João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barraco sem [número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa
Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(In: Libertinagem, de Manuel Bandeira)
“Poema tirado de uma notícia
de jornal” é um poema narrativo, onde o eu lírico se transforma em uma
informação jornalística e rotineira de suicídio.
A narração em 3ª pessoa é
neutra, imparcial e objetiva confrontando a linguagem poética (versos, ritmos
poéticos e musicalidade) com o tom prosaico - uma paródia da linguagem
jornalística, denunciando o destino violento de pessoas simples.
João Gostoso não possui
características precisas: sem nome próprio (representa uma alegoria de muitos
brasileiros que vivem na marginalidade das grandes cidades brasileiras. “Gostoso”
é provavelmente, uma alcunha); sem moradia fixa (“morava no morro da Babilônia
num barraco sem número”) e sem emprego definido (“carregador de feira livre”)
cumpre seu destino para a morte e transforma-se num anonimato de ocorrência
policial, virada do avesso pela indeterminação.
Aos versos longos iniciais e de
ritmo aliterante (“eRa caRRegadoR de
feiRa livRe e moRava no moRRo da
Babilônia num baRRaco sem númeRo”); segue a expressão “uma noite” fugindo da
precisão objetiva da notícia midiática; para em seguida, apresentarem versos
dissílabos, que culminam num único verso horizontal (a superfície da lagoa), representando
visualmente a trajetória de João Gostoso do princípio (vida) para o fim
(morte).
Essa sequência imita, na
expressão, o movimento de descida inevitável para o fim da vida enfatizado até
visualmente pela oposição entre a verticalidade rápida dos versos curtos e a
horizontalidade espraiada dos versos longos.
A espacialização do poema inicialmente
se dá com indeterminação: barraco sem número, no entanto, no morro da Babilônia
que pode referir-se ao substantivo, “babilônia” (baderna, a falta de
organização) ou ao alto espaço da miséria anônima e até, ironicamente ao famoso
Jardim Suspenso.
A aproximação da personagem à
rua (exterior) se dá, na tranquilidade, através da experiência do ser solitário
que olha ou escuta de onde descortina o mundo lá fora, assim ressalta a
importância de um espaço físico em detrimento de uma individualidade humana.
O bar, por sua vez, é
identificado por “Vinte de Novembro”, assim, João Gostoso sai do espaço
indiferenciado e entra num espaço público, denominado e oposto a sua vida – um
lugar de prazer.
A dança de morte de João
Gostoso se imprime nas angulosidades do ritmo do poema. Com um ritmo acelerado
próprio para retratar a rápida alegria dionisíaca, a necessidade física e o
caos da vaidade, antecipa o seu declínio de morro abaixo, após momentos de
êxtase.
É importante ressaltar que o
Morro da Babilônia (lugar alto e pobre) contrasta com a Lagoa Rodrigo de
Freitas (lugar baixo e de riqueza no Rio de Janeiro).
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