terça-feira, 30 de julho de 2024

FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique e a postura de Ginho em NÓS MATAMOS O CÃO TINHOSO, 1964, LUÍS BERNARDO HONWANA

NÓS MATAMOS O CÃO TINHOSO, LUÍS BERNARDO HONWANA: FRELIMO E GINHO

- A Frente de Libertação de Moçambique, também conhecida por FRELIMO, é um partido político oficialmente fundado em 25 de Junho de 1962 (como movimento nacionalista), com o objetivo de lutar pela independência de Moçambique do domínio colonial português.

- O primeiro presidente do partido foi o Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, um antropólogo que trabalhava na ONU.

- Desde a independência de Moçambique, em 25 de junho de 1975, a FRELIMO é a principal força política do país, sendo também o "partido da situação" desde então.

- É dessa ideia que surge numa fala do então dirigente da FRELIMO, no primeiro congresso da Frente em 1962, o lema que intitula essa seção: “é preciso que morra a tribo para que nasça a nação”.

- Daqui nasce o recorte que propomos como uma denotação do projeto de independência e de unidade nacional da FRELIMO, pois os ideais da Frente de Libertação, no que diz respeito à modernização das culturas tradicionais, negando o velho passado colonial português e construindo o que se convencionou chamar de o “homem novo moçambicano”.

- A FRELIMO trabalhava com duas distinções para os posicionamentos dos moçambicanos em relação à luta: os ‘bons’ moçambicanos, que se envolveram na luta armada, e os inimigos, aqueles que traíram a causa nacional, seja num primeiro momento por se terem aliado ao regime colonial seja por, posteriormente, terem criticado e desafiado o projeto político nacional avançado pela liderança da FRELIMO [...] Porém, a definição do ato de traição ao refletir posições políticas e sociais cujo conteúdo se altera com o tempo, desafia a lógica moral que subjaz ao binômio estabelecido entre revolucionário e reacionário, amigo e inimigo, vítima e responsável.

- Como os dirigentes da FRELIMO lutaram pela unificação do movimento pró-independência, estabelecendo essa unidade a partir da ideia de um inimigo único – o sistema colonial –, em seu interior, formou-se uma divisão ideológica que, mais tarde, gerou até dissenções, pois todos queriam o fim do colonialismo; embora nem todos tivessem entendido que o fim do colonialismo só seria possível através da luta armada, acabaram por aceitar a proposta da FRELIMO, já que foi a ação mais eficaz para fazer frente à repressão colonial; entretanto, a ideia da nação gerou divergência entre os integrantes.

De um lado os líderes tradicionais pensavam numa descolonização por região/território etnolinguístico, tinha como projeto a expulsão dos portugueses desses territórios e a reapropriação do patrimônio físico e das formas tradicionais de poder. O ideal para essa parcela da FRELIMO seria expulsar os portugueses, estabelecendo-se uma unidade nacional que preservasse as formas de divisões tradicionais, por grupo etnolinguístico, o que resultaria numa ideia de protonação.

Do outro lado, encontravam-se os dirigentes, partidários da unidade nacional que pensavam numa independência geradora de uma nação moderna e um novo sujeito moçambicano, que surgiriam da amálgama formada por todos os moçambicanos. Para aqueles, era necessário superar o divisionismo criado pela lógica do “tribalismo”, uma construção da colonização, e unir os moçambicanos – nas palavras de Eduardo Mondlane – para além das tradições.

- A postura de Ginho pode ser lida como um movimento inicial de recusa, que após julgamento atencioso, pode ter feito com que o garoto visse o caso de outra forma. É como se ele tivesse parado para ponderar sobre os impactos dessa morte para sua vida, pois passou por uma mudança de atitude, inclusive, critica Isaura que “andava cheia de manias” por causa do Cão-Tinhoso. As “manias” de Isaura parece ser uma leve crítica ao apego às tradições.  

- Nesse sentido, Ginho tanto quanto Isaura, podem representar, até certa medida, a presença do “inimigo interno” no movimento. Ambos, em níveis diferenciados, colocaram-se contra a morte do Cão-Tinhoso. Para essa leitura, não defendemos que eles sejam aliados diretos do sistema colonial, mas contrários à luta de libertação nacional, pois se o Cão-Tinhoso pode ser lido também como tradição, o apego a ele, pode representar a persistência de uma consciência nociva ao projeto de independência, portanto pode contribuir indiretamente para a colonização.

- Nesse sentido, podemos ler na fala de Isaura para o Cão-Tinhoso, uma representação do discurso dos defensores da ideia de uma protonação, pois a linha nativista da FRELIMO via o projeto da nação moderna idealizada pelos guerrilheiros da Frente, como algo negativo para as tradições, assim também com foi a colonização.

- Assim sendo, se a morte do Cão-Tinhoso representa um projeto de independência e o nascimento de uma nação moderna, Ginho pode ser lido como o “homem novo”, o sujeito moçambicano, pensado pela FRELIMO.

- Ele pode encontrar-se em estado de formação, já que ainda assume posições instáveis: há momentos em que acredita que a morte de Tinhoso é a melhor coisa a ser feita, em outros momentos, no entanto, falta-lhe segurança para essa tomada de decisão, como podemos ver em sua fala, na estrada para o matadouro: “Quim, a gente pode não matar o cão, eu fico com ele, trato-lhe as feridas e escondo-o para não andar mais pela vila com estas feridas que é um nojo!”

- Uma tomada de consciência do narrador poderia ser uma indicação de que o projeto da FRELIMO devesse ser o ideal para a realidade de Moçambique, pelo menos naquele momento. Era necessário pensar uma unidade que deixasse para trás as tradições que figuravam como um perigo frente às pressões coloniais. A independência só surgiria através da luta armada. Só uma nação e um sujeito modernos poderiam romper com as amarras da colonização.

- A morte do Cão-Tinhoso simbolizaria, desse modo, a morte do moçambicano colonizado, passivo, que tem consciência das injustiças sofridas, mas não podia fazer nada para mudar sua triste situação. Ao final da narrativa, o menino Ginho tinha alcançado outro nível de consciência em relação ao seu lugar de colonizado.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

NEL MEZZO DEL CAMIN, OLAVO BILAC

 NEL MEZZO DEL CAMIN...   

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo

O título “Nel Mezzo Del Camin...” (“no meio do caminho”) dialoga com “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, através da intelectualidade do primeiro verso desta obra, que fala dos trinta e cinco anos do poeta italiano, da “metade do caminho da vida”, da incompletude metaforizada pela “selva escura”.

Nel mezzo del camin de nostra vita
mi retrovai por una selva oscura:
ché la viritta via era smarrita

A meio caminho de nossa vida
fui me encontrar em uma selva escura:
estava a reta a minha via perdida.

A sua interpretação pode ser (entre outras) a de obstáculo a ser transposto na viagem rumo à revelação da Verdade Divina ou rumo ao destino, momento de encontro do poeta caminhante (protagonista do poema épico, posto ser uma narrativa da sua aventura na travessia dos círculos do Inferno) consigo mesmo - viagem ao interior de si cujo movimento subjetivo de mergulho no Ser é da ordem do lírico. Aliás, especialmente lírico é o final, momento do clímax, onde temos o encontro do poeta com seu amor, Beatriz, que lhe aparece envolta em luz, num estado de beatitude.

O soneto “Nel Mezzo Del Camin...” se desdobra em três segmentos muito bem caracterizados: o encontro amoroso; a intensidade da vivência amorosa e a separação sugerida pela recordação das mãos unidas em tempo passado e agora afastadas. Dessa forma, o tema se desenvolve entre amor e dor, entrega e separação.

O texto segue a forma fixa do soneto, com rimas externas (cruzadas e alternadas) e versos decassílabos.
Observa-se, também o quiasmo (figura de estilo de repetições invertidas de termos que se cruzam), retratando o dualismo existencial (encontro X separação) e o paralelismo na primeira estrofe.

Na segunda estrofe, nota-se a sonoridade do primeiro verso e o enjambement ao fim de cada verso criando um relaxamento da tensão, que vinha crescendo desde o primeiro verso até o momento da parada súbita.

 No primeiro terceto é interessante observar a cesura após "novo" (no primeiro verso), o enjambement entre esse verso e o seguinte, e o fato de que o sujeito lírico deixa de falar sobre ele e a amada (eu + ela = nós) e passa a falar exclusivamente dela.

Note-se a "dureza" da pessoa que parte, que não demonstra sofrer (aos olhos do sujeito lírico) a dor da separação na medida em que não chora nem demonstra se comover com a despedida.

No terceto final, o eco do som da sílaba [ter] pode ser interpretado como um registro sonoro do tremor da voz do sujeito-lírico, que possivelmente está quase a soluçar, após a partida da amada. Ainda é interessante observar outro aspecto no nível fônico desta estrofe final: a aliteração do fonema [k] (letras q e c) parece representar o som forte das passadas da mulher que se afasta friamente, aparentemente impassível frente a dor do sujeito-lírico.