BENEDITO CALUNGA, Jorge de Lima
Benedito calunga
Calunga-ê
Não pertence ao papo –fumo,
Nem ao quibungo,
Nem ao pé de garrafa,
Nem ao minhocão.
Benedito Calunga
Calunga-ê
Não pertence a nenhuma ocaia a nenhum tati,
Nem mesmo a Iemanjá,
Nem mesmo a Iemanjá.
Benedito Calunga
Calunga-ê
Não pertence ao Senhor
Que o lanhou de surra
E o marcou com ferro de gado
E o prendeu com lubambo nos pés.
Benedito Calunga
Pertence ao banzo
Que o libertou,
Pertence ao banzo
Que o amuxilou,
Que o alforriou
Para sempre
Em Xangô
Hum-Hum.
SOBRE O TÍTULO, TEMOS:
SÃO BENEDITO: CONHECIDO TAMBÉM COMO BENEDITO, O NEGRO OU BENEDITO, O AFRICANO É UM SANTO CATÓLICO QUE, SEGUNDO ALGUMAS VERSÕES DE SUA HISTÓRIA, NASCEU NA SICÍLIA, SUL DA ITÁLIA, EM 1524, NO SEIO DE FAMÍLIA POBRE E ERA DESCENDENTE DE ESCRAVOS ORIUNDOS DA ETIÓPIA.
OUTRAS VERSÕES DIZEM QUE ELE ERA UM ESCRAVO
CAPTURADO NO NORTE DA ÁFRICA, O QUE ERA MUITO COMUM NO SUL DA ITÁLIA NESTA
ÉPOCA. NESTE CASO, ELE SERIA DE ORIGEM MOURA, E NÃO ETÍOPE. DE QUALQUER MODO,
TODOS CONTAM QUE ELE TINHA O APELIDO DE “MOURO” PELA COR DE SUA PELE.
BENEDITO: HOMEM BENDITO E BENTO COMO O SANTO LENDÁRIO, PADRINHO CELESTE DE BATISMO DE TANTOS E TANTOS CATIVOS E SEUS DESCENDENTES.
CALUNGA: PALAVRA DE VÁRIAS DENOTAÇÕES, AQUI
PROVAVELMENTE DESIGNANDO O NEGRO POBRE, O FIEL SEM EIRA NEM BEIRA, EM GERAL,
PERTENCENTE À FALANGE DE IEMANJÁ (CALUNGA TAMBÉM SIGNIFICA “MAR”).
NO POEMA, A FIGURA DE
BENEDITO CALUNGA REMETE AO CATIVO SEM AMPARO, FOI SEVICIADO PELO SENHOR BRANCO
QUE O FERROU COMO GADO E O ATOU AO LUMBAMBO.
SIGNIFICAMENTE, O
CALUNGA BENEDITO NÃO SE ENTREGOU À SEDUTORA IEMANJÁ, MAS TÃO SOMENTE A XANGÔ,
REI POTENTE DE RAIOS E TEMPESTADES, CUJO BANZO (MAIS QUE TRISTEZA, PAIXÃO) O
ALFORRIOU PARA SEMPRE.
NA POESIA “BENEDITO CALUNGA” ENCONTRAMOS UM VOCABULÁRIO AFRICANO PRÓPRIO NAS PALAVRAS COMO “LUBAMBO”, “BANZO”, “QUIBUMBO”.
A BUSCA POR
UM VOCABULÁRIO MAIS POPULAR E BRASILEIRO, TAMBÉM FOI UMA PREOCUPAÇÃO CONSTANTE
DOS MODERNISTAS, O QUE RESULTOU NA SALIENTAÇÃO DA ORALIDADE DENTRO DA
LITERATURA ESCRITA.
A VOZ DA PERSONAGEM NÃO FOI NEGLIGENCIADA, AO CONTRÁRIO, ELA ESTÁ VIVA
NAS EXPRESSÕES QUE O POETA FEZ QUESTÃO DE EVIDENCIAR COMO: “CALUNGA-Ê” E “HUM-HUM”,
AS QUAIS TAMBÉM PODEM SER PROFERIDAS POR OUTRO NEGRO, POR OUTRO ESCRAVO AO
NOMEAR E COMPARTILHAR COM BENEDITO CALUNGA DE SEU SOFRIMENTO.
ALÉM DO VOCABULÁRIO AFRICANO, QUE É VALORIZADO NESTA POESIA, TEMOS OS
ELEMENTOS DA RELIGIÃO AFRICANA REPRESENTADOS NA FIGURA DE IEMANJÁ E DE XANGÔ, O
QUE MOSTRA UMA TENDÊNCIA À PERSPECTIVA DO PRÓPRIO NEGRO DENTRO DO POEMA, E NÃO
DO AUTOR.
EMBORA SEJA O EU-LÍRICO CRIADO PELO AUTOR QUE ESTEJA SE TRAVESTINDO DE
NEGRO.
SOBRE A QUESTÃO POLÍTICA, OBSERVAMOS QUE O AUTOR
CONSTRÓI O POEMA DE FORMA A SUSCITAR UMA REFLEXÃO SOBRE A CONDIÇÃO DOS
ESCRAVOS, POIS PELA REPETIÇÃO DO VERSO “NÃO PERTENCE ...” O POETA CRIA A
SENSAÇÃO DE DESRAIZAMENTO E DE NÃO IDENTIDADE DA PERSONAGEM, PRINCIPALMENTE COM
O LUGAR, COM OS OBJETOS E COM AS PESSOAS QUE O TORNAM ESCRAVO.
ELE SE IDENTIFICARÁ E SE PERTENCERÁ COM AQUILO QUE O LIBERTARA DE SUA CONDIÇÃO
QUE É SENÃO A MORTE POR DEPRESSÃO NOMEADA PELOS NEGROS DE BANZO.
DESSA FORMA, O BANZO CONOTA UM ESTADO DE CORPO E DE ALMA QUE ARRASTA AO
DELÍRIO, Á AUTODESTRUIÇÃO, À LUXÚRIA DESENFREADA. TRISTEZA TURVA QUE SE
ASSEMELHA Á PERDA DA GRAÇA, TENTAÇÃO DE PECADO MORTAL, EM TERMOS DE DEVOÇÃO
CRISTÃ, PELA CEGA VIOLÊNCIA QUE DESENCADEIA NOS SENTIMENTOS E ATOS DOS QUE A
EXPERIMENTAM.
EM “BENEDITO CALUNGA” HÁ SUGESTÃO DE UMA VOLTA DO CATIVO AO SEU REINO DE
ORIGEM, MUNDO DE ENTIDADES PROTETORAS, ÀS QUAIS ELE PERTENCE OU PELA ENTREGA À
MORTE OU PELA PAIXÃO DA SAUDADE, O BANZO.
Nenhum comentário:
Postar um comentário