quinta-feira, 28 de março de 2024

“OU ISTO OU AQUILO”, CECÍLIA MEIRELES

 

Ou se tem chuva e não se tem sol,

ou se tem sol e não se tem chuva!

 

Ou se calça a luva e não se põe o anel,

ou se põe o anel e não se calça a luva!

 

Quem sobe nos ares não fica no chão,

quem fica no chão não sobe nos ares.

 

É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

 

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,

ou compro o doce e gasto o dinheiro.

 

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...

e vivo escolhendo o dia inteiro!

 

Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranquilo.

 

Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

O poema se compõe de oito dísticos, os versos variam de metro, apresentam entre nove e onze sílabas.

A rima figura de forma regular: o segundo verso de um dístico rima com o segundo do dístico que o sucede e essas rimas são diferentes em cada par de estrofes.

O eu lírico assume uma voz infantil. Inicia o poema com a mera constatação de que a ocorrência da chuva exclui a presença do sol e vice-versa, ou seja, um dado natural e objetivo, mas o eu lírico não deixa de expressar seu espanto incômodo por meio da exclamação.

Passa, então, às escolhas: primeiro do vestuário, depois -ambiguamente graças ao uso do pronome indefinido “quem” – remete:

no plano denotativo, aos seres que ocupam o ar ou o chão e, no plano conotativo, àqueles que se deixam levar pelo imaginário ou que optam por se manter presos à realidade.

Lamenta então no dístico seguinte a impossibilidade de conciliar a ocupação dos dois lugares: o ar e o chão, bem como o imaginário e a realidade.

Nas estrofes seguintes, o eu lírico questiona-se quanto à opção por comprar doce, brincar e correr, por um lado, ou poupar, estudar e ficar tranquilo, por outro: as quais reiteram metonimicamente a referência à seleção ou da satisfação do desejo/ do prazer – a saciação do imaginário/ da fantasia -, ou da manutenção da seriedade e responsabilidade – necessidades do universo pragmático.

- Essa oposição sugere inclusive a crise relativa ao momento de transição da infância para a vida adulta: a adolescência. Mas o eu lírico não se define, permanece incapaz de escolher entre as duas experiências, igualmente importantes e significativas. Conforme assinala

Camargo (1998), a mudança rítmica decorrente do encadeamento entre os versos dessa estrofe central em que figura a expressão do descontentamento bem como a hipérbole “vivo escolhendo o dia inteiro”, sugerem o desejo de transcender os limites.

Assim, a poeta, por meio da voz infantil, recria a experiência infantil para remeter a questões que extrapolam o universo da criança: o descontentamento com a necessidade de fazer escolhas diariamente e o desejo de transcender os limites.

- Não se minimizam os dilemas da criança ou do adolescente, pelo contrário, discute-se uma questão humana vivenciada não estritamente na infância.

O poema convida indiretamente o leitor a partilhar das dúvidas, identificando-se com a voz infantil representada no poema e, desse modo, Cecília Meireles reduz ao máximo a distância entre “o criador e a criatura” – entre a poeta adulta e o seu público infantil.

- O universo e a voz infantis são recriados de forma respeitosa, inclusive apontando para temas que não se restringe ao universo da criança, ou seja, cria-se no poema realmente uma ponte entre a experiência infantil e um desejo universal.

Quanto à forma, nesse poema, as similaridades sintáticas são exploradas para sugerir a equivalência dos dois planos: o da saciação da fantasia e do prazer, bem como o da manutenção da responsabilidade.

- Afinal a estruturação paralelística e o uso de orações alternativas nas estrofes um, dois, três, cinco, seis e sete reiteram na forma a equivalência dos elementos comparados, reforçando a dificuldade da escolha.

- Já, nas estrofes quatro e oito, o encadeamento dos dísticos quebra o ritmo do poema introduzindo o pensamento reflexivo.

- Especialmente, na última estrofe, com o uso da conjunção “mas” - não com valor adversativo, mas tal qual se emprega na linguagem coloquial como forma

 

 

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