sexta-feira, 6 de maio de 2011
FAUVISMO E AS "FERAS" DA COR
Como afirma Matisse a respeito de "A Dança" (1910):
"Para o céu um belo azul, o mais azul dos azuis, e o mesmo vale para o verde da terra, para o vermelhão vibrante dos corpos".
I – INTRODUÇÃO:
Desde os anos setenta do século XIX, a cor passa a ser vista como um meio de expressão íntimo; disposta a levantar-se com claros ânimos de protagonismo e subversão aos outros valores da pintura acreditados anteriormente.
A excludente qualificação cromática do Impressionismo foi o decisivo primeiro passo para a substantivação da cor e, produziu um revelador escândalo, em 1874; alterando e agredindo a rotina visual artística.
Sem dúvida que por seu modo de exercer a cor, os quatro grandes pintores do Pós-Impressionismo: Cézanne, Gauguin, Van Gogh e Toulouse-Lautrec tiveram que mover-se de forma rebelde. Embora já com alguma compreensão, a arte dos Nabis teve que ser e estar dentro de um evidente grau de alienação por causa da sua potenciada sensitividade colorista, ainda à margem do sócio-culturalmente consagrado e aplaudido pelos demais.
Trinta e cinco anos de intensificações cromáticas a contar desde 1874 não eram ainda bastantes, em 1905, para dar por vencidos os hábitos visuais e artísticos, contraídos ao longo de um século, o século XIX, no qual a arte esteve tanto perante os olhos das pessoas e a imensa maioria do que foi pintado foi feito nada mais que para agradar nobres pardos. Nem tão sequer Paris naquela época, encontrava-se em condições de aceitar completa e prazerosamente os avanços inovadores das cada vez mais atrevidas empresas coloristas.
Não devemos esquecer, estas eram insólitas para o olho e seus costumes, e o que se dá em chamar “a toda Paris”, símbolo inquestionável da universidade cultural da França, era muito conservadora, acadêmica e intelectualmente burguesa.
Diante dos salões oficiais de Paris, as inovações artísticas eram rejeitadas prontamente. Assim, em 1884, se criaria o Salão dos Independentes, organizado na primavera e em 1903, o Salão de Outono.
Dois anos depois de seu nascimento, na data historicamente de 1905, durante a celebração deste último, expõe em uma de suas salas, um grupo de pintores liderados por Matisse que tem como eixo comum a exploração das amplas possibilidades colocadas pela utilização da cor; rodeando por acasos da instalação um par de esculturas de corte florentina, em certo modo neoquatrocentista.
“A Sala 7 foi á escolhida para a aberração pictórica, a loucura das cores e as fantasias difíceis de explicar.”
À vista dos quadros lá expostos, a crítica se encrespa, não somente o público ingênuo, espectador trivial. Camille Mauclair clama sentindo aquilo como um insulto, como “uma lata de pintura arrojada à cara das pessoas”.
Ao mais avançado Gustave Geffroy lhe parece não mais que excentricidade de tinta em cor. Quem sem demorar também satiriza e batizaria o Cubismo, Louis Vauxcelles, publicaria no “Gil Blas” de 17 de outubro, um artigo no qual, referindo-se a uma das citadas esculturas, diria que lhe parecia “um Donatello rodeado de feras”, de fauves. Como já tinha acontecido com o pejorativo batismo do Impressionismo, o epíteto de Fauves teve sucesso, se generalizou rapidamente entre a multidão dos inimigos de quaisquer inovações.
Os próprios artistas o tomaram com o melhor dos humores, talvez porque lhes agradava a ideia de que lhes considerassem “feras”; ao ser esta qualificação não tão pejorativa para eles e até mesmo lisonjeira.
Entre obras de Derain, Vlaminck, Manguin, Camoin, Marquet e Van Dongen, sobressaíam os quadros de Matisse.
A partir daí, o nome deste artista ficou associado com o Fauvismo, um dos movimentos plásticos de vanguarda que mais ricamente incidiu na arte do século XX.
Os “fauves” nunca discutiram a sátira imposta por Vauxcelles. Porém, o caso é que muito provavelmente, aos franceses seja o que literalmente significa. E, sempre em francês, passou à História e se universalizou sem que ninguém o traduza ao idioma em que fala ou escreve; de modo que, concretamente em português, tendo em mente o significado de Matisse e a maioria de seus colegas do Fauvismo, se rejeita e evita com toda espontaneidade falar de “feras”, fauves, e “ferismo”, fauvisme, sem que isso tenha nada de estranho e arbitrário.
Os críticos acreditaram que estavam diante de um fato inédito. Porém, a “fera” que acabara de despertar naquele Salão de Outono vinha rugindo há tempos contra o realismo herdado do Neoclassicismo e do Romantismo. Por sua vez, Delacroix, Cézanne, Gauguin e Van Gogh não se dispuseram a servir a nada mais do que à pintura.
Matisse e seus amigos da Sala 7 também não.
“Para mim, o tema de um quadro e o fundo dele tem o mesmo valor ou, para ser mais claro, nenhum ponto é mais importante que outro. O que vale é a composição, o padrão geral. Um quadro é feito pela combinação de superfícies diferentemente coloridas”, registrou Matisse no final de 1905.
Aprofundar-se cada vez mais nessa afirmação seria a constante busca de Matisse.
Não teve nada de feroz o Fauvismo francês comparecido publicamente no parisiense Salão de Outono de 1905.
Os ferozes seriam os do segundo, talvez terceiro, embate Expressionista que, da Alemanha, no mesmo ano de 1905, sincronizam á perfeição com os Fauvistas franceses para proporcionar ambos primeiros movimentos inovadores.
Não se demoraria em encontrar por outras partes, tantas maravilhas como a da arte do fauve Matisse, colorista ao extremo, porém não colorista selvagem.
II – CARACTERÍSTICAS:
Quatro diferentes procedências tiveram os primeiros e na verdade caracterizados fauvistas.
Um grupo se formou no ateliê regido na Escola de Belas Artes pelo simbolista Moreau; outro proveio da academia livre atendida por Carriére; um terceiro, bem curto, foi em um princípio residente em Chatou; sendo o último a chegar o procedente do paisagismo de Le Havre.
No de Moreau se encontraram Matisse, Marquet, Rouault, Camoin e Manguin, recebendo um ensino demasiado liberal, nada escolástico, atento ao desenvolvimento de cada temperamento individual.
Moreau dizia a seus discípulos que ele era a ponte sobre a que alguns deles teriam de passar; isto é, graças ao qual iriam além dele. Já no ateliê de Gustave Moreau, Matisse manifesta certa preponderância sobre seus condiscípulos, pela força de sua personalidade e predestinado como estava a ser a figura mais relevante do Fauvismo, pintor estelar da pintura francesa do século XX.
Em 1898 falece Moreau e o sucede outro professor, Cormon, de caráter diametralmente oposto, dispersando aqueles jovens que, por instinto, o ambiente avançado e o magistério de Moreau, procuravam desejosos novas formas de dicção.
Assim, enquanto em um espontâneo paralelo se formavam com muito parecidos empenhos outros artistas, Marquet, Manguin, Camoin e Puy.
Com o tempo, Derain e Vlaminck compartilham um mesmo ateliê em Chatou; e Friesz e Braque trabalham em Le Havre.
De qualquer maneira, ainda coincidentes os artistas entre si, o Fauvismo não foi uma estética laminadora da personalidade agregante. Pelo contrário, pode-se dizer que seus princípios eram mínimos e, com certeza, nada dogmáticos ou rígidos.
Estribava sua medula conceitual básica na acentuação da cor certo aproveitamento do sintetismo gauguiniano e a pronta inclinação a um contornismo “cloisonnisme”, ainda mais sintetizado que o predicado por Gauguin, disposto de modo que pareça sem habilidade, pela consciente despreocupação por qualquer propósito de desenho minimamente cuidadoso.
Não se tratava mais que de um tratamento decidido e colorista do visível, as figuras humanas, os interiores e a paisagem a que, em particular, se sentiram muito afeiçoados. Em alguns casos, com ainda perceptíveis reminiscências do Impressionismo; em outros, de maior estirpe Pós-Impressionista e, por último, também com um manchismo rápido e alterador da forma. Com tão nula base teórica, os fauvistas foram do princípio ao fim de sua atividade facilmente diferenciáveis, bem livres de desenvolver sem sérias travas seus respectivos temperamento e visão.
Os Vlaminck e Derain de primeira época, de tempos essencialmente fauvistas, dados a intensificar vermelhos, azuis, verdes e amarelos. Sendo Marquet, por exemplo, mais ponderado de paleta; e mais verista, também; dado que até certo ponto, o Verismo cabia dentro da ferocidade que pejorativamente se atribuiu ao Fauvismo.
Os salões dos Independentes e de Outubro, de Paris e 1906, foram à pronta afirmação do Fauvismo.
Nesse ano se encontra junto ao grupo fauvista francês o holandês Kees Van Dongen, mais tenso de expressão e Die Brücke que se ativa na Alemanha.
Em 1907, o Fauvismo começa a eclipsar-se sob as ousadias do Cubismo, mas todos os componentes da tendência e muito em particular Matisse, veriam como se consagraria e acoplaria seu achado durante não poucos anos do século XX; embora, alguns de seus realizadores encontrariam outro modo pessoal e não intensamente colorista, de expressar-se.
Segundo Henry Matisse em "Notes d'un Peintre" pretendia-se com o Fauvismo:
"Uma arte do equilíbrio, da pureza e da serenidade, destituída de temas perturbadores ou deprimentes".
O Fauvismo é a arte avançada mais em breve assimilada, degustada e colecionada; inclusive os mais conservadores. Domina nela algo em extremo francês: o hedonismo.
Tende a ser agradável; elimina qualquer mínima possibilidade de dramatização do visível; desenvolve-se em grandes manchas de cor que delimitam planos, onde a ilusão da terceira dimensão se perde; a cor aparece pura, sem sombreados, fazendo salientar os contrastes, com pinceladas diretas e emotivas; autonomiza-se do real, pois a arte deve refletir a verdade inerente; a linguagem é plana; as cores são alegres, vivas e brilhantes, perfeitamente harmonizadas, não simulando profundidade, em total respeito pela bidimensionalidade da tela; a temática não é relevante, não tendo qualquer conotação social, política ou outra.
A liberdade com que usam tons puros, nunca mesclados, manipulando-os arbitrariamente, longe de preocupações com verossimilhança, dá origem a superfícies planas, sem claros-escuros ilusionistas. As pincelas nítidas constroem espaços que são, antes de mais nada, zonas lisas, iluminadas pelos vermelhos, azuis e alaranjados e as linhas e as cores devem nascer impulsivamente e traduzir as sensações elementares, no mesmo estado de graça das crianças e dos selvagens.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário