terça-feira, 31 de dezembro de 2024

“O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS” (2006)

 Emoção, humor e sensibilidade na trajetória de um garoto que vive seu rito de passagem cercado pela magia do futebol, descobrindo o valor da amizade, solidariedade, o sexo e a maior das lições: não se pode controlar cada lance da vida, como em uma solitária partida de futebol de botão”, Cao Hamburguer.

I – APRESENTAÇÃO:

Ficha Técnica:

Título Original: “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” 
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 110 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2006
Estúdio: Gullane Filmes / Caos Produções Cinematográficas / Miravista / Globo Filmes
Distribuição: Buena Vista International 
Direção: Cao Hamburger
Roteiro: Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger, baseado em história original de Cláudio Galperin e Cao Hamburger 
Produção: Caio Gullane, Cao Hamburger e Fabiano Gullane 
Música: Beto Villares 
Fotografia: Adriano Goldman
Direção de Arte: Cássio Amarante 
Figurino: Cristina Camargo 
Edição: Daniel Rezende

Elenco:

Michel Joelsas (Mauro)
Germano Haiut (Shlomo)
Daniela Piepszyk (Hanna)
Caio Blat (Ítalo)
Paulo Autran (Mótel)
Simone Spoladore (Bia)
Eduardo Moreira (Daniel)
Liliana Castro (Irene) 

Premiações:

– Ganhou 3 prêmios no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e Melhor Direção de Arte. Foi ainda indicado nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Caio Blat e Germano Hault), Melhor Atriz Coadjuvante (Simone Spoladore), Melhor Figurino, Melhor Maquiagem, Melhor Trilha Sonora, Melhor Edição – Ficção, Melhor Fotografia e Melhor Som. 

– Ganhou o Prêmio Especial do Júri, no Festival de Cinema Latino-Americano de Huelva.
– Ganhou o Troféu Redentor de Melhor Filme – Júri Popular, no Festival do Rio.
– Ganhou o Prêmio do Júri – Menção Honrosa e o Prêmio Petrobras Cultural de Difusão – Melhor Filme de Ficção, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
– Ganhou 4 troféus no prêmio da Academia Brasileira de Cinematografia, nas categorias de Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Som e Melhor Edição.
– Ganhou 2 prêmios no Prêmio ACIE de Cinema, nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro. Foi ainda indicado nas categorias de Melhor Diretor, Melhor Ator (Michael Joelsas) e Melhor Fotografia. 
– Ganhou 5 prêmios do Prêmio Fiesp/Sesi-SP do Cinema Paulista, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Germano Haiut), Melhor Atriz Coadjuvante (Daniela Piepszyk) e Melhor Direção de Arte. Foi ainda indicado nas categorias de Melhor Ator (Michel Josias), Melhor Ator Coadjuvante (Caio Blat), Melhor Roteiro, Melhor Fotografia, Melhor Edição e Melhor Trilha Sonora. 

Curiosidades:

O filme é o segundo longa-metragem de Cao Hamburger:
• A linguagem primorosa do diretor criou um filme capaz de sensibilizar adultos e crianças, e, informar a ambivalência vivida durante a chamada Era de Chumbo da Ditadura Militar. O contraste da vivacidade do menino Mauro com a pulsante violência repressora que inunda misteriosamente a vida do país torna o filme intenso, delicado e comovente; 
• O roteiro demorou quatro anos para ser feito e passou por quatro pessoas: o próprio Cao, Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani e Anna Muylaert, que são homenageados no filme com os papéis infantis dos amiguinhos de Mauro, no Bairro do Bom Retiro;
• Foi realizada uma pesquisa com mais de mil crianças, para a seleção dos intérpretes dos personagens pré-adolescentes de “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”; 
As filmagens duraram 8 semanas;
O orçamento de “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” foi de R$ 3 milhões;
• O filme não é feito só de colagens. Muita coisa saiu da própria vida dos realizadores. Hamburguer viu o pai judeu e a mãe católica serem presos pela ditadura. E também atuou como goleiro no time da infância. Essas memórias afetivas respondem pelos melhores momentos do filme.
Estreou na mostra Première Brasil, no Festival do Rio 2006.

II – TÍTULO:

“O ano em que meus pais saíram de férias” (2006) não teria esse título se não fosse um humor de mercado. Convenceram o diretor Cao Hamburguer de que “Vida de Goleiro”, o nome original, afastaria o público feminino. A mudança faz sentido, mas o anterior era mais abrangente, mesmo porque a metáfora futebolística se faz muito presente.

III – CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL:

“O ano em que meus pais saíram de férias” dialoga com a história/memória de uma criança no período de vigência do Ato Institucional de nº. 5 –  AI-5 (1968/1978). 
O Brasil sofria o auge do regime militar sob o governo do general Emilio Garrastazu Médici. Em junho, mesmo com a situação política conturbada pela qual o país passava a seleção de Pelé, Tostão e Rivelino conquistaram o tricampeonato do mundo de futebol no México. Enquanto isso, os pais do garoto Mauro “saíram de férias”. 
Embora o diretor consiga restituir o cenário da época e construir um clima de tensão muito melhor que muitas produções que abordam o tema, a intenção do filme não é a de narrar os acontecimentos referentes ao período histórico cujos resquícios ainda se encontram presentes. Tanto a ditadura quanto a conquista do tri funcionam apenas como pano de fundo para o filme; um contexto histórico que cria relações com aquilo que de fato se deseja mostrar.
A produção do filme se esmerou na reconstituição visual de época. Alguns signos são apresentados ensejando “diálogos” com a memória. A narrativa chega a provocar nostalgia quanto às diversões da época. O diálogo pode ser descrito como pretendendo uma “reação responsiva” emocional, fundamental para conquistar a anuência do público. 
Não faltaram as pichações de “Abaixo a ditadura!” tão frequentes na paisagem urbana daqueles anos, completamente ininteligível para os analfabetos políticos, como a maioria das crianças de dez anos. 
Os diálogos aqui operam em dois sentidos: um relativo propriamente ao conhecimento histórico, outro voltados para aqueles que da mesma idade de Mauro, liam as pichações nas paredes e muros e não as entendiam. Mauro, ao se relacionar com Shlomo, ao dialogar com o mundo que se descortina diante de seus olhos de diversas maneiras, Mauro/Cao Hamburger também tece para o público um diálogo e uma reconciliação entre essas duas gerações.


IV – RESUMO DO ENREDO:

Mauro, interpretado pelo ator-mirim Michel Joelsas, tem 12 anos, adora futebol e jogo de botão. Vive no “país do futebol” às vésperas da Copa do Mundo de 1970. Como qualquer menino brasileiro, Mauro queria acompanhar aos jogos, torcer e vibrar ao lado de seus pais. 
A vida confortável junto a sua família permitiu-o investir em suas brincadeiras e desafios no tabuleiro de botão. Mauro projetou seguranças e até a possibilidade de vitória. Entretanto, a vida estável de filho único, sofre grandes transformações: seus pais, Daniel e Miriam, de aproximadamente 30 anos, são dois militantes da esquerda e são forçados a “sair de férias” (eufemismo utilizado para exílio), devido às perseguições políticas da época. 
Mauro, assim, como um goleiro solitário, vê-se obrigado a abandonar o seu mundo de aconchego familiar, de forma inesperada e sem motivo aparente, e é levado de Belo Horizonte para São Paulo para viver com o avô (Paulo Autran), um judeu morador do bairro do Bom Retiro. O bairro do Bom Retiro é famoso por ter abrigado imigrantes, tanto brasileiros, nordestinos vindos para o sudeste em meados da década de 60, quanto estrangeiros, destacando-se nesse último judeus e italianos. Deixarem-no com a suposta certeza de que Mauro seria cuidado por seu avô. Durante a viagem, seus olhos ávidos captam as novidades na estrada, os soldados, a cidade de São Paulo, o elevador que não sabe utilizar, a língua falada pelas vizinhas, o hebraico, a qual não compreende, entre outros. 
O que os pais não esperavam é que o avô paterno falecesse no mesmo dia em que o menino chegou a São Paulo.
Mauro está prestes a experimentar uma dura aprendizagem de vida. Com a ausência de seus pais, Mauro entra em contato com um mundo totalmente diferenciado do seu habitual, onde a renúncia, a solidão e a incerteza passam a ser suas companheiras. E, como um goleiro, o menino deveria defender-se e conquistar dia a dia sua vitória pessoal.
Mauro, então, inicia sua travessia de descobertas e aceitações. 
O menino é obrigado a viver com Shlomo (interpretado pelo ator amador pernambucano Germano Haiut), judeu ortodoxo e vizinho de seu avô que o abriga. No entanto, esse acolhimento não será fácil a principiar pelo conflito cultural e de gerações. Mauro, embora não seja filho de uma judia, seu pai e o avô são judeus, porém ele é considerado um gói (um não judeu) pela comunidade judaica.
Mauro está sujeito à solidariedade e a sobrevivência de Schlomo, a quem terá que confiar e ater-se, e reluta em compartilhar e interagir (chega a urinar no vaso de plantas); passa os dias ao lado do telefone aguardando notícias de seus pais, que prometeram voltar a tempo do começo da Copa; não quer tomar banho nem se alimentar. A tristeza, a depressão e a angústia devastavam seu peito e seus dias.
A sua “aceitação da nova vida” implicaria diretamente na consciência de seu abandono e, isso, Mauro jamais aceitaria. 
Para ilustrar esse momento na vida do garoto, Cao recorreu a metáfora do goleiro: assim como o jogador está fadado a uma condição solitária durante uma partida de futebol, Mauro também está sozinho em um ambiente diferente daquele o qual era acostumado em Minas. Ele não frequenta a escola nem tem companheiros para jogar futebol. Diante tantas ameaças, amedrontado Mauro até arrisca sua vida, ao tentar passar de uma sacada do prédio, a outra para poder atender ao telefone.
O menino Mauro, antes personagem secundária torna-se protagonista da sua história. À medida que espera seus pais, adapta-se a um universo estranho a ele, obrigando-o a conviver com pessoas e realidades diferentes da sua, alterando seu cotidiano. 
A nova realidade solidária em que a personagem é inserida arquiteta um limite para aparelhar sua nova vida, no tempo e no espaço. Mauro necessitará desenvolver-se intelectualmente e emocionalmente para adequar-se aos novos elementos humanos e culturais. 
Paralelo a essa crise existencial estabelecida, tem-se de pano de fundo o contexto político do ano de 1970. Assim, como o país enfrentava um clima de tensão, devido à pressão provocada pela ditadura misturada a expectativa da copa do mundo, o menino Mauro também passava por um momento de instabilidade, incompletude, aguardo e espera. 
Aos poucos, Mauro, torna-se Mosha, seu novo apelido, e é aceito na comunidade na qual não fazem parte, apenas, judeus, mas italianos, gregos, negros e, esta pluralidade racial vai enriquecendo suas relações interpessoais. 
Mauro, então, conquista autonomia emocional para superar o desespero de estar só no mundo e aprende com o que vive. Consegue parceiros para brincar e jogar futebol; repara na garota bonita do bairro; veste as luvas de couro do avô com curiosidade; vibra ao completar seu álbum de figurinhas; conhece as mulheres despidas (quando os meninos pagam à Hanna, espécie de par romântico de Mauro, a fim de ver mulheres se trocando pelo buraco da parede da loja, onde a mãe da menina trabalha) e tantas outras emoções, inclusive, pode sonhar em ser negro e voador, torcer pelo Brasil, conhecer seus antepassados e a sua origem.
Em outro momento, assistimos a comemoração solitária de Mauro de um gol, enquanto a câmera enfoca-o do lado de fora do apartamento, e com as janelas fechadas. No entanto, vemos Mauro gritar, mas o som é abafado. 
Também somos surpreendidos com o início da transmissão do jogo entre Tchecoslováquia e Brasil. Ítalo, um jovem universitário interpretado por Caio Blat, proclama: “Se o Brasil perder, será bom – será uma vitória do comunismo!”. Os amigos concordam e até tentam comemorar quando a Tchecoslováquia faz o primeiro gol da partida, mas soltam a voz de verdade, pulam e se emocionam nos gols do Brasil, o patriotismo falando mais alto que a ideologia política, pouco importando, na prática, se Médici aproveitara a transmissão para fazer propaganda da ditadura.
O final previsível não retira nenhum dos méritos alcançados durante o desenvolvimento do filme. Com o retorno da mãe, ecoa aos ouvidos a palavra “saudade”, remetendo a pensar na transformação de duas outras palavras experiências-emocionais observadas no filme, a falta e a ausência. Apesar de Mauro ter aprendido através do sofrimento, venceu essa etapa por meio do amadurecimento.
O Brasil é tricampeão, todos comemoram e é nessa época que sua mãe retorna para buscá-lo, seu pai, entretanto, não volta. Ao final do filme, Mauro conta que fora exilado, sem, porém, entender o real significado da palavra.

E, mesmo sem querer, nem entender direito, eu acabei virando uma coisa chamada exilado.” Mauro, personagem-mirim de ”O ano que meus pais saíram de férias”.

V – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

É importante ressaltar que em “O ano em que meus pais saíram de férias” o diretor criou uma obra lírica, psicanalítica, social e histórica. Para tanto, não recorreu às cenas de tortura para retratar o clima de insegurança da sociedade, embora recriasse com precisão absoluta a ambientação, o figurino e os diálogos daquele período. Assim, o momento em que os soldados perseguem estudantes dá o recado sem apelação. 
Durante o desenvolvimento de Mauro, a ansiedade gerada pela promessa feita pelos pais de retornarem no início da copa segue paralelamente aos momentos de felicidade proporcionados pela copa do mundo e pela descoberta de novos amigos, do amor, da solidariedade e até mesmo da sexualidade. E o êxito é alcançado graças à forma que Cao utilizou para transmitir ao espectador o momento de transição. 
Traçando um paralelo com a temática do filme e a história bíblica de Moisés, percebe-se que com a multiplicação das famílias descendentes dos doze filhos de Jacó, e a ascensão ao trono do Egito de um faraó que, desconhecendo a história de José e temeroso de que os “israelitas” ficassem mais fortes e numerosos que os egípcios, decidiu escravizá-los; como os hebreus continuaram a multiplicar-se, o faraó intimou as parteiras a matar os filhos homens, por ocasião do nascimento das crianças, poupando apenas as filhas mulheres; como a ordem não bastou, tomou uma terceira medida: todo menino que nascesse seria atirado ao Nilo, devendo ser poupadas as meninas. Nestas circunstâncias a mãe de Moisés o esconde por três meses, até que o coloca numa cesta de junco untada com betume e pez e o coloca no Nilo; a filha do faraó encontra a criança e este se torna parte da família do rei, ou seja, um príncipe. A figura de Moises é importantíssima para os judeus, pois ele lutou contra a escravidão de seu povo e sobre ele edifica a primeira ordem religiosa sob as tábuas da lei que Deus o entrega.
Diante desta narrativa bíblica, pode-se observar dois pontos relevantes ao filme: Mauro é ao mesmo tempo abandonado e salvo por seus pais, ou seja, seus pais se veem obrigados a abandoná-lo diante da ameaça e da perseguição política. Outro ponto, é o quanto Mauro torna-se importante naquela comunidade, assim como Mosha é importante na história dos hebreus. Por Mauro são realizadas reuniões, almoços em revezamento, Scholmo, descobre-se acolhedor afetivo, vai até Belo Horizonte, para buscar explicações sobre o sumiço dos pais de Mauro e ajudá-lo. Uma grande movimentação e comoção são desencadeadas a partir do aparecimento de Mosha. Mauro revitaliza quem se solidarizou com ele, sua presença cria vínculos e relações novas. Fazendo uma analogia à história de Mosha-Moisés-Mauro, e, considerando assim a importância da história de Moisés para o judaísmo, pode-se também entender a importância do aparecimento de Mauro ali no Bom Retiro. Ele é transformador e se transforma nas relações que experimenta.

 

......................................................

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

ESTRUTURA DA OBRA “ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA”, CECÍLIA MEIRELES

 

O “ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA” É ORGANIZADO POR: 

- OITENTA E CINCO “ROMANCES”: FIO NARRATIVO EM QUE SE DESENVOLVE TODA A HISTÓRIA, DANDO VOZ AOS MAIS VARIADOS TIPOS DE PERSONAGENS PRESENTES NA OBRA.

- CADA ROMANCE TEM UM CONTEÚDO INDEPENDENTE DO OUTRO. ESSES REGISTROS OCORREM ATRAVÉS DE ACONTECIMENTOS E MENÇÕES ISOLADAS, QUE SE FORMAM OS EIXOS TEMÁTICOS, MAS, PODE-SE PERCEBER UMA SEQUÊNCIA NARRATIVA, EMBORA, ESSA SEQUÊNCIA NÃO SEJA EXATAMENTE DE CAUSA E EFEITO. 

 - CINCO “FALAS”: ANTECIPAM O ASSUNTO QUE SERÁ TRATADO, ALÉM DE INDAGAR O PASSADO E JULGAR OS ENVOLVIDOS.

- QUATRO “CENÁRIOS”: DESCREVEM OS AMBIENTES, AS MUDANÇAS DE ATMOSFERA RESULTANTES DA EVOLUÇÃO DESSES ACONTECIMENTOS.

- UMA “IMAGINÁRIA SERENATA”: DIVAGAÇÃO LÍRICA DE MARIA DOROTÉIA JOAQUINA DE SEIXAS BRANDÃO JÁ SEPARADA DE SEU AMADO GONZAGA (DIRCEU).

- UM “RETRATO”: MOSTRA A AÇÃO DO TEMPO SOBRE A PERSONAGEM “MARÍLIA”.

- VÁRIOS CRÍTICOS DIVIDEM O “ROMANCEIRO” EM TRÊS PARTES DE ACORDO COM OS TEMAS APRESENTADOS NA OBRA:

I PARTE: LIBERDADE - O CICLO DO OURO E DIAMANTE, FATOS LENDÁRIOS E HISTÓRICOS QUE PRECEDERAM A INCONFIDÊNCIA MINEIRA.

- INICIADA PELA EVOCAÇÃO DO SACRIFÍCIO DE TIRADENTES E POR UM RESTROSPECTO DO CENÁRIO EM QUE SURGIU A CONJURAÇÃO.  

II PARTE: REVOLUÇÃO - O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO DESDE A SUA PREPARAÇÃO,

AS REUNIÕES, AS IDEIAS, A UNIÃO DOS INCONFIDENTES O “FRACASSO” DA REBELIÃO ATÉ A PRISÃO DOS INCONFIDENTES E A MORTE DE TIRADENTES. 

III PARTE: PUNIÇÃO - ACONTECIMENTOS OCORRIDOS COMO CONSEQUÊNCIA DA REVOLUÇÃO ENVOLVENDO VÁRIAS PERSONAGENS.

·   CORES: PODE-SE AINDA OLHAR O “ROMANCEIRO” POR UM PRISMA DE QUATRO CORES TÃO BEM SUGERIDAS NO DECORRER DO POEMA: AMARELA, PRETA, VERMELHA E BRANCA. 

1. A COR AMARELA: REPRESENTA O OURO E O PODER QUE TECEU INTRIGAS E ALIMENTOU AMBIÇÕES.

2. A COR PRETA: REPRESENTA O AR NEBULOSO QUE IMPREGNA A ATMOSFERA DO TEMPO DOS INCONFIDENTES; DA CORRUPÇÃO QUE ESCURECE O CARÁTER DOS HOMENS, SOBRETUDO OS NOBRES; DAS TRAIÇÕES QUE MANCHAM AS AMIZADES E DO LUTO POR AQUELES QUE MORRERAM.

3. A COR VERMELHA: REPRESENTA PRIMEIRO A COR DA PAIXÃO COM QUE TIRADENTES LUTAVA PELOS SEUS IDEAIS; DEPOIS, REPRESENTA O SANGUE DERRAMADO PELA LIBERDADE E A CERTEZA DO TRÁGICO FIM.

4. A COR BRANCA: REPRESENTA A LUTA POR UM NOBRE IDEAL; POR TEMPOS MELHORES; OS VALORES ARCÁDICOS; OS SENTIMENTOS DOS IDEALISTAS E A FÉ.

 


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

ANÁLISE CRÍTICA LITERÁRIA: “QUINCAS BORBA”, MACHADO DE ASSIS

1. TÍTULO:

- “DESDE QUE HUMANITAS, SEGUNDO A MINHA DOUTRINA, É O PRINCÍPIO DA VIDA E RESIDE EM TODA A PARTE, EXISTE TAMBÉM NO CÃO, E ESTE PODE ASSIM RECEBER UM NOME DE GENTE, SEJA CRISTÃO OU MUÇULMANO [...] SOBREVIVEREI NO NOME DO MEU BOM CACHORRO (ASSIS, 1939, p. 13).”

- NA VERDADE QUINCAS BORBA, FILÓSOFO, MORREU NO COMEÇO DO LIVRO E A PERSONAGEM QUE DURA ATÉ O FIM DO ENREDO É O CÃO, PORÉM A HISTÓRIA APRESENTA A TEORIA DO HUMANITISMO QUE DEFENDE QUE “O MAIS FORTE SEMPRE SOBREVIVE”.

- PODE-SE, TAMBÉM, VER NO CACHORRO, UMA EXTENSÃO, DENTRO DOS PRÓPRIOS DITAMES DO HUMANITAS, DO PRINCÍPIO DO ANTIGO DONO, TANTO QUE, ALGUMAS VEZES, O RUBIÃO TINHA PREOCUPAÇÕES COM SUAS AÇÕES IMAGINANDO QUE O MESTRE HAVIA SOBREVIVIDO NA CRIATURA. É UMA OBSERVAÇÃO QUE FAZ SENTIDO, TANTO NO ASPECTO “ESPIRITUALISTA” COMO NA PRÓPRIA ESTRUTURA LITERÁRIA DA OBRA, POIS O CÃO FICA COMO UMA SUPOSTA CONSCIÊNCIA DO FILÓSOFO, A INCOMODAR RUBIÃO.

- TALVEZ ESTEJA NESSE PRINCÍPIO A VERDADEIRA RAZÃO DO TÍTULO: UMA REFERÊNCIA AO HUMANITISMO, AFINAL A HISTÓRIA DE RUBIÃO CONFIRMA A FILOSOFIA DE QUINCAS BORBA:

- SOFIA E CRISTIANO NÃO FAZEM MAIS DO QUE SEGUIR A MÁXIMA SEGUNDO A QUAL “HUMANITAS PRECISA COMER”. ELES SEGUEM À RISCA ESSA PRESCRIÇÃO, ALIMENTAM-SE DA FORTUNA E DA CREDIBILIDADE DE RUBIÃO.

- SUA LOUCURA GRADATIVA, A MESMA, ALIÁS, QUE ASSOLOU O FILÓSOFO, É A CONFIRMAÇÃO DO DESTINO DE QUEM ACREDITOU EXCESSIVAMENTE NA APARÊNCIA: RUBIÃO MORREU ACREDITANDO SER NAPOLEÃO III E QUINCAS BORBA, SANTO AGOSTINHO.

- ALÉM DISSO, O CÃO FIGURA COMO ÚNICO AMIGO VERDADEIRO DE AMBOS, MESMO QUE RUBIÃO O DESPREZE, E FINALMENTE, O QUE MAIS LIGA RUBIÃO AO QUINCAS BORBA, SEJA FILÓSOFO OU CACHORRO, É A HERANÇA E NÃO A AMIZADE.

 

2. INJUSTIÇA HUMANA:

Em “Quincas Borba”, a crítica ao comportamento humano é evidente e nos leva a pensar que o meio social está sempre em busca de tirar vantagens em cima dos outros a fim de que se aumente a autoestima e o ego do ser humano.

Agindo para satisfazer seus interesses, o homem se mostra animal ao extremo. Enquanto isso o cão, solidário e fiel, esbanja afetividade e apreço. O único que era capaz de receber um pontapé e voltar correndo para o seu dono. Mark Twain, com sabedoria, dizia: se recolhes um cachorro faminto e lhe deres conforto ele não te morderá. Eis a diferença entre o cachorro e o homem.

Da análise da natureza humana resta o questionamento: o homem é desprezível por sua natureza animal ou por ser humano demasiadamente humano?

É importante notarmos que, apesar de ser especificado o local, este romance poderá ser enquadrado em qualquer parte do mundo. A temática é universal. Há muitos “Palhas e Sofias” por este mundo que, com seus encantos, envolvem e destroem o ser humano. Portanto, vivemos desgraçadamente num mundo onde a aparência tem mais importância que a essência, onde você só terá valor pelo que você tem.

3. O HUMANITISMO VERSUS ARTHUR SCHOPENHAUER

- O HUMANITISMO SATIRIZA A IDEIA DA EXISTÊNCIA DO “MELHOR MUNDO POSSÍVEL” E PENETRA NO PENSAMENTO DO FILÓSOFO ALEMÃO, QUE ACREDITAVA QUE “O UNIVERSO É VONTADE, CEGA, OBSCURA E IRRACIONAL VONTADE DE VIVER” (Merquior: 1977, 171).

- SEGUNDO SCHOPENHAUER, O MUNDO É MERA REPRESENTAÇÃO. NESSA HÁ DOIS POLOS INSEPARÁVEIS: O OBJETO QUE SE DÁ NO TEMPO E NO ESPAÇO; E O SUJEITO QUE SE CONSTITUI A PARTIR DA CONSCIÊNCIA DO MUNDO.

- PARA O FILÓSOFO ALEMÃO, O HOMEM CONSCIENTE DE SI PERCEBE QUE É CONSTITUÍDO PELA VONTADE, FORMADA POR SEUS INTERESSES E PAIXÕES.

- A VONTADE NÃO É UMA MANIFESTAÇÃO RACIONAL. NA VERDADE, É UMA MANIFESTAÇÃO IMPULSIVA QUE VISA À PRESERVAÇÃO DA ESPÉCIE.

- COMO A VONTADE NUNCA SERÁ SATISFEITA, POIS QUANDO UMA É SATISFEITA, OUTRA SURGE, O MUNDO É MARCADO PELA INSATISFAÇÃO, PELA DOR.

O ÚNICO MOMENTO DE PRAZER É A SUPRESSÃO DA DOR, QUE, CONTUDO, É EFÊMERA.

A AFIRMAÇÃO E A NEGAÇÃO DA VONTADE SÃO FUNDAMENTAIS PARA A DEFINIÇÃO DO HOMEM.

- AFIRMAR À VONTADE É ALGO INSEPARÁVEL À NATUREZA HUMANA, FAZENDO SALTAR AOS OLHOS SEU LADO CRUEL, EGOÍSTA E MAL.

- PARA O PENSADOR, NEGAR À VONTADE SERIA UM ATO DE SANTIDADE, UMA VEZ QUE O HOMEM AGIRIA CONTRA SUA NATUREZA.

- EM “QUINCAS BORBA”, O AUTOR DEMONSTRA TODO O SEU DESCONTENTAMENTO COM A SOCIEDADE E DEIXA PATENTE SEU PESSIMISMO.

- O SISTEMA FILOSÓFICO DE QUINCAS BORBA SE DÁ A PARTIR DO PONTO DE VISTA QUE ENXERGA O SER HUMANO COMO VÍTIMA E AGENTE DA VONTADE.

- O HUMANITISMO É A MANIFESTAÇÃO DO EGO E DA VONTADE DE VIVER. A IDEOLOGIA DO SISTEMA É A EXTINÇÃO DA DOR A QUALQUER CUSTO.

- NÃO HÁ UMA PREOCUPAÇÃO COM O COLETIVO; HÁ APENAS A REALIZAÇÃO PESSOAL.

- O QUE PARA MUITOS SE CONFIGURA COMO EGOÍSMO, PARA O FILÓSOFO NÃO PASSA DA SATISFAÇÃO DE UMA NECESSIDADE, DA VONTADE DE VIVER.

- PORÉM, A VONTADE DE VIVER NÃO É INJUSTA. ELA SÓ PASSA A TER UMA CONOTAÇÃO NEGATIVA QUANDO INTERVÉM NA VONTADE ALHEIA, SUPRIMINDO-A.

- SENDO ASSIM, O HUMANITISMO É A DOUTRINA DA INJUSTIÇA.

- EM “QUINCAS BORBA”, AS INJUSTIÇAS SÃO INÚMERAS:

- O ABANDONO DA SOCIEDADE QUE CRISTIANO PALHA MANTINHA COM RUBIÃO. DEPOIS DE SATISFAZER SUA VONTADE E SENTIR-SE SEGURO, UMA VEZ QUE JÁ ERA COMERCIANTE PRÓSPERO, PALHA DESCARTA A PARCERIA COM O PROFESSOR, QUE JÁ ESTAVA DOENTE.

- O FATO DE CRISTIANO TER LESADO RUBIÃO FINANCEIRAMENTE JÁ SERIA UMA INJUSTIÇA, DIANTE DO ESTADO DEMENTE DO PROFESSOR, MOSTRA-SE UMA INJUSTIÇA AINDA MAIOR.

 

4. HUMANITISMO: SÁTIRA DO HUMANISMO OU DE OUTRA CORRENTES FILOSÓFICAS DO SÉCULO XIX, COMO O POSITIVISMO E EVOLUCIONISMO DARWINISTA:

- QUINCAS BORBA EXPLICA A ESSÊNCIA DE SUA TEORIA A RUBIÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA DA MORTE DE SUA AVÓ. ESSA TRAGÉDIA É EXPLICADA PELO FILÓSOFO COMO UM ATO LEGÍTIMO DE HUMANITAS.

- A SENHORA MORREU ATROPELADA POR UMA SEGE (CARROÇA) QUE SEGUIA EM ALTA VELOCIDADE.

- NEM TODOS PODEM ESTAR SATISFEITOS, PORÉM SE UM ESTÁ, É JUSTO.

- O DONO DA SEGE QUE ATROPELOU A AVÓ DO FILÓSOFO TEM FOME E SUA VONTADE DE VIVER (COMER) NÃO PODE ENCONTRAR OBSTÁCULOS. SE OS ENCONTRA, TENDE A ELIMINÁ-LOS.

- ESSA EXPLICAÇÃO, NO ENTANTO, NÃO FAZ SENTIDO PARA RUBIÃO, PORQUE “SEGURAMENTE O DONO DA SEGE POR MUITO TARDE QUE CHEGAVA À CASA, NÃO MORRIA DE FOME, AO PASSO QUE A BOA SENHORA MORREU DE VERDADE, E PARA SEMPRE” (P.20).  

- O FILÓSOFO DÁ, ENTÃO, MAIS UM EXEMPLO AO PROFESSOR, FAZENDO COM QUE CREIA QUE SUA VISÃO DA MORTE ESTAVA EQUIVOCADA.

- EM HUMANITAS, “RIGOROSAMENTE NÃO HÁ MORTE, HÁ VIDA, PORQUE A SUPRESSÃO DE UMA É A CONDIÇÃO DA SOBREVIVÊNCIA DA OUTRA, E A DESTRUIÇÃO NÃO ATINGE O PRINCÍPIO UNIVERSAL E COMUM” (p. 21).

 

5. SER X TER: JOGO DE APARÊNCIAS

- UM DIRETOR DE BANCO É HUMILHADO EM UMA VISITA AO MINISTRO E DESCONTA EM CRISTIANO PALHA, TRATANDO-O DA MESMA FORMA; O PRÓPRIO RUBIÃO, SENHOR DE SUA FORTUNA, SENTE-SE PEQUENO AO SE DEPARAR COM A SUNTUOSIDADE DE UMA BARONESA DO IMPÉRIO.

- ASSIM, A DEMONSTRAÇÃO DE PODER É MAIS IMPORTANTE QUE O PODER EM SI, QUE PERMANECE MASCARADO.