INFÂNCIA
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
– Psiu… Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro… que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
- DO MUNDO VASTO MUNDO (O MUNDO GRANDE) PASSA AO MICROCOSMO
DA FAMÍLIA EM “INFÂNCIA”.
- A RECORDAÇÃO DE UMA
CENA DE INFÂNCIA É UM IMPORTANTE MOMENTO DE REFLEXÃO PARA EU LÍRICO.
-
NA PRIMEIRA ESTROFE, O MENINO SE ENCONTRA SOZINHO, ENTRE MANGUEIRAS.
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que
não acaba mais.
-
COM UM FORTE APELO LITERÁRIO O MENINO LÊ A HISTÓRIA DE UM PERSONAGEM, QUE COMO
ELE, TAMBÉM É SOLITÁRIO: ROBINSON CRUSOÉ (1719), ESCRITO POR DANIEL DEFOE
(1660-1731).
-
CRUSOÉ FICOU CONHECIDO POR SER UM AVENTUREIRO DO MARES, QUE INICIOU UM
EMPREENDIMENTO MARÍTIMO, COM O OBJETIVO DE ENRIQUECER, MAS ACABOU NAUFRAGANDO E
FOI O ÚNICO SOBREVIVENTE, PRESO EM UMA ILHA SITUADA NA AMÉRICA DO SUL.
- DURANTE 28 ANOS, VIVEU
COMPLETAMENTE SÓ, ATÉ QUE SALVA A VIDA DE UM NATIVO SELVAGEM FUGITIVO QUE IRIA
SER SACRIFICADO POR UM GRUPO DE CANIBAIS VINDO DO CONTINENTE, DECIDINDO
CHAMÁ-LO “SEXTA-FEIRA” NUMA ALUSÃO AO DIA DA SEMANA EM QUE O ENCONTROU.
- EM FACE DISSO, CRUSOÉ
ENSINA O ÍNDIO A FALAR SEU IDIOMA, PROCURANDO LHE TRANSMITIR SEUS VALORES
ÉTICOS E RELIGIOSOS.
- O FIM DO EXÍLIO DE
CRUSOÉ OCORRE COM A CHEGADA DE UMA NAVIO INGLÊS. DEPOIS DE RECUPERAR SUA
FORTUNA, CONTRAI MATRIMÔNIO E CONSTITUI FAMÍLIA.
-
EM CONTRAPOSIÇÃO À VIDA DE CRUSOÉ, A DO EU- LÍRICO, QUANDO CRIANÇA, É
ROTINEIRA, BASICAMENTE OBSERVA OS PAIS TRABALHANDO E A ALTERNATIVA ERA METER-SE, EM COMPANHIA
DE UM LIVRO E CRIAR MUNDOS NOVOS (Modelo da relação entre vida e literatura, entre o
ler, o viver e a fuga da realidade).
-
A CENA FAMILIAR INICIALMENTE É COMPOSTA DE UMA FORMA HIERÁRQUICA PATRIARCAL NA
QUAL A MÃE, QUE ESTÁ COSENDO, TEM A FUNÇÃO DE “COSTURAR A RELAÇÃO FAMILIAR”.
-
SEGUNDA ESTROFE: PRESENÇA DE UMA PRETA VELHA QUE ROMPE A SOLIDÃO DO MENINO COM
O CHAMADO PARA O CAFÉ.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
-
ESSA ESTROFE PODE REPRESENTAR O SEXTA-FEIRA DA ESTÓRIA DE CRUSOÉ PERSONAGEM QUE
ROMPE A SOLIDÃO DO NÁUFRAGO INGLÊS.
- EM SEGUIDA, TEMOS:
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
– Psiu… Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro… que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
-
A PRIMEIRA PALAVRA DA MÃE É “PSIU” QUE PODE TER SIDO DIRECIONADA AO FILHO,
REPREENDENDO-O PARA QUE NÃO FAÇA BARULHO, PARA NÃO ACORDAR O SEU IRMÃO PEQUENO
OU PARA ESPANTAR O MOSQUITO QUE POUSOU NO BERÇO.
-
O POEMA DENUNCIA A AUSÊNCIA DA FIGURA PATERNA, COMO DEMONSTRA OS VERSOS: “LÁ
LONGE MEU PAI CAMPEAVA/NO MATO SEM FIM DA FAZENDA”.
- A SAUDADE DOS TEMPOS
BONS DE MENINO EVIDENCIA-SE COM A INTERRUPÇÃO DAS LEMBRANÇAS DO PASSADO E A
VOLTA DO POETA AO SEU TEMPO PRESENTE: “Eu não sabia que a minha história era
mais bonita que a de Robinson Crusoé”.
-
DE INÍCIO, O POEMA COMEÇA DE MODO PROSAICO, APENAS COM A RECORDAÇÃO DE UMA CENA
FAMILIAR E NOS ÚLTIMOS VERSOS, O LEITOR É SURPREENDIDO POR UMA MUDANÇA DE
“TOM”.
- O POETA- ADULTO REVÊ O SIGNIFICADO DO
MOMENTO FAMILIAR E CONCLUI, NO PRESENTE, ALGO QUE A CRIANÇA NÃO PODIA
COMPREENDER:
-
QUE EM SUA VIDA, HAVIA MAIS BELEZA NAS ATITUDES DA MÃE E DO PAI, DO QUE NO
UNIVERSO DA FICÇÃO DAS AVENTURAS DE UM HERÓI LITERÁRIO.
-
ESSA RECONSTITUIÇÃO PERMITE QUE O PASSADO SEJA REAVALIADO E QUE SUA IMPORTÂNCIA
SEJA RECONHECIDA NO PRESENTE.
- O SENTIMENTO DE
NOSTALGIA É REALÇADO PELO EMPREGO DE VERBOS NO PRETÉRITO PERFEITO, QUE PROVOCA
NO POETA A SENSAÇÃO DE UM MOMENTO INACABADO.
- O FASCÍNIO QUE A
LEITURA DE ROBINSON CRUSOÉ EXERCE NO AUTOR JÁ APONTA A IDENTIFICAÇÃO DO POETA
COM O SEU LADO GAUCHE: A VIAGEM DE CRUSOÉ FOI FEITA À REVELIA DA VONTADE
PATERNA E, UMA VEZ ISOLADO, INVENTA MIL MANEIRAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ILHA
DESERTA.
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