NÓS MATAMOS O CÃO TINHOSO, LUÍS BERNARDO HONWANA: FRELIMO E GINHO
- A Frente de Libertação de Moçambique, também conhecida por
FRELIMO, é um partido político oficialmente fundado em 25 de Junho de 1962
(como movimento nacionalista), com o objetivo de lutar pela independência de
Moçambique do domínio colonial português.
- O primeiro presidente do partido foi o Dr. Eduardo Chivambo
Mondlane, um antropólogo que trabalhava na ONU.
- Desde a independência de Moçambique, em 25 de junho de 1975, a
FRELIMO é a principal força política do país, sendo também o "partido da
situação" desde então.
- É dessa ideia que surge numa fala do então dirigente da
FRELIMO, no primeiro congresso da Frente em 1962, o lema que intitula essa
seção: “é preciso que morra a tribo para que nasça a nação”.
- Daqui nasce o recorte que propomos como uma denotação do
projeto de independência e de unidade nacional da FRELIMO, pois os ideais da
Frente de Libertação, no que diz respeito à modernização das culturas
tradicionais, negando o velho passado colonial português e construindo o que se
convencionou chamar de o “homem novo moçambicano”.
- A FRELIMO trabalhava com duas distinções para os
posicionamentos dos moçambicanos em relação à luta: os ‘bons’ moçambicanos, que
se envolveram na luta armada, e os inimigos, aqueles que traíram a causa
nacional, seja num primeiro momento por se terem aliado ao regime colonial seja
por, posteriormente, terem criticado e desafiado o projeto político nacional
avançado pela liderança da FRELIMO [...] Porém, a definição do ato de traição ao refletir posições políticas e sociais cujo conteúdo se altera com o tempo,
desafia a lógica moral que subjaz ao binômio estabelecido entre revolucionário
e reacionário, amigo e inimigo, vítima e responsável.
- Como os dirigentes da FRELIMO lutaram pela unificação do
movimento pró-independência, estabelecendo essa unidade a partir da ideia de um
inimigo único – o sistema colonial –, em seu interior, formou-se uma divisão
ideológica que, mais tarde, gerou até dissenções, pois todos queriam o fim do
colonialismo; embora nem todos tivessem entendido que o fim do colonialismo só
seria possível através da luta armada, acabaram por aceitar a proposta da
FRELIMO, já que foi a ação mais eficaz para fazer frente à repressão colonial;
entretanto, a ideia da nação gerou divergência entre os integrantes.
De um lado os líderes tradicionais pensavam numa descolonização
por região/território etnolinguístico, tinha como projeto a expulsão dos
portugueses desses territórios e a reapropriação do patrimônio físico e das
formas tradicionais de poder. O ideal para essa parcela da FRELIMO seria
expulsar os portugueses, estabelecendo-se uma unidade nacional que preservasse
as formas de divisões tradicionais, por grupo etnolinguístico, o que resultaria
numa ideia de protonação.
Do outro lado, encontravam-se os dirigentes, partidários da
unidade nacional que pensavam numa independência geradora de uma nação moderna
e um novo sujeito moçambicano, que surgiriam da amálgama formada por todos os
moçambicanos. Para aqueles, era necessário superar o divisionismo criado pela
lógica do “tribalismo”, uma construção da colonização, e unir os moçambicanos –
nas palavras de Eduardo Mondlane – para além das tradições.
- A postura de Ginho pode ser lida como um movimento inicial de
recusa, que após julgamento atencioso, pode ter feito com que o garoto visse o
caso de outra forma. É como se ele tivesse parado para ponderar sobre os
impactos dessa morte para sua vida, pois passou por uma mudança de atitude,
inclusive, critica Isaura que “andava cheia de manias” por causa do
Cão-Tinhoso. As “manias” de Isaura parece ser uma leve crítica ao apego às
tradições.
- Nesse sentido, Ginho tanto quanto Isaura, podem representar,
até certa medida, a presença do “inimigo interno” no movimento. Ambos, em
níveis diferenciados, colocaram-se contra a morte do Cão-Tinhoso. Para essa
leitura, não defendemos que eles sejam aliados diretos do sistema colonial, mas
contrários à luta de libertação nacional, pois se o Cão-Tinhoso pode ser lido
também como tradição, o apego a ele, pode representar a persistência de uma
consciência nociva ao projeto de independência, portanto pode contribuir
indiretamente para a colonização.
- Nesse sentido, podemos ler na fala de Isaura para o
Cão-Tinhoso, uma representação do discurso dos defensores da ideia de uma
protonação, pois a linha nativista da FRELIMO via o projeto da nação moderna
idealizada pelos guerrilheiros da Frente, como algo negativo para as tradições,
assim também com foi a colonização.
- Assim sendo, se a morte do Cão-Tinhoso representa um projeto
de independência e o nascimento de uma nação moderna, Ginho pode ser lido como
o “homem novo”, o sujeito moçambicano, pensado pela FRELIMO.
- Ele pode encontrar-se em estado de formação, já que ainda
assume posições instáveis: há momentos em que acredita que a morte de Tinhoso é
a melhor coisa a ser feita, em outros momentos, no entanto, falta-lhe segurança
para essa tomada de decisão, como podemos ver em sua fala, na estrada para o
matadouro: “Quim, a gente pode não matar o cão, eu fico com ele, trato-lhe as
feridas e escondo-o para não andar mais pela vila com estas feridas que é um
nojo!”
- Uma tomada de consciência do narrador poderia ser uma
indicação de que o projeto da FRELIMO devesse ser o ideal para a realidade de
Moçambique, pelo menos naquele momento. Era necessário pensar uma unidade que
deixasse para trás as tradições que figuravam como um perigo frente às pressões
coloniais. A independência só surgiria através da luta armada. Só uma nação e
um sujeito modernos poderiam romper com as amarras da colonização.
- A morte do Cão-Tinhoso simbolizaria, desse modo, a morte do
moçambicano colonizado, passivo, que tem consciência das injustiças sofridas,
mas não podia fazer nada para mudar sua triste situação. Ao final da narrativa,
o menino Ginho tinha alcançado outro nível de consciência em relação ao seu
lugar de colonizado.