NEL MEZZO DEL CAMIN...
Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo
O título “Nel
Mezzo Del Camin...” (“no meio do caminho”) dialoga
com “A Divina Comédia”, de
Dante Alighieri, através da intelectualidade do primeiro verso desta obra, que fala dos trinta e cinco anos do poeta
italiano, da “metade do caminho da vida”, da incompletude metaforizada pela
“selva escura”.
Nel mezzo del
camin de nostra vita
mi retrovai por una selva oscura:
ché la viritta via era smarrita
A meio caminho de nossa vida
fui me encontrar em uma selva escura:
estava a reta a minha via perdida.
A sua interpretação pode ser (entre outras) a de obstáculo a ser
transposto na viagem rumo à revelação da Verdade Divina ou rumo ao destino,
momento de encontro do poeta caminhante (protagonista do
poema épico, posto ser uma narrativa da sua aventura na
travessia dos círculos do Inferno) consigo mesmo - viagem ao interior
de si cujo movimento subjetivo de mergulho no Ser é da ordem do lírico.
Aliás, especialmente lírico é o final, momento do clímax, onde temos o encontro
do poeta com seu amor, Beatriz, que lhe aparece envolta em luz, num estado
de beatitude.
O
soneto “Nel Mezzo Del Camin...” se desdobra em três segmentos muito bem
caracterizados: o encontro amoroso; a intensidade da vivência amorosa e a
separação sugerida pela recordação das mãos unidas em tempo passado e agora
afastadas. Dessa forma, o tema se desenvolve entre amor e dor, entrega e
separação.
O
texto segue a forma fixa do soneto, com rimas externas (cruzadas e alternadas)
e versos decassílabos.
Observa-se, também o quiasmo (figura de estilo de repetições invertidas de
termos que se cruzam), retratando o dualismo existencial (encontro X separação)
e o paralelismo na primeira estrofe.
Na segunda estrofe, nota-se a sonoridade do
primeiro verso e o enjambement
ao fim de cada verso criando um relaxamento da tensão, que vinha crescendo
desde o primeiro verso até o momento da parada súbita.
No primeiro terceto é
interessante observar a cesura após "novo" (no primeiro verso), o enjambement entre esse verso e o seguinte, e o fato de que
o sujeito lírico deixa de falar sobre ele e a amada (eu + ela = nós) e passa a
falar exclusivamente dela.
Note-se
a "dureza" da pessoa que parte, que não demonstra sofrer (aos olhos
do sujeito lírico) a dor da separação na medida em que não chora nem demonstra
se comover com a despedida.
No
terceto final, o eco do som da sílaba [ter] pode ser interpretado como um registro sonoro do tremor da voz do
sujeito-lírico, que possivelmente está quase a soluçar, após a partida da
amada. Ainda é interessante observar outro aspecto no nível fônico desta
estrofe final: a aliteração do fonema [k] (letras q e c) parece
representar o som forte das passadas da mulher que se afasta
friamente, aparentemente impassível frente a dor do sujeito-lírico.
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