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sábado, 13 de setembro de 2025

POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL, In: Libertinagem, de Manuel Bandeira

 


João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barraco sem [número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

 

(In: Libertinagem, de Manuel Bandeira)


“Poema tirado de uma notícia de jornal” é um poema narrativo, onde o eu lírico se transforma em uma informação jornalística e rotineira de suicídio.

A narração em 3ª pessoa é neutra, imparcial e objetiva confrontando a linguagem poética (versos, ritmos poéticos e musicalidade) com o tom prosaico - uma paródia da linguagem jornalística, denunciando o destino violento de pessoas simples.

João Gostoso não possui características precisas: sem nome próprio (representa uma alegoria de muitos brasileiros que vivem na marginalidade das grandes cidades brasileiras. “Gostoso” é provavelmente, uma alcunha); sem moradia fixa (“morava no morro da Babilônia num barraco sem número”) e sem emprego definido (“carregador de feira livre”) cumpre seu destino para a morte e transforma-se num anonimato de ocorrência policial, virada do avesso pela indeterminação.

Aos versos longos iniciais e de ritmo aliterante (“eRa  caRRegadoR de feiRa livRe e moRava no moRRo da Babilônia num baRRaco sem númeRo”); segue a expressão “uma noite” fugindo da precisão objetiva da notícia midiática; para em seguida, apresentarem versos dissílabos, que culminam num único verso horizontal (a superfície da lagoa), representando visualmente a trajetória de João Gostoso do princípio (vida) para o fim (morte).

Essa sequência imita, na expressão, o movimento de descida inevitável para o fim da vida enfatizado até visualmente pela oposição entre a verticalidade rápida dos versos curtos e a horizontalidade espraiada dos versos longos.

A espacialização do poema inicialmente se dá com indeterminação: barraco sem número, no entanto, no morro da Babilônia que pode referir-se ao substantivo, “babilônia” (baderna, a falta de organização) ou ao alto espaço da miséria anônima e até, ironicamente ao famoso Jardim Suspenso.

A aproximação da personagem à rua (exterior) se dá, na tranquilidade, através da experiência do ser solitário que olha ou escuta de onde descortina o mundo lá fora, assim ressalta a importância de um espaço físico em detrimento de uma individualidade humana.

O bar, por sua vez, é identificado por “Vinte de Novembro”, assim, João Gostoso sai do espaço indiferenciado e entra num espaço público, denominado e oposto à sua vida – um lugar de prazer.

A dança de morte de João Gostoso se imprime nas angulosidades do ritmo do poema. Com um ritmo acelerado próprio para retratar a rápida alegria dionisíaca, a necessidade física e o caos da vaidade, antecipa o seu declínio de morro abaixo, após momentos de êxtase.

É importante ressaltar que o Morro da Babilônia (lugar alto e pobre) contrasta com a Lagoa Rodrigo de Freitas (lugar baixo e de riqueza no Rio de Janeiro).



 


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

PNEUMOTÓRAX, MANUEL BANDEIRA

 

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

 

Mandou chamar o médico:

- Diga trinta e três.

- Trinta e três...trinta e três...trinta e três...

Respire.

.................................................................

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


Vocabulário:

 

Pneumotórax – forma de tratamento da tuberculose.

Hemoptise – tosse sanguinolenta.

Dispneia – dificuldade de respiração.


A linha pontilhada é do próprio original: ela marca uma quebra na narrativa e na respiração (do doente e do leitor).

Segue algumas considerações do engenho da construção musical do poema.


1.  No 1º verso, cujo tema é objetivo – a “doença” (as palavras são todas do vocabulário técnico da medicina), o ritmo apresenta-se quebrado, entrecortado, feito da superposição de sequências breves, com vogais tônicas “claras” (e, i: “fEbre / hemoptIse / dispnéIA”), seguidas de um segmento mais longo, de vogais tônicas “escuras” (o, u: “suOres notUrnos”), tudo compondo uma descrição bastante sugestiva das aflições do tuberculoso.

2.  O 2º verso, cujo tema é subjetivo – o “sonho frustrado” contrasta com o primeiro, pois se constitui de uma frase melódica inteiriça, cantante, que melancolicamente lamenta a vida perdida;

3.  No 3º verso, cujo tema é de novo a “doença”, volta o ritmo espasmódico, com aliteração do “t”, imitando a tosse;

4.  Desde o início do poema, arma-se uma aliteração de consoantes dentais (“t” e “d”) que criam um ritmo de fundo, fazendo sempre lembrar as aflições da doença. Essa aliteração combina-se com a grotesca repetição do ditongo “ão” quando o médico apresenta seu diagnóstico: “O senhor Tem uma escavaçÃO no pulmÃO esquerDO e o pulmÃO DireiTO infilTraDO”, intensifica-se quando o doente tosse ou fala “EnTÃO, DouTor, não é possível TenTar o pneumoTórax?”, desaparece quando o médico inicia sua resposta, em tom grave “NÃO. A única coisa a fazer”, e surpreendentemente retorna, realçando comicamente o macabro da situação, quando se introduz a nota de absurdo humor negro “Tocar um Tango argenTino”.

5.  É importante ressaltar que o tango argentino possui um ritmo envolvente e melancólico.

6.  Outras características são: incorporação da prosa à poesia; versos brancos e livres; utilização de sinais gráficos; linguagem dialógica que dá caráter dramático; presença de vocábulos considerados “não poéticos” etc.


domingo, 11 de março de 2012

POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL: "LIBERTINAGEM", MANUEL BANDEIRA



João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barraco sem [número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

(In: Libertinagem, de Manuel Bandeira)

“Poema tirado de uma notícia de jornal” é um poema narrativo, onde o eu lírico se transforma em uma informação jornalística e rotineira de suicídio.
A narração em 3ª pessoa é neutra, imparcial e objetiva confrontando a linguagem poética (versos, ritmos poéticos e musicalidade) com o tom prosaico - uma paródia da linguagem jornalística, denunciando o destino violento de pessoas simples.
João Gostoso não possui características precisas: sem nome próprio (representa uma alegoria de muitos brasileiros que vivem na marginalidade das grandes cidades brasileiras. “Gostoso” é provavelmente, uma alcunha); sem moradia fixa (“morava no morro da Babilônia num barraco sem número”) e sem emprego definido (“carregador de feira livre”) cumpre seu destino para a morte e transforma-se num anonimato de ocorrência policial, virada do avesso pela indeterminação.
Aos versos longos iniciais e de ritmo aliterante (“eRa  caRRegadoR de feiRa livRe e moRava  no moRRo da Babilônia num baRRaco sem númeRo”); segue a expressão “uma noite” fugindo da precisão objetiva da notícia midiática; para em seguida, apresentarem versos dissílabos, que culminam num único verso horizontal (a superfície da lagoa), representando visualmente a trajetória de João Gostoso do princípio (vida) para o fim (morte).
Essa sequência imita, na expressão, o movimento de descida inevitável para o fim da vida enfatizado até visualmente pela oposição entre a verticalidade rápida dos versos curtos e a horizontalidade espraiada dos versos longos.
A espacialização do poema inicialmente se dá com indeterminação: barraco sem número, no entanto, no morro da Babilônia que pode referir-se ao substantivo, “babilônia” (baderna, a falta de organização) ou ao alto espaço da miséria anônima e até, ironicamente ao famoso Jardim Suspenso.
A aproximação da personagem à rua (exterior) se dá, na tranquilidade, através da experiência do ser solitário que olha ou escuta de onde descortina o mundo lá fora, assim ressalta a importância de um espaço físico em detrimento de uma individualidade humana.
O bar, por sua vez, é identificado por “Vinte de Novembro”, assim, João Gostoso sai do espaço indiferenciado e entra num espaço público, denominado e oposto a sua vida – um lugar de prazer.
A dança de morte de João Gostoso se imprime nas angulosidades do ritmo do poema. Com um ritmo acelerado próprio para retratar a rápida alegria dionisíaca, a necessidade física e o caos da vaidade, antecipa o seu declínio de morro abaixo, após momentos de êxtase.
É importante ressaltar que o Morro da Babilônia (lugar alto e pobre) contrasta com a Lagoa Rodrigo de Freitas (lugar baixo e de riqueza no Rio de Janeiro).