Ou se
tem chuva e não se tem sol,
ou se
tem sol e não se tem chuva!
Ou se
calça a luva e não se põe o anel,
ou se
põe o anel e não se calça a luva!
Quem
sobe nos ares não fica no chão,
quem
fica no chão não sobe nos ares.
É uma
grande pena que não se possa
estar
ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou
guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou
compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou
isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo
escolhendo o dia inteiro!
Não
sei se brinco, não sei se estudo,
se
saio correndo ou fico tranquilo.
Mas
não consegui entender ainda
qual é
melhor: se é isto ou aquilo.
O poema se compõe de oito dísticos, os versos variam de
metro, apresentam entre nove e onze sílabas.
A rima figura de forma regular: o segundo verso de um
dístico rima com o segundo do dístico que o sucede e essas rimas são diferentes
em cada par de estrofes.
O eu lírico assume uma voz infantil. Inicia o poema com a
mera constatação de que a ocorrência da chuva exclui a presença do sol e
vice-versa, ou seja, um dado natural e objetivo, mas o eu lírico não deixa de
expressar seu espanto incômodo por meio da exclamação.
Passa, então, às escolhas: primeiro do vestuário, depois
-ambiguamente graças ao uso do pronome indefinido “quem” – remete:
no plano denotativo, aos seres que ocupam o ar ou o chão e,
no plano conotativo, àqueles que se deixam levar pelo imaginário ou que optam
por se manter presos à realidade.
Lamenta então no dístico seguinte a impossibilidade de conciliar
a ocupação dos dois lugares: o ar e o chão, bem como o imaginário e a
realidade.
Nas estrofes seguintes, o eu lírico questiona-se quanto à
opção por comprar doce, brincar e correr, por um lado, ou poupar, estudar e
ficar tranquilo, por outro: as quais reiteram metonimicamente a referência à
seleção ou da satisfação do desejo/ do prazer – a saciação do imaginário/ da
fantasia -, ou da manutenção da seriedade e responsabilidade – necessidades do universo
pragmático.
- Essa oposição sugere inclusive a crise relativa ao momento
de transição da infância para a vida adulta: a adolescência. Mas o eu lírico
não se define, permanece incapaz de escolher entre as duas experiências,
igualmente importantes e significativas. Conforme assinala
Camargo (1998), a mudança rítmica decorrente do
encadeamento entre os versos dessa estrofe central em que figura a expressão do
descontentamento bem como a hipérbole “vivo escolhendo o dia inteiro”, sugerem
o desejo de transcender os limites.
Assim, a poeta, por meio da voz infantil, recria a experiência
infantil para remeter a questões que extrapolam o universo da criança: o descontentamento
com a necessidade de fazer escolhas diariamente e o desejo de transcender os
limites.
- Não se minimizam os dilemas da criança ou do adolescente,
pelo contrário, discute-se uma questão humana vivenciada não estritamente na
infância.
O poema convida indiretamente o leitor a partilhar das
dúvidas, identificando-se com a voz infantil representada no poema e, desse
modo, Cecília Meireles reduz ao máximo a distância entre “o criador e a
criatura” – entre a poeta adulta e o seu público infantil.
- O universo e a voz infantis são recriados de forma respeitosa,
inclusive apontando para temas que não se restringe ao universo da criança, ou
seja, cria-se no poema realmente uma ponte entre a experiência infantil e um desejo
universal.
Quanto à forma, nesse poema, as similaridades sintáticas
são exploradas para sugerir a equivalência dos dois planos: o da saciação da
fantasia e do prazer, bem como o da manutenção da responsabilidade.
- Afinal a estruturação paralelística e o uso de orações
alternativas nas estrofes um, dois, três, cinco, seis e sete reiteram na forma
a equivalência dos elementos comparados, reforçando a dificuldade da escolha.
- Já, nas estrofes quatro e oito, o encadeamento dos
dísticos quebra o ritmo do poema introduzindo o pensamento reflexivo.
- Especialmente, na última estrofe, com o uso da conjunção
“mas” - não com valor adversativo, mas tal qual se emprega na linguagem
coloquial como forma