sessenta, ela contou com a colaboração de fabricantes e assistentes de estúdio, o que estimulou o desenvolvimento de ideias e ampliou sua escala de trabalho.
“Repetition Nineteen III”, 1968.
Doug Johns, um dos donos da companhia de plástico, se tornou tão absorvido trabalhando com Hesse que, em setembro ele tinha fechado o seu negócio para se dedicar em tempo integral a ela.
Em trabalhos de 1969 como “Expanded Expancion” (Expansão se expandido) e “Contingent” (Contingente), Hesse explorou a ideia de expansão infinita.
“Expanded Expancion”, 1969.
“Contingent”, 1969.
Eles "levam um posto em absurdidade", como ela colocou, cortejando a incompreensível extensão infinita no espaço, a transformação inverossímil de superfícies repulsivas em efeitos bonitos de luz e forma, e a contradição entre a força da fibra de vidro e a fragilidade do látex.
Eva Hesse, New York 1969.
Em abril de 1969, Hesse detectou um tumor de cérebro e sofreu três cirurgias, antes que morresse em maio de 1970, com trinta e quatro anos. A obra de Eva Hesse era vista, naquele momento, sempre filtrada pelas circunstâncias trágicas de sua vida e de sua morte precoce. Criou-se um mito, um estereótipo. Pode-se atribuir parte dessa deturpação ao fato de a artista ter dado certas declarações que afirmavam que sua obra refletia o absurdo da própria vida. Contribuiu, também, a publicação de parte de seus diários na “Art Forum”, de 1972, pois, passou-se a utilizar seus pensamentos íntimos como baliza de sua obra.
Nesses diários, Eva Hesse havia registrado, entre outras coisas, a dificuldade e o preconceito sofrido por uma artista mulher, sua sensação de inadequação intelectual em comparação aos seus amigos artistas homens. Muitos dos textos escritos sobre Eva Hesse a trataram como mártir, como um ser frágil, ou como uma artista injustiçada.
Hesse, nesta época, desenvolveu um sistema de parceria com seus assistentes, dessa forma, tornou-se possível dar continuidade até o fim de seus dias, e, realmente ela produziu seu maior trabalho por aquele final de ano.
Mesmo morta, ela continua presente na arte contemporânea. Cultuada pelas feministas, é dos nomes mais influentes na arte contemporânea, inclusive no Brasil.
O “Untitled” (Pedaço de Corda), de 1970, envolve o espectador ou o desorienta com seu desconhecimento de material e forma.
“Untitled”, 1970.
"Eu quis me lançar totalmente em uma visão que eu teria que ajustar e aprender entender", ela disse, "... Eu quero estender minha arte talvez em algo que ainda não existe".
Eva Hesse comenta sobre sua obra “Addendum”, 1967:
“De longe a peça mais importante deste ano, mostrada em novembro de 1967, na exposição “Serial Art”, na Finch College. Uma mistura do tão falado arranjo “lógico” e de resultados randômicos, com um toque sensual dado pelas abóbodas, a textura, e a cordas elegantemente penduradas, foi direto ao ponto do que significa “serial art” – adição, ou adição até o ponto do absurdo.”
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