O
conto O Enfermeiro está, certamente, entre os melhores contos de Machado
de Assis.
Narrado
em primeira pessoa a um interlocutor imaginário, é a história do último
enfermeiro do rabugento coronel Felisberto, que esgana seu indócil paciente.
Sofre o drama de consciência, intensificado pela herança do pecúlio do velho,
mas a culpa arrefece quando se vê reconhecido por sua dedicação extrema. São
todos exemplos maduros do realismo machadiano.
O
narrador nos relata a história de uma vez em que tinha ido trabalhar como
enfermeiro para um riquíssimo senhor de nome Felisberto. Era tão rico quanto
ranheta, o que havia motivado os inúmeros pedidos de demissão de enfermeiros
anteriores. Por causa disso, o narrador é tratado pelo padre da pequena cidade
interior em que estão com toda a atenção, já que é quase a última esperança.
Corre a seu favor o fato de o senhor estar muito doente e, portanto, à beira da
morte. Por sorte, o protagonista se mostra como o mais paciente que já havia
sido contratado, o que angaria alguma simpatia do velho. Mas a lua-de-mel durou
pouco tempo: logo o doente mostrou o seu gênio e começou a tratar rispidamente
o enfermeiro. De primeira, aguentou, até que atingiu seu limite e pediu
demissão. Surpreendentemente, o oponente amansou, pedindo desculpa e
confessando que esperava do enfermeiro tolerância para o seu gênio de
rabugento.
As
pazes voltaram, mas por pouco tempo. A tortura retoma, até o momento em que o
idoso atira uma vasilha d’água que acerta a cabeça do enfermeiro. Este, cego
com a dor, voa sobre o velho, terminando por matá-lo esganado.
Começa então o processo mais interessante do conto. O narrador remói-se de
remorso, mas começa a arranjar desculpas em sua mente para arejar sua
consciência (trata-se de uma temática muito comum em Machado de Assis.
A partir de então começa o processo mais interessante do conto. Quando as
pessoas vêm elogiar sua paciência com um velho tão insuportável, resolve
elogiá-lo o máximo possível em público, como maneira de ocultar para a opinião
alheia todo vestígio do crime. O pior é que acaba até se iludindo, eliminando
de toda a sua consciência qualquer resto de crise. Nem sequer se livra, pois,
da herança. Chega a fazer doações, como recurso de, digamos, “arejamento de consciência”.
Fica, portanto, a ideia de que muitas vezes o universo de valores internos (o
enfermeiro foi criminoso ao assassinar Felisberto) não corresponde ao de
valores externos (uma cidade inteira o elogia pela paciência e dedicação a um
velho rabugento). E o mais incrível é que, mesmo sabendo do seu próprio
universo interno e, portanto, da verdade, o narrador ilude a si mesmo. A
literatura machadiana encara esse processo como comum no ser humano.
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