I
– AUTOR:
Luís Bernardo Honwana nasceu
no ano de 1942 na cidade de Lourenço Marques, capital que teve seu nome mudado
para Maputo após a independência política do país, essa mudança de nome se justifica
pelo fato de Lourenço Marques ter sido uma figura associada à colonização
portuguesa. A escolha do nome Maputo homenageia um rio local.
- Honwana, mudou-se com a
família para o interior do país, província ultramarina portuguesa, mas em 1959,
volta à capital para dedicar-se à atividade jornalística.
- O autor era militante da FRELIMO
– Frente de Libertação de Moçambique e esteve preso no período de 1964 até
1967, ano do início da Guerra da Independência, também conhecida como Luta
Armada de Libertação Nacional – conflito armado para libertar Moçambique do
regime opressor colonial português.
- Também em 1964, Honwana, com 22 anos, publica seu único
livro, “Nós Matamos o Cão Tinhoso”. Essa antologia de contos o colocou como um
dos nomes mais importantes da literatura de seu país.
- Sobre essa prisão, o próprio
Honwana explica que não teve muito a ver com a atividade literária, mas
política, de fato:
“A publicação do livro gerou
muita polêmica em Moçambique, mas não creio que a minha prisão tenha diretamente
a ver com os meus escritos. O livro só teve a sua circulação
"desencorajada" pelas autoridades coloniais muito mais tarde, em
1965, após o fechamento em Portugal da Sociedade Portuguesa de Autores, na
sequência da premiação do "Luanda" de Luandino Vieira. “
- Acredita-se que a militância
de Honwana vem de família, pois seu avô participou na organização do movimento
da África do Sul, dirigido mais tarde por Mandela, em Moçambique, e seu pai foi
um dos primeiros presos políticos moçambicanos, o que justifica sua tendência à
militância.
- Além do Jornalismo, Honwana tem
formação em Direito, Pintura e Cinema, também foi um exímio atleta.
- O autor viveu sempre como
cidadão dos dois mundos presentes em Moçambique: no espaço rural durante a
infância e, por isso, relaciona-se com a língua materna, o ronga, mas também
ouvia desde pequeno o português, já que seu pai era intérprete da
administração.
- Após a Independência de
Moçambique, em 1975, participou ativamente da vida política do país e ocupou
vários cargos públicos. Atualmente, é o diretor executivo da Fundação para a
Conservação da Biodiversidade (BIOFUND).
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II
- ESTILO/ESCOLA LITERÁRIO:
- “Nós Matamos o
Cão-Tinhoso” é a única prosa publicada em Moçambique, no período colonial,
referenciada como marco histórico e testemunhal, como também um manifesto, pois
representa a luta do colonizado moçambicano e a coletividade da qual ele
participa e pela qual ele fala.
- Até a década de 1940
era comum, na então colônia portuguesa, a circulação de textos literários que
atendiam aos anseios da colonização, portanto aos anseios do mundo branco
europeu. Eram produções voltadas para a afirmação do discurso colonial e para a
desvalorização das culturas e povos locais.
- Após esse período, escritores moçambicanos
lançaram-se mais à produção de poesia que a de prosa, que começa a figurar,
mais tarde, no cenário literário moçambicano.
- O escritor africano vivia,
até a data da independência, no meio de duas realidades às quais não podia
ficar alheio: a sociedade colonial e a sociedade africana.
- Ao produzir literatura, os
escritores forçosamente transitavam pelos dois espaços, pois assumiam as
heranças oriundas de movimentos e correntes literárias da Europa e das Américas
e as manifestações advindas do contato com as línguas locais.
- Dessa forma, “a definição de
um modo de fazer literatura moçambicana acompanhava a necessidade de
estabelecer uma nação”. É no contexto da pós-independência que nasce o conceito
de moçambicanidade, portanto era uma geração nacionalista, voltada para a luta
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III
– CONTEXTO HISTÓRICO:
-
A obra “Nós matamos o cão-tinhoso” foi publicada em 1964, ano em que estourou a
luta pela independência de Moçambique da opressão colonial portuguesa e
estendeu-se até 1974, quando a Revolução dos Cravos pôs fim à ditadura em
Portugal e o reajuste político do país.
- Os contos de Honwana, dessa
forma, denunciavam as mazelas da colonização, despertando no povo moçambicano
um sentimento anticolonial em um cenário de conflitos que duraram cerca de dez
anos.
Além da miséria, da fome, do
desrespeito aos idosos e às mulheres, da destruição de famílias, da
desvalorização das culturas locais, da violência gerada pela dominação
portuguesa, com uma intensa exploração do trabalhador ao longo de mais de
quatro séculos, a colonização deixou outras cicatrizes, pois mesmo após a
independência de
- Moçambique, em 1975, seu
povo continuou lutando em uma guerra civil que durou cerca de 15 anos.
- Dessa forma, ao considerar o
conturbado momento de publicação, 1964, Honwana faz de seu livro uma arma de
combate contra o colonialismo. Nele o autor denuncia as mazelas do sistema
colonial português, desnudando as relações opressivas que estão expostas a
sociedade moçambicana pelo julgo lusitano. Nós Matamos o Cão Tinhoso, é um
manifesto contra tudo aquilo que o colonialismo representa. Seus contos
traduzem toda a tensão pré-guerra de uma sociedade que não suporta mais o
autoritarismo, os desmandos coloniais, a arbitrariedade, a exploração, a
violência e todas formas de injustiças e opressões as quais são impostas aos
moçambicanos, restando a eles apenas a revolta contra o sistema colonial e, por
conseguinte, o conflito armado em busca daquilo que nunca deveria ser subtraído
de nenhum individuo: sua dignidade, humanidade e liberdade.
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IV
- INTRODUÇÃO:
- Obra polêmica, foi
criticada por aqueles que defendiam o colonialismo português, e aclamada pelos
que defendiam a liberdade e a autonomia do país.
- “Nós matamos o cão tinhoso”
porta uma mensagem de natureza anticolonial, um contra discurso, direcionado
aos colonizados, mas também aos colonizadores.
- Em seu livro, Honwana
mostra-se como um indivíduo comprometido com a emancipação política, pois nele
dá voz aos oprimidos, aos subalternizados pela colonização europeia,
denunciando a violência e os males advindos da colonização.
- Em todas essas narrativas, é
retratado o contexto opressor vivido pelos moçambicanos durante o período
colonial, revelando o questionamento da realidade social vigente. Para tanto, é
enfatizado aspectos como a violência material e simbólica, o racismo e todo
tipo de injustiças sociais e econômicas, as quais era submetida a população
moçambicana.
- Na sua totalidade, as
narrativas de Honwana denunciam as forças produtivas em jogo, o autoritarismo
do Estado colonial, a opressão exercida pelas instituições de poder e pelo seu
aparelho ideológico. Além disso, evidenciam certos aspectos de conscientização
social e de classe de determinadas personagens.
- Apesar de ser a única
obra do autor, chama-nos a atenção o fato de ter sido editada nos diferentes
países: alemão, espanhol, francês, inglês e sueco, além das várias edições em
Português em Moçambique e Portugal. No Brasil, teve uma única edição em 1980.
- A obra recebeu
prêmios em Moçambique e na África do Sul, e foi classificada entre os "100
melhores livros africanos do século XX", pela ASC Library, da Universiteit
Leiden, na Holanda.
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V - ESTRUTURA:
- “Nós
Matamos o Cão Tinhoso”, a partir da edição de 1980, é composto por sete contos:
“Nós Matamos o Cão Tinhoso”, “Inventário de Imóveis e Jacentes”, “Dina”, “A
Velhota”, “Papá, Cobra e Eu”, “As Mãos dos Pretos” e “Nhinguitimo”.
- Na
publicação brasileira realizada pela Editora Kapulana em 2017, há também um
conto do autor nunca antes publicado em livro, “Rosita, até morrer”.
- De
acordo com Honwana, alguns dos contos presentes no “Nós Matamos o Cão Tinhoso”
foram divulgados, antes de 1964, em periódicos:
“Os
contos que compõem o “Nós Matámos o Cão Tinhoso” foram escritos entre 1961 e
1963 e o livro foi publicado antes da minha prisão (que ocorreu em dezembro de
1964).
- O conto
"Inventário de Imóveis e Jacentes" foi o primeiro a ser publicado na
imprensa moçambicana (Suplemento literário de A Tribuna). O conto "Papá,
cobra e eu", traduzido em inglês por Dori Guedes, venceu o concurso
literário internacional da revista The Classic, editada na África do Sul.
(HONWANA).
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VI - ESPAÇO E TEMPO:
Moçambique
Colonial.
Década de
1960.
- A
representação da sociedade é o traço mais marcante na obra do escritor
moçambicano e deve ser compreendida no contexto da política internacional “em
que o continente africano começa a se libertar do jugo colonial, e da política
nacional, em que a censura começa a ficar mais apertada nas colônias, uma vez
que se pretendia a todo custo evitar a independência”. Assim, a exploração
colonial, a segregação racial e a opressão exercida pelos aparelhos do Estado
são destacadas nos contos.
As formas
de resistência também podem ser notadas, pois os pássaros que sobrevoam as
plantações podem ser percebidos, metaforicamente, como estando ali para avisar
ao povo que a revolução está chegando. Alguns meses após a publicação do livro
a luta armada pela independência iniciou-se.
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VII – TEMÁTICA:
Honwana utiliza seus contos
como arma para combater a opressão colonial, questionando a ordem estabelecida
até aquele momento. Ao denunciar as variadas formas de violência e opressão
praticadas pela Metrópole, o autor faz ecoar para além das fronteiras da
colônia as condições degradantes de vida de seres humanos cuja até o direito à
humanidade lhes foi negado.
Cabe a literatura, alinhada
aos princípios dos estudos pós-coloniais, denunciar o colonialismo, expor sua
verdadeira face: a violência, a opressão, o racismo e a desumanidade. Para
assim, promover a conscientização a respeito do continente e do povo africano,
suas singularidades de modo a desfazer os estereótipos historicamente
construídos.
- Denuncia
a realidade sufocante vivida pelos trabalhadores colonizados e suas famílias
durante a opressão colonial portuguesa em Moçambique, parte das narrativas do
ponto de vista das crianças.
- O autor
irá imprimir em sua obra um tom de dominação, opressão, relação de forças
desiguais e tudo isso marcado por uma imensa capacidade de evocação de imagens
fortes e sentimentais numa narrativa objetiva e exposta em pequenos ciclos,
muitas vezes denotando uma perturbação do narrador ao retornar a determinados
termos, situação que muitas vezes também é a do leitor.
- Ao
demonstrar como a sociedade moçambicana foi e continua sendo marcada pela
colonização portuguesa, em um regime racista e explorador que privava as
pessoas da liberdade em seu sentido mais amplo, a obra se tornou um dos maiores
exemplos de como a literatura pode servir como denúncia e combate às injustiças
sociais, motivo pelo qual continua influenciando novos autores e inspirando
novas pesquisas sobre o mundo pós-colonial.
- O
racismo, a violência contra a mulher, o desrespeito ao idoso e a segregação
promovida pela colonização são alguns dos temas abordados nos sete contos que
compõem a obra.
- Esses
temas vão sendo trabalhados, em cada conto, a partir da problematização das
relações estabelecidas entre colonizador e colonizado, numa organização social
apresentada minuciosamente para o leitor.
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VIII – LINGUAGEM: IDIOMAS
LOCAIS COM A LÍNGUA PORTUGUESA
“Eu sou uma pessoa bilíngue,
tenho esta questão complicada comigo: eu falo Ronga e falo Português. Tenho a
pretensão de poder explorar os limites da expressividade e da elaboração mental
quer de uma língua, quer de outra” (HONWANA apud MENDONÇA, 2014, p. 13).
- Honwana apresenta um ESTILO
INOVADOR, escrito em português, marcado pelas línguas maternas de Moçambique e
dá voz ao sujeito negro, evidenciando o olhar do colonizado sobre o processo de
colonização portuguesa em Moçambique.
- O escritor faz do binômio
“cultura tradicional” x “cultura aculturada”, que considera como conceitos
problemáticos, porque eurocentrados. Entretanto, explica que tomará de
empréstimo – fazendo um esforço “para aceitar essa categoria estranha de
‘aculturação’” –, como expediente de análise, para pensar Moçambique, enquanto
uma nação em que há a coexistência de duas culturas, uma “tradicional” e outra
“aculturada”.
Honwana é “nativo”, recebeu
educação portuguesa, mas não esqueceu os costumes das culturas locais. Ele é o
sujeito moçambicano moderno, transita pelas culturas da terra, de seus
antepassados e a levada e imposta pelo colonizador.
- O autor chama a atenção para
o risco de se tender a um nacionalismo cultural, limitando a criatividade aos
valores tracionais apenas, deixando de fora expressões culturais que são, sim,
resultantes do encontro forçado entre culturas, mas que não deixam de
representar a cultura nacional.
- Bernardo Honwana, embora
tenha escrito a referida obra em português, sempre utiliza palavras de algum
dos idiomas locais. As palavras dina e nhinguitimo, título de dois de seus
contos, e machamba, são exemplos. Provavelmente essas palavras são do idioma Ronga,
que é bastante falado em Maputo.
- Outro recurso utilizado por
Honwana é a repetição de frases semelhantes em momentos distintos no mesmo
conto, de modo a cadenciar a narração, chegando a criar no leitor um certo
suspense, pois a utilização desse recurso marca a mudança de uma parte do conto
para outra. Um exemplo pode ser visto no início do conto Nhiguitimo, no tópico
“As rolas”, no qual o autor apresenta os pássaros que aparecem nas machambas:
“De vez em quando duas, três
rolas, seis no máximo, destacam-se da trajetória do resto do bando e pousam nas
machambas para provar os grãos”. (HONWANA, 2015, p. 105).
Ao finalizar o mesmo tópico,
reutiliza esse recurso: “Duas ou três rolas, seis no máximo, perfuram
nervosamente o espaço por sobre as machambas, avisando dos perigos da
tempestade e conduzindo a retirada” (HONWANA, 2015, p. 105).
Continua com essa estratégia
ao longo do conto, utilizando este recurso pela última vez ao fim do tópico que
precede a conclusão da história:
Perfurando nervosamente a
poeirada, duas ou três rolas, talvez seis, sobrevoaram os trabalhadores em
círculos apertados. Depois do aviso frenético, as rolas rumaram para as grandes
florestas do outro lado do rio, fugindo do ‘nhinguitimo’ (HONWANA, 2014, p.
120).
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PERSONAGENS:
- Segundo Honwana:
“Os
papéis eram, então, exercidos da seguinte forma: os colonos, europeus radicados
nas colônias, ocupavam os cargos de administrador e funcionários das colônias;
os colonizados eram explorados pelo sistema e alguns, poucos, tinham a sorte,
se assim pode dizer, de estudar nas escolas coloniais e depois serem enviados
para a metrópole, de onde voltavam “assimilados”. O “nativo”, para ser
considerado “assimilado”, “via-se obrigado a abandonar os usos e costumes
tradicionais (...) e portar-se sob as normas do sistema econômico imposto pelos
colonizadores” (MUNANGA, 1988, p.14).
- Honwana apresenta o espaço
ocupado pelo colonizado, marcado pela pobreza. Sob o olhar do “assimilado”, a
sociedade colonial moçambicana vai sendo apresentada de modo a denunciar essa
cisão entre os dois mundos.
- Primeiramente, notamos que
os adultos não negros das narrativas são sempre identificados pelo cargo que
ocupam na sociedade colonial e em letra maiúscula: a “Senhora Professora”, o
“Senhor Administrador”, o “Doutor da Veterinária”, o “Senhor Padre”.
- Percebemos também que esses
adultos se relacionam com o colonizado – Ginho, Isaura, Vírgula Oito –
demarcando a autoridade, a superioridade e desprezo do branco em relação ao
mundo do nativo, negando-lhe, inclusive, sua condição de ser humano.
- Chama-nos a atenção o fato
de, em cada conto, os narradores demonstrarem diferentes níveis de consciência
a respeito do processo de colonização e dos males causados por essa, revelando
atitudes diversas. Ora titubeantes, como o inseguro Ginho, de “Nós Matamos o
Cão-Tinhoso”, que retorna como narrador de outros dois contos, com posturas
diferentes. Outras vezes anêmicas, como as do narrador mais crescido de
“Inventário de Imóveis e Jacentes” (1980, p. 36-39), que, após delinear a
pobreza da sua família, sem enxergar um horizonte melhor, finaliza a narração,
dizendo que não tem “tanta vontade de sair da cama, embora não tenha sono
nenhum” (p.39). Também determinadas, como em “Papá, Cobra e Eu” (1980, p.
60-74)., em que o narrador aparece com uma postura firme e reativa, ao se
mostrar atraído pelas ideias anticolonialistas que interessam a seu pai.
Afinal, revoltosas, como o jovem de “A Velhota” (1980, p.54-59), que empreende
uma descrição da pobreza em termos praticamente idênticos aos do narrador
anterior, mas difere desse, ao mostrar-se revoltado com a realidade a que
estava exposto.