terça-feira, 4 de janeiro de 2011

REVISÃO FUVEST 2011 - PERSONAGENS DAS OBRAS

“CAPITÃES DA AREIA”:



As personagens num romance compreendem geralmente uma principal, as secundárias e aquelas que funcionam apenas como pano de fundo. No caso de “Capitães da areia”, logo de início descobrimos que Pedro Bala será o herói de toda a narrativa, não só porque é o primeiro a ser apresentando, mas também porque o narrador lhe acentua as naturais características de chefe, de líder. Além disso, ainda que não participe de todas as cenas, Pedro Bala irá se constituir numa espécie de linha condutora de todo o romance, servindo, assim, para dar unidade aos diversos quadros. Evidentemente, seu sucesso final serve para coroar de maneira simbólica a busca de todas as crianças, como se ele representasse, com sua vitória final, uma espécie de núcleo, ao realizar os desejos, os sonhos dos indivíduos marginalizados da cidade. Como coadjuvantes (ou personagens secundárias), encontramos João Grande, Sem-Pernas, Pirulito, Professor, Boa-Vida, Gato, Barandão, Altino, Volta Seca, padre José Pedro, Dora, Fuinha, Querido-de-Deus, João de Adão etc., uns com maior, outros com menor importância dentro do romance, de maneira que até seria possível pensar numa classificação, no que diz respeito ao modo de atuar das personagens da narrativa. Como o destaque é dado às crianças, as pessoas que vivem na cidade (burgueses, padres, à exceção do padre José, policias etc.) terão participação menor no enredo, mas ainda assim são fundamentais, porque ajudam na caracterização do todo social.


• Pedro Bala, o líder, uma espécie de pai para os garotos, mesmo sendo tão jovem quanto os outros, e depois descobre ser filho de um líder sindical morto durante uma greve;

• Volta Seca, afilhado de Lampião, tem ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro;

• Professor, lê e desenha vorazmente, sendo muito talentoso. DESTINO: Foi para o Rio de Janeiro pintar e ficou conhecido por isso;

• Gato, que com seu jeito malandro acaba conquistando uma prostituta, Dalva;

• Boa-Vida, era um malandro, capoeirista, adorava Querido-de-Deus, teve uma queda por Gato logo quando este chegou no Trapiche

• Sem-Pernas, o garoto coxo que serve de espião se fingindo de órfão desamparado (em uma das casas que vai é bem acolhido, mas trai a família ainda assim, mesmo sem querer fazê-lo de verdade);

• João Grande, o "negro bom" como diz Pedro Bala, segundo em comando;

• Querido-de-Deus, um capoeirista que é apenas amigo do grupo;

• Pirulito, tem grande fervor religioso.

• Dora, era a "mãe" de todos do trapiche, é amada por Professor e por Pedro Bala. Fica doente e antes de morrer faz sexo com Pedro Bala. Pedro Bala diz que Dora, ao morrer, vira uma estrela no céu.

• Raimundo era chefe do capitães da areia antes de Pedro Bala, foi ele que cortou o rosto de Pedro Bala, mas logo vai embora.

• Don'Anninha - mãe de Santo amiga dos “Capitães da Areia”.

• Padre José Pedro -Amigo dos “Capitães da Areia” e que procura fazer daqueles meninos homens de bem e crentes em Deus.

As personagens de Capitães da areia, quanto à sua concepção, poderiam ser classificadas como planas, pois “são construídas ao redor de uma única ideia ou qualidade”, segundo E. M. Forster (1969, p. 54). Com efeito, as personagens criadas por Jorge Amado não nos causam surpresa alguma ao longo do romance, porque têm uma ou duas características de que as outras são decorrentes. Pedro Bala é valente e ativo e, em razão disso, torna-se o líder do grupo, pautando todas as ações por essas qualidades essenciais. Ele jamais oscila ou vacila – na realidade, esta personagem representaria a concretização de uma virtude essencial que as demais crianças trariam embrionária dentro de si, e que, ou não teriam oportunidade de desenvolvê-la, ou acabariam por fazê-lo num grau inferior. É justamente por isso que Pedro Bala é a personagem principal.
Quanto às demais personagens, na ordem em que aparecem, são descritas de acordo com uma característica física, uma psicológica e com a função que exercem no grupo. É o caso de João Grande, lugar-tenente de Pedro Bala:

[...] É alto, o mais alto do bando, e o mais forte também, negro de carapinha baixa e músculos retesados, embora tenha apenas treze anos, [...].

João Grande assemelha-se bastante a Pedro Bala, pois é valente, generoso, mas se diferencia de seu líder porque é mais forte e não tem o sentido da liderança. De qualquer modo, representa força em estado bruto no grupo.
O Professor, apelido de João José, tem como principal característica, ao contrário dos demais, o intelecto. Leitor de livros e hábil desenhista. Era quem tinha entre os membros do grupo, a imaginação mais ativa:

[...] Aquele saber, aquela vocação para contar histórias, fizera-o respeitado entre os Capitães da areia, se bem fosse franzino, magro e triste, o cabelo moreno caindo sobre os olhos apertados de míope [...] (p. 24)

Em seguida, o narrador introduz Pirulito e Sem-Pernas que, de certa maneira, criam contraste entre si. O primeiro, “magro e muito alto, uma cara seca, meio amarelada, os olhos encovados e fundos, a boca rasgada e pouco risonha” (p. 28), é muito religioso e tem como sonho transformar-se num sacerdote; já o segundo, angustiadamente, alimenta o desejo de vingança por não conseguir realizar seus sonhos:

[...] Queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos guardas, surrado pelos moleques maiores. [...] (p. 30-1)

O defeito físico passa então a ser uma espécie de signo de sua revolta, ou melhor, determina-lhe a revolta, numa relação de causa e efeito.
O Gato e o Boa-Vida, ao contrário de Pirulito e Sem-Pernas, que formam um par contrastivo, têm pontos muito comuns e são basicamente parecidos, a não ser no que tange ao aspecto físico e ao modo de agir. Gato, o “elegante do grupo”, é “alvo e rosado”, enquanto Boa-Vida é “mulato troncudo e feio”; o Gato é ágil, aventureiro; o Boa-Vida, acomodado. Contudo, basicamente ambos terão o mesmo futuro: terminarão como malandros, vivendo uma vida boêmia, sem trabalhar (Boa-Vida) ou da exploração do próximo (Gato).
Volta Seca, apesar de diferente do Sem-Pernas, pois é um caboclo forte (mistura de branco com índio), proveniente do sertão, tem em comum com ele a ânsia de vingança originária de uma infância sem amor. No grupo, representará o desejo de evasão para a violência por meio de sua adesão ao cangaço:
O professor buscou uma vela, acendeu, começou a ler a notícia do jornal. Lampião tinha entrado numa vila da Bahia, matara oito soldados, deflorara moças, saqueara os cofres da Prefeitura. O rosto sombrio de Volta Seca se iluminou. Sua boca apertada se abriu num sorriso. [...] (p. 41)
Uma das únicas pessoas de fora aceita pelo grupo, o padre José Pedro caracteriza-se pelo autêntico sentimento cristão. Desse modo, diferencia-se radicalmente do resto do clero da cidade e, por isso, é aceito pelos Capitães da Areia. Ele representa uma religião mais primitiva, voltada para os pobres, os humildes, longe do luxo dos cultos e das devoções beatas:

[...] Nunca conseguiu ser um bom aluno. Bem-comportado, isso era. Também dos mais devotos, daqueles que mais se acercavam da igreja. Não estava de acordo com muitas das coisas que aconteciam no seminário e por isso os meninos o perseguiam. Não conseguia penetrar os mistérios da filosofia, da teologia e do latim. Mas era piedoso e tinha desejos de catequizar crianças ou índios. [...] (p. 65)

Para acentuar o aspecto “plano” de suas personagens e dar-lhes a categoria de tipos Jorge Amado serve-se engenhosamente dos apelidos. Os meninos são identificados pelo cognome extraído de uma qualidade ou de um defeito físico ou psicológico. O narrador, portanto, acaba por se utilizar da figura da metonímia, ou seja, a parte representando o todo, como se a qualidade ou o defeito principal de cada personagem se estendesse e dominasse todo o indivíduo, servindo-lhe de emblema e, em muitos casos, determinando-lhe toda a ação. Pedro Bala tem esse apelido porque o pai morreu a tiro nas ruas da cidade. A bala que ele carrega no nome é que estabelecerá a ligação entre suas ações e as do pai, e que fará com que ele descubra, no final do romance, o seu destino como autêntico líder. João Grande, por sua vez, ganha o apelido devido à estatura, o Sem-Pernas, pelo defeito físico, o Professor, por seu intelecto, o Gato, em razão de sua agilidade, e o Boa-Vida, devido à preguiça, a malandragem.
Mas os apelidos têm outra função, além de indicar, logo de início, o modo de ser de cada personagem. Constituem como que uma distinção pessoal dos membros do grupo em relação aos demais habitantes da cidade. Não é difícil observar que enquanto todos os membros dos Capitães da Areia são apelidados, as pessoas que não pertencem a eles, com exceção do Querido-de-Deus, apenas possuem nomes próprios. Esse fato serve para acentuar a ideia de que os Capitães da Areia formam um grupo fechado, a que têm acesso somente aqueles a quem as crianças respeitam e amam.
O hábito de dar uma alcunha a um novo membro, geralmente levado a termo pelo Sem-Pernas (“Logo que um novato entrava para os Capitães da Areia formava uma idéia ruim de Sem-Pernas. Porque ele logo botava um apelido, ria de um gesto, de uma frase do novato.”) (p. 30), seria como um ritual iniciático, uma espécie de batismo de fogo para a aceitação formal de todo o grupo.
Fora isso, as personagens têm nomes muito comuns: José, João, Pedro, Dalva etc., o que atesta a origem e condição humilde delas. Mas entre todos os nomes, dois deles se destacam exatamente pela sua carga simbólica: a de Pedro e o de Dora. O nome Pedro tem relação com pedra e representa a fortaleza, o caráter consistente do herói. Dora, por usa vez, lembra “dourado”, “ouro”, e tem relação metonímica com seus cabelos e no próprio nome. Ela terá um papel fundamental na formação dos meninos do trapiche, despertando neles os sentimentos, os afetos reprimidos. Pedro Bala, por exemplo, terá sua fortaleza contaminada pela afetividade, pela luminosidade de Dora. Somente por meio do amor é que terá oportunidade de fazer nascer em si à consciência social.
Quanto às demais personagens, ou são reconhecidos simplesmente pela profissão que exercem (padre, polícia, bedel etc.), ou têm nomes vulgares. Contudo, para algumas delas, o narrador utiliza-se de um expediente muito comum que é o de identificá-las por meio de um objeto, o emblema da riqueza, da prepotência etc. É o caso, por exemplo, de um homem que bate no Professor e que é identificado pelo uso de um sobretudo:
Uma vez, e era no verão, um homem parara vestido com um grosso sobretudo para tomar um refresco numa das cantinas da cidade. Parecia um estrangeiro. Era pelo meio da tarde e o calor doía nas carnes. Mas o homem parecia não senti-lo, vestido com seu sobretudo novo. [...] (p. 89)
A estupidez, a falta de humanidade do homem passa, então, a ser representado pela veste, um índice não só de seus status, de sua posição social, como também da sua inadequação ao meio em que vive, pois o capote seria mais adequado a um clima frio ou temperado. É por isso que o Professor elegerá o “sobretudo”, símbolo da arrogância burguesa – ao roubá-lo do homem, acaba por criar um símbolo que o perseguirá vida afora:

[...] Foi assim que o Professor tinha conseguido aquele sobretudo, que nunca quis vender. Adquirira um sobretudo e muito ódio. E tempos depois, quando as suas pinturas murais admiraram todo o país (eram motivos de vidas de crianças abandonadas, de velhos mendigos, de operários e doqueiros que rebentavam cadeias), notaram que nelas os gordos burgueses apareciam sempre vestidos com enormes sobretudos que tinham mais personalidade que eles próprios. (p. 92)

Esse expediente narrativo será retomado em outras passagens, como naquela em que uma velha senhora recrimina o padre José por ele estar em meio às crianças. Neste caso, a prepotência, a desumanidade da mulher será representada por um lorgnon (palavra de origem francesa que designa um tipo de óculos, sem hastes, montado numa armação com um cabo), pois, além de ser um objeto de luxo, indicando a classe social superior da senhora, é também um símbolo irônico de seu modo azedo de analisar criticamente a realidade: “E o lorgnon da velha magra se assestou contra o grupo como uma arma de guerra” (p. 72).
Em outros momentos, a personagem comparece indiretamente por intermédio de seu discurso, como acontece na carta que o diretor do reformatório dirige à redação do Jornal da Tarde, tratando dos menores abandonados:
Tenho acompanhado com grande interesse a campanha que o brilhante órgão da imprensa baiana, que com tão rútila inteligência dirigis, tem feito contra os crimes apavorantes os “Capitães da Areia”, bando de delinquentes que amedronta a cidade e impede que ela viva sossegadamente. (p. 13)
Expressões como “brilhante órgão da imprensa baiana”, uma antonomásia (a indicação de um objeto por sua qualidade, no caso, o Jornal da Tarde), e “rútila inteligência” e o uso de pronomes vós (“dirigis”) atestam o formalismo, a afetação de quem escreve e são evidentemente índice de um caráter. O mesmo se pode dizer das falas em que a escolha do vocabulário determina a classe social da personagem, como nos exemplo abaixo:

- O senhor não se envergonha de estar nesse meio, padre? Um sacerdote do Senhor? Um homem de responsabilidade no meio desta gentalha... (p. 72)
- Tu vai longe, menino. Tu pode enricar com essas treitas. (p. 46)

No primeiro exemplo, quem fala é uma velha senhora, e expressões como “sacerdote do Senhor” e “gentalha” denunciam sua classe social e sua desumanidade, pela maneira depreciativa com que vê os pobres. Já no segundo exemplo, o uso do pronome “tu” (segunda pessoa), com os verbos “poder” e “ir” na terceira, a utilização de palavras como “enricar” e “treitas”, apontam a origem social humilde da personagem. Mas não só isso a afetividade com que frase é enunciada dá amostras de um caráter bom e generoso.

“VIDAS SECAS”:



“Os romancistas do Nordeste têm pintado geralmente o homem do brejo. É o sertanejo que parece na obra de José Américo e José Lins. Procurei auscultar a alma do ser rude e quase primitivo que mora na zona mais recuada do sertão, observar a reação desse espírito bronco ante o mundo exterior, isto é, a hostilidade do meio físico e da injustiça humana. Por pouco que o selvagem pense – e os meus personagens são quase selvagens – o que ele pensa merece anotação. Foi essa pesquisa psicológica que procurei fazer; pesquisa que os escritores regionalistas não fazem nem mesmo podem fazer; porque comumente não conheceram o sertão, não são familiares do ambiente que descrevem.”


Os membros da família de Fabiano são alegorias, entendendo-se como tal, meros símbolos típicos do sertanejo nordestino, que é impotente frente à natureza, a tradição social e econômica da região que lhe é cruel, bem como é ignorante e resignado aparentemente diante de sua realidade.

FABIANO: vaqueiro nordestino que tem a consciência de sua inferioridade em relação aos outros homens por sua dificuldade de comunicação e por considerar-se “bicho”, já que vivia “longe dos homens”. Em outro ponto, a tendência do regionalismo da década de 30, no sentido de um realismo brutal, uma verossimilhança cruel, foi seguida na construção das personagens de Vida Secas. Fabiano foi construído e se constituiu como uma personagem padrão de um camponês Nordestino, ou seja, concebido a luz de um modelo real e publicamente conhecido, ou seja, ignorante, resignado externamente, mas que intimamente lutava contra as desigualdades, tanto que sua luta sempre restava “resolvida” pelo único meio permitido pelo sistema, que era a fuga.
Tente-se apenas descrição sumária de ter barba ruiva e castigada pelo sol, mãos calejadas e grossas, pés duros, mostrando assim, um tipo exemplar de pessoa castigada pela rudeza da vida.
A expansão em imagem de Fabiano é realçada pela falta de sobrenome. Como um “cabra” que nem nome de família possuía. Não falava, pois achava que sequer sabia. Possuía poucos objetos rudimentares, como alpercatas que lhe cortavam os pés.

SINHA VITÓRIA: esposa de Fabiano. Ela é responsável pelos serviços domésticos e de cuidar dos filhos, com quem se mostra impaciente. É otimista e consegue acreditar em um futuro melhor para a família. Acredita nas forças sobrenaturais. Sinhá Vitória possui uma superioridade visível em relação ao marido: sabe fazer contas e toma as decisões mais importantes para a família.

O MENINO MAIS NOVO: filho do casal. Seu sonho é de ser igual ao pai quando crescer.

O MENINO MAIS VELHO: filho do casal. Sente-se sozinho e identifica-se com a Baleia, a única amizade possível. É esperto, curioso e gosta de perguntar, pelo que é sempre repreendido pelos pais.

BALEIA: cachorra da família. Ela possui sentimentos próprios e pensamentos humanos. Esse fato denuncia um processo contínuo que, mediado pela aspereza do ambiente, provoca de tal forma nivelamento entre homens e animais que, enquanto Baleia, dotada de uma interioridade própria, “humaniza-se”, as pessoas, por sua vez, “animalizam-se”. Observe-se que a cadela Baleia, como bicho tinha as mesmas reações e até a habitual visão de submissão e resignação em face ao mundo dos demais membros da família, na verdade agia e tinha as mesmas atitudes deles, na medida em que, era apenas mais um membro.

SOLDADO AMARELO: personalização de um Estado injusto. Simboliza autoridade do governo e a injustiça contra os mais fracos e humildes.

PATRÃO: representa o lado arbitrário que rege as relações humanas. Simboliza a opressão dos poderosos e o poder da exploração do trabalho alheio.

SEU TOMÁS DA BOLANDEIRA: velho bom e lido. Simboliza o desejo de ascensão social e econômica. A opressão representada por seu Tomás da bolandeira inferioriza Fabiano na medida em que significa o poder e o respeito adquiridos pela bondade e pela cultura, em oposição ao poder autoritário dos “outros brancos”, que vê como inimigos.

SINHA TERTA: benzedeira e conhecida da família.

SEU INÁCIO: dono do botequim onde Fabiano faz suas compras.

“AUTO DA BARCA DO INFERNO”:







As personagens desta obra são divididas em dois grupos: as personagens alegóricas e as personagens tipo. No primeiro grupo inserem-se o Anjo e o Diabo, representando respectivamente o Bem e o Mal, o CÉU e o INFERNO. Ao longo de toda a obra estas personagens são como que os “juízes” do julgamento das almas, tendo em conta os seus pecados na vida terrena.


SERES FANTÁSTICOS:

• Anjo – Arrais do Céu
• Diabo – Arrais do Inferno
• Companheiro do Diabo

No segundo grupo inserem-se todas as restantes personagens do Auto, nomeadamente o Fidalgo, o Onzeneiro, o Sapateiro, o Parvo (Joane), o Frade, a Alcoviteira, o Judeu, o Corregedor e o Procurador, o Enforcado e os Quatro Cavaleiros. Todos mantêm as suas características terrestres, o que as individualiza visual e linguisticamente, sendo quase sempre estas características sinal de corrupção.
Fazendo uma análise das personagens, cada uma representa uma classe social, ou uma determinada profissão ou mesmo uma crença. À medida que estas personagens vão surgindo vemos que todas trazem elementos simbólicos, que representam os seus pecados na vida terrena e demonstram que não têm qualquer arrependimento pelos mesmos. Os simbolos cénicos de cada personagem são:

Fidalgo (Dom Anrique): NOBREZA
- um manto e pajem (criado) que transporta uma cadeira de espaldas. Estes elementos simbolizam a opressão dos mais fortes, a tirania e a presunção do moço.

Onzeneiro: EXPLORADOR
- bolsão. Este elemento simboliza o apego ao dinheiro, a ambição , a ganância e a usura.

Sapateiro (João Antão): MESTEIRAL
- avental e formas de sapateiro. Estes elementos simbolizam a exploração interesseira, da classe burguesa comercial.

Parvo (Joane): INGENUIDADE
- não traz símbolos cênicos, pois tudo o que fez na vida não foi por maldade. Esta personagem representa a inocência e a ingenuidade.

Frade: CLERO
- uma moça (Florença), uma espada, um escudo, um capacete e o seu hábito. Estes elementos representam a vida mundana do clero, e a dissolução dos seus costumes.

Alcoviteira (Brígida Vaz): MISTIFICADORA
- virgos postiços, arcas de feitiços, armários de mentir, jóias de vestir, guarda-roupa, casa movediça, estrado de cortiça, coxins e moças. Estes elementos representam a exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro e a sua actividade de alcoviteira ligada à prostituição.

Judeu: SÍMBOLO DO JUDAÍSMO:
- bode. Este elemento simboliza a rejeição à fé cristã, pois o bode é o simbolo do Judaísmo.

Corregedor e Procurador: JUDICIAL
- processos, vara da Justiça e livros. Estes elementos simbolizam a magistratura.

Enforcado (Pero de Lisboa): SUICIDA
- não traz elementos cênicos, mas em todas as ilustrações ele carrega a corda com que fora enforcado, que significa a sua vida terrena vil e corruptível.

Quatro Cavaleiros: CRISTÃO
- cruz de Cristo, que simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.

• Cada personagem revela uma faceta de personalidade;
• Tais personagens não representam uma instituição, mas componentes das instituições e seus vícios humanos.

“MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS”:


Leonardo: é o protagonista da história. Abandonado pelos pais parece, por compensação, ser o “bem amado” de seu padrinho, de sua madrinha, e de outras personagens que o protegem por simplesmente simpatizarem com ele. Desde a infância é apresentado como tendo um comportamento quase que compulsivo para as travessuras. Ao crescer torna-se um vadio tipo, anti-herói, herói às avessas, herói picaresco, levando uma vida mais confusa que propriamente problemática.

Vadio por convicção, ele inaugura dentro da literatura brasileira uma espécie de linhagem malandra que terá em Macunaíma, de Mário de Andrade, o seu apogeu. A professora Berta Waldman afirma: Leonardo “vai encontrando seu caminho aplainado pelos outros, jogando apenas com sua simpatia”. Desse modo, transitando naturalmente entre o certo e o errado assim como todos os personagens do livro. Para ele, “não havia fortuna que não se transformasse em desdita, e desdita que não lhe resultasse em fortuna”.

Leonardo-Pataca: veio de Portugal. Trabalhava como oficial de justiça (meirinho). Tipo moleirão e sentimental, sempre enroscado em suas paixões: inicialmente com Maria da Hortaliça, mãe de Leonardo; depois com uma cigana e, finalmente, com Chiquinha com quem teve uma filha. Dá provas de sua honestidade ao entregar religiosamente intacta a herança que o compadre deixara para Leonardo.

Maria-da-Hortaliça: veio também de Portugal, onde trabalhava como quitandeira (saloia) nas praças de Lisboa. É a mãe do herói. Caracteriza-se por ser infiel e namoradeira. Abandona o marido e o filho por um capitão de navio. Foram “saudades da terra”.

Major Vidigal: É a única personagem histórica do romance. Temido e respeitado por todos. Representante maior da própria lei. Severo e autoritário é ao mesmo tempo, policial e juiz. Ele “resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas.”

Comadre: protetora de Leonardo, estando sempre pronta para intervir em favor de Leonardo. Ela “vivia do ofício de parteira, que adotara por curiosidade.”

Compadre Barbeiro: É uma personagem que também apresenta um comportamento contraditório. Apesar de ter se apropriado indevidamente de fortuna alheia, acaba se reabilitando ao assumir o afilhado. É quem cria o menino como se fosse o seu filho, sonhando um próspero futuro para ele; só que isso não acontece.

D. Maria: velha, muito gorda rica, bondosa e amiga dos pobres. Era apaixonada por causas judiciais (“o alimento de sua vida”). Tia e tutora de Luisinha, amiga da comadre e do compadre. Foi quem arrumou o primeiro casamento da sobrinha.

Luisinha: Sobrinha de D. Maria e primeiro amor de Leonardo. Após tornar-se viúva de um marido que era para ela um “dragão”, casa-se com o nosso herói. Suas características fogem da idealização dos modelos românticos: era feia, magra, pálida, desajeitada e andava com o queixo enterrado no peito.

José Manuel: Vindo da Bahia, foi o primeiro marido de Luisinha. Era um maldizente, mentiroso e caça-dotes, representa uma crítica à burguesia. Morreu devido a um derrame.

Vidinha: É prima de Tomás da Sé, amigo de infância de Leonardo. Cantora de modinhas, segunda paixão de Leonardo. Acabam se separando quando descobre o verdadeiro motivo por que Leonardo havia sido despedido da ucharia real.

Chiquinha: filha da comadre e esposa de Leonardo Pataca.

Maria-Regalada: camarada de D. Maria e ex-amante de Vidigal. Intercede duas vezes por Leonardo, livrando-o da punição e promovendo-o a sargento de milícias.

Além desses, há outros como: Chico Juca, mestre em valentia; Tomás da Sé, corolinha com Leonardo na Sé; o mestre de cerimônias, o toma largura, a vizinha, a cigana, o mestre-de-rezas, tenente-coronel, o professor e muitos outros personagens coletivos, caricaturais, que não têm sequer nome, representado apenas funções.
Esses personagens encaixam-se na categoria de tipos alegóricos, pois não possuem profundidade psicológica e são como caricatura de uma classe social: o povo, a classe média carioca da época. É por essa razão que a obra deve ser considerada um romance de costumes.

“O CORTIÇO”:



“O Cortiço” é tratado como personagem principal: tem vida própria e refletem a vida de seus moradores. Segue algumas descrições de personagens mais marcantes da obra:


JOÃO ROMÃO:

"Seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia o vinha de pedreira para a venda, de vende As hortas é ao capinzal, sempre em mangas de camisa, tamancos, sem meras, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia apoderar-se logo com as unhas".

"... possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações. Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estepe cheio de palha".

BERTOLEZA:

“Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante.”

Esta personagem, negra e mulher, na condição total de inferioridade, ao lado, ou melhor, aos pés de João Romão, no romance aparece sempre como submissa.

ALBINO:

"Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até o pescocinho mole e tino."

BOTELHO:

"Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro como escova, barba e bigode do mesmo teor, muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho de pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu nariz adunco e com a sua boca sem lábios: viam-lhe ainda todos os dentes, mas, tão gastos, que pareciam limados até ao meio ... foi lhe escapando tudo por entre as suas garras de ave de rapina ".

No cortiço moram os mais variados tipos: brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios, benzedeiras etc. Entre outros: a Machona, lavadeira gritalhona, "cujos filhos não se pareciam uns com os outros"; Alexandre, mulato pernóstico; Pombinha, moça franzina que se desencaminha por influência das más companhias; Rita Baiana, mulata faceira que andava amigada na ocasião com Firmo, malandro valentão; Jerônimo e sua mulher, e outros mais.

O ROMANCE SOCIAL:

Desistindo de montar um enredo em função de pessoas, Aluísio atinou com a fórmula que se ajustava ao seu talento: ateve-se à sequência de descrições muito precisas, onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista.
Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. “O Cortiço” é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce, se desenvolve e se transforma com João Romão.

A CRÍTICA DO CAPITALISMO SELVAGEM:

O tema é a ambição e a exploração do homem pelo próprio homem. De um lado João Romão que aspira à riqueza e Miranda, já rico, que aspira à nobreza. Do outro, a gentalha, caracterizada como um conjunto de animais, movidos pelo instinto e pela fome.
No espaço de João Romão o narrador insiste na antropomorfização das personagens caindo no código anti-romântico de despersonalização; para o narrador, no Cortiço, já não se distinguem homens de animais, objetos ou vegetais.

O DETERMINISMO:

O Cortiço é o grande representante do naturalismo no Brasil. Essa obra caracteriza-se principalmente pelo aspecto experimental nela desenvolvido, analisando o homem como um simples produto da hereditariedade e do meio em que vive.
É a despeito das descrições minuciosas do ambiente e do cuidadoso estudo dos elementos biográficos a cerca dos indivíduos que Aluisio constrói uma narrativa extremamente relacionada aos fatores externos. Não há interesse em descrever o aspecto psicológico das personagens, o que predomina é a intenção de mostrar, de maneira fria e precisa, como o homem age sobre o meio e vice-versa.
Para Sodré (1995), “O Cortiço pinta o cenário urbano do final do século XIX e nele está perfeitamente fotografada a sociedade desse tempo, com as suas mazelas e as suas chagas. O autor desse livro não se propõe a solucionar os problemas da sociedade, mas sabe colocá-los em suas verdadeiras dimensões”.
Não é por acaso que toda a trama do romance relaciona-se com o cortiço e sua gente. Por tratar-se de uma habitação coletiva, povoada por seres marginalizados, o autor pode facilmente explorar como se processa o comportamento dessa coletividade. Faz-se latente uma critica social, cujo papel é denunciar a podridão da sociedade, ganhando nesse sentido, também, um caráter documental, pois os fatos estão estreitamente voltados para a realidade.
No Caso d’O Cortiço estão dispostas duas classes que se defrontam mostrando como elas se agrupam e como se relacionam. Uma representada pelo cortiço e pela venda de João Romão, formada pelos grupos desprivilegiados: os operários, os mestiços, a plebe em geral, que se destaca pela presença do elemento fisiológico, natural e instintivo. A outra é visualizada no sobrado do Miranda, representando a burguesia e define-se pela cultura que apresenta.
O jogo de interesses, o regime de trocas e o conflito social marcam a trajetória dessa trama e define como são estabelecidas as relações entre os grupos. Exemplo disso é João Romão, português de origem humilde, que se torna proprietário de uma venda e contando com a ajuda de sua companheira, a crioula Bertoleza, deu início a construção do cortiço São Romão. Não foi fácil essa trajetória que se fez por meio de furtos, de muitas privações e da exploração tanto de Bertoleza quanto dos inquilinos do cortiço, dos fregueses da venda, dos empregados da pedreira, enfim, João Romão é o mais autêntico representante da exploração alheia. Tais evidências se encontram em todo o romance:

“João Romão não saía nunca a passeio, nem ia a missa aos domingos; tudo o que vendia a sua venda e mais a quitanda seguia direitinho para a caixa econômica e daí então para o banco”.

“Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples, visam o interesse pecuniário. Das suas hortas colhia para si e para a companheira os piores legumes, aqueles que por maus ninguém compraria...”

“Por ali não se encontrava jornaleiro, cujo ordenado não fosse inteirinho parar nas mãos do velhaco. E sobre esse cobre quase sempre emprestado aos tostões, cobrava juros de oito por cento ao mês...”

Enriquecer era o principal objetivo de João Romão e para isso ele não media esforços, explorando a todos, sem nenhum escrúpulo. Sua ambição vai despertar, ainda, o desejo de crescer também culturalmente, influenciado pelo sucesso do vizinho nobre, o Miranda. Começa a partir daí a operar-se uma transformação nessa personagem devido ao convívio que ele havia estabelecido com a família do outro. Foi graças a essa proximidade que João Romão pôde vencer as barreiras culturais e ambientais, visto que ele, pela hereditariedade, já pertencia a uma classe superior - o branco.
É possível fazer a análise do pensamento de Taine, não há nenhuma expectativa de movimentação social dos moradores do cortiço, relegadas assim às determinações de maneira suposta já definidas étnicas (raça), social (meio) e historicamente (momento), como acreditavam os naturalistas, identificando em Bertoleza esse determinismo nos três aspectos: sendo que, no aspecto Raça, identificamos na personagem o fato de ser negra, e, além disso, escrava, sabendo que o romance é de uma época abolicionista, em que acontecia a abolição, no entanto, os escravos permaneciam em situação de vulnerabilidade social, passando a ser escravo fora da senzala, “ _ agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhor para você. Você vai ficar forra; eu entro com o que falta ” enquanto esse trecho dá a idéia de libertação, já este “varria a casa, cozinhava, vendia ao balcão na taverna (...) à noite passava-se para a porta da venda (...) fritava fígado e frigia sardinhas ...”, nos remete a outro tipo de escravidão.
Acerca do Meio percebe-se que o espaço do cortiço influencia de tal forma nos comportamentos dos que ali habita que mesmo os vindos de outro país, mudam seus hábitos e sua personalidade, tornando-se pessoas de hábitos inferiores, como é o caso do personagem Miranda, que ao morar no cortiço diminui consideravelmente seu status social e seu poder financeiro, sendo isso influencia do meio, isto posto, também Bertoleza sofre essa influencia, morando no cortiço não poderia fugir da sua condição.
Por fim, na análise do Momento Histórico, a personagem é influenciada de forma ainda mais brusca, já que, se despedindo do regime escravocrata, a sociedade do século XIX é também burguesa, como já citamos, o negro escravo, submisso, cheio de características execráveis, é retratada na personagem.
Dessa forma, podemos concluir esta análise de Bertoleza, tendo ela como a submissa e sendo suas características extremamente influenciadas pelas idéias em ascensão no século XIX.
O mesmo fato não se repetiu em Jerônimo, também branco e português que se mudou para o cortiço e foi trabalhar na pedreira. Apesar de Jerônimo pertencer à plebe, a mudança operou-se nele ao contrário da realizada em João Romão. Ligado às tradições lusitanas, a família e muito trabalhador, a influência do meio agiu sobre o cavouqueiro de forma degradante.
“Jerônimo abrasileirou-se” após a mudança para o cortiço, mas o fator decisivo para essa transformação foi a sua paixão pela mulata Rita Baiana, que era muito dada a patuscadas. Esse processo ocorreu lentamente, porém foi definitivo como podemos constatar:
Mais uma vez o determinismo se impõe não só na figura do português, mas também no estereótipo da mulata brasileira. Rita como mulata é um tipo que referencia a sensualidade, característica atribuída a mulher negra desde o início da sociedade brasileira.
A trajetória da mestiça em nossa sociedade principia com o regime de escravidão, em que a negra realizava todo tipo de tarefas, assim como tinha por dever satisfazer os desejos sexuais de seus senhores que não podiam realizá-los com as esposas.
A negra cedeu lugar a mulata que se mostrava mais bela nas feições e ainda reunia os dotes exóticos da mestiça. Essa marca perpetuou-se por toda a história dessas mulheres que continuaram, e ainda hoje continuam a serem vistas como objeto de satisfação sexual masculina.
A propósito da mulata na obra de Aluísio, podemos notar esses mesmos aspectos pela forma como ele refere-se a Rita:

“Os meneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher”.

Toda a discrição da mulata segue a teoria naturalista, condicionando-a aos fatores de raça e ambiental. Essa tal determinismo que impõe ao indivíduo características e sobre o qual ele não exerce nenhuma defesa, poderia, então, ser encarado simplesmente como uma análise fria e imparcial da sociedade ou como uma forma disfarçada de preconceito.

O IMIGRANTE PORTUGUÊS:

Tematizando a problemática da migração, pode-se constatar nas obras de Aluísio Azevedo, um posicionamento epigramático, sobretudo, em O Cortiço (1890). É atribuído ao imigrante português o centro de embate da obra. Assim, de um lado está João Romão, dono de um comércio de secos e molhados, que por meio de todas as ilegalidades possíveis, fez-se proprietário de um cortiço, em oposição ao patrício Miranda, que sendo dono de um sobrado, constituía-se a base da inveja que imperava nas vísceras de João Romão de modo a privar-se de todo conforto na quase insuportável escalada ao topo do status quo.

“Travou-se então uma luta renhida e surda entre o português negociante de fazendas por atacado e o português negociante de secos e molhados” (Azevedo, 1993, p.27).

A partir de tal polaridade, são estabelecidos inúmeros elementos carnavalizadores no texto: o cortiço, que se arrastava por sobre os sonhos do proletariado que ali se instalava (sobretudo a mão de obra da população local que se contrapunha a dos imigrantes pobres que vinham em busca de melhores condições de vida), tornava-se o eixo contraposto ao sobrado, que ostentava as regalias do português rico, embora “escravo de uma brasileira mal-educada e sem escrúpulos de virtude”. Enquanto João Romão lutava contra os próprios limites do corpo com uma carga de trabalho brutal, a fim de obter fortunas, Miranda vencia o orgulho próprio ao ter que relevar as traições da esposa, fonte da sua loja de fazenda por atacado. A figura do imigrante “forasteiro e aproveitador” configura-se na postura de ambos, embora em circunstâncias adversas.

“Feliz e esperto era João Romão! Esse, sim, senhor! Para esse é que havia de ser a vida!... Filho da mãe, que estava hoje tão livre e desembaraçado como no dia em que chegou da terra sem um vintém de seu! esse, sim, que era moço e podia ainda gozar muito, porque, quando mesmo viesse a casar e a mulher lhe saísse outra Estela, era só mandá-la pra o diabo com um pontapé! Podia fazê-lo! Para esse é que era o Brasil.” (AZEVEDO, 1993, p.33)

Na obra, a personagem Jerônimo, passando por um processo de transculturação recebeu em igual proporção os malefícios de uma identificação, que sendo imposta aos nativos pelo europeu, ainda impera como referente característico dos brasileiros, como se “malandros” fossem dentro da liberdade de adequação, sem a sujeição aos paradigmas impostos pelos colonizadores.

“Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele (...) A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal... e volvia-se preguiçoso, vencido, às imposições do sol e do calor (...) E curioso é que quanto mais ele ia caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam...”.

A identidade nacional reconhecida na obra é constituída de elementos degradantes: Jerônimo arruinou-se, “abrasileirou-se para sempre” – vítima dos males advindos por ação dos seus patrícios, sim. A cultura brasileira foi construída, sobretudo por quem? Jerônimo é a síntese mimética da personalidade fabricada pela aculturação.

SEXUALIDADE DA MULATA VERSUS O IMIGRANTE PORTUGUÊS:


No que diz respeito à problemática sexual, brotam do hibridismo étnico da terra os elementos utilizados por Aluísio Azevedo para destacar o papel da sexualidade instintiva, mormente no que tange ao papel da “mulata literária”. Demonstra, por meio dela, a animalidade sexual a que se submete a condição humana diante dos preceitos da corrente naturalista. Rita Baiana, por exemplo, “é o perfil mais acabado desse ‘elemento perigoso’ que habitou o mundo ficcional brasileiro dos oitocentos” (Jean Marcel Carvalho França).

Rita representa a visão da mulata predominante na época. Arrastando pelas curvas do corpo dançante o veneno da sedução, envolveu Jerônimo – amarrando-o à sua lasciva influência, cuja libidinosidade destitui-lhe todas as virtudes. Ela surge convertida no fator de corrosão do caráter autóctone do português, transculturando-o.
Rita, com o cheiro da terra impregnado à sua pele, submete o estrangeiro, colocando-o aos seus pés. Todavia, mulata, portanto híbrida, já levava em si os traços identitários que a tornavam embebida da torpe malandragem que constituía a máscara representativa do brasileiro.

"- Aquela não endireita mais!... Cada vez fica até mais assanhada!... Parece que tem fogo no rabo! Pode haver o serviço que houver, aparecendo pagode, vai tudo, vai tudo pro lado! Olha o que saiu o ano passado com a festa da Penha! "(op. cit., p.48)

Na análise desta segunda personagem, vale ressaltar seu estereótipo de mulher baiana, sensualidade e rebeldia, características presentes em toda obra sempre que se referi a esta personagem.
Contrária ao retrato da mulher idealizada romântica, Rita é a mulher independente e rebelde, que diferente de Bertoleza, oprime e seduz os homens, desmoronando a idéia de modelo patriarcal da sociedade em que a mulher era apenas objeto, Rita Baiana criticando até mesmo a instituição casamento vai contra toda uma ordem estabelecida.

“-Casar? Protestou a Rita. Nessa não cai a filha de meu pai! Casar? Livra! Pra quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu!”

Essa visão que o autor tem de Rita Baiana, segue a visão da sociedade da época.

A FUNÇÃO DA MULHER NO SISTEMA DE TRANSFORMAÇÃO:


Como vimos anteriormente a mulher participa do regime de trocas, ela dá e recebe. A posição da mulher na estética naturalista, no entanto, é bem diversa daquela na estética romântica. Descrita mais objetivamente, enraizada na realidade, ela surge sem as idealizações e falseamentos. Nessa narrativa de Azevedo, a mulher é descrita principalmente como fêmea, que se acasala com o macho por interesses físicos e materiais.


São elas:

a) a mulher-objeto que é trocada como nas sociedades primitivas;
b) a mulher sujeito-objeto que aceita as regras do sistema dando tanto quanto recebe;
c) a mulher-sujeito que regula os regimes de troca capaz de impor condições e

A prostituição francesa, fator incomum à cultura nativa, transcorre nas linhas do livro, pela força sedutora de Léonie, tornando-se também um imperativo de exploração a meninas como a doce Pombinha e outras possíveis presas “chocadas” sob o corpo pesado do cortiço de João Romão. A prática da prostituição foi herança do colonizador – servir-se, sexualmente, das índias resolveria a difícil tarefa de colonizar, vencendo as adversidades climáticas, sem a presença da mulher branca.
Ambos os comportamentos são explicados pela influencia das idéias vigente na época, especialmente do “ambientalismo de Taine”, que acredita firmemente no determinismo acreditando que o meio, raça e momento histórico determinam o ser - humano tal teoria explicaria os comportamentos das personagens aqui estudadas, O cortiço, por se tratar de um lugar onde não há condições descentes de sobrevivência, determinaria o “ser” de Rita Baiana, Bertoleza, Pombinha e Léonie.

HOMOSSEXUALIDADE RETRARADA EM O CORTIÇO


A homossexualidade feminina retratada em O Cortiço de Aluísio de Azevedo (Pombinha e Léonie) visa identificar acerca das condições da mulher lésbica no naturalismo: é visto como doentio, anormal, patológico. Assim as personagens apresentam desvios. O naturalismo é material, é do corpo não humano. Retratando a realidade de forma objetiva, descrevendo grupos marginalizados. A exclusão do homossexual é bastante antiga, entretanto o naturalismo acrescenta elementos que mostram essa predileção em retratar mazelas e chagas da sociedade.

A mulher no naturalismo era tratada como objeto sexual, e tudo sobre os desvios na sexualidade estavam relacionados a fatores internos e externos. Portanto, Léonie seria definida como mulher pervertida, impura, aquela que tem que ser banida, pois é um "mal" que assola a sociedade e pode contaminar os que conviverem com ela.
Pombinha é fraca, nervosa, doente, enfermiça, doente, loira, muito pálida, sua sensualidade associada a doses de inocência, pureza, boa família, asseada.
A personagem tem a figura da mãe, que a protege e a figura do pai, um homem que fracassa e comete suicídio. Talvez essa figura do pai seja substituída pelas carícias e mimos de sua madrinha Léonie, que perverteu Pombinha desviando-a para uma vida de prostituição, sexo e embriagues. Pombinha toma Léonie como espelho, modelo de vida a ser seguido.

“Arrancou-lhe até a última vestimenta e precipitou-se contra ela, a beijar-lhe todo o corpo, a empogar-lhe os lábios, o róseo do peito (...), deixando ver preciosidades de nudez fresca e virginal (...).”

“Espolinhava-se toda, cerrando os dentes, fremindo-lhe a carne em crispações de espasmo; ao passo que a outra, por doida de luxuria, irracional, feroz, reluteava, em corcovos de égua, bufando e relinchando. E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas e esmagavava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros (...) devorou-a num abraço (...) ganindo ligeiros gritos, secos, curtos, muito agudos. “

A ruptura acontece quando Pombinha se separa do seu marido, após adultério. Atirou-se as coisas mundanas e foi morar com Léonie, mais sustentava a mãe com o dinheiro da prostituição, a qual se tornou perita e com sua sagacidade, conquistava todos os homens.
Pombinha tinha uma afilhada e a tratava com a mesma simpatia que fora tratada por Léonie. "A cadeia continuava e continuaria interminavelmente; o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada, que se fazia mulher".


"A CIDADE E AS SERRAS":

JACINTO, Príncipe ou Príncipe da Grã-Ventura: protagonista, homem rico, forte e inteligente. Representante da elite nobre de Portugal, apenas por direito de nobreza (na verdade, Jacinto não nasceu em Portugal) que, com a chegada do liberalismo ao país, perdeu definitivamente os laços ancestrais e patrióticos com sua terra.

Ao longo da narrativa, Jacinto passa de homem parisiense inteligente (mas, superficial e inútil) ao homem parisiense deslumbrado com a natureza e a vida no campo, para finalmente chegar a ser o homem português moderno, ativo e interessado por sua terra e seu povo.
Na mitologia grega era o nome de um rapaz de rara beleza, amado por vários deuses e protegido por Apolo (deus da beleza, da música e da poesia). Zéfiro, deus do vento, sentindo ciúmes da relação entre Jacinto e Apolo, um dia enquanto jogavam discos, desviou um dos discos para que acertasse na cabeça de Jacinto, matando-o. Então, Apolo, imortalizou-o na forma de uma flor que leva o seu nome, uma espécie de lírio.
Jacinto por sua vez, ama Paris por sua beleza, cultura e riqueza, mas esta, sem que ele perceba, quase lhe tira a vida. Foi preciso que ele quase morra, para retornar à vida, como uma flor em sua simplicidade do campo e sem conhecimento, para renascer mais belo e forte.
O mal de Jacinto não está em Paris; está em sua ociosidade.

ZÉ FERNANDES: narrador da história, homem rústico, português, dotado de cultura e conhecimento prático. Ele é a personagem mais bem construída do livro. Realista e equilibrado; sabe portar-se diante às elegantes senhoras de Paris e ao mesmo tempo, apaixona-se por uma prostituta.
Foi expulso da universidade por ter agredido um professor e no final do romance, agride um aluno que desacata outro professor.
Ele é o falso símbolo do campo.

JOANINHA: prima do narrador-testemunha Zé Fernandes; filha do tio Adrião e depois, esposa de Jacinto. Personagem ausente, corpo físico destituído de espírito. Não dialoga e não apresenta a sua visão do mundo.

O GRÃO-DUQUE CASIMIRO; MADAME DE ORIOL, CONDESSA e o CONDE DE TRÈVES, o pintor místico DORCAN, o psicólogo feminista, o DUQUE DE MARIZAC, a MADAME VERGHANE, o banqueiro judeu DAVI EFRAIM, o jovem TODELLE, representam a superficialidade das modas da capital, a mesquinhez e a falsidade na busca pelo poder e pelo dinheiro, a degradação da arte, a sensualidade puramente carnal, a falsa intelectualidade, enfim uma sociedade que vive de aparências e status.

GRILO e ANATOLE – criados de Jacinto.

TIA VICÊNCIA, o SILVÉRIO, o MELCHIOR, o PIMENTINHA, representam a simplicidade, a simpatia e a sabedoria popular da cultura portuguesa.

“DOM CASMURRO”:


A ação e o enredo perdem a importância para a caracterização das personagens. Outra coisa que chama a atenção são as suas personagens, quase sempre bem situadas na vida, sem necessidade de trabalhar; aliás, o único trabalho que fazem é serem personagens de Machado de Assis, como observou alguém. Por outro lado, movem-se lenta e pausadamente, sendo quase sempre objeto de observação e análise do autor: são pessoas muito mais de reflexão do que de ação.

Uma das linhas mestras da ficção machadiana parte do aproveitamento dos arquétipos, que remontam à tradição clássica e aos textos bíblicos. (Arquétipo = modelo de seres criados; padrão exemplar; imagens psíquicas do inconsciente coletivo e que são o patrimônio coletivo de toda a humanidade.) Assim, o conflito dos irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó, remonta ao arquétipo bíblico da rivalidade entre Caim e Abel; a psicose do ciúme de Bentinho, em Dom Casmurro, aproxima-se do drama de Otelo e Desdêmona, de Shakespeare.

BENTO SANTIAGO: Quando jovem era um pouco mais baixo que Capitu. Não apresentava traços físicos definidos e revela-se como um moço rico, mimado pela mãe e, talvez por isso, não apresentasse o mesmo espírito vivaz e a iniciativa de Capitu. No passado dividia-se entre a mãe e a vizinha. Conforme escreve, o livro divide-se entre o passado e o presente. Tanto acusa quanto louva a falecida esposa.
Os nomes e apelidos das personagens oferecem várias sugestões e são extremamente significativos. Além do Dom Casmurro, que o próprio narrador explica, lembramos: BENTO SANTIAGO - Bento (=santo), Bentinho (=santinho), Santo + Iago (=fusão entre o bem e o mal, de santo com Iago, personagem de Otelo, de Shakespeare que, como um diabo, um demônio ardiloso, instila o mal, o ciúme e a vingança no coração do príncipe mouro; Iago é o responsável direto pelo assassinato de Desdêmona).

CAPITOLINA/CAPITU: no inicio na narrativa, está com 14 anos e é um pouquinho mais alta do que Bentinho. Tem os cabelos grossos negros e compridos até a cintura. Seus olhos são negros e misteriosos a ponto de despertar no narrador a comparação com a ressaca do mar, é esperta, inteligente, extrovertida, criativa e previdente.
É ela que pensa primeiro num plano para livrar Bentinho do seminário e que desperta nele o impulso do primeiro beijo e que, após sua entrada no seminário, fica o maior tempo possível ao lado de D. Glória. Torna-se querida de tal forma, que, quando José Dias usa a palavra nora, D. Glória sorri como quem aceita.
O narrador mostra, nas entrelinhas, a parca condição financeira da jovem Capitu.
CAPITU sugere inúmeras derivações: de caput, capitis que, em latim, significa cabeça, numa alusão à inteligência ou à esperteza (Foneticamente aproxima-se de capeta, imagem da vivacidade, ou da maldade e traição com que a impregna o narrador enciumado.); CAPITOLINA lembra ainda o verbo capitular (= renunciar), a atitude conformada da esposa injuriada pelo marido, e que capitula e renuncia a qualquer reação. (O epíteto que lhe coloca José Dias: “cigana oblíqua e dissimulada”, remete-nos à imagem habitual da cigana; sensual, esperta, Mas basta pensar na imagem recorrente dos “olhos de ressaca”, na vinculação simbólica entre Capitu (entre a mulher) e o mar, para convencer-se de que o recurso ao tropo (como, aliás, ao ornato retórico em geral) é inerente à poética machadiana.
Capitu na lenda dos santos cristãos, a capadócia Capitolina foi acompanhada em seu martírio por sua criada Erotheis (também escrito Erotis ou Erotes). Erotheis está aparentemente relacionado com a raiz grega “erot”, que significa “amor” (Eros). Machado de Assis estudou grego antigo. Santa Capitolina e sua criada, santo “Amor”, sofreram seu martítio em 304 d.C.

ESCOBAR: Conhece Bento no seminário e logo se tornam amigos inseparáveis. Tem grande facilidade com números, por isso, sonha em ser comerciante e, assim que abandona o seminário, dedica-se ao negócio de café. É o grande desencadeador da trama, pois Bento acredita que ele tornou-se amante de sua esposa, Capitu.
José Dias definiu Escobar como um rapaz polido de olhos claros e dulcíssimos. O narrador o descreve da seguinte forma:

“A cara rapada mostrava uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouso baixa, vindo a risca do cabelo quase em cima da sobrancelha esquerda — mas tinha sempre a altura necessária para não afrontar as outras feições, nem diminuir a graça delas. Realmente, era interessante de rosto, a boca fina e chocarreira, o nariz curvo e delgado. Tinha o sestro de sacudir o ombro direito, de quando em quando e veio a perdê-lo, desde que um de nós lhe notou um dia no seminário; primeiro exemplo que vi de que um homem pode corrigir-se muito bem dos defeitos miúdos”.

JOSÉ DIAS: Era magro chupado, com um principio de calviçe e dedicado a família de Bentinho até a morte. Era agregado em casa de D. Gloria "apresenta-se como medico sem o ser.”

“[...] amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia a prolongar as frases. [...] vi-o passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. A gravata de cetim preto, com um arco de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque de chita, veste caseira e leve, parecia nele uma casaca de cerimônia. Era magro, chupado, com um princípio de calva; teria os seus cinqüenta e cinco anos. Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não aquele vagar arrastado se era dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um silogismo completo, a premissa antes da conseqüência, a conseqüência antes da conclusão. Um dever amaríssimo!"

DONA GLÓRIA: Mãe de Bentinho, senhora religiosa e viúva que, em razão de uma antiga promessa, desejava fazer do filho um padre.

“D. Maria da Glória Fernandes Santiago contava quarenta e dous anos de idade. Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da ação do tempo. Vivia metida em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e abrochado ao peito por um camafeu. Os cabelos, em bandós, eram apanhados sobre a nuca por um velho pente de tartaruga; alguma vez trazia a touca branca de folhas. Lidava assim, com os seus sapatos de cordovão rasos e surdos, a um lado e outro, vendo e guiando os serviços todos da casa inteira, desde manhã até a noite.”

TIO COSME: Irmão de D. Glória, advogado e viúvo era modesto, gordo, olhos dorminhocos e respiração curta. Ocupa posição neutra: não se opunha aos planos de Bentinho, mas também não interrompia.

"Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo - a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme acomodava as carnes, e a besta partia a trote."

PRIMA JUSTINA: Viúva prima de D. Glória. Parece ser egoísta, ciumenta e intrigante. Era a secarrona malévola sem ser maléfica, é uma esplêndida gravura.

“Era quadragenária, magra e pálida, boca fina e olhos curiosos. Vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse; minha mãe queria ter uma senhora íntima ao pé de si, e antes parenta que estranha.”

PEDRO DE ALBUQUERQUE SANTIAGO: Pai falecido de Bentinho.

“Não me lembra nada dele, a não ser vagamente que era alto e usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me acompanham para todos os lados, efeito da pintura que me assombrava em pequeno. O pescoço sai de uma gravata preta de muitas voltas, a cara é toda rapada, salvo um trechozinho pegado às orelhas. [...] O que se lê na cara de ambos [os pais de Bentinho] é que, se a felicidade conjugal pode ser comparada à sorte grande, eles a tiraram no bilhete comprado de sociedade.”

PADRE CABRAL: Velho amigo do tio Cosme com quem costumava jogar durante as noites, na casa de D. Glória, e quem ensinou a Bentinho as primeiras letras, latim e doutrina. O padre ajuda Bentinho no caso do seminário, explicando para a família pode-se ter a vocação religiosa manifesta de outra forma que não a de se tornar padre. Bom latinista.

SANCHA: Companheira de colégio de Capitu, filha de Gurgel, comerciante de objetos americanos que “era viúvo e morria pela filha”. Sancha casa-se com Escobar.

“Escobar e a mulher viviam felizes, tinham uma filhinha. Em tempo ouvi falar de uma aventura do marido, negócio de teatro, não sei que atriz ou bailarina, mas se foi certo, não deu escândalo. Sancha era modesta, o marido trabalhador.”

O casal estreita amizade com Bentinho e Capitu:

“Demais, as nossas relações de família estavam previamente feitas; Sancha e Capitu continuavam depois de casadas a amizade da escola, Escobar e eu a do seminário. Eles moravam em Andaraí, aonde que riam que fôssemos muitas vezes, e, não podendo ser tantas como desejávamos, íamos lá jantar alguns domingos, ou eles vinham fazê-lo conosco. Jantar é pouco, íamos sempre muito cedo, logo depois do almoço, para gozarmos o dia compridamente, e só nos separávamos as nove, dez e onze horas, quando não podia ser mais.”

Sancha foi uma princesa portuguesa santificada. Possuía natureza gentil, submissa e buscava o isolamento precoce. “Sancha tem três desejos, mas não os meios de os satisfazer”. (Trova portuguesa)

GURGEL: vem de Gorgel/gorja/gorjeador – tagarela. É ele que aponta a semelhança entre Capitu e o retrato da mãe de Sancha: “ Na vida há dessas semelhanças assim esquisitas.”

EZEQUIEL: Filho de Capitu e Bentinho, cujas feições e trejeitos semelhantes aos de Escobar levam o narrador a desconfiar de que sua esposa o traíra, e a crer que não é seu filho, mas sim, de seu melhor amigo. Nome bíblico: “Sois perfeito desde o dia em que fostes criado”/”Ezequiel, filho do homem”.

“Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira, iam-se apurando com o tempo. Eram como um debuxo primitivo que o artista vai enchendo e colorindo aos poucos, e a figura entra a ver, sorrir, palpitar, falar quase, até que a família pêndula o quadro na parede, em memória do que foi e já não pode ser. Aqui podia ser e era.”

MANDUCA: O jovem leproso de Matacavalos, ao polemizar com Bentinho sobre a Guerra da Criméia, espiritualiza a sua putrefação física na flama intelectual. Possui apenas um nome, como um rei ou um Deus. Seu nome conota Emmanuel – uma palavra hebraica da Bíblia que significa “Deus está conosco” ou “Deus está entre nós”. É o termo usado por Isaías referindo-se ao profeta Messias: “ – Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão pelo nome de Emmanuel. Manduca é também o nome carinhoso dados aos de Manoel, nos países católicos. Pode conotar sua enfermidade ao verbo “manducar”, termo vulgar para o verbo comer, e é dito que “a doença ia-lhe comendo parte das carnes”. Ele não recebeu nenhuma das bênçãos da vida que Bentinho leva (saúde, riqueza, posição social e amigos). Mas, ele possuía a coisa fundamental que falta a Bentinho: uma enorme capacidade de amar, amar e ter fé em um homem, um povo, uma causa, uma vida...De seu quarto fétido e escuro de doente, ele escreve a Bento sua argumentação apaixonada a favor da Turquia, seu amor e paixão pela vida: “ – Os russos não hão de entrar em Constantinopla”.

Bento acena a Manduca com uma flor, e talvez saia assim a flor mais bela (“Ó flor do céu/Ó flor cândida e pura!), por fim, o botão murcha, deixando apenas um ligeiro odor de amor próprio: ele possui a consolação de ter dado “dois ou três meses de felicidade a um pobre diabo.” No entanto, Bento que é um pobre diabo: seu coração é um barquinho frágil que se desvia de seu curso com a menor lufada de vento.

MARCOLINI: cantor de ópera, nome originado de uma famosa cantora, Marietta Marcolini, de uma geração antes de Machado de Assis.
Marcolini origina do verbo “marcar” um itinerário, um destino. Bento chama de digressão os capítulos sobre Marcolini e sua extensa comparação da vida a uma ópera. Ele explica sua teoria acerca da vida, e “marca” de forma simbólica, a estória que virá, a luta dentro de Bento entre o Bem e o Mal, espiritualidade e sensualidade, amor e amor próprio.

 “IRACEMA”:


TABAJARAS:


• IRACEMA: “a virgem dos lábios de mel”, representa o amor. Filha de Araquém, o Pajé da tribo; irmã de Caubi e sobrinha do ancião Andira.

• ARAQUÉM: “o ministro de Tupã”, representa a sabedoria: solenidade da velhice contrastando com a beleza agreste de Iracema, um patriarca do deserto, ensinando aos moços os conselhos da prudência. Líder espiritual, conhecedor do que se passa na mente e no coração de cada um de sua tribo, principalmente durante o ritual sagrado da ingestão do licor da jurema.

• CAUBI: representa o jovem guerreiro, o domínio da terra, a integração com o meio, o guia, “senhor dos segredos da natureza, da caça e dos caminhos”. Filho de Araquém

• IRAPUÃ: chefe da tribo tabajara, representa o ciúme e o valor marcial. Possuindo posição anticolonialista defende as terras indígenas contra a invasão dos brancos, combatendo inclusive os pitiguaras, aliados aos portugueses e favoráveis à colonização.

• ANDIRA: representa o ancião guerreiro. Irmão de Araquém.


PITIGUARAS/POTIGUARAS:

• ANTÔNIO FELIPE CAMARÃO (POTI) representa a amizade e a confiança. Amigo de Martim e irmão de Jacaúna.

• JACAÚNA: chefe da tribo dos pitiguaras.

• JATOBÁ: pai de Poti e Jacaúna.

• BATUIRETÉ: feiticeiro da tribo dos pitiguaras e avô de Jacaúna e Poti. Já com idade avançada e experiente, torna-se uma espécie de oráculo de guerra e passará a ser chamado de Maranguab, “o grande sabedor da guerra”.

PORTUGUÊS:

• MARTIM SOARES MORENO (COATIABO): “o gavião branco”, representa o colonizador. Portador de virtudes cavalheirescas amou a pátria mais que à esposa, esse é o patrimônio que ele transmite a Moacir.















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