Esboço
de uma nova teoria da alma humana
Quatro ou cinco cavalheiros
debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a
disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava
no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se
misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as suas
agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de uma
atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores
de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo.
Por que quatro ou cinco?
Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um
quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não
passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade
dos companheiros, entre quarenta e cinquenta anos, era provinciano,
capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e
cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo,
dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no
homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins
não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como
desse esta mesma resposta naquela noite, contestou-lhe um dos presentes, e
desafiou o a demonstrar o que dizia, se era capaz. Jacobina (assim se chamava
ele) refletiu um instante, e respondeu:
- Pensando bem, talvez o
senhor tenha razão.
Vai senão quando, no meio da
noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três minutos,
mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza
da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada
sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão
impossível, pela multiplicidade das questões que se deduziram do tronco
principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos
argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, -uma conjetura, ao menos.
- Nem conjetura, nem opinião,
redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu
não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de
minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que
se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas...
- Duas?
- Nada menos de duas almas.
Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora,
outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem ficar de
boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o
charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um
homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um
simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a
polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um
tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida,
como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma
laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e
casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência
inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os seus
ducados; perdê-los equivalia a morrer. "Nunca mais verei o meu ouro, diz
ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem esta
frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é
preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...
- Não?
- Não, senhor; muda de
natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com
a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e
de Cromwell. São almas enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas,
de natureza mudável. Há cavalheiros, por exemplo, cuja alma exterior, nos
primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde uma
provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, -
na verdade, gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco, seis vezes por
ano. Durante a estação lírica é a ópera; cessando a estação, a alma exterior substitui-se
por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua do Ouvidor,
Petrópolis...
- Perdão; essa senhora quem
é?
- Essa senhora é parenta do
diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais casos. Eu
mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe;
restrinjo-me ao episódio de que lhes falei. Um episódio dos meus vinte e cinco
anos...
Os quatro companheiros, ansiosos
de ouvir o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa curiosidade! tu não
és só a alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de
outro sabor que não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de
física e metafísica, é agora um mar morto; todos os olhos estão no Jacobina,
que conserta a ponta do charuto,
recolhendo as memórias. Eis aqui como ele começou a narração:
- Tinha vinte e cinco anos,
era pobre, e acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não imaginam o
acontecimento que isto foi em nossa casa. Minha mãe ficou tão orgulhosa! tão
contente! Chamava-me o seu alferes. Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera
e pura. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e ranger de
dentes, como na
Escritura; e o motivo não foi
outro senão que o posto tinha muitos candidatos e que esses perderam. Suponho
também que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da simples
distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram a
olhar-me de revés, durante algum tempo. Em compensação, tive muitas pessoas que
ficaram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento me foi
dado por amigos... Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, viúva do
Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da vila, num sítio escuso e solitário,
desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda. Fui, acompanhado
de um pajem, que daí a dias tornou à vila, porque a tia Marcolina, apenas me
pilhou no sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não me soltava antes de um
mês, pelo menos. E abraçava-me! Chamava-me também o seu alferes. Achava-me um
rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou a confessar que tinha inveja
da moça que houvesse de ser minha mulher. Jurava que em toda a província não
havia outro que me pusesse o pé adiante. E sempre alferes; era alferes para cá,
alferes para lá, alferes a toda a hora. Eu pedia-lhe que me chamasse Joãozinho,
como dantes; e ela abanava a cabeça, bradando que não, que era o "senhor alferes".
Um cunhado dela, irmão do finado Peçanha, que ali morava, não me chamava de
outra maneira. Era o "senhor alferes", não por gracejo, mas a sério,
e à vista dos escravos, que naturalmente foram pelo mesmo caminho. Na mesa
tinha eu o melhor lugar, e era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes disser
que o entusiasmo da tia Marcolina chegou ao ponto de mandar pôr no meu quarto um
grande espelho, obra rica e magnífica, que destoava do resto da casa, cuja
mobília era modesta e simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que
esta herdara da mãe, que o comprara a uma das fidalgas vindas em 1808 com a
corte de D. João VI. Não sei o que havia nisso de verdade; era a tradição. O
espelho estava naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em
parte pelo tempo, uns delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns
enfeites de madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom...
- Espelho grande?
- Grande. E foi, como digo,
uma enorme fineza, porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da casa.
Mas não houve forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia
falta, que era só por algumas semanas, e finalmente que o "senhor
alferes" merecia muito mais.
O certo é que todas essas
coisas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim uma transformação, que o
natural sentimento da mocidade ajudou e completou. Imaginam, creio eu?
- Não.
- O alferes eliminou o homem.
Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a
primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu
então que a alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das
moças, mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo
o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do
cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a
outra dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não?
- Custa-me até entender,
respondeu um dos ouvintes.
- Vai entender. Os fatos
explicarão melhor os sentimentos: os fatos são tudo. A melhor definição do amor
não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um filósofo antigo
demonstrou o movimento andando. Vamos aos fatos. Vamos ver como, ao tempo em
que a consciência do homem se obliterava, a do alferes tornava-se viva e
intensa. As dores humanas, as alegrias humanas, se eram só isso, mal obtinham
de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor. No fim de três semanas,
era outro, totalmente outro. Era exclusivamente alferes. Ora, um dia recebeu a
tia Marcolina uma notícia grave; uma de suas filhas, casada com um lavrador
residente dali a cinco léguas, estava mal e à morte. Adeus, sobrinho! adeus,
alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem, pediu ao cunhado que fosse
com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio que, se não fosse a aflição,
disporia o contrário; deixaria o cunhado e iria comigo. Mas o certo é que
fiquei só, com os poucos escravos da casa. Confesso-lhes que desde logo senti
uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao efeito de quatro paredes de um
cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se
reduzia; estava agora limitada a alguns espíritos boçais. O alferes continuava
a dominar em mim, embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais
débil. Os escravos punham uma nota de humildade nas suas cortesias, que de
certa maneira compensava a afeição dos parentes e a intimidade doméstica
interrompida. Notei mesmo, naquela noite, que eles redobravam de respeito, de
alegria, de protestos. Nhô alferes, de minuto a minuto; nhô alferes é muito
bonito; nhô alferes há de ser coronel; nhô alferes há de casar com moça bonita,
filha de general; um concerto de louvores e profecias, que me deixou extático.
Ah! Pérfidos! Mal podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados.
- Matá-lo?
- Antes assim fosse.
- Coisa pior?
- Ouçam-me. Na manhã seguinte
achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou de movimento próprio, tinham
resolvido fugir durante a noite; e assim fizeram. Achei-me só, sem mais
ninguém, entre quatro paredes, diante do terreiro deserto e da roça abandonada.
Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo; ninguém, um
molequinho que fosse. Galos e galinhas tão-somente, um par de mulas, que
filosofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os mesmos cães foram
levados pelos escravos. Nenhum ente humano. Parece-lhes que isto era melhor do que
ter morrido? Era pior. Não por medo; juro-lhes que não tinha medo; era um pouco
atrevidinho, tanto que não senti nada, durante as primeiras horas. Fiquei
triste por causa do dano causado à tia Marcolina; fiquei também um pouco perplexo,
não sabendo se devia ir ter com ela, para lhe dar a triste notícia, ou ficar
tomando conta da casa. Adotei o segundo alvitre, para não desamparar a casa, e
porque, se a minha prima enferma estava mal, eu ia somente aumentar a dor da
mãe, sem remédio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do tio Peçanha
voltasse naquele dia ou no outro, visto que tinha saído havia já trinta e seis
horas. Mas a manhã passou sem vestígio dele; à tarde comecei a sentir a
sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a ação nervosa, e não tivesse
consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou nesse dia, nem
no outro, nem em toda aquela semana. Minha solidão tomou proporções enormes.
Nunca os dias foram mais compridos, nunca o sol abrasou a terra com uma
obstinação mais cansativa. As horas batiam de século a século no velho relógio
da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma interior, como um
piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma poesia
americana, creio que de Longfellow, e topei este famoso estribilho: Never, for
ever! -For ever, never! Confesso-lhes que tive um calafrio: recordei-me
daqueles dias medonhos. Era justamente assim que fazia o relógio da tia
Marcolina: - Never, for ever!- For ever, never! Não eram golpes de pêndula, era
um diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a noite
fosse mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a
sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém, nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro,
ninguém em parte nenhuma... Riem-se?
- Sim, parece que tinha um
pouco de medo.
- Oh! Fora bom se eu pudesse
ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem sequer
podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação
inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico.
Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser
irmão da morte, mas por outra. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: - o
sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma
interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos amigos,
que me elogiavam o garbo, que me chamavam alferes; vinha um amigo de nossa
casa, e prometia-me o posto de tenente, outro o de capitão ou major; e tudo isso
fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se com o sono a
consciência do meu ser novo e único - porque a alma interior perdia a ação
exclusiva, e ficava dependente da outra, que teimava em não tornar... Não
tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se descobria algum sinal de
regresso. Soeur
Anne, soeur Anne, ne voistu rien venir? Nada,
coisa nenhuma; tal qual como na lenda francesa. Nada mais do que a poeira da
estrada e o capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado,
estirava-me no canapé da sala. Tic-tac,
tic-tac.
Levantava-me, passeava,
tamborilava nos vidros das janelas, assobiava.
Em certa ocasião lembrei-me
de escrever alguma coisa, um artigo político, um romance, uma ode; não escolhi nada
definitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e frases soltas,
para intercalar no estilo.
Mas o estilo, como tia
Marcolina, deixava-se estar. Soeur Anne,
soeur Anne... Coisa nenhuma. Quando muito via negrejar a tinta e alvejar o
papel.
- Mas não comia?
- Comia mal, frutas, farinha,
conservas, algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo alegremente, se
não fora a terrível situação moral em que me achava. Recitava versos,
discursos, trechos latinos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas, uma
antologia em trinta volumes.
As vezes fazia ginástica;
outra dava beliscões nas pernas; mas o efeito era só uma sensação física de dor
ou de cansaço, e mais nada. Tudo silêncio, um silêncio vasto, enorme, infinito,
apenas sublinhado pelo eterno tic-tac da pêndula. Tic-tac, tic-tac...
- Na verdade, era de
enlouquecer.
- Vão ouvir coisa pior.
Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o
espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso
inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária;
e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana,
porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim
justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado
com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada,
difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o
espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim
devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação.
Então tive medo; atribuí o
fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e
enlouquecer. - Vou-me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau
humor, e ao mesmo tempo de decisão, olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas
disperso, esgaçado, mutilado... Entrei a vestir-me, murmurando comigo, tossindo
sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afligindo-me a frio com os botões,
para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente para o espelho;
a imagem era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos...
Continuei a vestir-me. Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um
impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem capazes de adivinhar qual foi a
minha ideia...
- Diga.
- Estava a olhar para o
vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições
derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o pensamento...
Não, não são capazes de adivinhar.
- Mas, diga, diga.
- Lembrou-me vestir a farda
de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho,
levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura
integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o
alferes, que achava, enfim, a alma exterior. Essa alma ausente com a dona do
sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai
um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver,
depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente
uns nem outros; enfim, sabe que este é Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma
cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono. Assim foi comigo.
Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e
o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em
diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e
sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando; no fim de duas, três
horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de
solidão sem os sentir...
Quando os outros voltaram a
si, o narrador tinha descido as escadas.
2 – Análise crítica
literária:
2.1 – FOCO NARRATIVO:
“O espelho” inicia-se com foco
narrativo em terceira pessoa. Após, tem-se o narrador-personagem, em primeira
pessoa e, no parágrafo final, a narrativa retorna a terceira pessoa.
2.2 – TEMPO:
Embora, no início do conto há
índices temporais: “uma noite”; “vai senão quando, no meio da noite”; “usou da
palavra e não dois ou três minutos, mas trinta ou quarenta”, o que domina na
narrativa não é o tempo cronológico, não há uma preocupação excessiva em contar
a estória, preocupação maior é com a análise, uma dissecante e profunda, em que
o escritor procura desnudar a personagem e revelar as suas entranhas.
Debruçado sobre a reconstrução do
solitário Jacobina, que vai revivendo um fato que jaz na suas entranhas,
através de tempo psicológico, um flash-back.
Durante a estadia da casa de D.
Marcolina, realçando a solidão, quando a tia se vai e os escravos fogem, há uma
ênfase especial do tempo cronológico, realçado pela onomatopéia “tic-tac” e
fazendo analogia com o ritmo temporal da eternidade. A ação se desenrola
cronologicamente, cadenciada pelo tic-tac do relógio.
Desde que ficara só, o jovem não
olhava para o espelho: “no fim de oito dias deu-me a veneta de olhar para o
espelho”. Este é um fato importante na trama e na “defesa de tese” de Jacobina.
Após a “ressurreição” do alferes, o tempo é também elemento expressivo: “Cada
dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes” (...); no fim de duas, três horas,
despia-me outra vez”.
O tempo vai ajudá-lo a vencer a
solidão.
“Com este regime pude atravessar
mais seis dias de solidão sem os sentir”...
Nas duas linhas finais, há uma
volta ao presente e finda o “flash back”.
2.3
– ESPAÇO:
O espaço, no conto, é bem
delineado, a discussão inicial começa em uma casa no morro de Santa Teresa, bairro
de classe média no Rio de Janeiro onde, no final do século XIX, residiam muitos
funcionários públicos, com sala “pequena, alumiada a velas”; em uma visão
macroscópica, o espaço fechado abre-se para o exterior: a luz das velas
“fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com
suas agitações e aventuras, e o céu em que as estrelas pestanejavam, através de
uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco
investigadores de coisas metafísicas”. Este é um espaço neutro, sem drama,
antes do episódio, do conflito.
O segundo espaço consiste no sítio,
onde Jacobina, fica sozinho, alargando-se para um espaço aberto: “a poeira da
estrada e o capinzal dos morros”...
2.4 – TEMAS:
“O espelho descreve a passagem sutil entre níveis de
consciência, os quais refletem em níveis sociais: trata-se do processo
dialético que compreende a passagem do indivíduo, para o tipo, para a pessoa“ (BOSI,
1999, p. 158 e ss).
O conto de Machado de Assis esboça
uma teoria sobre a alma humana, discutindo o tema da consciência trágica como
elemento fundamental do pensamento do homem moderno e contém a experimentação
formal, a profunda análise psicológica, a atmosfera pessimista e desiludida que
marca a segunda fase machadiana, colocando questões de natureza filosófica,
como a relação entre identidade e alteridade; a vida como representação ou o
mundo como teatro; a presença de uma dimensão incomunicável no ser; a
alienação; a vida social condicionando o comportamento, impondo a ausência de
liberdade do indivíduo e, como variação deste tema, o da ascensão social como
forma de mascaramento.
Esta concepção machadiana sobre a
alma ou sobre o sujeito encontra eco em vários pensadores e escritores oitocentistas
e, posteriormente, na filosofia existencialista.
Jacobina teoriza sobre a alma,
apresentando-a negativamente: o homem tem duas almas, uma inferior:
identificada aqui aos processos subjetivos e uma alma exterior (plano objetivo),
a qual se relaciona aos processos externos ao homem, isto é, aos valores
sociais estabelecidos. O fato de esta estrutura ser marcada pela duplicidade e
pela inconstância, já que ambas mudam de natureza e de estado, faz revelar a
ausência de unidade da alma, ou seja, o sujeito moderno apresenta-se como um ser
vazio. Ou melhor, se por um lado, a sociedade assume a face de um destino, já
que ela é uma força de coação, por outro, esta mesma força é informe, instável.
Nessa tensão, o humano apresenta-se
desumanizado, conforme observa Raymundo Faoro:
“A
separação da vida em dois pedaços, revivendo uma ideia dos céticos gregos,
acentua a desumanização, o aviltamento espiritual na existência do contexto
social, sinistramente equiparado à cega divindade, ao monstro que vigia o passo
ensaiado e presunçoso do ator” (FAORO, 1981, p. 422).
Nietzsche
em “O nascimento da tragédia” caracteriza a passagem do estado apolíneo
(máscara social, aparência, o visível) ao estado dionisíaco (funções
instintivas e inconscientes) como uma ruptura do princípio de individuação e com
os limites do “si mesmo” que acarreta uma integração do “eu ao mundo”,
propiciando uma visão mais autêntica e profunda da realidade, um mergulho na
alteridade.
“(...)
nosso corpo é apenas uma estrutura social de muitas almas” (NIETZSCHE, 1993, §
19, p. 25).
O corpo é, portanto, um campo de
forças em eterno conflito. Não há uma unidade subjacente a este dinamismo, pelo
contrário, aquilo que se chama sujeito aparece como o resultado deste processo,
isto é, o “eu” não é o fator determinante ou casual de todas as ações. Aquilo
que aparece como “eu”, enquanto elemento uno e estável, nada mais é do que uma
ficção, ele é o reflexo de uma vontade que tenta manter-se estável,
indiferente, no interior da multiplicidade das mudanças.
Esta duplicidade é simbolizada pelo
reflexo especular, pelo desdobramento de si que a imagem refletida no espelho
provoca. Assim, o objeto espelho tem o poder de realizar uma operação
metafísica: ele mostra o homem para si e em si mesmo como alteridade. Trata-se
aqui do ato de pensar a si mesmo a partir do seu reflexo: pensar a si como “um
outro”. Este conflito – ser um e ser outro – é parte mesmo do homem. Mais
precisamente, este conflito é o próprio homem. O próprio simbolismo do espelho
contém esta duplicidade: trata-se de um símbolo solar-masculino (a inteligência
celeste refletida) e um símbolo lunar-feminino (o reflexo da luz solar).
A alma exterior só existe porque os
outros existem, isto é, ela vive das relações com o mundo. Esta esfera tende a
desumanizar, a transformar o homem num autômato, nela dá-se um aviltamento da
interioridade em função das relações sociais. A alma exterior é a determinação
do destino. Ora, a esfera da sociedade e da publicidade identifica-se também ao
mal, visto ser aquilo que provoca a desagregação do “eu”, e que, assim o
fazendo, provoca a dor. A esfera do impessoal tem um poder bi-articulado, pois,
tanto nega a possibilidade da autenticidade, quanto a possibilita.
O protagonista do conto, ao revelar
esta consciência do ser como gradação de valor, afirma-se como um niilista
pleno: ele configura o homem moderno, na medida mesmo em que revela sua
impossibilidade de adesão às coisas. Ou melhor, mesmo sua adesão é uma farsa, é
uma aparência.
Segundo Alfredo Bosi:
“O espelho é a matriz de uma certeza
machadiana que poderia formular-se assim: só há consciência no desempenho do
papel social; aquém da cena pública a alma humana é dúbia e veleitária” (BOSI,
1981, p. 449).
“O espelho” teatraliza a passagem
de um estado a outro, da luz à sombra, do determinado ao indeterminado,
revelando a duplicidade inerente ao ser, sem priorizar uma esfera em detrimento
de outra.
A alma interior revela a mesma
inconstância. Um dos momentos mais interessantes do conto é quando Jacobina,
estando sozinho, passa pela experiência da negatividade, cujo início se dá com
o tédio, que se intensifica cada vez mais, passando pelo nervosismo, o
aborrecimento, a angústia. Notemos que esse aprofundamento na solidão é
acompanhado pelo som do relógio. “As horas batiam de século a século no velho
relógio da sala, cuja pêndula tic-tac tic-tac, feria-me a alma interior, como
um piparote contínuo da eternidade”(ASSIS, 1952, p. 267). Com o relógio, o
próprio tempo, em seu efetivar-se, tornar-se concreto.
Jacobina identifica no som da
pêndula não apenas o tempo em sua continuidade, mas o abismo do tempo: “Never,
for ever! – For ever, never!Não eram golpes de pêndula, era um diálogo do
abismo, um cochicho do nada” (ASSIS, 1952, p. 267).
Há assim, uma relação entre o tempo
e a ausência de determinação: todas as ações da personagem aparecerão como vazias
de sentido. Enquanto a alma exterior não retorna, Jacobina andava de um lado a
outro, saía de casa, voltava para casa, “(...) estirava-me no canapé da sala.
Tic-tac tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos vidros da janela,
assobiava” (ASSIS, 1952, p. 268).
Notemos
que, imerso em si, a personagem, para se ocupar, afugentando o tédio – parece
liberar o seu potencial criativo:
“Em
certa ocasião lembrei-me de escrever alguma coisa, um artigo político, um
romance, uma ode; não escolhi nada definitivamente; sentei-me e tracei no papel
algumas palavras e frases soltas, para intercalar no estilo. Mas o estilo, como
a tia Marcolina, deixava-se estar. (...) Coisa nenhuma. Quando muito, via
negrejar a tinta e alvejar o papel “ (ASSIS, 1952, p. 267). Este malogro no ato
criativo leva a uma série de ações inúteis, num ímpeto de imaginação: “Recitava
versos, discursos, trechos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas, uma
antologia de trinta volumes. As vezes, fazia ginástica; outras dava beliscões
nas pernas; mas o efeito era só uma sensação física de dor ou de cansaço, e
nada mais. (ASSIS, 1952, p. 269).
Ao
descrever as ações físicas de Jacobina, Machado realça-lhes a fugacidade, pois
estas ações não estão previamente orientadas, isolando-se num quadro de
racionalidade e funcionalidade que as torne significativas. Esta perda do
sentido da atividade, sua falta de projeção para um futuro, é gerado do tédio.
Este resulta, portanto, desta total imersão no presente. Na ótica do tédio, o
tempo aparece como elemento de nadificação: em seu fluir, ele esvazia o sentido
de toda e qualquer ação humana, fornecendo à vida um caráter de
insignificância. Esta compreensão machadiana se aproxima a Schopenhauer. Para o
autor de “O mundo como vontade e representação”, a vida contém uma espécie de
círculo vicioso, originado na dinâmica entre o desejo-satisfação-tédio-desejo. Ao perceber este círculo, o homem se
conscientiza da inutilidade e do absurdo da vida. Assim, aquilo que, no tempo,
eternamente retorna, é o vazio, o nada.
Para Schopenhauer, o desejo funda-se na dor, já que consiste na
expressão de uma carência, mas, somente esta carência é positiva, pois, a
realização do desejo, enquanto supressão da dor, ao dar origem à satisfação,
lança o ser na pura negatividade, já que aquilo mesmo que permitia toda e
qualquer relação deixou de existir. Ora é a dor que possibilita tal relação,
daí a sua positividade: o homem é mais sensível na dor, ela o constrange a ir
mais fundo em si mesmo, em suma, a dor mobiliza. Assim, na situação oposta, a
ausência de mobilização provocará a insensibilidade. E o que ocorrerá com a
personagem Jacobina: “Mas o característico daquela situação é que eu nem sequer
podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação
inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico”
(ASSIS, 1952, p. 267).
Ao
mergulhar em si mesmo, Jacobina perde sua humanidade. Assim, por ironia, aquela
que seria a dimensão mais verdadeira da existência, a alma interior, a
subjetividade, dimensão esta que, em sua autenticidade se resguardaria da
mentira social e do constrangimento do impessoal, esta dimensão mostra-se
também como um grande vazio: o sujeito não é nada, e o tédio foi o princípio de
uma experiência que, quando intensificada, revela o ser como pura negação. Mas,
esta insensibilidade também se apresentará no lado oposto, isto é, com a alma
exterior.
Jacobina enquanto está cercado
pelos prazeres – a atenção plena, os cuidados, os elogios – a personagem vai se
tornando insensível, a ponto de o alferes eliminar o homem. Ora, não devemos
pensar que o jovem alferes é uma vítima da sociedade. Pelo contrário, ele
sente-se mesmo seduzido por todas aquelas atenções, deixando-se tomar por sua
máscara social, devido mesmo à sua própria vaidade.
No fundo, Jacobina é movido pela
aspiração a distinguir-se, elemento fundamental da vida como vontade de poder.
Jacobina percebe que se torna mais forte ao ser alferes e submete-se a este
jogo, até eliminar em si o que restava do homem.
A eliminação da humanidade leva a
uma perda da relação consigo: Jacobina não experimenta a si como positividade,
já que não sofre. Por não sofrer, ele também deixa de compreender ou perceber o
que lhe é externo: “As dores humanas, as alegrias humanas, se eram só isso, mal
obtinham de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor. No fim de três
semanas, era outro, totalmente outro. Era exclusivamente alferes” (ASSIS, 1953,
p. 264). Ora, Jacobina recai em si justamente quando está totalmente “fora de
si, em que é plenamente sua máscara. Esta queda é precedida por uma falha.
A vaidade de Jacobina será usada
contra ele mesmo. Ora, uma das funções da Guarda Nacional era a de fiscalizar
os escravos, mas a personagem desvia-se de sua ocupação, havendo uma inversão
dos valores: a farda prende a personagem, pois este, olhando para si, não vê as
intenções profundas do outro, possibilitando a fuga dos escravos da fazenda. Estes
escravos utilizam-se da própria força de Jacobina – o reconhecimento da
importância de seu cargo – para dominá-lo. Este domínio se faz também a partir
de uma máscara de fraqueza, já que a subserviência, a submissão e a obediência
dos escravos serviram como disfarce para velar a intenção da fuga.
A falha de Jacobina, a vaidade, o
privou do último resquício de sua alma exterior. E justamente quando Jacobina
se vê privado dos seus hábitos, de sua alma exterior, que ele irá experimentar
a dor, isto é, terá consciência de si mesmo e, este sentir a si, tornando-se
insuportável, o levará sempre a querer “sair de si”, ou seja, ele irá desejar
profundamente o retorno do outro.
Se a máscara de alferes é mais
forte que a do homem, posto que a elimina, ela também é o lugar da fraqueza, já
que sua força depende de um elemento externo, mais precisamente, o olhar do
outro. Assim sendo, quando se pensa que o homem por trás da máscara seria o
elemento de sustentação da unidade, revela-se o pior: o homem não é
absolutamente nada. A interioridade é pura possibilidade de ser, mera
disponibilidade que, como tal, é pura indeterminação.
No
entanto, no conto, todas as ações revelam-se vazias de sentido pelo fato de não
haver um outro que as reconheça. O problema do outro, como vimos, reside em sua
inconstância radical. Isto é, o “outro” configura e agrega o homem e sem a
mediação do “outro” (da sociedade), o ser que é pura possibilidade de ser se
perde no vazio. Assim a ausência de liberdade apresenta-se como a condição da
vida: para vir a ser, é necessário que o homem assuma até mesmo aquilo que ele
não é, assuma uma máscara. Mas, essa máscara não é um “outro” totalmente
diferente daquele que seria o “eu” original, pelo contrário, ela se vincula ao
“eu”. O “eu” é algo situado entre o si mesmo e a sociedade: alteridade radical.
Dessa
forma, a teoria da alma é irônica: não há alma alguma, já que o ser da alma é
múltiplo. A única existência necessária é a da opinião, a da alma exterior, em
suma, a aparência. O papel social forma assim a percepção e a consciência e, do
mesmo modo como desagrega, ele também agrega. No conto, o espelho é, por assim
dizer, um símbolo: ele é o “outro” que integra Jacobina a si mesmo e recupera
sua alma exterior.
“Essa alma ausente com a dona do
sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho. Imaginai
um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver,
depois começa a ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece
individualmente uns nem outros” (ASSIS, 1952, p. 271). Assim, após a
negatividade radical, as coisas retornam a seu ser. Mas, para voltar a si e
poder conviver novamente, Jacobina joga com sua aparência: ele ensaia as suas
ações, como um ator ensaia os gestos da personagem. Assim, Jacobina poderá ser ele mesmo sendo “um
outro”.
Ainda jovem Jacobina percebeu os
mecanismos do jogo social, podendo, enquanto comediante distanciar-se
criticamente. Como consequência, podemos especular que, quando adulto, Jacobina
não se envolve mais com nada, limitando-se a observar. Ou seja, Jacobina
penetrou na essência dolorosa da vida, isto é, no abismo dionisíaco, aprendendo
o mal da existência.
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