quarta-feira, 30 de novembro de 2011

HONORÉ DAUMIER (1808-79) E O ATAQUE A POLÍTICA DE LUÍS FILIPE


   Caricaturista com um sentido apurado de sátira social, atividade que adquire notoriedade ímpar pela sua atitude intervencionista, coragem e técnica, sempre pronto a atacar a política de Luís Filipe, tal como o sistema legislativo, judiciário e burocrático do estado dominado por uma aristocracia decrépita que, lentamente, cede o seu cetro à burguesia industrial e financeira.

"Gargantua", litografia, 1831. Por causa dessa charge, do Rei da França como Gargantua.


   O artista desenhou caricaturas intensamente satíricas, alfinetando a pompa de nobres, bonapartistas e políticos. O rei Luís Felipe prendeu DAUMIER por causa de sua caricatura do rei engolindo “sacos de ouro extorquidos do povo”.



DAUMIER era um realista de outra espécie. Filho de um vidraceiro cresceu em Paris. Aprendeu o ofício de litografia e em 1831, começou trabalhando para o jornal “La Caricature”. 

Caricatura representando D. Pedro IV e D. Miguel I  a lutar pela coroa portuguesa, por Honoré Daumier, 1833.

   Em 1834, “La Caricature” foi suprimido e desde então DAUMIER trabalhou para “Charivari”.
   De um artista mais ou menos inexperiente, converteu-se num dos maiores desenhistas da arte ocidental. À sua extraordinária fluência e poder de traço, somou um profundo sentido da injustiça social e uma compreensão pessoal das ambições e da pobreza urbanas.
   Seus ataques políticos não poderiam ter sido tão amargos, se entre DAUMIER e as massas não houvesse estreita afinidade.
   Suas litografias foram admiradas por artistas de renome, como Corot e Delacroix, Balzac, o romancista, que também trabalhou para “Charivari”, disse ele:

   “Este moço tem algo de Michelangelo sob a pele”.

   Quase ninguém se apercebeu de que DAUMIER era também notável pintor, e utilizava as tintas com uma liberdade desconhecida de seus contemporâneos.
   Amigo de Balzac (1799; 1850), melhor do que este soube ver no povo vitimado, o herói da luta pela liberdade contra o poder. Assim, é este povo (que em Daumier é representado pelo operariado urbano, despojado de história e de presente, mas unido pelo desejo de mudança) que se torna o motivo central de toda a sua temática. Como consequência, não há um Daumier político e um Daumier artista, tal como claramente sucede com Courbet.
   Daumier é o primeiro a fundar a arte sobre um interesse político (vendo na política a forma moderna da moral), tal como é o primeiro a recorrer a um meio de comunicação de massas, a imprensa, para com a arte influir sobre o comportamento social.
   Mestre da litografia "existem cerca de 4000 trabalhos litográficos catalogados como suas produções" o artista orienta toda a sua produção plástica no sentido desta técnica, até então considerada menor, dada a sua característica de múltipla reprodução que a afasta do objeto único, exclusivo do seu detentor. Mas se esta posse é um dos fundamentos do colecionismo burguês, Daumier não está interessado nele. O seu objeto e destinatário são os mesmos; a multidão que constitui a base da pirâmide hierárquica.    Deste modo, podemos constatar que Daumier concebe os seus trabalhos como imagens litográficas, tornando a sua comunicação direta, simples e peremptória e isenta de qualquer vestígio de subjetividade como a que encontramos no seu contemporâneo Millet.
 A exceção que confirma a regra reside nos seus múltiplos trabalhos dedicados à temática de D. Quixote, mas essa mostra, a faceta íntima e poética muito própria de Daumier.

  
   Honoré Daumier (num estilo que já podemos encontrar em germinação com Goya) conserva da representação apenas aquilo que pode atuar como estímulo e despertar no espectador uma reação moral imediata.
   Mais, a imagem não é uma representação ou narração de um fato, mas o juízo que se tece sobre esse mesmo fato. É neste ponto onde o realismo de Daumier colide e se afasta da proposta de Courbet para quem a representação não deve incluir nenhuma valoração subjetiva.
   Este posicionamento de Daumier é visível não só nas suas litografias, mas em toda a sua produção plástica e assumidamente expressa em obras como "Queremos Barrabás" (1850),"A Insurreição" (1860), "O vagão de Terceira Classe" (1862), etc.

"Queremos Barrabás", 1850

   Além da temática, transversal a todas elas, Daumier emprega uma técnica cujo fim é salientar o meio, onde essa realidade se produz, assim, opta por um traço desfocado por contrastes de luminosidades e sombras carregadas, permitindo que as zonas de penumbra desempenhem um papel significativo, desenvolvendo as bases de toda a ação dramática.
   Alguma crítica vê nesta manipulação, quase monocromática, o reflexo autodidata do autor, fato que facilmente se desmente quando observamos a riqueza policromática e a composição extremamente inovadora, para não dizer visionária, que apresentam alguns dos seus trabalhos dedicados à temática de D. Quixote.


   Com o Realismo de Daumier a pintura é investida de uma função política atuante, o seu projeto não se confina à observação, mas, principalmente, à ação. O pintor não é, pois, um ser contemplativo, mas alguém obrigado á atuação. Posição que será interrompida pelo insucesso das lutas sociais dos meados do séc. XIX e pelo advento da estética Impressionista, para ser retomada pelo expressionismo e por vários movimentos dos anos de crise da Europa do séc. XX. 


A Insurreição, 1860.
“O vagão de terceira classe”,1862.
   Mesmo assim, DAUMIER, continuou os seus ataques: “O vagão de terceira classe” retrata passageiros da classe trabalhadora, dignos, apesar apertados feito animais. Esta foi a mais precoce representação pictórica do efeito desumanizador do transporte moderno.

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