Febre,
hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida
inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse,
tosse, tosse.
Mandou
chamar o médico:
- Diga
trinta e três.
-
Trinta e três...trinta e três...trinta e três...
Respire.
.................................................................
- O
senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
-
Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Vocabulário:
Pneumotórax – forma de
tratamento da tuberculose.
Hemoptise – tosse
sanguinolenta.
Dispneia – dificuldade de
respiração.
A linha pontilhada é do
próprio original: ela marca uma quebra na narrativa e na respiração (do doente
e do leitor).
Segue algumas considerações do
engenho da construção musical do poema.
1. No 1º
verso, cujo tema é objetivo – a “doença” (as palavras são todas do vocabulário
técnico da medicina), o ritmo apresenta-se quebrado, entrecortado, feito da
superposição de sequências breves, com vogais tônicas “claras” (e, i: “fEbre / hemoptIse / dispnéIA”),
seguidas de um segmento mais longo, de vogais tônicas “escuras” (o, u: “suOres notUrnos”), tudo compondo
uma descrição bastante sugestiva das aflições do tuberculoso.
2. O 2º
verso, cujo tema é subjetivo – o “sonho frustrado” contrasta com o primeiro,
pois se constitui de uma frase melódica inteiriça, cantante, que
melancolicamente lamenta a vida perdida;
3. No 3º
verso, cujo tema é de novo a “doença”, volta o ritmo espasmódico, com
aliteração do “t”, imitando a tosse;
4. Desde
o início do poema, arma-se uma aliteração de consoantes dentais (“t” e “d”) que
criam um ritmo de fundo, fazendo sempre lembrar as aflições da doença. Essa
aliteração combina-se com a grotesca repetição do ditongo “ão” quando o médico
apresenta seu diagnóstico: “O senhor Tem uma escavaçÃO no pulmÃO esquerDO e o
pulmÃO DireiTO infilTraDO”, intensifica-se quando o doente tosse ou fala
“EnTÃO, DouTor, não é possível TenTar o pneumoTórax?”, desaparece quando o
médico inicia sua resposta, em tom grave “NÃO. A única coisa a fazer”, e
surpreendentemente retorna, realçando comicamente o macabro da situação, quando
se introduz a nota de absurdo humor negro “Tocar um Tango argenTino”.
5. É
importante ressaltar que o tango argentino possui um ritmo envolvente e
melancólico.
6. Outras
características são: incorporação da prosa à poesia; versos brancos e livres;
utilização de sinais gráficos; linguagem dialógica que dá caráter dramático;
presença de vocábulos considerados “não poéticos” etc.
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