domingo, 11 de março de 2012

POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL: "LIBERTINAGEM", MANUEL BANDEIRA



João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barraco sem [número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

(In: Libertinagem, de Manuel Bandeira)

“Poema tirado de uma notícia de jornal” é um poema narrativo, onde o eu lírico se transforma em uma informação jornalística e rotineira de suicídio.
A narração em 3ª pessoa é neutra, imparcial e objetiva confrontando a linguagem poética (versos, ritmos poéticos e musicalidade) com o tom prosaico - uma paródia da linguagem jornalística, denunciando o destino violento de pessoas simples.
João Gostoso não possui características precisas: sem nome próprio (representa uma alegoria de muitos brasileiros que vivem na marginalidade das grandes cidades brasileiras. “Gostoso” é provavelmente, uma alcunha); sem moradia fixa (“morava no morro da Babilônia num barraco sem número”) e sem emprego definido (“carregador de feira livre”) cumpre seu destino para a morte e transforma-se num anonimato de ocorrência policial, virada do avesso pela indeterminação.
Aos versos longos iniciais e de ritmo aliterante (“eRa  caRRegadoR de feiRa livRe e moRava  no moRRo da Babilônia num baRRaco sem númeRo”); segue a expressão “uma noite” fugindo da precisão objetiva da notícia midiática; para em seguida, apresentarem versos dissílabos, que culminam num único verso horizontal (a superfície da lagoa), representando visualmente a trajetória de João Gostoso do princípio (vida) para o fim (morte).
Essa sequência imita, na expressão, o movimento de descida inevitável para o fim da vida enfatizado até visualmente pela oposição entre a verticalidade rápida dos versos curtos e a horizontalidade espraiada dos versos longos.
A espacialização do poema inicialmente se dá com indeterminação: barraco sem número, no entanto, no morro da Babilônia que pode referir-se ao substantivo, “babilônia” (baderna, a falta de organização) ou ao alto espaço da miséria anônima e até, ironicamente ao famoso Jardim Suspenso.
A aproximação da personagem à rua (exterior) se dá, na tranquilidade, através da experiência do ser solitário que olha ou escuta de onde descortina o mundo lá fora, assim ressalta a importância de um espaço físico em detrimento de uma individualidade humana.
O bar, por sua vez, é identificado por “Vinte de Novembro”, assim, João Gostoso sai do espaço indiferenciado e entra num espaço público, denominado e oposto a sua vida – um lugar de prazer.
A dança de morte de João Gostoso se imprime nas angulosidades do ritmo do poema. Com um ritmo acelerado próprio para retratar a rápida alegria dionisíaca, a necessidade física e o caos da vaidade, antecipa o seu declínio de morro abaixo, após momentos de êxtase.
É importante ressaltar que o Morro da Babilônia (lugar alto e pobre) contrasta com a Lagoa Rodrigo de Freitas (lugar baixo e de riqueza no Rio de Janeiro).



3 comentários:

Anônimo disse...

Olá!

Gostei muito compreensão do poema!

Acredito que visitarei muitas vezes ainda este Blog.

Abraços!

Anônimo disse...

Depois de ler sua interpretação do poema, pude perceber o quanto minha visão é superficial, pois dificilmente conseguiria chegar à algo parecido. Parabéns !

Anônimo disse...

mto boa a análise. vc tbm podia comentar aqui como eu usaria esse poema numa redaçao, ficaria mto agradecido