quarta-feira, 13 de novembro de 2024

BENEDITO CALUNGA, POEMAS NEGROS, DE JORGE DE LIMA

 BENEDITO CALUNGA, Jorge de Lima


Benedito calunga
Calunga-ê
Não pertence ao papo –fumo,
Nem ao quibungo,
Nem ao pé de garrafa,
Nem ao minhocão.

Benedito Calunga
Calunga-ê
Não pertence a nenhuma ocaia a nenhum tati,
Nem mesmo a Iemanjá,
Nem mesmo a Iemanjá.

Benedito Calunga
Calunga-ê
Não pertence ao Senhor
Que o lanhou de surra
E o marcou com ferro de gado
E o prendeu com lubambo nos pés.

Benedito Calunga
Pertence ao banzo
Que o libertou,

Pertence ao banzo
Que o amuxilou,
Que o alforriou
Para sempre
Em Xangô
Hum-Hum.

SOBRE O TÍTULO, TEMOS:

SÃO BENEDITO: CONHECIDO TAMBÉM COMO BENEDITO, O NEGRO OU BENEDITO, O AFRICANO É UM SANTO CATÓLICO QUE, SEGUNDO ALGUMAS VERSÕES DE SUA HISTÓRIA, NASCEU NA SICÍLIA, SUL DA ITÁLIA, EM 1524, NO SEIO DE FAMÍLIA POBRE E ERA DESCENDENTE DE ESCRAVOS ORIUNDOS DA ETIÓPIA.

OUTRAS VERSÕES DIZEM QUE ELE ERA UM ESCRAVO CAPTURADO NO NORTE DA ÁFRICA, O QUE ERA MUITO COMUM NO SUL DA ITÁLIA NESTA ÉPOCA. NESTE CASO, ELE SERIA DE ORIGEM MOURA, E NÃO ETÍOPE. DE QUALQUER MODO, TODOS CONTAM QUE ELE TINHA O APELIDO DE “MOURO” PELA COR DE SUA PELE.

BENEDITO: HOMEM BENDITO E BENTO COMO O SANTO LENDÁRIO, PADRINHO CELESTE DE BATISMO DE TANTOS E TANTOS CATIVOS E SEUS DESCENDENTES.

CALUNGA: PALAVRA DE VÁRIAS DENOTAÇÕES, AQUI PROVAVELMENTE DESIGNANDO O NEGRO POBRE, O FIEL SEM EIRA NEM BEIRA, EM GERAL, PERTENCENTE À FALANGE DE IEMANJÁ (CALUNGA TAMBÉM SIGNIFICA “MAR”).

NO POEMA, A FIGURA DE BENEDITO CALUNGA REMETE AO CATIVO SEM AMPARO, FOI SEVICIADO PELO SENHOR BRANCO QUE O FERROU COMO GADO E O ATOU AO LUMBAMBO.

SIGNIFICAMENTE, O CALUNGA BENEDITO NÃO SE ENTREGOU À SEDUTORA IEMANJÁ, MAS TÃO SOMENTE A XANGÔ, REI POTENTE DE RAIOS E TEMPESTADES, CUJO BANZO (MAIS QUE TRISTEZA, PAIXÃO) O ALFORRIOU PARA SEMPRE.

NA POESIA “BENEDITO CALUNGA” ENCONTRAMOS UM VOCABULÁRIO AFRICANO PRÓPRIO NAS PALAVRAS COMO “LUBAMBO”, “BANZO”, “QUIBUMBO”.

A BUSCA POR UM VOCABULÁRIO MAIS POPULAR E BRASILEIRO, TAMBÉM FOI UMA PREOCUPAÇÃO CONSTANTE DOS MODERNISTAS, O QUE RESULTOU NA SALIENTAÇÃO DA ORALIDADE DENTRO DA LITERATURA ESCRITA.

A VOZ DA PERSONAGEM NÃO FOI NEGLIGENCIADA, AO CONTRÁRIO, ELA ESTÁ VIVA NAS EXPRESSÕES QUE O POETA FEZ QUESTÃO DE EVIDENCIAR COMO: “CALUNGA-Ê” E “HUM-HUM”, AS QUAIS TAMBÉM PODEM SER PROFERIDAS POR OUTRO NEGRO, POR OUTRO ESCRAVO AO NOMEAR E COMPARTILHAR COM BENEDITO CALUNGA DE SEU SOFRIMENTO.

ALÉM DO VOCABULÁRIO AFRICANO, QUE É VALORIZADO NESTA POESIA, TEMOS OS ELEMENTOS DA RELIGIÃO AFRICANA REPRESENTADOS NA FIGURA DE IEMANJÁ E DE XANGÔ, O QUE MOSTRA UMA TENDÊNCIA À PERSPECTIVA DO PRÓPRIO NEGRO DENTRO DO POEMA, E NÃO DO AUTOR.

EMBORA SEJA O EU-LÍRICO CRIADO PELO AUTOR QUE ESTEJA SE TRAVESTINDO DE NEGRO.

SOBRE A QUESTÃO POLÍTICA, OBSERVAMOS QUE O AUTOR CONSTRÓI O POEMA DE FORMA A SUSCITAR UMA REFLEXÃO SOBRE A CONDIÇÃO DOS ESCRAVOS, POIS PELA REPETIÇÃO DO VERSO “NÃO PERTENCE ...” O POETA CRIA A SENSAÇÃO DE DESRAIZAMENTO E DE NÃO IDENTIDADE DA PERSONAGEM, PRINCIPALMENTE COM O LUGAR, COM OS OBJETOS E COM AS PESSOAS QUE O TORNAM ESCRAVO.

ELE SE IDENTIFICARÁ E SE PERTENCERÁ COM AQUILO QUE O LIBERTARA DE SUA CONDIÇÃO QUE É SENÃO A MORTE POR DEPRESSÃO NOMEADA PELOS NEGROS DE BANZO.

DESSA FORMA, O BANZO CONOTA UM ESTADO DE CORPO E DE ALMA QUE ARRASTA AO DELÍRIO, Á AUTODESTRUIÇÃO, À LUXÚRIA DESENFREADA. TRISTEZA TURVA QUE SE ASSEMELHA Á PERDA DA GRAÇA, TENTAÇÃO DE PECADO MORTAL, EM TERMOS DE DEVOÇÃO CRISTÃ, PELA CEGA VIOLÊNCIA QUE DESENCADEIA NOS SENTIMENTOS E ATOS DOS QUE A EXPERIMENTAM.

EM “BENEDITO CALUNGA” HÁ SUGESTÃO DE UMA VOLTA DO CATIVO AO SEU REINO DE ORIGEM, MUNDO DE ENTIDADES PROTETORAS, ÀS QUAIS ELE PERTENCE OU PELA ENTREGA À MORTE OU PELA PAIXÃO DA SAUDADE, O BANZO.

 

 

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