sábado, 13 de maio de 2023

“INFÂNCIA”, DE “ALGUMA POESIA”, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

 

INFÂNCIA

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé,

comprida história que não acaba mais.

 

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu

a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu

chamava para o café.

Café preto que nem a preta velha

café gostoso

café bom.

 

Minha mãe ficava sentada cosendo

olhando para mim:

– Psiu… Não acorde o menino.

Para o berço onde pousou um mosquito.

E dava um suspiro… que fundo!

 

Lá longe meu pai campeava

no mato sem fim da fazenda.

 

E eu não sabia que minha história

era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

 

- DO MUNDO VASTO MUNDO (O MUNDO GRANDE) PASSA AO MICROCOSMO DA FAMÍLIA EM “INFÂNCIA”.

- A RECORDAÇÃO DE UMA CENA DE INFÂNCIA É UM IMPORTANTE MOMENTO DE REFLEXÃO PARA EU LÍRICO.

- NA PRIMEIRA ESTROFE, O MENINO SE ENCONTRA SOZINHO, ENTRE MANGUEIRAS.

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.

Minha mãe ficava sentada cosendo.

Meu irmão pequeno dormia.

Eu sozinho menino entre mangueiras

lia a história de Robinson Crusoé,

comprida história que não acaba mais.

- COM UM FORTE APELO LITERÁRIO O MENINO LÊ A HISTÓRIA DE UM PERSONAGEM, QUE COMO ELE, TAMBÉM É SOLITÁRIO: ROBINSON CRUSOÉ (1719), ESCRITO POR DANIEL DEFOE (1660-1731).

- CRUSOÉ FICOU CONHECIDO POR SER UM AVENTUREIRO DO MARES, QUE INICIOU UM EMPREENDIMENTO MARÍTIMO, COM O OBJETIVO DE ENRIQUECER, MAS ACABOU NAUFRAGANDO E FOI O ÚNICO SOBREVIVENTE, PRESO EM UMA ILHA SITUADA NA AMÉRICA DO SUL.

- DURANTE 28 ANOS, VIVEU COMPLETAMENTE SÓ, ATÉ QUE SALVA A VIDA DE UM NATIVO SELVAGEM FUGITIVO QUE IRIA SER SACRIFICADO POR UM GRUPO DE CANIBAIS VINDO DO CONTINENTE, DECIDINDO CHAMÁ-LO “SEXTA-FEIRA” NUMA ALUSÃO AO DIA DA SEMANA EM QUE O ENCONTROU.

- EM FACE DISSO, CRUSOÉ ENSINA O ÍNDIO A FALAR SEU IDIOMA, PROCURANDO LHE TRANSMITIR SEUS VALORES ÉTICOS E RELIGIOSOS.

- O FIM DO EXÍLIO DE CRUSOÉ OCORRE COM A CHEGADA DE UMA NAVIO INGLÊS. DEPOIS DE RECUPERAR SUA FORTUNA, CONTRAI MATRIMÔNIO E CONSTITUI FAMÍLIA.

- EM CONTRAPOSIÇÃO À VIDA DE CRUSOÉ, A DO EU- LÍRICO, QUANDO CRIANÇA, É ROTINEIRA, BASICAMENTE OBSERVA OS PAIS TRABALHANDO E A ALTERNATIVA ERA METER-SE, EM COMPANHIA DE UM LIVRO E CRIAR MUNDOS NOVOS (Modelo da relação entre vida e literatura, entre o ler, o viver e a fuga da realidade).

- A CENA FAMILIAR INICIALMENTE É COMPOSTA DE UMA FORMA HIERÁRQUICA PATRIARCAL NA QUAL A MÃE, QUE ESTÁ COSENDO, TEM A FUNÇÃO DE “COSTURAR A RELAÇÃO FAMILIAR”.

- SEGUNDA ESTROFE: PRESENÇA DE UMA PRETA VELHA QUE ROMPE A SOLIDÃO DO MENINO COM O CHAMADO PARA O CAFÉ.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu

a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu

chamava para o café.

Café preto que nem a preta velha

café gostoso

café bom.

- ESSA ESTROFE PODE REPRESENTAR O SEXTA-FEIRA DA ESTÓRIA DE CRUSOÉ PERSONAGEM QUE ROMPE A SOLIDÃO DO NÁUFRAGO INGLÊS.

- EM SEGUIDA, TEMOS:

Minha mãe ficava sentada cosendo

olhando para mim:

– Psiu… Não acorde o menino.

Para o berço onde pousou um mosquito.

E dava um suspiro… que fundo!

Lá longe meu pai campeava

no mato sem fim da fazenda.

 

E eu não sabia que minha história

era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

 

- A PRIMEIRA PALAVRA DA MÃE É “PSIU” QUE PODE TER SIDO DIRECIONADA AO FILHO, REPREENDENDO-O PARA QUE NÃO FAÇA BARULHO, PARA NÃO ACORDAR O SEU IRMÃO PEQUENO OU PARA ESPANTAR O MOSQUITO QUE POUSOU NO BERÇO. 

- O POEMA DENUNCIA A AUSÊNCIA DA FIGURA PATERNA, COMO DEMONSTRA OS VERSOS: “LÁ LONGE MEU PAI CAMPEAVA/NO MATO SEM FIM DA FAZENDA”.

- A SAUDADE DOS TEMPOS BONS DE MENINO EVIDENCIA-SE COM A INTERRUPÇÃO DAS LEMBRANÇAS DO PASSADO E A VOLTA DO POETA AO SEU TEMPO PRESENTE: “Eu não sabia que a minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé”.

- DE INÍCIO, O POEMA COMEÇA DE MODO PROSAICO, APENAS COM A RECORDAÇÃO DE UMA CENA FAMILIAR E NOS ÚLTIMOS VERSOS, O LEITOR É SURPREENDIDO POR UMA MUDANÇA DE “TOM”.

- O POETA- ADULTO REVÊ O SIGNIFICADO DO MOMENTO FAMILIAR E CONCLUI, NO PRESENTE, ALGO QUE A CRIANÇA NÃO PODIA COMPREENDER:

- QUE EM SUA VIDA, HAVIA MAIS BELEZA NAS ATITUDES DA MÃE E DO PAI, DO QUE NO UNIVERSO DA FICÇÃO DAS AVENTURAS DE UM HERÓI LITERÁRIO. 

- ESSA RECONSTITUIÇÃO PERMITE QUE O PASSADO SEJA REAVALIADO E QUE SUA IMPORTÂNCIA SEJA RECONHECIDA NO PRESENTE.

- O SENTIMENTO DE NOSTALGIA É REALÇADO PELO EMPREGO DE VERBOS NO PRETÉRITO PERFEITO, QUE PROVOCA NO POETA A SENSAÇÃO DE UM MOMENTO INACABADO.

- O FASCÍNIO QUE A LEITURA DE ROBINSON CRUSOÉ EXERCE NO AUTOR JÁ APONTA A IDENTIFICAÇÃO DO POETA COM O SEU LADO GAUCHE: A VIAGEM DE CRUSOÉ FOI FEITA À REVELIA DA VONTADE PATERNA E, UMA VEZ ISOLADO, INVENTA MIL MANEIRAS DE SOBREVIVÊNCIA NA ILHA DESERTA.

 

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