“A fogueira”
Primeiro conto de “Vozes
Anoitecidas” e é uma boa introdução à obra de Couto. Relata a história de um
casal de idosos que vive numa grande pobreza. Eles começam a discutir sobre o
futuro incerto e a morte.
Como estão velhos e sozinhos, o marido tem uma
preocupação: saber quem enterraria a mulher se ele morresse antes dela.
Um dia o marido decidiu que ia cavar o cemitério
para a sua mulher. Dedicou-se ao buraco durante duas semanas. Ele não queria
deixar a esposa sofrer no caso de ele morrer antes. Esforçava-se muito, sem descanso
e trabalhava mesmo com o mau tempo e a chuva.
A mulher comovida, sorriu:
– Como és bom marido! Tive sorte no homem da minha vida. (A fogueira. (pág.
22)
E faz isso todos os dias,
devagar devido à idade e à pouca força.
Durante
duas semanas o velho dedicou-se ao buraco. Quanto mais perto do fim mais se
demorava. (p. 23)
Também, não comia e estava doente. No dia seguinte,
sem forças caiu. A mulher puxou-o pelos braços e trouxe-o para dentro.
Acamado, volta a ter a
preocupação pela mulher, afinal quem a colocaria na cova se ele viesse a
morrer. Por isso mesmo, decide que a cova não pode ficar sem serventia e que o
melhor a se fazer é matar a mulher antes que ele próprio morra. Ainda que seja
estranho, não se trata de uma decisão com ódio ou outro sentimento ruim.
Acredita, segundo sua visão de mundo, que esse é o correto a se fazer. A
mulher, comunicada pelo marido sobre tal decisão, aceita passivamente, sem admoestá-lo,
sem se revoltar ou falar qualquer coisa em contrário.
– É
verdade, marido. Você teve tanto trabalho para fazer aquele buraco. É uma pena
ficar assim. (p. 25)
No dia seguinte, o marido não
resiste e é encontrado morto pela mulher. Durante a noite, a velha sonhara com
os antepassados, sonhara com as histórias contadas e o sentido que faziam para
manter a integridade do grupo. O que se deve, portanto, destacar no conto é,
além da extrema pobreza em que vivem, a singeleza e a harmonia do casal, é. Se
falta riqueza material, sobram a eles exatamente elementos da cultura local, o
respeito à sabedoria dos mais velhos, o respeito às decisões.
Esse primeiro conto revela já
o contraste entre o mundo moderno, egoísta, de busca por novidades e a harmonia
de uma sociedade que, como os velhos, morrem e eles próprios têm de cavar a
própria cova. Afinal, não morreu a
mulher, mas faleceu o marido. A única coisa certa nas vidas do casal é a morte.
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