ANÁLISE
CRÍTICA LITERÁRIA:
“CONVERSA
DE BOIS”, GUIMARÃES ROSA
PROFESSORA: VALÉRIA PISAURO
I
– TÍTULO: “CONVERSA DE BOIS” - OITAVO CONTO DE “SAGARANA”.
-
AO ESCREVER AO AMIGO JOÃO CONDÉ, GUIMARÃES ROSA, REVELA QUE FOI UM “MEDIUNISMO
PURO”: “EU PLANEJARA ESCREVER UM CONTO DE CARRO-DE-BOIS COM O CARRO, OS BOIS, O
GUIA E O CARREIRO. (...) PENOSAMENTE, URDI O ENREDO, E, UM SÁBADO, FUI DORMIR,
CONTENTE, DISPOSTO A POR EM CADERNO, NO DOMINGO, A HISTÓRIA. MAS, NO DOMINGO
CAIU-ME DO CRÂNIO, PRONTINHA, ESPÉCIE DE MINERVA, OUTRA HISTÓRIA TOTALMENTE
DIFERENTE DA VÉSPERA. NÃO HESITEI: ESCREVI-A, LOGO, E ME ESQUECI DA OUTRA, DA
ANTERIOR.
-
“CONVERSA DE BOIS” É UMA NARRATIVA QUE SEGUE UMA SEQUÊNCIA PREDOMINANTEMENTE
PSICOLÓGICA, ENTRECORTADA POR DIVERSAS ESTÓRIAS PARALELAS. TRATA-SE, ALÉM
DISSO, EM PROFUNDIDADE DE TEMAS EXISTENCIAIS E FILOSÓFICOS, FORMULADOS
USUALMENTE NO UNIVERSO DA CULTURA ERUDITA, NUM CENÁRIO E COM LINGUAGEM ORAL
SERTANEJA.
-
EM 1945, SOFREU GRANDES RETOQUES, MAS NADA RECEBEU DA VERSÃO PRÉ-HISTÓRICA, QUE
FORA DEFINITIVAMENTE SACRIFICADA (ROSA, 1984, p.9).
GUIMARÃES
ROSA AFIRMA: “JÁ PRESSENTIRA QUE O LIVRO, NÃO PODENDO SER DE POEMAS, TERIA DE
SER DE NOVELAS, E – SENDO MEU – UMA SÉRIE DE HISTÓRIAS ADULTAS DA CAROCHINHA. “(ROSA,
1984, p. 6-7)
- A CONVERSA É DE BOIS, MAS, OS OUVINTES
SÃO OS HUMANOS. REVELA-SE AQUI UMA ESPÉCIE DE “FILOSOFIA DOS BOIS”: ANTROPOMORFIZAÇÃO
(BOIS) VERSUS ZOOMORFIZAÇÃO (VIVENCIADO POR TIÂOZINHO).
OS
BOIS SÃO OS PROTAGONISTAS DESSA HISTÓRIA E ASSEMELHAM-SE AOS HUMANOS, NÃO SÓ NA
ESFERA COMPORTAMENTAL, MAS TAMBÉM NA ESFERA MORAL, REPRODUZINDO PENSAMENTOS,
SENTIMENTOS E NOÇÕES DE VALORES QUE SÃO HUMANOS.
-
ROSA NÃO TRANSMITE MERAMENTE A HUMANIDADE AOS ANIMAIS, MAS OS MUNE COM CERTA
INTUIÇÃO, DANDO-LHES FORÇA E REPRESENTANDO-OS COMO FARIAM SE REALMENTE
PENSASSEM E AGISSEM RACIONALMENTE. COMO SE O AUTOR SE TRANSPORTASSE PARA DENTRO
DOS BICHOS, NÃO PARA TRANSMITIR A SUA PRÓPRIA PERSONALIDADE, MAS PARA
INTERPRETAR E EXPRIMIR A IMAGINADA VIDA INTERIOR DELES, PARA MOSTRAR A FALTA DE
PERCEPÇÃO DAS COISAS QUE O “BICHO HOMEM” TEM.
-
A POSIÇÃO DE GUIMARÃES ROSA NESTE CONTO, REPOUSA NUMA PERSPECTIVA CRUZADA ENTRE
O ANIMAL E O HOMEM, QUE TRADICIONALMENTE SE OPÕEM SOB OS RÓTULOS DE “NATUREZA”
E “CULTURA”, OU SEJA, AS CONDIÇÕES EM QUE A VISÃO HUMANA VÊ O ANIMAL COMO PRESA
E PREDADOR SOFREM UMA INVERSÃO.
EPÍGRAFE:
-
É IMPORTANTE RESSALTAR A PRESENÇA DO ANIMAL-BOI NO IMAGINÁRIO MÍTICO-POPULAR. EM
GERAL, NO COMPLEXO IMAGINÁRIO DAS NARRATIVAS ARCAICAS, ENCONTRAMOS UM CONJUNTO
DE ANIMAIS MITICOS QUE FIGURAM NO PLANO DO COMBATE EXERCENDO TANTO A FUNÇÃO DE
ANTAGONISTA (FEROCIDADE) QUANTO A FUNÇÃO DE DOADOR (AJUDANTE MÁGICO).
DE
MUITAS DAS NARRATIVAS QUE CIRCULAM PELO SERTÃO, AS MAIS APRECIADAS ERAM AS QUE
CONTAVAM A VIDA DE BOIS VALENTES E INSUBORDINADOS, APOIANDO-SE NA EXPERIÊNCIA
AFETIVA COM ANIMAIS.
-
NO BRASIL, VALE ASSINALAR, ENTRE OS FOLGUEDOS POPULARES MAIS TRADICIONAIS,
DESTACA-SE O “BOI-BUMBÁ”, ONDE UM BOI-ARTEFATO QUE BAILA, MORRE E RESSUSCITA,
ATUA COM GRANDE FORÇA NO IMAGINÁRIO POPULAR POR MEIO DAS REINTERPRETAÇÕES
SIMBÓLICAS DOS BRINCANTES, ENCONTRADA EM VÁRIAS REGIÕES DO PAÍS.
-
O BOI, PARA ALÉM DO RECONHECIMENTO DE SER SÍMBOLO DAS EXPRESSÕES DE UMA CULTURA
NACIONAL (EMBORA SEJA DE ORIGEM IBÉRICA E EUROPEIA), É TAMBÉM UM ANIMAL QUE
CARREGA SIMBOLOGIA MÍTICA.
-
EM “CONVERSA DE BOIS”, A EPÍGRAFE QUE ABRE A NARRATIVA É EXTRAÍDA DO CORO DO
“BOI-BUMBÁ” E UMA DAS CHAVES FUNDAMENTAIS PARA A COMPREENSÃO DA NARRATIVA:
– Lá vai! Lá vai! Lá vai!…/
- Queremos ver… Queremos ver…/
- Lá vai o boi Cala-a-Boca/
Fazendo a terra tremer!…” (Coro do
Boi-Bumbá).
-
PODE-SE DIZER QUE EM SEU EIXO SIMBÓLICO, O DESFECHO LÚDICO E TRIUNFAL DO CONTO,
APROXIMA-SE DA CAMADA MÍTICA DA MORTE E RESSURREIÇÃO DA DANÇA DRAMÁTICA
ENCENADA PELO FOLGUEDO DO BOI-BUMBÁ.
II
- RECURSO FABULAR PARA CONTAR A SUA HISTÓRIA – O ANTROPOMORFISMO:
-
O TERMO FÁBULA VEM DO LATIM:
- “FARI”, SIGNIFICA “FALAR” OU DO GREGO,
- “PHAO”, SIGNIFICANDO CONTAR ALGO.
- A NARRATIVA TEM UMA NATUREZA SIMBÓLICA
E/OU ALEGÓRICA, RETRATANDO UMA SITUAÇÃO VIVIDA POR ANIMAIS, REMETENDO-SE À
SITUAÇÃO HUMANA COM O OBJETIVO DE TRANSMITIR CERTA MORALIDADE.
- O MUNDO DO “FAZ DE CONTA” É
CATEGORICAMENTE EXPLICITADO PELO ÍNDICE TEXTUAL QUE ABRE O CONTO EM GRAFIA
MAIÚSCULA: “QUE JÁ HOUVE UM TEMPO”
- A FÁBULA OFERECE UM MODELO DE
COMPORTAMENTO MANIQUEÍSTA, EM QUE O “BEM” DEVE SER REPRODUZIDO E O “MAL”,
REJEITADO.
- ATUALIZAM OU REINTERPRETAM QUESTÕES
UNIVERSAIS, COMO OS CONFLITOS DO PODER E A FORMAÇÃO DOS VALORES, MISTURANDO
REALIDADE E FANTASIA.
- AO EXPLORAR A FÁBULA, O AUTOR RECUSA O
ESTADO EFÊMERO DO FAZER LITERÁRIO, ENTENDENDO-O COMO CONSTANTE E CÍCLICO.
NÃO HÁ COMO ENCERRAR ALGO ESSENCIALMENTE
INCLINADO A SE PERPETUAR.
- MODELO ESTRUTURAL DA FÁBULA:
1. TODA EFABULAÇÃO TEM, COMO MOTIVO
NUCLEAR, UMA ASPIRAÇÃO OU UM DESÍGNIO, QUE LEVAM O HERÓI À AÇÃO;
2. A CONDIÇÃO PRIMEIRA PARA A REALIZAÇÃO
DESSE DESÍGNIO É SAIR DE CASA (“DO CONFORTO”) E SE DESLOCAR A OUTRO AMBIENTE
NÃO-FAMILIAR, COMO UM VERDADEIRO RITUAL INICIÁTICO, OBJETIVANDO SUA
AUTORREALIZAÇÃO EXISTENCIAL PELO ENCONTRO DE SEU VERDADEIRO “EU”, QUE ENCARNA O
IDEAL A SER ALCANÇADO, COM O OBJETIVO DE TRANSMITIR UMA CERTA MORALIDADE.
3. HÁ SEMPRE UM DESAFIO À REALIZAÇÃO
PRETENDIDA OU OBSTÁCULOS APARENTEMENTE INSUPERÁVEIS QUE SE OPÕEM À AÇÃO DO
HERÓI.
4. SURGE SEMPRE O MEDIADOR ENTRE O HERÓI E
O OBJETIVO, ISTO É, SURGE UM AUXILIAR MÁGICO, NATURAL OU SOBRENATURAL, QUE
AFASTA OU NEUTRALIZA OS PERIGOS E AJUDA O HERÓI A VENCER.
5. FINALMENTE, O HERÓI CONQUISTA O
ALMEJADO OBJETIVO.
- O EXEMPLO MORAL TENDE A ESPELHAR A
CONDUTA PADRÃO DE UMA IDEOLOGIA DOMINANTE, MUITAS VEZES, ESSA MORAL É FECHADA E
INQUESTIONÁVEL.
- EM “CONVERSA DE BOIS” ENCONTRA-SE A
IMAGEM DA INFÂNCIA DO HERÓI MENINO TIÃOZINHO ARTICULADA À MATRIZ POPULAR DOS
CONTOS DE FADA, NO PONTO EM QUE É POSSÍVEL UMA SIMBIOSE ENTRE O MENINO E OS
BOIS, COLOCANDO EM XEQUE O PLANO DA LÓGICA E DA COERÊNCIA.
III – FOCO NARRATIVO:
COMPLEXIDADE POLIFÔNICA - NARRADORES OU TESTEMUNHAS DA “FÁBULA”.
O CONTO INICIA COM UM PREÂMBULO RELATIVAMENTE
EXTENSO ONDE SÃO APRESENTADOS OS NARRADORES OU TESTEMUNHAS DA “FÁBULA”:
- MANUEL TIMBORNA É PERSONAGEM DO CONTO,
MAS NÃO PARTICIPA DO UNIVERSO DIEGÉTICO DO MESMO. TRATA-SE DE UM NARRADOR
EXTRADIEGÉTICO: NARRA, MAS NÃO INTEGRA ESPECIFICAMENTE A AÇÃO NARRATIVA.
- AS VOZES PARECEM INTERCALADAS EM QUE
TIMBORNA E O NARRATÁRIO DIALOGAM.
“- EU ATÉ POSSO CONTAR UM CASO
ACONTECIDO QUE SE DEU .... SÓ SE EU TIVER LICENÇA DE RECONTAR DIFERENTEM
ENFEITADO E ACRESCENTADO POUCO A POUCO.
- FEITO! EU ACHO QUE ASSIM ATÉ
FICA MAIS MERECIDO, QUE NÃO SEJA.”
(ROSA, 1984, p. 302).
- TEMOS TAMBÉM, A PERSONAGEM IRARA
RISOLETA (PEQUENO ANIMAL CARNÍVORO), TESTEMUNHA DO RELATO FENOMENAL, QUE PASSA
SEUS SABERES (“A MINUCIOSA NARRAÇÃO”) EM TROCA DA SUA LIBERDADE PARA MANUEL
TIMBORNA E, QUE IRÁ PASSÁ-LA ADIANTE.
- MANUEL TIMBORNA, DAS PORTEIRINHAS, UM
POETA QUE, “EM VEZ DE CAÇAR SERVIÇO PARA FAZER, VIVE FALANDO INVENÇÕES SÓ LÁ
DELE MESMO”.
ELE “DORMIA À SOMBRA DO JATOBÁ, E O
BICHINHO VEIO BISBILHOTAR, DE DEMASIADO PERTO, ACERCA DO BENTINHO AZUL QUE ELE
USA NO PESCOÇO,
- ELA SÓ PODE RECOBRAR A LIBERDADE A TROCO
DA MINUCIOSA NARRAÇÃO (ROSA, 1984, p. 305). “
- O CARÁTER FEMININO DO “BICHINHO”
PERMITIRIA SUPOR QUE ESTE FAZ ÀS VEZES DA “MUSA” QUE INSPIRA O POETA:
“POR AÍ SE VÊ QUE A IRARA ERA
GENIAL, ÀS VEZES; MAS, NO FUNDO, NÃO PASSAVA DE UMA MULHERZINHA TEIMOSA, SEMPRE
A SUPLICAR: ME DEIXEM ESPIAR UM POUQUINHO”.
-
CABE, ASSIM, A MANUEL TIMBORNA PERPETUAR A HISTÓRIA (PORTA-VOZ DA IRARA),
USANDO UMA FORMA NARRATIVA MILENAR: OS RELATOS ORAIS, COMO OS ANTIGOS
CONTADORES DE ESTÓRIAS (ORALIDADE - FÁBULA), QUANDO IRÁ PASSÁ-LA ADIANTE A UM
NARRATÁRIO (PRESENÇA DO OUVINTE) QUE, SE COMPROMETE OUVÍ-LA, COM A CONDIÇÃO DE
PODER ENFEITAR E ACRESCENTAR DETALHES – O QUE TIMBORNA ACEITA PRONTAMENTE.
- ATRAVÉS DA PROPOSIÇÃO DE RECUPERAR “O
CONTAR HISTÓRIAS”, OU SEJA, O RECUPERAR DA NARRATIVA ORAL, O NARRADOR PROVOCA
SEU OUVINTE A PARTICIPAR DE UM JOGO LINGUÍSTICO, COLOCANDO-O FRENTE A FRENTE
COM IMAGINÁRIO DAS HISTÓRIAS.
- TRATA-SE DE UM COMPROMISSO QUE NÃO ATARÁ
A FORÇA EXPRESSIVA DA NARRAÇÃO, PORÉM PROPICIARÁ A INVENÇÃO DE UM MUNDO, NÃO
NECESSARIAMENTE COERENTE COM A REALIDADE FACTUAL, MAS COM UMA COERÊNCIA INTERNA
QUE SE CONSTRÓI A VEROSSIMILHANÇA QUE APROXIMA O LEITOR DA ESTÓRIA NARRADA.
- DESSA MANEIRA, GUIMARÃES ROSA TECE SUAS
HISTÓRIAS A PARTIR DO ESTABELECIMENTO DE UM PONTO DE CONFLUÊNCIA ENTRE O MUNDO
DA ORALIDADE E O DA ESCRITA.
- O MOÇO QUE ESCUTA TIMBORNA É O UM
VIAJANTE (GUIMARÃES ROSA ???), ENQUANTO QUE, A IRARA RISOLETA E O TIMBORNA
REPRESENTAM O SERTÃO, “O CAMPONÊS SEDENTÁRIO”.
- A PARTIR DO DIÁLOGO ENTRE TIMBORNA E O
“MOÇO”, A NARRAÇÃO FICCIONAL SE INSTAURA, POIS APESAR DOS ENFEITES QUE O
NARRADOR POSSA REALIZAR, HÁ UM INDIVIDAMENTO COM A FONTE PRIMEIRA – A IRARA RISOLETA.
- O “REDATOR” DA ESTÓRIA É UM HOMEM CULTO,
QUE CONHECE OS CLÁSSICOS, CITANDO VIRGÍLIO:
“VISA, SUB OBSCURUM NOCTIS
PECUDESQUE LOCUTAE. INFANDUM!...”
- “E FORAM VISTAS, NO ESCURO
DA NOITE, OVELHAS QUE FALAVAM. ABOMINÁVEL!”
(Virgílio, Geórgicas.)
- ESSES DIZERES ILUSTRAM O TEOR REFLEXIVO
DA HISTÓRIA, VALORIZANDO O CARÁTER ANTROPOMÓRFICO DOS BOIS, QUANDO ESTES
ENXERGAM SOB AS TREVAS DA NOITE.
CONSIDERANDO-SE O CONTEXTO SIMBÓLICO QUE
SUBORDINA À NARRATIVA DE “CONVERSA DE BOIS”, O TEOR DA SENTENÇA GANHA
SIGNIFICADO ESPECIAL NA ASSOCIAÇÃO ENTRE O ELEMENTO NOTURNO E O UNIVERSO
IMAGINÁRIO QUE DÁ VIDA AO TEXTO, ONDE A NOITE OBSCURA SURGE COMO ESPAÇO DE
MATERIALIZAÇÃO DOS FENÔMENOS, CUJA MISTERIOSA NATUREZA ULTRAPASSA OS DOMÍNIOS
DA RACIONALIDADE.
- SOB A CAPA ESPESSA DA TREVA REPOUSA TODA
ESPÉCIE DE FORÇAS ESTRANHAS AO INTELECTO.
NA NOITE, O ESPÍRITO RACIONAL É ESFACELADO
EM FAVOR DE UMA OUTRA SAPIÊNCIA, REGIDA PELAS FORÇAS DA VIDA INSTINTIVA. ASSIM,
AQUILO QUE, QUANDO CONSIDERADO SOB A ÉGIDE DA LUZ DO DIA APARECE COMO
IMPOSSÍVEL, IMPROVÁVEL, NA NOITE RESULTA COMO PERFEITAMENTE PLAUSÍVEL,
POSSIBILITANDO ENFIM, QUE AOS BOIS SEJA CONCEDIDA A FACULDADE DO PENSAMENTO E
DA FALA.
- O CONTO É BASEADO NESSA PREMISSA E TENDO
COMO SUPORTE ESSA NOITE SIMBÓLICA NA QUAL A RAZÃO ENCONTRA-SE DESLEGITIMADA EM
FAVOR DO FANTÁSTICO. É EXATAMENTE NA ESPECIFICIDADE DESSE PENSAR NOTURNO QUE
RESIDE O CERNE DA SABEDORIA INSTINTIVA E ANTIRRACIONAL DOS BOIS.
- A ESTRATÉGIA MAIS CRIATIVA, EM TERMOS DE
POLIFONIA, É A NARRAÇÃO DO BOI BRILHANTE, “NARRADOR DA EXPERIÊNCIA”, QUE TEM
COMO BASE DE EXPERIÊNCIA, A META-HISTÓRIA ENVOLVENDO UM RELATO TESTEMUNHAL
SOBRE A HISTÓRIA DO BOI RODAPIÃO:
- BOI BRILHANTE CONHECEU O BOI RODAPIÃO
QUANDO DIVIDIRAM A MESMA CANGA.
- A CADÊNCIA PERMANECE DA NARRATIVA E O
FATO DE O NARRADOR, DAR VOZ AO BOI, FAZ COM QUE A LINEARIDADE NÃO SE ROMPA, MAS
TEM-SE UMA VARIAÇÃO, QUE LEMBRA A RODA DO CARRO: A VOZ DO SERTÃO E A VOZ
UNIVERSAL DA FÁBULA SE TORNAM UNÍSSONAS.
- A NARRATIVA DE BRILHANTE TEM COMO
OBJETIVO ILUSTRAR O TEOR HUMANO DO LENDÁRIO BOI RODAPIÃO.
- A HISTÓRIA AUXILIA OS BOIS A TECEREM
MELHORES REFLEXÕES SOBRE O CARÁTER DO SER HUMANO, FATOR DECISIVO PARA QUE ELES
POSSAM AJUDAR O PEQUENO TIÃOZINHO NO FINAL DO CONTO.
- ESSA SUCESSÃO DE NARRADORES CONDUZIRÁ A
UMA RELAÇÃO, APARENTEMENTE CAUSAL ENTRE EVENTOS NARRADOS, O QUE SE CONFIGURA
COMO UMA ESTRATÉGIA DE NARRAÇÃO. ESTES EVENTOS APRESENTADOS EM FORMA DE
DIÁLOGOS, SEM A MEDIAÇÃO DO NARRADOR, O QUAL SE DESINTEGRA NO ENREDO, CAUSA UM
EFEITO NA ESTRUTURA NARRATIVA DE PRESENTIFICAÇÃO DA REALIDADE.
IV – TEMPO E ESPAÇO: ILUSÃO DA
EXISTÊNCIA DOS ESPAÇOS, TEMPO E PERSONAGENS NARRADOS.
NO INÍCIO, O NARRADOR DEIXA SUBENTENDIDO
QUE NÃO SE TRATA DE UMA HISTÓRIA COMUM, EXPLICITADO PELO ÍNDICE QUE ABRE O
CONTO EM GRAFIA MAIÚSCULA:
“QUE JÁ HOUVE UM TEMPO EM QUE
ELES CONVERSARAM, ENTRE SI E COM OS HOMENS, É CERTO E INDISCUTÍVEL, POIS QUE
BEM COMPROVADO NOS LIVROS DAS FADAS CAROCHAS.
MAS, HOJE-EM-DIA, AGORA,
AGORINHA MESMO, AQUI, AÍ, ALI, E EM TODA PARTE, PODERÃO OS BICHOS FALAR E SEREM
ENTENDIDOS, POR VOCÊ, POR MIM, POR TODO O MUNDO, POR QUALQUER UM FILHO DE
DEUS?!”
(ROSA, 2001, p. 325).
- O UNIVERSO DOS CONTOS MARAVILHOSOS
FIGURA AVENTURAS FANTÁSTICAS MARCADAS POR HEROÍSMO E MISTÉRIOS E, AS COISAS
SINGELAS DO SERTÃO, RECEBEM UM TRATAMENTO ÉPICO. DESSA FORMA, CADA VEZ QUE SÃO
APRESENTADOS OS SOFRIMENTOS DE TIÃOZINHO CAUSADO POR SORONHO, NÃO SOMENTE OS
BOIS SE APIEDAM DO MESMO, MAS O LEITOR, TAMBÉM, SE SOLIDARIZA AO MENINO.
- A SUCESSÃO DE ACONTECIMENTOS ALARGA O
HORIZONTE TEMPORAL INICIAL, POIS, NÃO SABEMOS QUANTO TEMPO SE PASSOU DAS DEZ
HORAS DA MANHÃ E IMPRIME UMA VELOCIDADE AO RELATO, POIS CADA CAPÍTULO É
CONSTRUÍDO EM TORNO DE UMA DETERMINADA AÇÃO DE TIÃOZINHO.
- O NARRADOR APRESENTA UM ESPAÇO QUE
RECEBE O REVESTIMENTO HISTÓRICO DE UM AMBIENTE SERTANEJO, O QUAL DESIGNA UMA
ESTRUTURA DE DOMINAÇÃO SOCIOPOLÍTICA QUE EMERGE COM A PROJEÇÃO DO CARREIRO
AGENOR SORONHO, ATRAVÉS DA QUAL SE REPRESENTA O MUNDO DA PECUÁRIA COMO GARANTIA
DE SOBREVIVÊNCIA.
A ESTRATÉGIA DE DESCREVER O CARRO DE BOIS
COM TODOS OS PORMENORES, VALORIZA A CULTURA LOCAL E INSERE O SERTÃO NO CONTEXTO
FABULAR, DANDO AO ELEMENTO TIPICAMENTE MINEIRO, CARÁTER DE UNIVERSALIDADE.
- PROCURANDO DELIMITAR O ESPAÇO, DURANTE
TODO O CONTO, PERCEBE-SE A PRESENÇA DE ELEMENTOS ALTAMENTE DESCRITIVOS QUE
REFLETEM O PRIMOR DE GUIMARÃES POR DETALHAR AS MAIS RICAS PARTICULARIDADES DO
SERTÃO, DE MODO QUE O CENÁRIO PODE SER QUASE ENXERGADO ATRAVÉS DA DESCRIÇÃO DO
ESPAÇO.
“ENCRUZILHADA DA IBIÚVA, LOGO APÓS A CAVA
DO MATA-QUATRO” (ROSA, 1980a, p.287).
V – LINGUAGEM: NÍVEIS DE
INFORMALIDADE; VARIAÇÕES DE LINGUAGEM - CARÁTER POLIFÔNICO: DISTINTAS VOZES
SOCIAIS.
NO CONTO, TEMOS A PRESENÇA DOS TRÊS
DISCURSOS (DIRETO, INDIRETO E INDIRETO LIVRE) PARA COMPOR A NARRATIVA,
CONFERINDO A ESTE CONTO, UM CARÁTER POLIFÔNICO, POIS DENTRO DO MACRODISCURSO DO
NARRADOR SE MATERIALIZAM OS MICRODISCURSOS DOS BOIS, DE TIÃOZINHO, DE AGENOR
SORONHO, DE JOÃO BALA, QUE ECOAM COMO DISTINTAS VOZES SOCIAIS QUE SE
CONFRONTAM. PARA FIRMAR AS BASES DESSA CULTURA HETEROGÊNEA, AS PERSONAGENS E
NARRADORES ROSEANOS INTERCALAM SEUS PAPÉIS, OU SEJA, DIANTE DE ACONTECIMENTOS
OU RELATOS PECULIARES ORA NARRAM, ORA DIALOGAM, ORA SE INTERPRELAM.
HÁ UM PARALELISMO ENTRE A OBRA ROSEANA E A
FILOSOFIA EXISTENCIAL: EMBORA ENCONTRAMOS OS TRÊS DISCURSOS CITADOS, HÁ
PREDOMINÂNCIA DO DISCURSO INDIRETO LIVRE, POIS, O NARRADOR ESMIÚÇA OS
PENSAMENTOS DAS PERSONAGENS ANIMAIS E HOMENS E SE APROPRIA DO DISCURSO DAS
MESMAS PARA EXPÔ-LAS, DEMONSTRANDO SEUS MEDOS, RAIVAS E ANSEIOS, ENFIM DANDO A
ELAS UMA DIMENSÃO HUMANA, ATRAVÉS DE UMA LINGUAGEM AO MESMO TEMPO MÍTICA E
PROFUNDAMENTE POÉTICA.
- A MANUTENÇÃO DA FALA OU DO PENSAMENTO
ORIGINAIS DA PERSONAGEM, AS EXCLAMAÇÕES, INTERROGAÇÕES E AS RETICÊNCIAS
PRESENTES SÃO UMA FORMA DE PRESERVAR A ORALIDADE OU A ENUNCIAÇÃO MENTAL.
- USO DE NEOLOGISMO, HÍFEN, ONOMATOPEIA E
ALITERAÇÃO.
1. SORONHO: REPRESENTAÇÃO MANIQUEÍSTICA DO
MAL
“- TU TIÃO, DIABO! TU APERTOU
DEMAIS O COCÃO! ... NÃO VÊ QUE A GENTE CARREANDO DEFUNTO-MORTO, COM ESSA
CANTORIA, ATÉ DEUS CASTIGA, SIÔ?! ... NÃO VÊ QUE É TEU PAI, DEMONINHO?! ...
FASTA! FASTA, CANINDÉ! ... OA! ... O-ÔA! ... ANDA, FICA NOVO, BOCÓ-SEM-SORTE,
CARA DE PARI SEM PEIXE!... “(ROSA,
1984, p. 309-310).
O CAMPO SEMÂNTICO APRESENTA PALAVRÕES; OS
VERBOS NÃO SEGUEM A CONJUNÇÃO QUE IMPÕE A NORMA PADRÃO; REDUÇÃO DE PALAVRAS E
TRAÇOS DE UMA ORALIDADE SUPOSTAMENTE SERTANEJA.
2. BOIS: PERSONALIZADOS EM
SEUS DISCURSOS PELA LINGUAGEM E CATEGORIAS:
- BOIS DE CARRO: AQUELES QUE FALAM, PENSAM E ESTÃO NA
MESMA CONDIÇÃO DE TRABALHADORES.
- BOIS CRIADOS PARA ENGORDA: NÃO TÊM CONSCIÊNCIA DO QUE SÃO E ESTÃO
DESTINADOS À ALIENAÇÃO EXTREMA. SÃO VISTOS COM DESCONFIANÇA PELOS BOIS E
ALEGORIZAM UMA CRÍTICA À RACIONALIDADE, O QUE SE CONFIRMA COM A ESTÓRIA DO BOI
RODAPIÃO.
3. TIÃOZINHO: PRATICAMENTE NÃO SE EXPRESSA DURANTE TODO
O TRAJETO. SOMENTE APÓS A MORTE DE AGENOR SORONHO É QUE SE MANIFESTA ATRAVÉS DE
UM PENSAMENTO CONFUSO DE UMA CRIANÇA, QUE APESAR DE LIVRE, CARREGA, A
PRINCÍPIO, A CULPA PELO ACONTECIDO, CORANDO, COMO UM DOIDO.
- O SENTIMENTO DE TIÃOZINHO É MARCADO NA
LINGUAGEM POR PONTOS DE INTERROGAÇÃO, QUE DENOTAM A INSEGURANÇA DIANTE DO
FUTURO INCERTO; PONTOS DE EXCLAMAÇÃO QUE DENOTAM QUE SE APRESENTOU UMA
ALTERNATIVA AO SOFRIMENTO VIVIDO; RETICÊNCIAS POR UM SENTIMENTO DE CULPA; USO
SIMULTÂNEO DOS TRÊS SINAIS DE PONTUAÇÃO, QUE NÃO DEIXA O LEITOR INDIFERENTE AO
OCORRIDO E O TORNAM MEIO CÚMPLICE, MEIO JUIZ DA AÇÃO OCORRIDA.
4. TIÃOZINHO E OS BOIS:
- A INEXPERIÊNCIA DO MENINO TIÃOZINHO É
COMPENSADA COM A SAPIÊNCIA ADQUIRIDA DOS BOIS, O QUE LEVA DANÇADOR A PONDERAR:
“- O HOMEM É UM BICHO
ESMOCHADO, QUE NÃO DEVIA HAVER. NEM CONVÉM ESPIAR MUITO PARA O HOMEM. É O ÚNICO
VULTO QUE FAZ FICAR ZONZO, DE SE OLHAR MUITO. É COMPRIDO DEMAIS, PARA CIMA, E
NÃO CABE TODO DE UMA VEZ, DENTRO DOS OLHOS DA GENTE.” (ROSA, 1984, p. 307).
- MESMO AO DESENVOLVEREM SUAS ATITUDES
COTIDIANAS, O RACIONALISMO DOS BOIS ESTÁ PRESENTE, COMO NA CITAÇÃO ABAIXO,
QUANDO BOI BRILHANTE REFLETE SOBRE O ATO DE PENSAR: “- MAS, PENSAR NO
CAPINZAL, NA ÁGUA FRESCA, NO SONO À SOMBRA, É BOM .... É MELHOR DO QUE COMER
SEM PENSAR. “
"NÃO ENCONTRO MAIS AQUILO
QUE EU SABIA ... COISA VELHA ... TAMBÉM, TEM TANTA COISA PARA A GENTE
PENSAR!...
“(ROSA, 1984, p. 310).
5. OUTROS CARREIROS COM SEU
LINGUAJAR PECULIAR:
- JOÃO BALA: “MAGINA, SE NÃO FOSSEM OS
MEUS BOIZINHOS ABENÇOADOS! [...] A CANGA JOGANDO A JUNTA P’RA RIBA!” (ROSA,
1984, p. 330).
- SEU QUIRINO: “SOSSEGA, MEU FILHO! TEM
GOLE D’ÁGUA, P’RA DAR A ESTE MENINO. SEM ÁGUA PARA A GOELA SECA. AJUDA AQUI,
NHÔ ALCIDES!” (ROSA, 1984, p. 336)
VI - PERSONAGENS: A “BÁRBARA
VIATURA” E A COMITIVA:
1. A “BÁRBARA VIATURA” ERA “ARRASTADA AOS
SOLAVANCOS” POR OITO BOIS, EMPARELHADOS DOIS A DOIS:
- “BOIS DA GUIA”: BUSCAPÉ E NAMORADO;
- CAPITÃO E BRABAGATO;
- DANSADOR E BRILHANTE;
- “OS SISUDOS SÓCIOS DA JUNTA DO COICE”:
REALEJO E CANINDÉ.
- O EIXO HORIZONTAL REPRESENTA A DIVISÃO
DA INVESTIGAÇÃO DO “EXISTIR” ENTRE AS PERSONAGENS.
- NO EIXO VERTICAL, CADA UM DOS
SEMI-PLANOS CORRESPONDE A UMA DISPOSIÇÃO DE TIPO MORAL, ISTO É, UMA DIVISÃO
ENTRE A INOCÊNCIA E A MALÍCIA. EVIDENTEMENTE, TAIS FRONTEIRAS NÃO SÃO NÍTIDAS,
DADAS A IDENTIFICAÇÃO DE TIÃOZINHO COM A “NATUREZA BOVINA”, BEM COMO A DUVIDOSA
MORALIDADE DE SEU ATO FINAL, QUANDO ATIÇA OS BOIS PARA QUE DERRUBEM SORONHO DO
CARRO. AO SE CONSIDERAR TIÃOZINHO, O ELEMENTO ATIVO DA AÇÃO E AGENOR SORONHO
COMO O OBSTÁCULO, PODEMOS ADMITIR QUE OS BOIS DO CARRO EXERCEM O PAPEL DE
MEDIADORES, POIS NITIDAMENTE, SÃO MÁGICOS E FANTÁSTICOS NA HISTÓRIA.
2. ONOMATOLOGIA E ANTROPOMORFOLOGIA:
O EXOTISMO DE ALGUNS NOMES DAS PERSONAGENS
DO CONTO “CONVERSA DE BOIS” LEVAM-NOS A RECORRER À ONOMATOLOGIA, QUE ESTUDA OS
NOMES NÃO APENAS DE PESSOAS, MAS TAMBÉM DOS SERES PERSONIFICADOS.
- IRARA: SUBSTANTIVO FEMININO DE HÁBITOS
NOTURNOS, DORME DURANTE O DIA E À NOITE SAI À PROCURA DE PÁSSAROS, OVOS E ATÉ
PEQUENOS MAMÍFEROS, COSTUMA INCLUSIVE, ATACAR OS GALINHEIROS E SUGAR O SANGUE
DAS GALINHAS.
- NO BRASIL É TAMBÉM CONHECIDA COMO
PAPA-MEL, DESIGNAÇÃO USADA POR ROSA: “COM UM RABEIO FINAL, O PAPA-MEL
EMPOOU-SE E ESPOOU-SE NAS COSTAS, E ANDOU À RODA, MUITO LIGEIRO, PORQUE É BEM
ASSIM QUE FAZEM AS IRARAS.” (ROSA, 1984, p. 303).
EM SEGUIDA, A IRARA É BATIZADA: “E A
IRARA VIRAVA A CARINHA PARA TODAS AS BANDAS, TÃO SÉRIA E MOÇA E GRACIOSA, QUE
SE FOSSE MULHER SÓ SE CHAMARIA RISOLETA.” (ROSA, 1984, p. 305).
- OS ATRIBUTOS À IRARA CONTINUAM
ANTROPOMORFIZANDO-A:
“ENTÃO, A IRARA RISOLETA FEZ O
CÁLCULO DO TEMPO DE QUE DISPUNHA. OLHOU PARA CIMA, ESPIOU PARA O CAMINHO DA
DIREITA, A VER SE TAMBÉM DALI NÃO SURGIA ALGUMA COISA DIGNA DE OBSERVAR-SE, E,
DEPOIS, NUMA CORAGEM, CORREU EMPÓS A COMITIVA, VAI QUE AVANÇANDO ESPEVITADA,
VEM QUE DESENXABIDA RECUANDO, SUMINDO-SE NA MOITAS, INDO ATÉ LÁ ADIANTE ...” (ROSA, 1984, p. 305).
- SÃO UTILIZADOS SINÔNIMOS PARA REFERIR-SE
A IRARA, COMO: “CÃOZINHO SILVESTRE” (pág. 304), “CACHORRINHO-DO-MATO” (pág.303)
QUE A ASSOCIAM A UM PARENTE PRÓXIMO DA RAPOSA, PERSONAGEM RECORRENTE NAS
FÁBULAS, COMO SÍMBOLO DA ASTÚCIA E SAGACIDADE.
- O NARRADOR SE REFERE A IRARA COM APELO
DIMINUTIVO, FORMA UTILIZADA NÃO PARA EXPRESSAR O TAMANHO DO ANIMAL, MAS PARA
REITERAR UM CARINHO A ELA POR TER-LHE CONFIADO UMA NOVA ESTÓRIA. É PELA IRARA
RISOLETA QUE CONHECEMOS A ESTÓRIA E ATRAVÉS DOS BOIS DA CANGA, QUE DÃO VOZ E
VIDA AOS PERSONAGENS HUMANOS.
2. BOIS: UNIVERSO REPLETO DE ANIMAIS:
- SEM OS BOIS ANTROPOMÓRFICOS, A PERIPÉCIA
DA NARRATIVA CONTINUARIA LATENTE, E ESTARÍAMOS LONGE DO FINAL CATÁRTICO E
DIDÁTICO REVELADO NO FIM DO ENUNCIADO. TODOS OS BOIS SÃO DEVIDAMENTE NOMEADOS E
CARACTERIZADOS, COM SUAS RESPECTIVAS FUNÇÕES E HÁ UMA GRADAÇÃO NESTAS FUNÇÕES:
1. “BOIS DA GUIA”: BUSCAPÉ E NAMORADO
- BUSCAPÉ: COM DUAS TONALIDADES DE AMARELO
E EXUBERANTE BARBELA, É O MAIS NOVO QUE OS OUTROS. ARISCO E INQUIETO, SE
ESTIVESSE SOLTO NO PASTO, PROVAVELMENTE SERIA UM PERIGO.
OCUPA A FRENTE DO CARRO, A “PONTA”,
CHAMADO BOI-DE-GUIA, BOI CHINA, TIPO BOI CRIOULO.
BUSCAPÉ É O BOI QUE OBSERVA A COVARDIA DO
CARREIRO AGENOR SORONHO, QUE JÁ LEVOU CORRIDA DE UMA VACA E DIZ: “- UM HOMEM
NÃO É MAIS FORTE DO QUE UM BOI...”. (ROSA, 2001, p. 331).
-O NOME DO BOI LEMBRA A SUA CONDIÇÃO
ARISCA, POIS O BUSCAPÉ É UM DOS FOGOS DE ARTIFÍCIO QUE CORREM ACELERADO E SEM
DIREÇÃO.
- NAMORADO:
“O-QUE-DEITA-PARA-SE-ESCONDER-NO-MEIO-DO-MELOSO-ALTO”, TAMBÉM É BOI-DE-GUIA.
DESCRITO COMO SENDO MARROM, MEIO
AVERMELHADO, É O BOI QUE TIÃZINHO MAIS TEM PROBLEMAS PARA CONTROLAR. ELE CHEGA
A ENCOSTAR OS CHIFRES NO CANDIEIRO (ESPÉCIE DE LAMPIÃO), POSSÍVEL ALUSÃO AO
PRÓPRIO NAMORADO DA MÃE DE TIÃOZINHO.
2. BOIS DA JUNTA MESTRA – CONTRA-GUIA -
CAPITÃO E BRABAGATO:
- CAPITÃO: BOI MAIS CALMO, CHAMADO DE
“VACA NA MENOUPAUSA”, SALMILHADO, MAIS BRANCO QUE AMARELO.
- BRABAGATO: “MAL-CASTRADO”, TEM BRIO E É
FOGOSO”. É MIRIM-MALHADO DE BRANCO E PRETO; MEIO CHITADO; MEIO CHUMBADO. SEU
NOME É, PROVAVELMENTE, UMA CORRUPTELA DE BORBA GATO, UM DOS BANDEIRANTES
DESBRAVADORES DO BRASIL.
3. TERCEIRA JUNTA - CENTRO DO CARRO, O
EQUILÍBRIO, A HARMONIA DESEJADA ENTRE OCIDENTE E ORIENTE: DANSADOR E BRILHANTE
- DANSADOR (YIN-BRANCO- LADO MASCULINO) E
BRILHANTE (YANG-PRETO- LADO FEMININO).
DANSADOR: ÚNICO BOI ZEBU (NELORE) DO
CARRO. TODO BRANCO, ZEBUÍNO (INDIANO) CAMBRAIA, SEU CORPO É IMPONENTE COMO O DE
UM BÚFALO NORTE-AMERICANO. A SABEDORIA DE DANSADOR PODE SER PERCEBIDA NAS SUAS
REFLEXÕES ACERCA DOS HOMENS:
“- ASSIM COMO OS CACHORROS, AS
PEDRAS, AS ÁRVORES, SOMOS PESSOAS SOLTAS, COM BEIRADAS, COMEÇO E FIM. O HOMEM
NÃO: O HOMEM PODE SE AJUNTAR COM AS COISAS, SE ENCOSTAR NELAS, CRESCER. MUDAR
DE FORMA E DE JEITO .... O HOMEM TEM PARTES MÁGICAS...SÃO AS MÃOS... EU SEI. “
- DANSADOR LEMBRA QUE: “NÃO PODEMOS
MAIS DEIXAR DE PENSAR COMO HOMEM.... ESTAMOS TODOS PENSANDO COMO HOMEM.”
- BRILHANTE: TODO PRETO, RETINTO, LISO,
CONCOLOR, E SOFRE NOS DIAS DE MUITO CALOR COM A SUA PELAGEM, COMO UM HUMANO TEM
“CERTEZA DE SUA EXISTÊNCIA” – O YANG, O LADO FEMININO, MISTERIOSO E ENIGMÁTICO
ESSENCIAL PARA O EQUILÍBRIO. PROVAVELMENTE UM BOI MESTIÇO. NÃO HÁ COR MAIS
BRILHANTE DO QUE A PRETA, POIS ABSORVE TODA A LUZ, DAÍ O NOME BRILHANTE.
TRATA-SE DE UM BOI CURTIDO PELA VIDA DURA,
À VOLTA COM BERNES, BICHOS, CARRAPICHOS E SOFRE NOS DIAS DE MUITO CALOR COM A
SUA PELAGEM. PERCEBE-SE O CARÁTER REALISTA DA SUA PERSONALIDADE: “COÇOU CALOR E
AÍ TEVE CERTEZA DA SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA”, NUMA AUTO-CONSCIÊNCIA IMEDIATA DO
PRÓPRIO SER.
SUA COURAÇA LEMBRA, TAMBÉM, SEU LUTO PELO
IRMÃO TUBARÃO, QUE O ACOMPANHAVA NA JUNTA, E QUE MORREU HÁ UM MÊS E MEIO,
ENVENENADO POR TIMBÓ, E SERVE DE CONTRA PONTO À CLARIDADE DE DANSADOR.
- BRILHANTE É UM TRABALHADOR, O QUE LHE
CONFERE UMA CERTA AUTORIDADE MORAL SOBRE OS OUTROS BOIS. REPRESENTA A
PRECEDÊNCIA DOS BOIS DE CARRO EM DETRIMENTO DOS DE PASTO:
“- NÓS SOMOS BOIS ...
BOIS-DE-CARRO ... OS OUTROS, OS QUE VÊM EM MANADAS, PARA FICAREM UM TEMPO-DAS
ÁGUAS PASTANDO NA INVERNADA, SEM TRABALHAR, SÓ VIVENDO E PASTANDO, [...] ESSES
TODOS NÃO SÃO COMO NÓS”
(ROSA, 1980a, p.292).
- BRILHANTE SENTE A NECESSIDADE
ESSENCIALMENTE HUMANA DE CONTAR HISTÓRIAS E NARRA A HISTÓRIA DO BOI RODOPIÃO:
“PEQUENO ELE, POUCO CHIFRE, VERMELHO CAFÉ
DE-VEZ...”
- NA MEDIDA EM QUE A NARRATIVA AVANÇA, O
TÍPICO BOI DE CARRO DAS MINAS GERAIS NOS RELATA A FÓRMULA DA LÓGICA
ARISTOTÉLICA:
TODO BOI É BICHO,
NÓS TODOS SOMOS BOIS,
ENTÃO, NÓS TODOS SOMOS BICHOS!...
(ROSA, 2001, p. 346).
- BRILHANTE SITUA-SE NO POLO FILOSÓFICO
OPOSTO AO BOI RODAPIÃO, UM EXEMPLO DE INTELIGÊNCIA, NO ENTANTO, A SUA ASTÚCIA
SERÁ A SUA RUÍNA.
“OLHAVA E OLHAVA, SEM SOSSEGO.”
- DURANTE UM TEMPO DE SECA, O BOI RODAPIÃO
TENTA EXPLORAR UM MORRO ACIDENTADO. A PASSIVIDADE DE SEUS COLEGAS IRRITAVAM
RODAPIÃO: “- VOCÊS NÃO FAZEM COMO EU, SÓ PORQUE SÃO BOIS BOBOS, QUE VIVEM NO
ESCURO E NUNCA SABEM POR QUE É QUE ESTÃO FAZENDO COISA E COISA. “
- BRILHANTE ADMITIA QUE “NÓS NÃO
RESPONDÍAMOS NADA, PORQUE NÃO SABEMOS FALAR DESSE JEITO...”
O PENSAMENTO DE RODAPIÃO O FAZIA HUMANO
DEMAIS. ELE SE FAVORECIA COM ISSO, MAS TAMBÉM SOFRIA DAS INQUIETUDES INERENTES
AOS HUMANOS, INQUIETUDES ESTAS QUE FORAM A CAUSA DE SUA RUÍNA.
ATRAVÉS DA HISTÓRIA DO BOI RODAPIÃO, OS
BOIS PASSAM A NOTAR AINDA MAIS O SOFRIMENTO DO PEQUENO TIÃOZINHO,
PRINCIPALMENTE DEPOIS QUE PASSAM PELO MORRO-DO-SABÃO, LOCAL DE DIFÍCIL ACESSO
PARA CARRO-DE-BOIS.
4. NA ÚLTIMA JUNTA, CHAMADO “BOI DO
COICE”: REALEJO E CANINDÉ:
- REALEJO: TENDO O NOME DE UM INSTRUMENTO
MUSICAL MOVIDO À MANIVELA, PERCEBE QUE É UM INSTRUMENTO DO HOMEM, E, POR ISSO,
NÃO QUER SER IGUAL À RAÇA HUMANA. PARECE SER UM BOI CHILENO, LARANJO-BOTINEIRO,
COM POLAINAS LÃ DE BRANCAS.
- É DELE O PENSAMENTO: “- PODEMOS
PENSAR COMO HOMEM E COMO OS BOIS. MAS É MELHOR NÃO PENSAR COMO HOMEM...”
- ASSIM, REALEJO DEIXA CLARO QUE É RUIM
VIVER PERTO DO HOMEM, POIS “TUDO PENSADO, É PIOR....”
- CANINDÉ: BOI JAGUANÊS OU AFRICANO; O
NARRADOR RESSALDA A SUA BELEZA. SUAS CORES LEMBRAM A ARARA CANINDÉ, COLORIDA
COM DUAS CORES:
“- UMA RISCA PRETA E UMA RISCA
VERMELHA, MUITAS LONGAS, SALPICADAS DE BRANCO, NA DESCIDA DO FLANCO, E NA CORDA
DO FLANCO.”
- CANINDÉ É QUEM RELATA QUE SÃO OS BOIS DE
CARRO QUE PENSAM COMO HOMENS.
5. OUTROS BOIS CITADOS:
- BOI CARINHOSO, APRESENTADO NA NARRATIVA
PELO BOI RODAPIÃO: “QUANDO O BOI CARINHOSO FICOU PARADO, NA BEIRA DO VALO DO
PASTO, E NÃO QUIS COMER DE JEITO NENHUM, O HOMEM VEIO E LEVOU O BOI CARINHOSO
NO CURRAL, E PÔS P’RA ELE MUITO SAL, NO COCHO....SE NÓS FICARMOS TAMBÉM SEM
COMER, TODOS PARADOS NA BEIRADA DO VALO, O HOMEM NOS DARÁ MILHO E SAL, NO
CURRAL, NO COCHO GRANDE...”
- OS BOIS HERÓIS CAMURÇA E MELINDRE, A
QUEM JOÃO BALA DEVE A VIDA.
6.TIÃOZINHO: NOME ORIGINÁRIO DO SOLDADO DE
CRISTO, SÃO SEBASTIÃO E SIGNIFICA: SAGRADO. TEM CARACTERÍSTICAS DE BOI:
1. DORME EM PÉ E VAI SE FORTALECENDO AO
DEIXAR DE SER MENINO E SE TRANSFORMAR NO
“BEZERRO-DE-HOMEM-QUE-CAMINHA-SEMPRE-NA-FRENTE-DOS-BOIS”, OU SEJA, QUE ESTÁ
PRÓXIMO AOS BOIS, PORÉM AINDA NÃO SE IDENTIFICA COM ELES, POIS CAMINHA NA
FRENTE.
2. PASSA SER O
“BEZERRO-DE-HOMEM-QUE-CAMINHA-ADIANTE”, NÃO MAIS SEMPRE NA FRENTE DOS BOIS, OU
SEJA, AQUELE QUE PODE, INCLUSIVE, CAMINHAR AO LADO DOS BOIS.
3. EM SEGUIDA, É DENOMINADO APENAS POR
“BEZERRO-DE-HOMEM”, GANHA A SIMPATIA DOS ANIMAIS.
- ESTABELECIDA A CUMPLICIDADE ENTRE OS
BOIS E O MENINO HÁ A TRANSFORMAÇÃO, OU SEJA, O QUADRO INICIAL DE TRISTEZA E
DESAMPARO É TRANSFORMADO, DESEMBOCANDO NUM CLÍMAX. PODE-SE VISLUMBRAR UM
POSSÍVEL PARALELISMO DO MENINO COM O HERÓI BÍBLICO GEDEÃO, NO TRECHO EM QUE “ENTÃO,
ELE ABAIXA AS MÃOZINHAS JUNTAS, E BEBE” (ROSA, 1980a, p.307).
- DA MESMA MANEIRA QUE TREZENTOS JUSTOS
DERROTARAM MADIÃ, CUJA “MÃO PESOU RUDEMENTE CONTRA ISRAEL”, O MENINO E SEUS
OITO BOIS FORAM CAPAZES DE DERROTAR O DEMO REPRESENTADO PELO CARREIRO AGENOR,
ASSIM COMO OS ISRAELITAS DERRUBARAM POR TERRA O ALTAR DE BAAL.
- NO ENTANTO, O PRÓPRIO TIÃOZINHO NÃO
ESTAVA ISENTO NO SEU PRÓPRIO ESPÍRITO DA INFLUÊNCIA DEMONÍACA. ERA DOMINADO
PELO ÓDIO AO CARREIRO, QUERIA MATÁ-LO:
“- TIÃOZINHO CRESCE DE
ÓDIO.... SE PUDESSE MATAR O CARREIRO .... DEIXA EU CRESCER! .... DEIXA EU FICAR
GRANDE! ... HEI DE DAR CONTA DESTE DANISCO ...” (ROSA, 1980a, p.308).
7. A MÃE DE TIÃOZINHO: RELAÇÃO DE ÓDIO E
DESPREZO.
- ERA AMANTE DE AGENOR SORONHO QUE, POR
SUA VEZ, SUSTENTAVA TODA A FAMÍLIA.
“- AH, DA MÃE NÃO GOSTAVA!...ERA NOVA E
BONITA, MAS ANTES NÃO FOSSE ... MÃE DA GENTE DEVIA DE SER VELHA, REZANDO E
SENDO SÉRIA, DE OUTRO JEITO... QUE NÃO TIVESSE MEXIDA COM OUTRO HOMEM NENHUM...
COMO É QUE ELE IA PODER GOSTAR DIREITO DA MÃE? ... ELA DEIXAVA ATÉ QUE O AGENOR
CARREIRO MANDASSE NELE, XINGASSE, TOMASSE CONTA, BATESSE ... MANDAVA QUE ELE
OBEDECESSE AO SORONHO, PORQUE O HOMEM ERA QUEM ESTAVA SUSTENTANDO A FAMÍLIA
TODA. MAS O CARREIRO NÃO GOSTAVA DE TIÃOZINHO ...”
- A PRÓPRIA MÃE “[...] FICARA NA PORTA,
CHORANDO SEMPRE, EXCLAMANDO BOBAGENS, ESCORADA NAS OUTRAS MULHERES TODAS,
AJUDANDO A CHORAR [...] E O RESTO DO POVO TINHA VIRADO AS COSTAS, POR QUE FAZ
MAL A GENTE FICAR ESPIANDO UM ENTERRO ATÉ ELE SUMIR” (ROSA, 1980a, p.304).
8. JANUÁRIO, O PAI DE TIÃOZINHO: RELAÇÃO
DE PENA E VERGONHA.
- ERA “CEGO ENTREVADO, JÁ DE ANOS, NO
JIRAU”.
- JANUÁRIO: QUE NASCEU EM JANEIRO, CUJA
ORIGEM TEM A VER COM JANUS, TEMENTE AOS DEUSES, AQUELE QUE TEM DUAS FACES: UMA
VOLTADA PARA O PASSADO E OUTRA PARA O PRESENTE.
- ASSIM É O PAI DE TIÃOZINHO, QUE TEVE UM
PASSADO HONRADO, ESTÁ PRESO A UM PRESENTE INDIGNO, SE APOIA NA FÉ PARA SUPORTAR
ESTA SITUAÇÃO:
“TIÃOZINHO TINHA DE LEVAR A
CUIA COM FEIJÃO, PARA COMER JUNTO COM ELE, PORQUE NEM QUE A MÃE NÃO TINHA
PACIÊNCIA DE POR COMIDA NA BOCA DO PARALÍTICO... E ELA, COM SEU SORONHO,
TINHAM, PARA COMER, OUTRAS COISAS, MELHORES... DEVIAM DE TER ... MAS, COM ISSO,
TIÃOZINHO NÃO SE IMPORTAVA... O QUE DOÍA ERA O CHORO ENGASGADO DO PAI, QUE NÃO
FALAVA QUASE NUNCA.” (ROSA,
1984, p. 316).
- “NA VÉSPERA DE MORRER,
DE-NOITE, ELE AINDA PEDIRA PARA TIÃOZINHO TIRAR REZA JUNTO ... E TIÃOZINHO
PUXARA O TERÇO, COCHILANDO...”
(ROSA, 1984, p. 319).
9. AGENOR SORONHO: REPRESENTAÇÃO DO
DEMÔNIO – “HOMEM-DO-PAU-COMPRIDOCOM-O-MARIMBONDO-NA-PONTA”
10. NHÔ ALCIDES (HÉRCULES) E SEU QUIRINO
(JANO QUIRINO): RETIRAM O CORPO INERTE DE AGENOR DE DEBAIXO DO CARRO DE BOI.
- ALCIDES: PRIMEIRO NOME PELO QUAL É
CONHECIDO O SEMI-DEUS HÉRCULES, QUE DESTINOU SUA VIDA À HONRA DOS DEUSES.
- QUIRINO: NA ROMA DE AUGUSTO, QUIRINO,
TAMBÉM FOI UM EPÍTETO DE JANO, COMO JANO QUIRINO, OU SEJA, SE TRANSPUSERMOS
PARA “CONVERSA DE BOIS”, QUEM SOCORRE TIÃOZINHO NA DIFÍCIL SITUAÇÃO EM QUE SE
ENCONTRA, TEM NOME SINÔNIMO A DE SEU PAI, O QUE NOS REMETE, MAIS UMA VEZ AO
VÍNCULO COM OS DEUSES, POIS JANUS ERA UM TEMENTE E AJUDANTE DOS DEUSES.
11. DIDICO: É O DIMINUTIVO DE DIDI, CUJA
ORIGEM, SEGUNDO O FALAR POPULAR, ESTÁ EM BENEDITO.
- SÃO BENEDITO: HUMILDE TRABALHADOR
AGRÍCULA, CUJO SIGNIFICADO É O ABENÇOADO, O LOUVADO.
- MENINO MALTRATADO, TINHA DEZ ANOS; MENOR
DO QUE TIÃOZINHO, GORDINHO E CORADO, PARECIA UM ANJO DE ESTAMPA, DE OLHINHOS
GAITEIROS E AZUIS, E TRABALHAVA MUITO, TAMBÉM.
“FOI NUM DIA ASSIM QUENTE, DE TANTA POEIRA
ASSIM ... ELE TEVE DE IR CARREAR SOZINHO, PORQUE ERA O CARRO PEQUENO, SÓ COM
DUAS JUNTAS E CARGA POUCA, DE BALAIOS DE ALGODÃO. NA HORA DE SAIR, SE QUEIXOU:
“ESTOU COM UMA COISA ME
SUFOCANDO ... NÃO POSSO TOMAR FÔLEGO DIREITO, NEM ENGOLIR ... E TENHO UMA DOR
AQUI …
NINGUÉM SE IMPORTOU; FALARAM
ATÉ DE SER MANHA, PORQUE O DIDICO ERA GORDINHO E CORADO, PARECENDO UM ANJO DE
ESTAMPA, DE OLHINHOS GAITEIROS E AZUIS. [...] NUNCA MAIS APARECIA COM O CARRO.
E FORAM ENCONTRÁ-LO, NA COVANCA (VALE) DA ABÓBORA-D’ÁGUA, JÁ FRIO” (ROSA, 1984, p. 318-319).
- ANTECIPANDO O FUTURO DE TIÃOZINHO, O
NARRADOR RELATA A SOLIDARIEDADE DE ALGUNS BOIS COM DIDICO: “OS BOIS HAVIAM
PARADO, PARA NÃO PISAR EM CIMA, E ESTAVAM MUITO QUIETOS, POIS ÀS VEZES ELES
GOSTAM DE FICAR ASSIM “(ROSA, 1984, p.319).
- MAS “OS BOIS DA GUIA, TINHAM MASCADO
E COMIDO QUASE TODA A ROUPINHA DO POBRE DO DIDICO ... “(ROSA, 1984, p.319)
VII –
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
I - A
EFABULAÇÃO: MITO,
ALEGORIA.
- TEMA:
- ELIMINAR O SILÊNCIO E A EXCLUSÃO
IMPOSTOS DAS VOZES OPRIMIDAS; DENUNCIAR AS INJUSTIÇAS IMPETRADAS AO MUNDO DE
TIÃOZINHO E AO MUNDO ANIMAL; FILOSOFIA EXISTENCIAL, PORTANTO, UNIVERSAL.
- PARTES DO RITO INICIÁTICO:
CONFLITO-LUTA-SUPERAÇÃO.
- TRAVESSIA: O ATO DE SAIR DE CASA É A CONDIÇÃO
INDISPENSÁVEL A REALIZAÇÃO DA ASPIRAÇÃO TRAÇADA PELO HERÓI, QUE SE DESLOCA PARA
UM AMBIENTE NÃO FAMILIAR EM BUSCA DE SUA AUTO-REALIZAÇÃO.
a)
O “OBSTÁCULO”: ANTES QUE A REDENÇÃO
OCORRA HÁ O “DESAFIO” À REALIZAÇÃO.
-
UM REI OU SEU EQUIVALENTE MODERNO, CARREIRO COMETE UM DANO PROVOCANDO UMA
SITUAÇÃO DE DESEQUILÍBRIO.
-
A RIGIDEZ E A INTRANSIGÊNCIA DE AGENOR SORONHO É UM DANO À VIDA DE TIÃOZINHO E
À VIDA DOS BOIS.
b)
OS MEDIADORES FANTÁSTICOS - OS BOIS:
-
SEM OS BOIS ANTROPOMÓRFICOS NÃO TERIA UM FINAL CATÁRTICO E DIDÁTICO REVELADO NO
FINAL. DAÍ, TAMBÉM, SE EXTRAI O VALOR MORALISTA.
c)
OS ELEMENTOS RESTAURAM A SITUAÇÃO DE
EQUILÍBRIO:
- AO LIBERTAR O MENINO DO DOMÍNIO PERVERSO
DO CARREIRO AGENOR SORONHO, TIÃOZINHO SEGUE EM PAZ.
- A VIDA CONSISTE NUM MOVIMENTO DE RECUO E
AVANÇO, EXPRESSO NA ALTERNÂNCIA DO DIA E DA NOITE, DA DISPUTA DO ADULTO VERSUS
CRIANÇA, PROCESSO NECESSÁRIO AO HERÓI QUE AO PASSAR POR UMA MUDANÇA DE TEMPO E
ESPAÇO, REORGANIZA ESTA EXPERIÊNCIA QUE O TRANSFORMA.
II -
EXISTÊNCIA, MUNDO DO TRABALHO E REALIDADES DISTINTAS ENTRE OS BOIS:
- CARRO DE BOIS: METÁFORA DA PRESENÇA
OPRESSORA DOS VALORES HUMANOS.
- CANGA: PEÇA DE MADEIRA QUE PRENDE OS
BOIS PELO PESCOÇO E OS LIGA AO CARRO.
1. BOIS-DE-CARRO: FORÇA DE TRABALHO, POR VIVEREM PRÓXIMOS
AO HOMEM, ASSUMEM E PARTICIPAM DA NATUREZA HUMANA, DE MANEIRA ESPECIAL DA SUA
RACIONALIDADE:
“AS COISAS RUINS SÃO DO HOMEM:
TRISTEZA, FOME, CALOR – TUDO, PENSADO, É PIOR .... [...] PERTO DO HOMEM, SÓ TEM
CONFUSÃO...” (Rosa 1984: 311).
- ALÉM
DISSO, OS BOIS ADMITEM E LAMENTAM A PERDA DO SENTIDO CLÁSSICO DO DISCURSO,
ATROPELADO PELA MODERNIDADE:
“NÃO
ENCONTRO MAIS AQUILO QUE SABIA ... COISA VELHA ...TAMBÉM, TEM TANTA COISA PARA
A GENTE PENSAR!”
2. BOIS-DE-PASTO (LIVRES)
- NÃO SABEM QUE SÃO BOIS PORQUE VIVEM
APARTADOS DOS PARÂMETROS RACIONAIS DO HOMEM - SÃO ALIENADOS.
“OS BOIS SOLTOS NÃO PENSAM
COMO O HOMEM. SÓ NÓS, BOIS-DE-CARRO, SABEMOS PENSAR COMO O HOMEM!”
III -
AGENOR SORONHO E TIÃOZINHO: HIERARQUIA DE PAPÉIS SOCIAIS:
1.
AGENOR SORONHO: REPRESENTAÇÃO DO DEMO.
- NA
ORIGEM GREGA SIGNIFICA SOBERBO; VIRIL; O ANTI-HERÓI: SEU PAPEL CONSISTE EM
DESTRUIR A PAZ.
“HOMENZÃO
RUIVO, DE MÃOS SARDENTAS, MUITO MAL-ENCARADO”; “[...] AGENOR SORONHO ESTÁ MESMO
COM O DEMO”; “[...] ELE (Tiãozinho) TINHA OJERIZA DAQUELE CAPETA!”
SUA
FIGURA, COM O “FERRÃO TEMPERADO DA VARA DE CARREAR”, ASSUSTA O PRÓPRIO PAPA-MEL
RISOLETA, “QUE ESTREMECEU” À SUA PASSAGEM.
-
REPRESENTANTE DA CLASSE DOMINANTE, CUJO DOMÍNIO EXERCIDO SOBRE TIÃOZINHO E SUA
MÃE REFLETE UMA CULTURA DE TIPO PATRIARCAL, MARCADA PELA SUBMISSÃO AO PODER DOS
MAIS FORTES. AGENOR ERA UM HOMEM HÁBIL, EXIBICIONISTA, “O MELHOR CARREIRO DO
MUNDO”, ERA DESTRO E CHEGA A FAZER MALABARISMOS SOBRE O CARRO.
“[...]
SALTA NO CHÃO, QUE NEM UM ARTISTA DE CIRCO-DE-CAVALINHOS, MAS ZANGANDO COM
TIÃOZINHO E CAÇOANDO DOS BOIS”.
- EM
SUA PSEUDO-VIRTUDE, AGENOR SORONHO CONTEMPLA COM DESPREZO A DESGRAÇA DE JOÃO
BALA, AINDA QUE DISSIMULE INTERESSE AUTÊNTICO E HUMANA COMISERAÇÃO.
“O
CARREIRO TINHA VINDO CONSOLAR A SUA TRISTEZA, DIZENDO QUE DAÍ EM DIANTE IA
TOMAR CONTA DELE DE VERDADE, IA SER QUE NEM SEU PAI [...]” (ROSA, 1980a,
p.304).
2.
TIÃOZINHO: SENTIMENTO DE DEPENDÊNCIA, OPRESSÃO E
SONHO DE LIBERDADE - DIMINUTIVO DE SEBASTIÃO.
- SÃO
SEBASTIÃO NO SEU TEMPO DEIXOU AOS CRISTÃOS A LIÇÃO DE QUE O COMBATE AO OPRESSOR
É POSSÍVEL (LUTOU CONTRA O IMPERADOR DIOCLECIANO).
-
REIVINDICA, AO LADO DOS BOIS, O DESEJO DE CONSTRUIR PARA SI E PARA OS BOIS, UMA
NOVA REALIDADE E CORRIGIR A INJUSTIÇA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO MUNDO RURAL.
-
LIBERTA-SE DO PESO DA DOR E DAS INJÚRIAS SOFRIDAS. EM CERTA PROPORÇÃO É CAPAZ
DE ABOLIR O PASSADO, DE RECOMEÇAR SUA VIDA E DE RECRIAR SEU MUNDO.
IV. O
HOMEM VERTICAL (DOMINANTE): A POSTURA ERETA DO HOMEM – BÍPEDE - PONTO DE ASCENSÃO
“É
O ÚNICO VULTO, QUE FAZ FICAR ZONZO, DE SE OLHAR MUITO.”
- A
POSTURA BÍPEDE PERMITE QUE OS HORIZONTES DA HUMANIDADE SE EXPANDAM E AFASTAM-O
DO MUNDO NATURAL. OS OLHOS DOS HOMENS ANTES VOLTADOS PARA O ESPAÇO RESTRITO DA
TERRA DESLOCAM-SE PARA ÁREAS AMPLAS E ABERTAS.
A
LOCOMOÇÃO BÍPEDE LIBERA AS MÃOS PERMITINDO QUE ELAS POSSAM MANUSEAR OS
ELEMENTOS DISPONIBILIZADOS PELA NATUREZA, TRANSFORMANDO-A EM OUTROS BENS,
INVENÇÕES, CONQUISTAS E, INCLUSIVE, A LIBERDADE DE MANEJAR ARMAS.
- OS
BOIS, AS PEDRAS E AS ÁRVORES INSEREM-SE
NO
ESPAÇO DOS CICLOS NATURAIS COM COMEÇO E FIM (REINO ANIMAL, MINERAL E VEGETAL) E
NÃO SE INQUIETAM NEM SE ERGUEM CONTRA A NATUREZA.
- JÁ O
HOMEM PERCEBE-SE COMO SUJEITO, DOTADO DA CAPACIDADE DE INTERFERIR NOS RUMOS DA
NATUREZA, ATRAVÉS DO PENSAMENTO LÓGICO-RACIONAL E INVERTE ESSA RELAÇÃO: A
NATUREZA DEVE SERVI-LO.
-
DANÇADOR DIZ, COM BABA:
“- EU
ACHO QUE NÓS, BOIS –– ASSIM COMO OS CACHORROS, AS PEDRAS, AS ÁRVORES, SOMOS
PESSOAS SOLTAS, COM BEIRADAS, COMEÇO E FIM.
- O
HOMEM, NÃO: O HOMEM PODE SE AJUNTAR COM AS COISAS, […] O HOMEM TEM PARTES
MÁGICAS ... SÃO AS MÃOS ... EU SEI... “(Rosa 1984: 326).
V - “MATA-QUATRO”:
- “ENCRUZILHADA DA IBIÚVA, LOGO APÓS A
CAVA DO MATA-QUATRO” (ROSA, 1980a, p.287).
- ENCRUZILHADA: TOMADA DE DECISÕES, SEGUNDO A UMBANDA, É
UM LUGAR ONDE SÃO FEITAS OFERENDAS A EXU.
- IBIÚVA SIGNIFICA “MATO RUIM”;
- CAVA (MORTE);
- DO MATA-QUATRO (TUBARÃO,
RODAPIÃO, DIDICO E JANUÁRIO), FINALIZANDO COM A MORTE DO DEMO – AGENOR SORONHO.
VI - A IRARA: COMEÇO E FIM –
CIRCULAR - A ESTÓRIA TERMINA COM O ANIMAL QUE A COMEÇOU.
- A IRARA “SE LEMBROU DE QUE TEM UM
SÉRIO ENCONTRO MARCADO, DUAS HORAS E DUAS LÉGUAS PARA TRÁS, É QUE O CAMINHO
MELHOROU.”
VII - A “FILOSOFIA DOS BOIS”:
1. BOI RODAPIÃO E A CRÍTICA AO RACIONALISMO CARTESIANO:
“O-QUE-COME-DE-OLHO ABERTO” E “NÃO
ERA CAPAZ DE FECHAR OS OLHOS P’RA CAMINHAR”.
- A
ESTÓRIA DO BOI RODAPIÃO SERVE PARA GUIMARÃES ROSA INTRODUZIR UMA SUTIL CRÍTICA
AO RACIONALISMO CARTESIANO, AO QUAL SE REFERIA DE MANEIRA DEPRECIATIVA NUMA
CARTA:
ORA,
VOCÊ JÁ NOTOU, DECERTO, QUE, COMO EU, OS MEUS LIVROS, [...] DEFENDEM O
ALTÍSSIMO PRIMADO DA INTUIÇÃO, DA REVELAÇÃO, DA INSPIRAÇÃO, SOBRE O BRUXULEAR
PRESUNÇOSO DA INTELIGÊNCIA REFLEXIVA, DA RAZÃO, DA MEGERA CARTESIANA.
(Carta 25/11/1963. ROSA, 1980b, p.58)
-
CARTESIANO É UM ADJETIVO REFERENTE A DESCARTES, FILÓSOFO, FÍSICO E MATEMÁTICO
FRANCÊS, “CONSIDERADO O PAI DA FILOSOFIA MODERNA”, QUE DEU NOME AO PENSAMENTO
CARTESIANO.
- O
PENSAMENTO CARTESIANO COMEÇA DUVIDANDO DE TUDO, NADA PODENDO SER CONSIDERADO “A
PRIORI” COMO CERTO, A NÃO SER UMA COISA:
- “SE
DUVIDO, PENSO, SE PENSO, EXISTO”: (“COGITO,
ERGO SUM”, “PENSO, LOGO EXISTO”, ponto de partida da Dúvida Metódica, de
onde se constrói todo o seu pensamento.
-
DESSA MANEIRA, TUDO É SUSCEPTÍVEL DE DÚVIDA; SE DUVIDO ENTÃO SOU UM SER COM A
CAPACIDADE DE DUVIDAR, O QUE NECESSARIAMENTE IMPLICA EM PENSAR.
- A
MENÇÃO MAIS EXPLÍCITA AO RACIONALISMO CARTESIANO DE RODAPIÃO É QUANDO DIZ:
“A
GENTE DEVE PENSAR TUDO CERTO, ANTES DE FAZER QUALQUER COISA”. [...] É PRECISO
PENSAR CADA PEDAÇO DE CADA COISA, ANTES DE CADA COMEÇO DE CADA DIA.”
- DE
MANEIRA MUITO CARTESIANA, RODAPIÃO PROPÕE, UM MÉTODO PARA RACIONALIZAR A
PASTAGEM DO CAPIM:
- AS
NECESSIDADES ELEMENTARES E PRIMORDIAIS DE COMER E BEBER, ONDE TODA A GRATUIDADE
DE “ESTAR” NO MUNDO SÃO ABANDONADOS EM FAVOR DE UM ORDENAMENTO RACIONAL:
“NÓS
TEMOS DE PASTAR O CAPIM, E DEPOIS BEBER ÁGUA... INVÉS DE FICAR PASTANDO O CAPIM
NUM LUGAR SÓ EM VOLTA, LONGE DO CÓRREGO, P’RA DEPOIS IR BEBER E VOLTAR, É
MELHOR A GENTE COMEÇAR DE LONGE E IR PASTANDO E CAMINHANDO, DEVAGAR, SEMPRE EM
FRENTE....QUANDO A GENTE TIVER SEDE, JÁ CHEGOU BEM NA BEIRA D’ÁGUA, NO LUGAR DE
BEBER; E ASSIM A GENTE NÃO CANSA E TEM FOLGA P’RA SE PODER COMER MAIS!”
(ROSA, 1980a, p.306).
- EM
SEGUIDA, RODAPIÃO RECORRE À DISSIMULAÇÃO E À MENTIRA E SUGERE IMITAR O BOI
CARINHOSO QUE FICOU PARADO E NÃO QUIS COMER E VEIO O HOMEM E LEVOU-O AO CURRAL
E DEU PARA ELE MUITO SAL.
“- E
ELE FEZ ASSIM MESMO, E AQUILO DEU CERTO; E BOI RODAPIÃO COMEU SAL MUITO E FICOU
ALEGRE. NÓS, NÃO.” (ROSA, 1980a, p.306).
2. BOI
RODAPIÃO E O ILUMINISMO:
“É
PRECISO ANDAR E OLHAR P’RA CONHECER O PASTO BEM”.
-
“VOCÊS NÃO FAZEM COMO EU, SÓ POR QUE SÃO BOIS BOBOS, QUE VIVEM NO ESCURO, E
NUNCA SABEM POR QUE ESTÃO FAZENDO COISA E COISA”.
- ELE
SE FAVORECIA DO RACIOCÍNIO, NO ENTANTO, ESSA FOI A CAUSA DE SUA RUÍNA.
3. BOI
RODAPIÃO E O LEMA SOCRÁTICO:
“CONHEÇA-TE
A TI MESMO”.
-
CONHECER-SE, PERCEBER-SE ERA O CONSELHO DE RODAPIÃO PARA OS OUTROS BOIS, POIS A
PASSIVIDADE DE SEUS COLEGAS O IRRITAVA.
4. BOI
RODAPIÃO E NIETZSCHE: METÁFORA DO COMBATE ENTRE
RAZÃO E INSTINTIVIDADE.
-
RODAPIÃO EM SUA BUSCA PELA VERDADE DESMANTELOU SUA NATUREZA INSTINTIVA, QUE,
PARA OS OUTROS BOIS, APARECE COMO UMA FORMA DE LOUCURA.
-
PROPÕE SEGUIREM UM CAMINHO RETILINEO (LÓGICO-RACIONAL) PARA ATINGIR SEU
OBJETIVO DE FORMA MAIS EFICIENTE POSSÍVEL, EM CONTRAPOSIÇÃO DO CAMINHO TORTUOSO
PERCORRIDO PELOS OUTROS BOIS.
- A
MORTE DE RODAPIÃO REVELA A FRAGILIDADE DO MÉTODO RACIONAL.
5. BOI
BRILHANTE E A DEFESA DO REALISMO FILOSÓFICO:
“O BOI
DA NOITE QUE SAIU DO MATO” - ACEITAÇÃO DA VIDA.
- A
NOITE E SUA ESCURIDÃO APARECEM NA ESTÓRIA COMO O SÍMBOLO QUE REMETE A TUDO
AQUILO QUE NÃO PODE SER ACESSADO POR VIA RACIONAL, ONDE TODOS OS ABSURDOS SÃO
PLAUSÍVEIS, TODAS AS INVERDADES SÃO VERDADES, TODAS AS CERTEZAS, INCERTEZAS.
-
APESAR DE TODO MARTÍRIO QUE PASSA DEVIDO A SUA NEGRA PELAGEM, PARADOXALMENTE,
APARECE COMO “ILUMINADO” POR UM BRILHO DISTINTO, UMA SABEDORIA ESPECIAL QUE SE
CONTRAPÕE ATIVAMENTE AO PENSAMENTO DO HOMEM.
-
BRILHANTE ASSEMELHA-SE AO SÓCRATES RELATADO POR PLATÃO: ARTICULA O DIÁLOGO COM
OUTROS BOIS DA “ACADEMIA DOS BOIS DE CARRO”, TALVEZ MENOS “BRILHANTES”, MAS QUE
COMPARTILHAM DO MESMO SISTEMA DE IDEIAS. ELE CAMINHA DORMINDO, EM ESTADO DE
SONAMBULISMO. ELE AQUELE QUE TEM “CERTEZA DE SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA”.
UM BOI
É AQUELE QUE NÃO PRECISA ABRIR OS OLHOS PARA COMER E PARA CAMINHAR, AQUELE QUE
CONFIA NA ORIENTAÇÃO DE SEUS PRÓPRIOS INSTINTOS E QUE, LIBERTO DO JUGO DA
RAZÃO, OU SEJA, NO SEU PROFUNDO REALISMO, OS BOIS CONTAM COM AS ESSÊNCIAS
PRÓPRIAS DAS COISAS PARA CONFERIR-LHES, EM COMPOSIÇÃO COM O SER.
VIII -
BOI BRILHANTE (INTUIÇÃO/INSTINTO) VERSUS BOI RODAPIÃO (RAZÃO):
- BOI
BRILHANTE APONTA A ARROGÂNCIA INTELECTUAL DE RODAPIÃO QUE LEVARAM-O À RUINA:
SOFISMA (ARISTÓTELES CLASSIFICARIA COMO UM “SILOGISMO DIALÉTICO”):
-
PREMISSA MAIOR: “EM TODO O LUGAR ONDE TEM ÁRVORES JUNTAS,
MATO COMPRIDO, TEM ÁGUA.”
-
PREMISSA MENOR: “LÁ, LÁ EM-RIBA, QUASE NO TOPO DO MORRO,
ESTOU VENDO ÁRVORES, UM COMPRIDO DE MATO.”
-
CONCLUSÃO: “NAQUELE PONTO TEM ÁGUA!”
-
BRILHANTE TENTA ARGUMENTAR, UTILIZANDO UMA “EVIDÊNCIA IMEDIATA”, UM “AXIOMA”:
“EU
TAMBÉM OLHEI PARA A LADEIRA, MAS NÃO PRECISEI NEM PENSAR, P’RA SABER QUE, DALI
ONDE EU ESTAVA, TUDO ERA LUGAR AONDE BOI NÃO IR.”
MAS
BOI RODAPIÃO FALOU COMO O HOMEM:
“EU JÁ
SEI QUE POSSO IR POR LÁ, SEM MEDO NENHUM: A TERRA DESSES BARRANCOS É DURA, POR
QUE EM LADEIRA ASSIM PAREDE, NO TEMPO DAS ÁGUAS, CORREU MUITA ENXURRADA, QUE
LEVOU A TERRA MOLE TODA... NÃO TEM PERIGO, O CAMINHO É FEIO MAS É FIRME. LÁ VOU
....” (ROSA, 1980a, p 312).
-
RODAPIÃO CONFIA NA CONSISTÊNCIA DA SUA ARGUMENTAÇÃO, EM DETRIMENTO DA EVIDÊNCIA
IMEDIATA. EM SEGUIDA, BRILHANTE DESCREVE A QUEDA: “ROLANDO POEIRA FEIA E
CHÃO SOLTO...”,
EVIDENCIANDO
A CAUSA MATERIAL DA MESMA, E A EVIDENTE APRECIAÇÃO ERRÔNEA DE RODAPIÃO DA
SITUAÇÃO.
- “NO
FUNDO DO BARRANCO, RODAPIÃO CHEGOU AO FIM “BERRANDO TRISTE”, ATÉ SER COMIDO
PELOS URUBUS”.
A
QUEDA E MORTE DE RODAPIÃO FUNCIONAM COMO UMA ADVERTÊNCIA CONTRA A RAZÃO
(RACIOCÍNIO E PENSAMENTO).
A
HISTÓRIA AUXILIA OS BOIS A TECEREM MELHORES REFLEXÕES SOBRE O CARÁTER DO SER
HUMANO, QUE SERÁ O FATOR DECISIVO PARA QUE ELES POSSAM AJUDAR O PEQUENO
TIÃOZINHO NO FINAL DO CONTO.
IX -
AGENOR SORONHO (ARROGÂNCIA DE SUA INEGÁVEL HABILIDADE TÉCNICA) E BOI RODAPIÃO
(ORGULHO DE TIPO ESPECULATIVO, INTELECTUAL).
- NOS
DOIS CASOS, A “MORAL DA ESTÓRIA” É QUE A “TOADA TRIUNFAL” ESTÁ RESERVADA: AOS
SIMPLES E HUMILDES, AOS BOIS “REALISTAS” E AO, APARENTEMENTE, FRÁGIL, OPRIMIDO
E, AO MESMO TEMPO, VINGATIVO TIÃOZINHO.
-
PERCEBE-SE, DESTE MODO, UMA IDENTIFICAÇÃO DO PENSAMENTO DE ROSA COM O BOI
BRILHANTE. ENQUANTO QUE, SUGERE UMA IDENTIFICAÇÃO DE AGENOR SORONHO COM
RODAPIÃO.
X - A
TRAVESSIA DO MORRO-DO-SABÃO:
-
AGENOR ENCONTRA OUTRO CARREIRO, JOÃO BALA, COM O SEU CARRO TODO
DANIFICADO, POIS HAVIA TENTADO A TRAVESSIA DO MORRO-DO-SABÃO E HAVIA FALHADO. O
CARREIRO CONTA SUA FRUSTRANTE AÇÃO E A VALIA DE SEUS DOIS BOIS (MELINDRE E
CAMURÇA) NA TENTATIVA PARA SALVÁ-LO.
AGENOR
ACHA QUE O OUTRO CARREIRO NÃO PASSA DE UM FALASTRÃO, AINDA MAIS QUE JOÃO BALA
TINHA UM GOSTO BOBO DE TER TODOS OS BOIS DE UMA COR SÓ.
EM SUA
PSEUDO VIRTUDE, AGENOR SORONHO CONTEMPLA COM DESPREZO A DESGRAÇA DO SEU COLEGA,
AINDA QUE DISSIMULE INTERESSE AUTÊNTICO E HUMANA COMISERAÇÃO, COMO TAMBÉM FEZ
DURANTE O VELÓRIO DE JANUÁRIO.
-
AGENOR, RESOLVE, ENTÃO, SUBIR O MORRO-DO-SABÃO COM SEU CARRO E OS OITO BOIS.
“QUE É
SÓ P’RA ELE VER COMO CARREIRO DE VERDADE NÃO CONHECE MEDO, NÃO!”
- A
DIFÍCIL SUBIDA DO MORRO DO SABÃO E A FADIGA DA JORNADA CEDEM LUGAR AO SONO DE
AGENOR E DE TIÃOZINHO, ANUNCIANDO O PERIGO.
A
NARRATIVA CRESCE EM TENSÃO EVOLUINDO PARA SEU TÉRMINO: AGENOR DORME SOBRE “OS
CHIFRES DO CARRO”, NA PONTA DO CARRO, EM LOCAL MUITO ARRISCADO.
-
TIÃOZINHO DORME, MAS NÃO COMPLETAMENTE, COMO OS BOIS COSTUMAM FAZER, “BABANDO
ÁGUA DOS OLHOS”, NUMA ESPÉCIE DE TRANSE.
TRATA-SE
DE UM SONO MEIO EM VIGÍLIA. NESSA ZONA INTERVALAR, ONDE A OBSCURIDADE DO “EU
SINTO” PRIMA SOBRE A CLAREZA DO “EU VEJO”, AS IMAGENS ONÍRICAS LUTAM PELO SEU
DESPERTAR.
- NO
SONO, SÍMBOLO DA NOITE, AS IMAGENS SE MISTURAM, SE INTERPRETAM, SE ASSIMILAM
NUM PROCESSO DE INDIFERENCIAÇÃO ONDE NÃO É POSSÍVEL A CLAREZA DE UMA
IDENTIFICAÇÃO PRÓPRIA. DESSE MODO É QUE A VOZ DO BOI CAPITÃO SE MISTURA E SE
DESDOBRA NA RESSONÂNCIA DAS VOZES ÍNTIMAS DE TIÃOZINHO CONTRA O MALDOSO AGENOR
SORONHO.
TIÃOZINHO
ADQUIRE COMPORTAMENTOS TÍPICOS DOS BOIS E PASSA A PARTICIPAR DO DIÁLOGO DELES.
- O
“VER-SE” NA PELE UM DO OUTRO, ABOLINDO AS DIFERENÇAS E AS HIERARQUIAS
(HOMEM-ANIMAL E ANIMAL-HUMANIZADO), REMETE À METÁFORA DE EQUILÍBRIO E O DESEJO
DE EXPULSAR PARA LONGE OS MAUS-TRATOS.
TIÃOZINHO
TORNA-SE O MEDIADOR ENTRE O REINO HUMANO E O REINO ANIMAL.
ASSIM,
ASSUME A SUA CONDIÇÃO DE MINOTAURO:
“- O
BEZERRO-DE-HOMEM [...] VIVE MUITO PERTO DE NÓS [...]... QUANDO ESTÁ MEIO
DORMINDO PENSA COMO NÓS BOIS [...]. SE ENCOSTA EM NÓS, NO ESCURO ... NO
MATO-ESCURO-DE-TODOS-OS-BOIS”.
- EM
UMA EPIFANIA COLETIVA, OS BOIS PERCEBEM A SUA PROXIMIDADE COM O MENINO: O
PRIMEIRO A SE MANIFESTAR É O CAPITÃO, QUE DIZ SER TANTO O MENINO QUANTO O BOI.
-
NAMORADO JÁ DIZ QUE TODOS OS BOIS SÃO UM SÓ, TIÃOZINHO É MESMO UM DOS BOIS.
-
BRABAGATO DIZ QUE PODE COM O SENHOR AGENOR SORONHO, COMO SE FOSSE O PRÓPRIO
CANDIEIRO.
-
DANSADOR É QUEM MAIS SE ENVOLVE COM O MENINO. PERSONIFICA: “SOU TIÃO”...
TIÃOZINHO!... MATEI SEU AGENOR SORONHO .... TORNO A MATAR! .... ESTÁ MORTO ESSE
CARREIRO DO DIABO!” (ROSA, 2001, p. 359).
- A
PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO BOI RODAPIÃO, OS BOIS PERCEBEM QUE SE “ELE CAIR,
MORRE”, REPETINDO DUAS VEZES ESTA FRASE. LOGO EM SEGUIDA, OS BOIS RELATAM O
PLANO DE SE LIVRAREM DO CARREIRO AGENOR SORONHO.
A
NARRATIVA CULMINA NUMA MISTURA DE FORÇAS, NUM TRANSE FRAGMENTÁRIO, ONDE SE
MESCLAM AS FALAS DE TODOS OS BOIS E A DO MENINO GUIA.
UMA
POSSESSÃO RECÍPROCA QUE ATESTA, DE UMA VEZ POR TODAS, A COMPLEMENTARIDADE DOS
PENSARES.
TRATA-SE
DO MOMENTO DO ÊXTASE – “ESTAR FORA DE SI” – NO QUAL SE CONCRETIZA A INTEGRAL
FUSÃO DOS DIVERSOS EGOS, A DISSOLUÇÃO DO INDIVIDUAL EM DIREÇÃO AO UNO, COMO SE
A RECUSA DA RAZÃO FOSSE TORNANDO-SE MAIS VEEMENTE, ATÉ ATINGIR UM ÁPICE ONDE
TODA A RACIONALIDADE É EXTIRPADA EM FAVOR DE UMA TOTAL LIBERAÇÃO DO INSTINTO E
MUITO PRÓXIMO DO MARAVILHOSO.
- AO
FIM DO TRANSE O DESEJO TRANSFORMA-SE EM ATO: DEPOIS DE UM DIÁLOGO ONÍRICO ENTRE
TIÃOZINHO E OS BOIS QUE SE ARQUITETA UMA ESPÉCIE DE COMPLÔ PARA MATAR O
CARREIRO, O MENINO “DEU UM GRITO E UM SALTO PARA O LADO, E A VARA ASSOBIOU
NO AR”.
- UM
REPENTINO SOLAVANCO, PLANEJADO PELOS OITO BOIS, LEVA À QUEDA E AO FATAL
ATROPELAMENTO DE AGENOR SORONHO, QUE É PARCIALMENTE DECAPITADO POR UMA DAS
RODAS DO VEÍCULO, CUJO CORPO PASSA A FAZER COMPANHIA AO OUTRO DEFUNTO.
O MAIOR OBSTÁCULO DA VIDA DE TIÃOZINHO SE DESFAZ,
POR CAUSA DA INTERFERÊNCIA QUASE MÍTICA DOS BOIS.
OS BOIS DA ÚLTIMA GUIA ACABAM PRONUNCIANDO A MORAL
DA FÁBULA: “TUDO
O QUE SE AJUNTA ESPALHA.”
XI - A
QUEDA E MORTE DE BOI RODAPIÃO MANTÉM UM SENTIDO DE PROXIMIDADE À QUEDA E MORTE
DO FAZENDEIRO AGENOR SORONHO.
- O
TEMA DA QUEDA É COMUM NA TRADIÇÃO ORAL, ONDE OS PERTURBADORES E TRANSGRESSORES
SÃO PUNIDOS, PARA QUE EM SEGUIDA SURJA UMA NOVA ORDEM.
-
ENTRETANTO, A QUEDA É TAMBÉM DE TIÃOZINHO, DO PONTO DE VISTA MORAL, QUE SE
TORNA O ALGOZ DO PADRASTO, ARRASTANDO-O A UM AMARGO SENTIMENTO DE CULPA, POIS
ESTAVA DOMINADO PELO ÓDIO AO CARREIRO, QUERIA MATÁ-LO:
“TIÃOZINHO
CRESCE DE ÓDIO... SE PUDESSE MATAR O CARREIRO ... DEIXA EU CRESCER! ... DEIXA
EU FICAR GRANDE! .... HEI DE DAR CONTA DESTE DANISCO ... “
XII -
MUDANÇAS DOS NOMES: O NARRADOR DEIXA DE DENOMINAR AGENOR SORONHO E TIÃOZINHO
POR SEU NOMES E PASSA NOMEÁ-LOS POR SUAS AÇÕES.
1.
AGENOR SORONHO:
-
“HOMEM-DO-PAU-COMPRIDO”, QUE DETÉM O CONTROLE DA JUNTA E AINDA, “HOMEM-DO-PAU-COMPRIDO-COM-O-MARIMBONDO-NA-PONTA”,
OU SEJA, AQUELE QUE PELA IMPOSIÇÃO DA DOR CONTROLA OS BOIS. COM O PROSSEGUIR DA
NARRATIVA E OS SENTIDOS DE SORONHO MENOS ATENTOS, ELE PASSA A SER DENOMINADO
APENAS “HOMEM”.
-
AGENOR SORONHO SOMENTE VOLTA A TER UM NOME AO MORRER, SEM ALARDE,
INSIGNIFICANTEMENTE.
2.
TIÃOZINHO:
-
DURANTE A NARRATIVA, TIÃOZINHO VAI SE FORTALECENDO AO DEIXAR DE SER MENINO E SE
TRANSFORMAR NO “BEZERRO-DE-HOMEM-QUE-CAMINHA-SEMPRE-NA-FRENTE-DOS-BOIS”, OU
SEJA, QUE ESTÁ PRÓXIMO AOS BOIS, PORÉM AINDA NÃO SE IDENTIFICA COM ELES, POIS
CAMINHA NA FRENTE.
-
DEPOIS PASSA A SER NOMEADO POR “BEZERRO-DE-HOMEM-QUE-CAMINHA-ADIANTE”, NÃO MAIS
NA FRENTE DOS BOIS, OU SEJA, AQUELE QUE PODE, INCLUSIVE, CAMINHAR AO LADO DOS
BOIS.
- AO
SER DENOMINADO APENAS POR “BEZERRO-DE-HOMEM”, ELE GANHA A SIMPATIA DOS ANIMAIS.
- ESTA
IDENTIFICAÇÃO CADA VEZ MAIOR DOS BOIS COM TIÃZINHO FAZ COM QUE ELE SE INSIRA NA
JUNTA E PASSEM A SER ÚNICOS: NEM MENINO NEM BOIS, ESTÃO UNIDOS PELA
GENEROSIDADE, COMPAIXÃO E LUTA CONTRA A OPRESSÃO.
- E O
MENINO DESPROTEGIDO DO INÍCIO DO CONTO SE TORNA:
“EU,
TIÃOZINHO! ... SOU GRANDE, SOU DONO DE MUITAS TERRAS, COM MUITOS CARROS DE
BOIS, COM MUITAS JUNTAS ... NINGUÉM PODE MAIS NEM FALAR NO NOME DO SEU SORONHO
... NÃO DEIXO! ...
SOU O
MAIS FORTE DE TODOS ... NINGUÉM PODE MANDAR EM MIM! ... TIÃOZÃO ... TIÃOZÃO ...
(ROSA, 1984, p. 335)
XIII -
POSIÇÃO E FUNÇÃO DOS BOIS:
1.
BOIS MENORES SEGUEM NA FRENTE: BUSCAPÉ E O NAMORADO.
2. OS
MAIS SÁBIOS NO MEIO: BRABAGATO E CAPITÃO; DANSADOR E BRILHANTE.
3. OS
MAIS FORTES ESTÃO MAIS PRÓXIMOS DE TIÃOZINHO: CANINDÉ E REALEJO, SÃO OS QUE
PODERÃO OFERECER A ELE ALGUM TIPO DE PROTEÇÃO FÍSICA.
- NO ENTANTO, AS SOLUÇÕES DOS PROBLEMAS DE
TIÃOZINHO VÊM DO DANSADOR, DO BRILHANTE E DO CAPITÃO. E POR FIM HÁ O BOI
REALEJO, CUJO NOME REPORTA À EPÍGRAFE DA NARRATIVA RETIRADA DO CORO DO
BOI-BUMBÁ: “- Lá vai! Lá vai! Lá vai... - Queremos ver... Queremos ver... - Lá
vai o boi Cala-a-Boca fazendo a terra tremer. ” (ROSA, 1984, p. 302)
XIV -
O JOGO SIMBÓLICO DAS NOÇÕES DE DIA (LUZ-RAZÃO) E NOITE (ESCURO-INTUIÇÃO):
- O
PENSAMENTO DOS BOIS ELEGE A NOITE COMO METÁFORA DE SUA PSIQUE: ONDE O SUJEITO E
OBJETO SE MISTURAM NUMA TOTAL INDIFERENCIAÇÃO.
XV -
BEM E O MAL: O FRACO VENCE O FORTE; O INSTINTO VENCE O RACIONAL; A CUMPLICIDADE
E A UNIÃO, VENCEM O MAL.
-
MUITO ALÉM DO EMBATE ENTRE BEM E MAL, ESSA FÁBULA TRÁGICA APONTA PARA A
CONCEPÇÃO HERACLÍTICA:
“TODAS
AS COISAS, EM TODOS OS TEMPOS, TÊM EM SI OS CONTRÁRIOS.”
(Heráclito, apud Nietzsche, 1995: 40)
-
TIÃOZINHO É A PURA MANIFESTAÇÃO DE UMA VONTADE DE POTÊNCIA, INTENSIFICADA
DURANTE OS MOMENTOS DO TRANSE, DA MESMA FORMA, NÃO É POSSÍVEL TOMAR A FIGURA DE
SORONHO COMO ENCARNAÇÃO DO MAL SUPRASSENSÍVEL.
-
NESSE MOVIMENTO, BEM E MAL SÃO DESTITUÍDOS DE SEU VALOR INTRÍSECO E PASSAM A
EXISTIR COMO PARTES INTEGRANTES DE UM MESMO COMPLEXO DE FORÇAS.
XVI -
TIÃOZINHO E BOI BRILHANTE: REPRESENTAM O “BEM”
-
AMBOS SOFREM COM A PERDA DE PARENTES QUERIDOS (TIÃOZINHO PERDEU O PAI E
BRILHANTE O IRMÃO).