terça-feira, 17 de maio de 2011

BARROCO LITERÁRIO


“Pérola irregular”, “Jóia falsa”, “Mau gosto”, “Classicismo imperfeito”, “Escola espanhola”, “Estética religiosa”, “Escola da Contra-Reforma”, “Seiscentismo”...afinal o que é o Barroco??!!

I – INTRODUÇÃO:


O estilo Barroco é um dos mais complexos da literatura. A historiografia e a crítica têm oscilado entre posições que vão da seca recusa do Barroco, por alegada pobreza temática e exagerada manipulação da palavra, á quente apologia que fazem à escola os anatomistas do estilo, maravilhados com a engenhosidade e agudeza das produções da época. A posição mais conservadora, mais tradicionalista, tende a ver no Barroco uma “pérola irregular”, um classicismo imperfeito e obtuso.
A posição mais recente, que se abre com os estudos de Heinrich Wölfflin, tende a ver no Barroco uma constante universal na arte, expressiva dos períodos marcados por graves conflitos espirituais, e cuja essência é a irregularidade, a exasperação, o retorcimento, o exagero, características opostas à sobriedade e à disciplina clássica.
Observe a expressão de angústia das fisionomias, na tela “A Trindade”, de El Greco, traço marcante do Barroco.

 
II – LOCALIZAÇÃO:


III – CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL:

PORTUGAL: 1580-1756
BRASIL: 1601-1768

 
Se o início do século XVI, principalmente seus primeiros vinte e cinco anos, pode ser considerado o apogeu de PORTUGAL, não é menos verdade que os vinte cinco anos finais desse mesmo século representam o período mais negro de sua história.

O comércio e a expansão do império ultramarino levaram PORTUGAL a conhecer uma grandeza aparente. Lisboa era considerada a capital mundial da pimenta, porém a agricultura portuguesa era abandonada.
As colônias conquistadas, principalmente o Brasil, não deram a PORTUGAL retorno de riquezas imediatas; com o declínio do comércio das especiarias orientais observa-se uma falência da economia lusa.
Concomitantemente a decadência econômica, PORTUGAL vive uma crise dinástica: em 1578, o adorado e cristão rei D. Sebastião almejando ampliar a fé cristã e transformar PORTUGAL num grande império, “desaparece” numa batalha em Alcácer-Quibir, na África (“Mito do Sebastianismo”); dois anos depois, D. Felipe II da Espanha consolida a unificação da Península Ibérica.
Portanto, a partir de 1580, PORTUGAL passa a ser de domínio espanhol e tal situação permanecerá até 1640, quando ocorre a Restauração e PORTUGAL recupera sua autonomia.
A unificação da Península veio favorecer a luta conduzida pela Companhia de Jesus em nome da Contrarreforma: o ensino passa a ser quase um monopólio dos jesuítas e a censura eclesiástica torna-se um obstáculo a qualquer avanço no campo científico-cultural. Enquanto a Europa conhecia um período de efervescência no campo científico, com as pesquisas e descobertas de Francis Bacon, Galileu, Kepler e Newton, a Península Ibérica era um reduto da cultura medieval.
Com o Concílio de Trento (Norte da Itália, 1545-1563), o Cristianismo se divide. De um lado os estados protestantes (seguidores de Lutero, introdutor da Reforma) que propagavam o "espírito científico", o racionalismo clássico, a liberdade de expressão e pensamento, a diminuição do poder do Papa, a livre leitura da bíblia e o retorno à simplicidade dos apóstolos. De outro, os redutos católicos (a Contrarreforma) que seguiam uma mentalidade mais estreita, marcada pela Inquisição (processo administrativo), pelo Santo Ofício (investigação e julgamento) e pelo Index (uma espécie de censura) e pelo teocentrismo medieval.
Os padres jesuítas assumiram posição de destaque na defesa e difusão do catolicismo, como forma de combate ao protestantismo ameaçador. As escolas e universidades jesuítas criaram um estilo próprio de arte e arquitetura, ricamente ornamentadas por querubins e virgens celestiais, parecem tentar comover o coração da mesma forma que o pregador buscava seduzir o intelecto.
A tensão gerada pela reação católica ao protestantismo se fará notar na definição desse novo estilo que será mais intensa quanto mais intensa tiver sido a situação da Reforma Protestante ou da Contra-Reforma Católica.
Assim, teremos:

BARROCO IBÉRICO-JESUÍTICO: na Espanha, Itália, Portugal e com projeções na América Latina.
BARROCO REFORMISTA e LUTERANO: Alemanha, Inglaterra e Hollanda.
BARROCO: “tênue”: na Suécia e países nórdicos.

IV - CARACTERÍSTICAS:

“Arte de ornamentação rica retratando o sofrimento.”

É importante ressaltar que a época barroca, o século XVII, foi das mais conturbadas que o homem ocidental viveu. E mais, coincide com o apogeu do Absolutismo monárquico e com a implantação sistemática do capitalismo e sua extensão a áreas coloniais. É notório quem se a Literatura é a expressão do homem e de seu tempo, o estilo barroco haveria de refletir os contrastes, incertezas e o desespero do homem que viveu essa época difícil.
Não se pode falar em ruptura entre o Renascimento e o Barroco; na verdade, o que se observa é um processo de transformação e continuidade, que redefine perspectivas artísticas, mas não as invalida como se pode observar na poética camoniana.
Como movimento cultural e artístico, o Barroco é um estilo muito complexo pela falta de temática ao mesmo tempo pelo rebuscamento da palavra.
Assim, o período do Barroco é marcado por uma profunda dualidade. Por um lado, é o desdobramento do humanismo clássico e do Renascimento com seus apelos ao racionalismo, ao prazer, ao “carpe diem”. Por outro lado, o homem é pressionado pela Igreja Católica e pelo protestantismo mais vigoroso a um regresso ao teocentrismo medieval, à postura estóica, à renúncia aos prazeres, à mortificação da carne e à observância plena do “amar a Deus sobre todas as coisas”, princípio capitular do teocentrismo medieval.

“Enterro do conde de Orgaz”, El Greco.


Em síntese, o homem do período Barroco foi marcado por oposições, conflitos íntimos, pessimismo, dúvidas, medo, insegurança e uma profunda angústia existencial.
O homem dessa época vive dividido entre a razão X emoção; equilíbrio/harmonia X desequilíbrio/instabilidade; corpo X alma; prazer (“carpe diem”) X virtude (mortificação da carne); materialidade X espiritualidade; consciência do pecado (deixar de pecar era impossível para o ser humano) X castigo de Deus e o arrependimento etc.
A Igreja nessa época converte-se numa espécie de espaço cênico, num teatro sacro onde são encenados os dramas humanos.
Dentre os traços característicos da estética barroca, merecem destaque:

- FEÍSMO: preferência por aspectos cruéis, dolorosos e repugnantes, numa tentativa de mostrar a miséria do ser humano.
- FUSIONISMO: associação entre o racional e o irracional, entre a razão e a fé.
- CONFLITO ENTRE O “EU” E O MUNDO: incapaz de compreender o mundo em que vive, o homem se isola, criando um mundo particular solitário e pessimista.
- BREVIDADE DA VIDA, FUGACIDADE e EFEMERIDADE DO TEMPO ou gozar ao máximos os prazeres mundanos.
- REBUSCAMENTO LINGUÍSTICO: uma linguagem trabalhada com excessos de recursos imagéticos e de figuras, principalmente de antíteses, paradoxos, oximoros associando o racional e o irracional e as metáforas, na tentativa de emprestar à literatura a riqueza visual da pintura e da escultura como também driblar a censura da Igreja.

V – ESTILOS:

O virtuosismo, a ornamentação exagerada, o jogo sutil de palavras e ideias, visando a surpreender o leitor pela espantosa engenhosidade da construção do texto, assumindo uma atitude lúdica com o leitor, propondo-lhe um labirinto de significantes e significados, provocando a surpresa da novidade, pela ousadia das metáforas e associações.
Este verdadeiro jogo de esconde-esconde tem duas explicações: por um lado, a necessidade de ludibriar a censura inquisitorial e, de longa data, a metáfora é o recurso linguístico para sugerir ideias, sutilmente; por outro, já está visto que o espírito barroco é contraditório, eivado de incertezas.
Os estilos da estética barroca expressam-se através de duas tendências:

CULTISMO/GONGORISMO: EXPRESSIVIDADE – JOGO DE PALAVRAS

Cultismo ou Gongorismo são as denominações que recebeu, na Península Ibérica, e em colônias ultramarinas, o aspecto do Barroco voltado para o rebuscamento da forma; para a ornamentação exagerada do estilo; por meio de vocabulário precioso, erudito, eivado de latinismos, para a inversão da ordem direta da frase, imitando a sintaxe do latim clássico; ornamentação; beleza; estética; exuberância; burilamento da forma verbal; imagens que envolvam o leitor por meio de estímulos sensoriais (com destaque para as camadas fônica e cromática do texto); descrição; aparências e aspectos exteriores.
O termo Cultismo deriva da obsessão barroca pela linguagem culta, e o termo Gongorismo alude ao autor espanhol Luís de Gôngora, expoente maior desse procedimento literário, criador de uma verdadeira escola que tem como seguidores, entre nós, Manuel Botelho de Oliveira e, em alguns momentos, Gregório de Matos Guerra.
O aspecto exterior imediatamente visível no Cultismo ou Gongorismo é o abuso no emprego de figuras de linguagem:
As semânticas:
- metáforas: é a figura de linguagem em que se emprega um termo por outro, mantendo-se entre eles uma relação de semelhança.
- antíteses: é a figura de estilo que consiste na exposição de ideias opostas. Ocorre quando há uma aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos. O contraste que se estabelece serve, essencialmente, para dar uma ênfase aos conceitos envolvidos que não se conseguiria com a exposição isolada dos mesmos.
- hipérboles: também, conhecida como intensificação, é a figura que consiste na ênfase resultante do exagero deliberado, quer no sentido negativo, quer no positivo.
As sintáticas:
- hipérbato: é a figura sintática que consiste numa inversão violenta da ordem da ordem direta da frase.
- perífrase: também denominada circunlóquio, consiste na substituição de uma palavra por uma série de outras, de modo que estas se refiram àquela, indiretamente. Utilizada, em geral, para evitar a monotonia das expressões gastas ou para criar novas relações metafóricas.
- anáforas: consiste na repetição intencional de palavras, no início dos versos ou frases.
- anadiplose: é a reiteração do(s) termo(s) final(ais) de um verso ou oração, no início do verso.

DESENGANOS DA VIDA HUMANA, METAFORICAMENTE


É a vaidade, Fábio, nesta vida,
Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.



É planta, que de abril favorecida,
Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.



É nau enfim, que em breve ligeireza,
Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias aprestas, alentos preza:



Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?



Gregório de Matos


VOCABULÁRIO:

Airosa – esbelta.
Presumida – vaidosa, presunçosa.
Abril favorecida – favorecida pela primavera, que, na Europa, se inicia em abril.
Soberba – orgulho.
Empavesada – protegida, ornada.
Ufana – triunfante.
Fênix – divindade da miologia egípcia, símbolo da imortalidade, personificada numa ave que renascia das próprias cinzas.
Galhardias – garbo, elegância.
Apresta – apronta.
Alentos – entusiasmos, estímulos.

Exemplo do estilo Cultista, o próprio título do soneto, “Dos Desenganos da Vida Humana Metaforicamente”, alude ao emprego intensivo da metáfora.
O poema se entretece a partir de três metáforas da vaidade: Rosa, Planta e Nau.
O seu tema é o da precariedade de todas as coisas diante da adversidade do tempo, que tudo arrasta para a “tarde”, o crepúsculo final que se sucederá à “manhã” de nossas vidas. Note-se o tratamento indireto da “vaidade” (palavra que significa, originalmente, “coisa vã, vazia”), à qual são associadas sucessivas imagens (“rosa”, “planta”, “nau”), disseminadas no poema e recolhidas em seu verso final, num procedimento chamado Disseminação e Recolha que é comum na poesia barroca.
A metaforização intensiva do texto Barroco estabelece, quase sempre, uma identificação sensorial, resultando no aspecto cromático e criando associações surpreendentes.
Registre-se ainda a presença da mitologia antiga, através da Fênix, o pássaro-deus egípcio, símbolo da imortalidade, e com o qual a vaidade presumidamente se identifica. Note-se como, no verso final, temos a segunda recolha dos termos antes disseminados, confrontados com seus contrários (“ferro” é a lâmina que corta a planta; “penha”, o penhasco que destrói a “nau”, e “tarde”, o momento em que morre a “rosa”).
Esse soneto ao organizar de forma complexa e ornamentada um pensamento simples: parte da ideia de que a vaidade, apesar de sua aparência, não tem nenhuma substância na vida; desdobra esse pensamento em três metáforas resplandecentes, desdobradas em outras metáforas, que se distribuem simetricamente pelas três primeiras estrofes e são reunidas na quarta, acopladas aos seus contrários.
Na primeira estrofe, entenda-se: ”da manhã lisonjeada” como envaidecida pela juventude, indicada pela metáfora “manhã; “airosa”, como altiva e “presumida”, como “cheia de presunção”.
A vaidade é como uma rosa que abre (“rompe”), altiva, a “púrpura” de suas pétalas com “ambição dourada”, isto é, com ambição de brilhar, de se comparar ao ouro.
Na segunda estrofe: “que de abril favorecida”, significa animada pela primavera européia, que acontece em abril. Primavera também conota juventude; “soberba desatada” como arrogância incontida; “galeota empavesada” como uma embarcação equipada com defesas ou, em outro sentido, enfeitada e “sulca ufana” como navega orgulhosa.
Na terceira estrofe: “em breve ligeireza” refere-se ao vento brando; “com presunção de Fênix generosa” como pensando ser uma Fênix capaz de muitas ressurreições, por isso generosa e “galhardias apresta, alentos preza” como prepara valentias, preza estímulos do vento.
Na quarta estrofe, o último verso chamado “plurimembre”, é composto da enumeração de três pares de elementos antitéticos (contrapostos), recapitulando as três metáforas anteriores em ordem inversa à de seu aparecimento (nau, planta, rosa) e confrontando-as com os elementos que as hão de destruir, em três rápidas imagens da morte (penha, ferro, tarde).
O hipérbato resulta em certa dificuldade de leitura, como se verifica nos quatro primeiros versos do poema de Gregório de Matos, acima.
Reescrevendo-os, na ordem direta, teríamos: “Fábio, a vaidade nesta vida é rosa que, lisonjeada de manhã, arrasta presumida mil púrpuras e rompe airosa com ambição doirada.”

CONCEPTISMO: RACIONALISMO – JOGO DE IDEIAS

Define-se o Conceptismo ou Quevedismo como o aspecto construtivo do Barroco voltado para o jogo das ideias, para a argumentação sutil, para a dialética cerrada, que opera por meio de associações inesperadas, ainda fundadas na metáfora e, especialmente, nos procedimentos da lógica formal, como o silogismo, o sofisma e o paradoxo.
Enquanto os Cultistas ou Gongóricos consideravam que a percepção cognoscitiva das coisas deveria processar-se pela captação de seus aspectos sensoriais e plásticos (contorno, forma, cor, volume), produzindo como resultado um verdadeiro frenesi cromático, visando a apreender o como dos objetos, os Conceptistas pesquisavam a essência íntima dos objetos, buscando saber o que são, visando à apreensão da face oculta, apenas acessível ao pensamento, ou seja, aos conceitos; assim, a inteligência, a lógica e o raciocínio ocupam o lugar dos sentidos, impondo a concisão e a ordem, onde reinavam a exuberância e o exagero. Assim, é usual a presença de elementos da lógica formal, como:

- SILOGISMO: dedução formal tal que, postas duas proposições, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, nelas logicamente implicada, chamada conclusão. Assim, temos como exemplo: “Todo homem é mortal (premissa maior); ora, eu sou homem (premissa menor); logo, eu sou mortal (conclusão).

A CRISTO S.N. CRUCIFICADO ESTANDO O POETA NA ÚLTIMA HORA DE SUA VIDA


Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer,
Animoso, constante, firme e inteiro:



Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer,
É meu Jesus, a hora de ser ver
A brandura de um Pai, manso Cordeiro.



Mui grande é vosso amor e o meu delito;
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,
Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.


Este poema se baseia a crença de que o poeta, velho e arrependido da vida desregrada que levara, reconciliou-se com a religião, e, como Bocage, um século depois, compôs sonetos de arrependimento em seus últimos dias.
Expressa a cosmovisão barroca: a insignificância do homem perante Deus, a consciência nítida do pecado e a busca do perdão. Ao lado de momentos de verdadeiro arrependimento, muitas vezes o tema religioso é utilizado como simples pretexto para o exercício poético, desenvolvendo engenhosos jogos de imagens e conceitos.
Nas duas primeiras estrofes, o poeta expressa a contrição religiosa e a crença no amor infinito de Cristo, para manifestar, no final, a certeza do perdão.
Observe a construção dos tercetos finais de um soneto sacro de Gregório de Matos, que encobre uma formulação silogística, que se pode expressar dessa maneira:
O amor de Cristo é infinito (verso 11) – Premissa Maior;
O meu pecado, por maior que seja, é finito, e menor que o amor de Jesus (versos 9 e 10) – Premissa Menor;
Logo, por maior que seja o meu pecado, eu espero salvar-me (versos 13 e 14) – Conclusão.

- SOFISMA: é o argumento que parte de premissas verdadeiras e que chega a uma conclusão inadmissível, que não pode enganar ninguém, mas que se apresenta como resultante de regras formais do raciocínio, não podendo ser refutado. É um raciocínio falso, elaborado com a função de enganar.

VI – BARROCO NO BRASIL:



1601 – “PROSOPOPÉIA”, poema épico de autoria do português, radicado no Brasil, Bento Teixeira.

Considerado o mais antigo poeta brasileiro, “Prosopopéia”, escrito em moldes camonianos, onde se cantam os feitos do governador Jorge de Albuquerque Coelho, surge como primeiro documento poético com uma referência local, brasileira, com especial relevo para uma descrição do Recife.
Em 1601 saía em Lisboa, da imprensa de Antônio Alvarez, um opúsculo de dezoito páginas, in-4º, trazendo no alto da primeira do texto este título: “Prosopopéia”, dirigida a Jorge Dalbuquerque Coelho, Capitão, e Governador de Pernambuco, Nova Lusitana, etc. O nome do autor Bento Teyxeyra vinha, assim escrito, embaixo do Prólogo, no qual fazia ao seu herói o oferecimento da obra.
É um poema de noventa e quatro oitavas, em verso endecassílabo, sem divisão de cantos, nem numeração de estrofes, cheio de reminiscências, imitações, arremedos e paródias d’Os Lusíadas.
Não tem propriamente ação, e a “Prosopopéia” donde tira o nome está numa fala de Proteu, profetizando “post facto”, os feitos e a fortuna, exageradamente idealizados, dos Albuquerques, particularmente de Jorge, o terceiro donatário de Pernambuco, ao qual é consagrado.
Não tem mérito algum de inspiração, poesia ou forma. Afora a sua importância cronológica de primeira produção literária publicada de um brasileiro, pouquíssimo valor tem. No meio da própria ruim literatura poética portuguesa do tempo — aliás, a só atender à data em que possivelmente foi este poema escrito, a melhor época dessa literatura — não se elevaria este acima da multidão de maus poetas iguais.
O poeta ou era de si medíocre, ou bem novo e inexperiente quando o escreveu. Confessa aliás no seu Prólogo, já gongórico que eram as suas "primeiras primícias". Não se sabe se veio a dar fruto mais sazonado. Nos seus setecentos e cinquenta e dois versos apenas haverá algum notável, pela ideia ou pela forma. São na maioria prosaicos, como banais são os seus conceitos. A língua não tem a distinção ou relevo, e o estilo traz já todos os defeitos que maculam o pior estilo poético do tempo, e seriam os distintivos da má poesia portuguesa do século seguinte, o vazio ou o afetado da ideia e a penúria do sentimento poético, cujo realce se procurava com efeitos mitológicos e reminiscências clássicas, impróprios e incongruentes, sem sombra do gênio com que Camões, com sucesso único, restaurara esses recursos na poesia do seu tempo.
Conforme a regra clássica, começa o poema pela invocação. É de justiça reparar que começa com uma novidade, a invocação é desta vez dirigida ao Deus dos cristãos. Além do Deus, invoca a Jorge de Albuquerque "o sublime Jorge em que se esmalta a estirpe de Albuquerque excelente" com versos diretamente imitados de “Os Lusíadas”. A memória fresca do poema de Camões está por todo o poema do nosso patrício, em que não há só reminiscências, influências mas versos imitados, parodiados, alguns quase integralmente transcritos, e ainda alusões à grande epopéia portuguesa.
Depois da invocação preceitual segue-se no poema de Bento Teixeira, como também era de regra, a "narração" expressamente designada do livro.
A ação do poema é falada ou narrada. Proteu a diz de sobre o Recife de Pernambuco. Seis estrofes o descrevem, de um modo insípido, pura e secamente topográfico:

Para a parte do sul onde a pequena
Ursa, se vê de guardas rodeada,
Onde o Céu luminoso mais serena,
Tem sua influição, e temperada.
Junto da nova Lusitânia ordena,
A natureza, mãe, bem atentada,
Um porto tam quieto e tam seguro,
Que pera as curvas naus serve de muro.

É este porto tal, por estar posta,
Uma cinta de pedra, inculta, e viva,
Ao longo da soberba, e larga costa,
Onde quebra Neptuno a fúria esquiva,
Entre a praia, e pedra descomposta,
O estranhado elemento se deriva,
Com tanta mansidão, que uma fateixa,
Basta ter à fatal Argos aneixa.



Em o meio desta obra alpestre, e dura,
Sua boca rompeu o Mar inchado,
Que na língua dos bárbaros escura,
Paranambuco, de todos é chamado
De Paraná que é Mar, Puca - rotura,
Feita em fúria desse Mar salgado,
Que sem no derivar cometer míngua,
Cova do Mar se chama em nossa língua.

Em seguida, por ordem de Netuno, profetiza Proteu, num largo canto em louvor dos Albuquerques e nomeadamente de Jorge, a quem se endereça esta prosopopéia. Vê Proteu:

A opulenta Olinda florescente
Chegar ao cume do supremo estado
Será de fera e belicosa gente
O seu largo distrito povoado
Por nome terá, Nova Lusitânia,
Das leis isenta da fatal insônia.

Esta Lusitânia será governada por Duarte Pacheco "o grão Duarte" que o poeta, pela voz de Proteu, compara a Enéias, a Públio Cipião, a Nestor e a Fábio. E tudo o que até então tinha passado com os Pachecos e Albuquerques, já celebrados por Camões, ocorre a Proteu que o profetiza posteriormente desmedindo-se no louvor e encarecimento. Acaba o poema pouco originalmente, com as despedidas do poeta, repetindo a promessa de voltar com um novo canto:

Por tal modo que cause ao mundo espanto.

Jorge de Albuquerque Coelho, o motivo senão o herói deste poema, era filho de Duarte Coelho, primeiro donatário de Pernambuco, onde Jorge nasceu, em Olinda, em 1539. O enfático padre Loreto Couto, falando dele como de sujeito verdadeiramente extraordinário, assevera que "ainda que Pernambuco não tivera produzido outro filho bastaria este para a sua imortal glória". E mais, que "foi este insigne pernambucano um daqueles espíritos raros para cuja produção tarda séculos inteiros a natureza, pois à sua rara virtude e insigne valor, acrescentou uma erudição rara e conhecimento das letras humanas".
Uma e outro não teriam sido adquiridos no Brasil. Se são exatas, como parece, as notícias de Jaboatão, Jorge Albuquerque criou-se em Portugal, onde aos 14 anos se achava. Com 20 voltou a Pernambuco, donde tornou ao Reino, em 1555, aos 26 anos, após a sua brilhante campanha contra os índios da capitania.
Nesta viagem para Portugal sofreu o naufrágio célebre da nau Santo Antônio que o levava, cuja relação, escrita pelo piloto Afonso Luís e reformada por Antônio de Castro, foi atribuída a Bento Teixeira. Em Portugal "foi de todos aplaudido de cortesão, generoso, discreto, liberal, afável e modesto".
Em todos os tempos poetas e literatos foram inclinadíssimos à bajulação dos poderosos. Em Portugal tais poetas e literatos faziam até parte da domesticidade da corte ou das grandes casas fidalgas e ricas, que os aposentavam e pensionavam, em troca dos poemas e escrituras com que infalivelmente celebravam a família em cada um dos seus sucessos domésticos, nascimentos, casamentos, mortes, façanhas guerreiras, vantagens sociais obtidas, aniversários. Frequentemente eram estes que lhe mandavam imprimir as obras, que sem tais patronos dificilmente achariam editores.
Bento Teixeira fica, pois, sendo, não só o primeiro em data dos poetas brasileiros, mas o patriarca dos nossos "engrossadores" literários. E de ambos os modos progenitor fecundíssimo de incontável prole.
Conjetura-se com bons fundamentos houvesse composto o seu poema nos últimos anos do século, com certeza depois do desastre de D. Sebastião em África, em 1578, a que já o poema se refere. Talvez nos arredores de 1596, que neste ano ainda vivia Jorge de Albuquerque e o poema foi composto quando ele vivo.
De Bento Teyxeyra, como ele o assinou, ou Bento Teixeira Pinto, como também lhe escreveram o nome, nada mais se sabe além da parca notícia do bibliógrafo Diogo Barbosa Machado na sua Biblioteca Lusitana, publicada em 1741; que nasceu em Pernambuco e era "igualmente perito na poética e na história". Não diz nem o lugar nem a data do nascimento.

VII – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Cultismo e Conceptismo são dois aspectos do Barroco que não se separam; antes, superpõem-se como as duas faces de uma mesma moeda. Às vezes, o autor trabalha mais ao nível da palavra, da imagem; busca mais o argumento, o conceito. Nada impede que o mesmo texto tenha, simultaneamente, aspectos Cultistas e Conceptistas. Com os riscos inerentes às generalizações abusivas, diz-se, didaticamente, que o Cultismo é predominante na poesia e o Conceptismo, predominante na prosa.







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