segunda-feira, 13 de setembro de 2010

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA (1911)


I – AUTOR:




AFONSO HENRIQUE DE LIMA BARRETO

(Rio de Janeiro, 1881 – 1922)


“Mulato, desorganizado, incompreensível e incompreendido, era a única coisa que me encheria de satisfação, ser inteligente, muito e muito!”

Lima Barreto


Filho de pai português e de mãe escrava nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Perdeu a mãe ainda criança e foi morar com o pai na Colônia de Alienados da Ilha do Governador, onde o pai trabalhava no almoxarife do hospício. Lima Barreto, mulato e pobre, concluiu o curso secundário graças à proteção de seu padrinho, o Visconde de Ouro Preto. Ingressou na Escola Politécnica e seu sonho de tornar-se engenheiro foi interrompido pelas dificuldades econômicas, pelo alcoolismo e pela doença mental que abalou seu pai.
Empregou-se como escrevente na Secretaria da Guerra e pela sua formação cultural
(o autor era um autodidata), colaborou em vários jornais.
Em 1905, tornou-se jornalista do Correio da Manhã, e quatro anos mais tarde publicou, em Lisboa, seu primeiro romance: Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Nesse trabalho, há fortes elementos autobiográficos, principalmente quando o autor focaliza os bastidores dos grandes jornais brasileiros de opinião, e o tema do preconceito racial, de que sempre se sentiu vítima.
Em 1911, Lima Barreto publicou, em forma de folhetim, seu romance mais conhecido, Triste Fim de Policarpo Quaresma. Em 1914, sofreu sua primeira internação, num hospício. Foi afastado por invalidez da Secretaria de Guerra, em 1918, e passou novo período no sanatório. Em 1920, candidatou-se sem sucesso à Academia Brasileira de Letras.
Perseguido pelo preconceito racial e econômico, boêmio, solitário, incompreendido, entregou-se à depressão e ao alcoolismo. Lima Barreto foi internado duas vezes na Colônia de Alienados na Praia Vermelha e faleceu vítima de um colapso cardíaco, aos 41 anos de idade, alguns meses depois da Semana de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.
Sua experiência de vida deu-lhe alicerce para desmascarar a burguesia hipócrita de sua época e retratar os subúrbios cariocas habitados pelos humilhados e oprimidos.
A proximidade entre o jornalismo é visível em seus textos, nos quais a simplicidade e a objetividade da linguagem, sua aproximação da fala cotidiana e a ironia opõem-se ao beletrismo dos parnasianos e estão voltadas para a denúncia das mazelas e as arbitrariedades nacionais no período pós-republicano, de que o autor traça um verdadeiro painel crítico e repleto de indignação.


II -OBRAS:

Romance: Recordações do Escrivão Isaías Caminha
Triste Fim de Policarpo Quaresma
Numa e Ninfa
Vida e Morte de M.J.Gonzaga e Sá
Clara dos Anjos

Conto: Histórias e Sonhos

Sátira Política e Literária: Os Bruzundangas
Coisas do Reino do Jambon

Humorismo: Aventuras do Dr.Bogoloff

Artigos e Crônicas: Feiras e Mafuás
Bagatelas

Crônicas: Marginália
Vida Urbana

Memórias: Diário Íntimo
Cemitério dos Vivos

III – CARACTERÍSTICAS:

Segundo Moisés Gicovate, eis as principais características da obra de Lima Barreto:
– Não copiou nem imitou. Os personagens de Lima Barreto são arrancados de sua própria vida; escrevia por necessidade, era uma forma de libertar-se, de analisar-se a si próprio.
- Os escritos são, em grande parte, autobiográficos; encerram muitos fatos verdadeiros, com a interpretação de Lima Barreto.
- A espontaneidade e a marca de seu estilo: fazia da pena o instrumento do coração.
- Lançou mão da sátira, da ironia e do humor. Certo, tudo isso é um meio de defesa, ou, segundo Freud, é mesmo o principal meio de defesa. De qualquer forma, a caricatura e a mordacidade faziam ressaltar a brutalidade e o ridículo de certas situações e, na medida em que se fundamentavam na realidade, eram objetivamente válidas.
- A obra de Lima Barreto aborda quase tudo, no seu tempo: forma de governo, organização econômica, preconceitos de raça, a burocracia, os tráficos de influência; os grupinhos, as sociedades de elogio mútuo - sem as quais o literato era condenado à marginalização.
IV – ESTILO LITERÁRIO:


Os críticos geralmente concordam em situar Lima Barreto entre os pré-modernistas: "Caberia ao romance de Lima Barreto e de Graça Aranha, ao largo ensaísmo social de Euclides, Alberto Torres, Oliveira Viana e Manuel Bonfim, e a vivência brasileira de Monteiro Lobato o papel histórico de mover as águas estagnadas da "belle epoque", revelando, antes dos modernistas, as tensões que sofria a vida nacional" (Bosi, HCLB, Cultrix, 2ª. ed., p. 344).
O período que vai de 1902 a 1922 é considerado "atípico" dentro da literatura brasileira. Tivemos uma série de "neos": neo-realismo, neo-parnasianismo, neo-simbolismo, todos sem maior expressão. O que triunfou, mesmo, foi uma sintaxe acadêmica, lusitanizante, que cortou por um momento a irrupção do projeto linguístico brasileiro, começado no Romantismo e continuado no Realismo. Lima Barreto rompeu com essa literatura muito antes do Modernismo.


V – LINGUAGEM:

Enquanto alguns escritores do período escreviam como se estivéssemos no melhor dos mundos e viam a literatura como "o sorriso da sociedade" (Afrânio Peixoto), Lima Barreto escancarou as janelas e deixou entrar o cheiro forte da realidade. Ele assumiu os problemas do seu tempo e examinou-os em seus romances. Foi, sobretudo, o "romancista da Primeira República", vista pelos olhos da classe média dos subúrbios do Rio. Enquanto os historiadores oficiais falavam nas lutas patrióticas da consolidação da República, ele via o outro lado da medalha: o povo, massa de canhão totalmente inconsciente do que se passava; a luta pelo poder entre os barões da agricultura e a burocracia militar ou civil; e, sobretudo, a vida dos subúrbios, com seus dramas e suas pequenas felicidades, seus grotescos e ridículos, seu lado terno e humano.
A tradição desse romance realista remonta as "Memórias de Um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida, e, depois de Lima Barreto, só teria continuadores expressivos já em pleno Modernismo, com o romance regionalista.
Lima Barreto rompeu conscientemente com a linguagem anacrônica e classicizada de um Rui Barbosa, de um Coelho Neto, de tanto prestígio na sua época e acusava os escritores acadêmicos de fazerem da literatura "uma continuação do exame de português". Foi por isso, e por alguns pequenos descuidos em suas obras, que os adversários o acusaram de desleixado, quando na verdade ele rompeu voluntariamente com os representantes da "idade de ouro do lídimo linguajar castiço e vernáculo" (M. Cavalcanti Proença). O combate a tal tipo de linguagem seria retomado pelo Modernismo. Lima Barreto chegou primeiro.
Os diálogos em “Triste fim de Policarpo Quaresma” são, geralmente, de extraordinária espontaneidade e adequação as personagens: a fala de Genelício é sempre pedante, afetada e superior; a do Major Quaresma trai as suas leituras patrióticas e seu jeito tímido a formaliza; a de Vicente Coleoni é entremeada de expressões e palavras italianas...


VI – FOCO NARRATIVO:

A narração é feita em terceira pessoa, "narrador onisciente". Em pequenos trechos, a história é contada pelas próprias personagens, como as circunstâncias da guerra que o major Quaresma descreve, em carta, a sua irmã Adelaide. Como o autor conduz simultaneamente vários núcleos dramáticos (várias histórias), ele às vezes antecipa alguns fatos para em "flash-back", voltar atrás e explicar como as coisas sucederam. Assim, no terceiro capítulo, Genelício dá a notícia de que o Major Quaresma fora internado num hospício. E só no capítulo quarto é que iremos saber as causas e circunstâncias desse internamento.
Lima Barreto desenvolve, simultaneamente, o núcleo principal e os núcleos secundários da história. Em quase todos os capítulos comparece a totalidade dos protagonistas. Para isso o autor se vale de encontros fortuitos entre as personagens, ou de correspondência, ou de visitas recíprocas, ou festas e almoços para narrar paralelamente à história de todos e de cada um.


VII – TEMPO:

O tempo da narrativa é cronológico: os fatos, normalmente são apresentados em sua sequência temporal. Em algum capítulo, temos um "flash-back" para restabelecer o elo perdido.
A ação do romance situa-se numa época precisa: a da implantação da República no Brasil, com os governos de Deodoro e, sobretudo, do Marechal Floriano.
Os acontecimentos políticos são vistos no livro não pela ótica oficial, mas pelos olhos do povo e, em particular, na perspectiva da classe média suburbana.
Sob o aspecto sociológico, Lima Barreto conseguiu uma pintura perfeita: surge diante dos olhos aquela época dos fraques, das casacas e sobrecasacas, do pince-nez (óculos de um aro só), das correntinhas de ouro nas cavas dos coletes, das bengalas e das cartolas... Dorme-se de camisão, paga-se em ceitis, mil réis e contos de réis. Anda-se de coches, de tílburis e de bondes puxados a mulas, joga-se o "pocker", as mulheres enfiam-se em cassas bem engomadas... As gravatas têm alfinetes, as casas são ornamentadas com monogramas na porta de entrada, compoteira nas cimalhas "e outros detalhes equivalentes..."


VIII – ESPAÇO:

Com exceção dos meses passados no "Sossego", a obra se ambienta, como outras de Lima Barreto, no Rio de Janeiro e, sobretudo, em seus subúrbios. Há um pano de fundo maravilhosamente bem retratado, econômica, social e folcloricamente: o sossego das ruas da periferia, as fofocas, a vigilância e o comentário dos vizinhos sobre os vizinhos, os tipos populares – como o próprio e inesquecível Ricardo Coração dos Outros. “A "aristocracia" dos subúrbios, composta de funcionários públicos, de pequenos negociantes, de médicos de alguma clínica, de tenentes de diferentes milícias, nata essa que impara pelas ruas esburacadas daquelas distintas regiões..."
Além do ambiente burocrático das repartições públicas, a "papelada inçada", as conversas e "gozações" que são descritos com grande vivacidade; afinal, Lima Barreto o conhecia muito bem. Outra reconstituição perfeita é a do hospício porque é feita com fibras de sua própria vida e experiência, onde Quaresma passou uma temporada.
O sítio do "Sossego" é descrito logo no início da segunda parte.
O lugar tinha "o aspecto tranquilo e satisfeito de quem se julga bem com sua sorte". "A casa erguia-se sobre um socalco, uma espécie de degrau, formando a subida para a maior altura de uma pequena colina que lhe corria nos fundos. Em frente, por entre os bambus da cerca, olhava uma planície a morrer nas montanhas que se viam ao longe". Essa planície era cortada por um regato de águas sujas e, qual uma fita, pela via férrea. A habitação "era também risonha e graciosa nos seus muros caiados. Edificada com a desoladora indigência das nossas casas de campo, possuía, porém, vastas salas, amplos quartos, todos com janelas, e uma varanda com uma colunata heterodoxa".
Outra excelente descrição dos subúrbios do Rio aparece no segundo capítulo da segunda parte. Finalmente, nos últimos capítulos do romance a ação decorre muitas vezes a beira-mar. E não faltam as poéticas reconstituições desse ambiente: a cerração que de manhã envolve tudo, o pôr-do-sol na praia...
O centro da cidade, a época da rebelião, era alegre e jovial. Havia muito dinheiro, o governo pagava soldos dobrados... Os teatros eram frequentados e os "restaurantes" noturnos também.
Em contraste, o Campo da São Cristóvão: "ia vendo aquela sucessão de cemitério, com as suas campas alvas que sobem montanhas, como carneiros tosquiados e limpos a pastar; aqueles ciprestes meditativos que as vigiam; e como que se lhe representava que aquela parte da cidade era feudo e senhorio da morte".


IX – PERSONAGENS:

Lima Barreto, com este romance, criou tipos que já não mais lhe pertencem, mas à literatura brasileira. Em particular, o major Policarpo Quaresma e o menestrel "Ricardo Coração dos Outros".

MAJOR POLICARPO QUARESMA:

"Era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre baixo, mas quando fitava alguém ou alguma cousa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da cousa que fixava". "Contudo, sempre os trazia baixos como se guiasse pela ponta do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo". "Vestia-se sempre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma cartola de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo..." Tudo "made in Brasil": "de tudo que há nacional, eu não uso estrangeiro. Visto-me com um pano nacional, calço botas nacionais e assim por diante."

Quaresma não tendo podido ser militar, tornou-se um burocrata, tendo chegado a subsecretário do Arsenal de Guerra.
Há quase trinta anos, a rotina do Major servia de relógio para a vizinhança. Vivia isolado, com a irmã Adelaide. Dedicava-se a estudar e conhecer o Brasil e suas riquezas, possuindo ótima biblioteca especializada nesse tema. Os colegas o respeitavam por sua modéstia e honestidade, mas, caçoavam de seu patriotismo infindo: "Este Quaresma! Que cacete. Pensa que somos meninos de tico-tico. Arre! Não tem outra conversa."
O que ele tem de mais característico, no entanto, é a sua filosofia de vida: "... uma disposição particular de seu espírito, forte sentimento que guiava sua vida. Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente".

ADELAIDE, irmã de Policarpo:

“Era uma bela velha de corpo médio", ser metódico, ordenado e organizado, de idéias simples, médias e claras, seus olhos verdes não revelavam nenhuma paixão ou ambição."

Era totalmente diferente do irmão e não o entendia em nada. Censurava-o constantemente pela rigidez da preferência pelos artigos nacionais. Queixava-se dos temperos nacionais, da manteiga rançosa, da falta de "flores de verdade" no jardim...
Tinha seus cinquenta anos, quatro a mais que o Major.

ANASTÁCIO: era o criado que desde sempre acompanhava o Major. Preto africano muito trabalhador, mas precisava de comando por que era "baldo de iniciativa, de método, de continuidade no esforço".

VICENTE COLEONI, imigrante italiano a quem Quaresma emprestava dinheiro num momento difícil e que, vindo a prosperar em quitandas e na construção civil, jamais perdeu a gratidão. Vivia num palacete em Real Grandeza, com a única filha, Olga, afilhada do Major. Alma boa, reta, sempre fiel ao compadre, de quem, no entanto, não entendia suas excentricidades.

OLGA: era muito querida pelo Major, e lhe ocupava no coração o lugar dos filhos que não tivera nem teria. "Era pequena, muito mesmo". No seu rosto, nada de grego. Havia nos seus traços muita irregularidade, mas a sua fisionomia era profunda e própria, com seus grandes olhos negros e luminosos. "A boca pequena, de um desenho fino, exprimia bondade, malícia, e o seu ar geral era de reflexão e curiosidade". Casou-se meio sem convicção com o Dr. Armando Borges, por quem perdeu toda a afeição. É de notar que, no romance, Olga parece muitas vezes exprimir as opiniões pessoais do próprio autor.

RICARDO CORAÇÃO DOS OUTROS: famoso por sua habilidade em cantar modinhas e tocar violão. Em começo, a sua fama estivera limitada a um pequeno subúrbio da cidade, em cujos "saraus" ele e seu violão figuravam como Paganini e a sua rabeca em festas de duques. Depois ela cresceu, e ele passou a "frequentar e honrar" as melhores famílias do Meier, Piedade e Riachuelo.
“Já chegava a São Cristóvão e em breve (ele o esperava) Botafogo convidá-lo-ia, pois os jornais já falavam no seu nome...”
“Era magro, baixo, pálido, quase sempre carregando um violão agasalhado numa bolsa de camurça. Vivendo para o violão e as modinhas, e para o ideal de chegar até Botafogo ficava alheio as contingências terrenas, isolado no seu cubículo de uma casa de cômodos, almoçando café, que ele mesmo fazia, e pão, indo à tarde jantar a uma tasca próxima".
A sua figura de cabo recrutado à força era cômica: "a blusa (do fardamento) era curtíssima sungada; os punhos lhe apareciam inteiramente; e as calças eram compridíssimas e arrastavam no chão".

Várias personagens estão ligadas à permanência de Quaresma no sitio Sossego:

FELIZARDO: muito trabalhador, foi contratado por Quaresma. Casado com a curandeira Sinhá Chica. "Era magro, alto, de longos braços, longas pernas, como um símio". Muito conversador, leva-e-traz. Rebentando a revolta da Esquadra, ocultou-se para fugir ao recrutamento.

SINHÁ CHICA, mulher de Felizardo, "velha cafuza, espécie de Medéia esquelética, cuja fama de rezadeira pairava por todo o município". "Vivia sempre mergulhada no seu sonho divino, abismada nos misteriosos poderes dos feitiços, sentada sobre as pernas cruzadas, olhos baixos, fixos, de fraco brilho, parecendo esmalte de olhos de múmia, tanto ela era encarquilhada e seca."

MANÉ CANDEEIRO: outro contratado. Era claro e tinha umas feições regulares, cesarianas, duras e fortes, um tanto amolecidas pelo sangue africano. Falava pouco e cantava muito.

TENENTE ANTONINO DUTRA: escrivão da Coletoria de Curuzu. Representa juntamente com o Dr. Campos, os piores vícios de nossa política do interior. Apareceu no "Sossego" sob pretexto de angariar donativos para Nossa Senhora da Conceição e, na realidade, para tirar suas conclusões sobre a "política" do Quaresma. Atacou o Major pela imprensa e intimou-o a pagar 500.000 réis de multa, por ter enviado umas batatas para o Rio. A sua gordura "tinha um aspecto desonesto. Parecia que a fizera de repente e comia a mais não poder, com medo de a perder de um dia para outro".

DR.CAMPOS: médico, presidente da Câmara Municipal de Curuzu. "Jovial, manso, de grande corpo, era alto e gordo, pançudo um pouco, olhos castanhos, quase a flor do rosto, uma testa média e reta; o nariz, mal feito". Um tanto trigueiro de cabelos corridos e já grisalhos – era um caboclo, mas o bigode era crespo. Tinha de cor uma meia dúzia de receitas, nas quais conseguira enquadrar as doenças locais. Tendo proposto um golpe a Quaresma, como este recusasse, passou a persegui-lo.

GAL. ALBERNAZ:

"Nada tinha de marcial, nem mesmo o uniforme que talvez não possuísse. Durante toda a sua carreira militar, não viu uma única batalha, não tivera um comando, nada fizera que tivesse relação com a sua profissão e o seu curso de artilheiro". "O altissonante título de general... ficava mal naquele homem plácido, medíocre, bonachão, cuja única preocupação era casar as cinco filhas e arranjar pistolões para fazer passar o filho nos exames do Colégio Militar". "Era alto, o pescoço enterrado nos ombros, e o seu pince-nez era preso por um trancelim (corrente) de ouro que lhe passava por de trás da orelha esquerda. Em suas conversas, era indispensável uma referência a Guerra do Paraguai, dramatizada, importante". – O Sr. esteve lá, não foi, General ?" "- Não, adoeci antes e voltei ao Brasil. Mas o Camisão esteve..."

DONA MARICOTA, esposa de Albernaz:

"Muito ativa, muito inteligente, não havia dona de casa mais econômica, mais poupada e que fizesse render mais o dinheiro do marido e o serviço das criadas". A pequena cabeça de cabelos pretos contrastava muito com o seu corpo enorme.
Ismênia, Quinota, Zizi, Lalá e Lulu eram os filhos do casal. Ismênia era noiva de Cavalcanti, Quinota casou-se com Genelício e Lalá noivava com o tenente Fontes.

ISMÊNIA:

"Era até simpática, com a sua fisionomia de pequenos traços mal desenhados e cobertos de umas tintas de bondade". Seu noivado com Cavalcanti durava anos: havia cinco que ele arrastava um curso de Odontologia de dois anos. "Na vida, para ela, só havia uma coisa importante: casar-se; mas pressa não tinha, nada nela a pedia". "Amorenada, o seu traço de beleza dominante era os seus cabelos castanhos, com tons de ouro, sedosos ate ao olhar". Psicologicamente, era de uma natureza pobre, incapaz de qualquer vibração sentimental. Mostrava uma bondade passiva, indolência de corpo, de idéias e de sentidos. Ante a fuga do noivo, cujo pedido de casamento fora tão comemorado, viu desmoronar o sentido de sua vida. Incapaz de reunir forças para reagir, humilhou-se, entristeceu-se, definhou, enlouqueceu, morreu.

CAVALCANTI: tinha olhos esgazeados, o nariz duro e fortemente ósseo. Durante o curso fora financiado nos livros, taxas e comida pelo futuro sogro. Formado, dirigiu-se para o interior e nunca mais deu notícias à noiva.

CONTRA-ALMIRANTE CALDAS: nunca embarcara, a não ser por pouco tempo, na Guerra do Paraguai. Certa vez, deram-lhe o comando de um navio inexistente. Como não conseguisse encontrá-lo, apresentou-se aos superiores, foi preso e submetido a julgamento. Absolvido, nunca mais caiu nas graças deles. Levou quarenta anos para chegar a capitão-de-fragata. Reformado no posto imediato, "todo o seu azedume contra a Marinha se concentrou num longo trabalho de estudar leis, decretos, alvarás, avisos, consultas que se referiam a promoção de oficiais. Os requerimentos, pedindo a modificação de sua reforma, choviam sobre os sucessivos ministros... Viu fugir a última esperança por ocasião da revolta da esquadra, quando ficou ao lado de Floriano, calculando que ele necessitaria de militares daquela arma, ensejando-lhe, afinal, a oportunidade de comandar uma frota."

INOCÊNCIO BUSTAMANTE: tinha a mesma mania demandista do Caldas. Renitente, teimoso, mas servil e humilde. Antigo voluntário da pátria, possuindo honras de major honorário, vivia com requerimentos pedindo diversas coisas: medalhas, honras de tenente-coronel...
A rebelião foi a sua oportunidade de ouro: imaginou e organizou o batalhão "Cruzeiro do Sul", cuja responsabilidade ficou de fato nos ombros de Quaresma, mas que deu, a ele, a patente tão ambicionada. No seu uniforme, talhado segundo os moldes dos guerreiros da Criméia, com uma banda roxa e casaquinha curta, "parecia ter saído, fugido, saltado de uma tela de Vítor Meireles... "Tinha uma, barba ‘mosaica’ e a sua especialidade, no batalhão, era cuidar da escrita, com caligrafia caprichada, tinta azul e vermelha.”

DOUTOR FLORÊNCIO: "Os anos e o sossego da vida lhe tinham feito perder todo o saber que porventura pudesse ter tido ao sair da escola. Era mais um guarda de encanamentos que mesmo um engenheiro".

GENELÍCIO: personagem estereotipado, convencional, caricatural. Nitidamente "plano", e brindado com todos os defeitos que mais aborreciam o próprio Lima Barreto:

"Empregado do Tesouro, já no meio da carreira, moço de menos de trinta anos, ameaçava ter um grande futuro". "Não havia ninguém mais bajulador do que ele. Nenhum pudor, nenhuma vergonha!" "Sabia todos os recursos para se valorizar perante os chefes. "Na bajulação e nas manobras para subir, tinha verdadeiramente gênio. Era tido em grande conta, e juntava a sua segura posição administrativa um curso de direito a acabar". "Pequeno, já um tanto curva do, chupado de rosto, com um pince-nez azulado, todo ele traía a profissão, os seus gostos e hábitos. Era um escriturário".

Casou-se com Quinota, filha do Gal.Albernaz.

TENENTE FONTES: noivo de Lalá, a terceira filha do Albernaz. Entendia de artilharia e serviu, na revolta, sob o comando de Quaresma - a quem, aliás, não se subordinava. "Era positivista e tinha de sua República uma idéia religiosa e transcendente. Fazia repousar nela toda a felicidade humana... " "Era magro, moreno carregado e a oval do seu rosto estava amassada aqui e ali". Falava com unção, a voz arrastada e nasal em tom de oratória.

DR.ARMANDO BORGES: outro tipo caricatural, como o Genelício. Casado com Olga, e por isso enriquecido, não se satisfazia: "a ambição de dinheiro e o desejo de nomeada esporeavam-no". Médico do Hospital Sírio, em meia hora atendia a trinta ou mais doentes. Seu grande sonho era ser médico do Estado, e valeu-se da rebelião para alcançar seus objetivos. Desonesto, roubara escandalosamente de uma órfã rica - o que lhe valeu o desafeto da esposa. Achava que o seu pergaminho e o anel de doutor tornavam-no superior aos mortais comuns. Procurava ficar sempre em evidência, por amizades com jornalistas e publicação periódica de artigos, "estiradas compilações, em que não havia nada de próprio". Para dar a impressão à esposa e aos outros de que estudava muito, arranjava para ler novelas de Paulo de Kock em lombadas de títulos trocados... Sua última invenção para se manter superior foi a de "traduzir para o clássico as coisas que escrevia, invertendo os termos da oração, repicando-a com vírgulas e entremeando-a com meia dúzia de vocábulos arcaicos.”


X – ESTRUTURA:

Lima Barreto publicou o romance “Triste Fim de Policarpo Quaresma” em março de 1911. O livro possui três partes: a primeira conta a vida pacata de Policarpo Quaresma, a segunda mostra a vida do protagonista enquanto na fazenda Sossego e a terceira Quaresma vai à guerra e sofre seu duro fim.


XI – ENREDO:

“Triste fim de Policarpo Quaresma”

PARTE I:
O Major Policarpo Quaresma ou Major Quaresma era daqueles homens pontuais, chegava sempre do serviço às dezesseis e quinze. Quando ainda moço quis servir ao exército, mas por uma característica de seu corpo não pode realizar esse sonho. Desgostou-se, porém manteve fiel a pátria.
Estudou administração e escolheu o ramo militar para seguir carreira, como subsecretário no Arsenal de Guerra. Por ser um funcionário público perfeccionista e metódico é respeitado como homem sério e íntegro pela vizinhança, ficando conhecido como Major Quaresma.
Nacionalista exacerbado, durante seus lazeres burocráticos, estudava a Pátria em todos os sentidos: histórico, geográfico e político.
Gostava do clima dos batalhões, adorava ficar entre soldados e canhões. Lia tudo que dizia respeito ao Brasil, amava sua terra como um todo, não fazia distinção dos estados tão pouco da diversidade cultural nacional. Possuía em casa um vasto arsenal de livros. Sabia a geografia de todos os rios. Jamais aceitava ver alguém afirmar que o Nilo ganhava do Amazonas em extensão. Só tinha em mesa, comidas típicas da sua querida terra. No jardim só crescia plantas regionais. No trabalho ministrava verdadeiras aulas aos seus colegas, muito ouviam com respeito, menos o Sr. Azevedo. Não demorou em tarja-lhe um apelido, Ubirajara, pois estudava Tupiniquim. Viu no violão algo brasileiro e passou a tomar aulas, em casa, com um trovador de modinhas, o Ricardo Coração dos Outros. A vizinhança não gostava desse seu novo gosto, via no violão coisas de vagabundo. Em uma bela tarde, Ricardo foi à residência do discípulo onde jantou um prato com iguarias nacionais, depois foi ensinar ao aluno a arte dos malandros, como acreditavam todos. Quaresma não levava jeito. Coração dos Outros por fim cantou e tocou uma modinha. A janela estava aberta, os vizinhos chegaram para apreciar. Ismênia bate a porta, vinha pedir ao tocador que fosse a sua casa, o pai dela desejava muito conhecer o moço e vê-lo tocar.
Policarpo após trinta anos de estudos achava que o momento era oportuno para colocar suas ideias em prática. Queria ver o Brasil superar em prestígio a Inglaterra, afinal, o Brasil como ele mesmo afirmava, possuía todas as frutas, animais e climas.
O General ao ouvir o tocador ficara muito animado e com a ajuda de Quaresma saíram à procura da casa de certa lavadeira, de nome Maria Rita, na esperança que esta velha senhora os ensinasse antigas modinhas. Passaram por casas antigas, essas não lembrava mais as dos reinados; andam na antiga estrada que trazia o ouro das Minas Gerais, para uma corte imponente onde o rei era relaxado tendo como soldados homens tristes e fracos montando pangarés.
Chegaram a uma casinha baixa, ao lado havia um monturo e um mamoeiro. Bateu à porta. Uma moça de cor escura apareceu e mandou-os entrar.
“Nas paredes havia jornais antigos, folhinhas contendo calendários de anos mortos e imagens de santos. Não tardou para a velha entrar capengando pela porta. Sua memória o tempo consumia como algo que nascera fardado ao desaparecimento. Não conheceu o General.
- Queremos saber umas cantigas: Bumba-meu-boi, Boi Espácio.”
Maria Rita em seu esquecimento já acelerado pela velhice dava por desentendida. De tanto insistirem lembrou a do “Bicho Tutu”.

“É vem tutu
Por detras do murundu
Pra cumê sinhozinho
Com bucado de angu”.

Isso é coisa para fazer menino dormir, indagou o General. Foram embora e ficaram desanimados por alguns dias. Soube que havia um poeta que sabia tudo soube folclore. Correram a casa do velho. Ele os mostrou alguns textos, por fim resolveram fazer o “Tango-Lomango”.

“Uma mãe teve dez filhos
Todos dez dentro de um pote
Deu um Tangolomango nele
Não ficaram senão nove”.

Na festa do amigo, Policarpo vestiu o capote e fez o Tangolomango. Na quinta criança ele se espatifou no chão.
Passou a estudar folclore. Decepcionou em saber que as velhas cantigas pertenciam a outras pátrias. Nem mesmo o Tangolo-mango era fruto de algum formidável brasileiro.
Recebeu um amigo em casa, em vez de um aperto de mão o saudou com um chororô, como faziam os Tupinabás.

No capítulo terceiro, o autor nos transporta a uma festa em casa do general Albernaz, em comemoração ao noivado de sua filha, Ismênia, com o dentista recém-formado Cavalcanti.
O estudante de odontologia chegava, após muitos anos, ao término do curso. Marcaram a data para dali a três meses. D. Maricota estava feliz, o General nem se fala. As irmãs ainda mais, pois já podiam pensar em casamento. As moças daquele tempo viviam para o casamento, sonhava com seu grande dia, era o auge da vida. A pobre noiva se detinha, não possuía aquela mesma animação das irmãs e colegas.
O dia chegou.
Albernaz convidou seus amigos da marinha e do exército. Relembraram velhas histórias. Dessa forma, o leitor é apresentado a várias personagens “tipos”: o contra-almirante Caldas, o Dr. Florêncio, o major Bustamante, as filhas do General: Quinota, Zizi, Lalá e Vivi e, sobretudo, Ismênia. D. Maricota, a esposa ativa do General, e a principal animadora da festa. A conversa banal, versando sempre sobre assuntos militares, as batalhas de que nunca participaram ou burocráticos.
Em outro aposento estava o noivo a conversar com pessoas mais simples. A noiva estava rodeada pelas amigas que palpitava sobre assuntos pertinentes a casamento, a vida conjugal. Coração dos Outros não fora convidado, pois não pegava bem um cantador de violão comparecer a um acontecimento desta ordem. Quaresma havia recebido convite, porém não quis comparecer. Maricota chama o esposo e os amigos dele para dá início ao baile. A dança começa e logo os amigos sentaram para um joguinho de cartas. Fizeram uma pergunta a D. Quinota a respeito do Genelício. Ele era o namorado da moça, empregado do Tesouro, bajulador nato, fazia de tudo para acender a vida pública. Genelício chega e comenta que Policarpo ficara doido. Quaresma havia escrito um requerimento ao ministro na língua tupi. Soaram alguns comentários injuriosos: “Livros só poderia ser lidos por aqueles com títulos acadêmicos”. O requerimento foi lido na assembléia, todos sorriram. Os jornais estamparam, em primeira página, o tal requerimento. Passaram-se duas semanas com destaque nos jornais. Quaresma estava na boca do povo, da pior maneira.
Coleoni lê no jornal as críticas ao velho amigo. Olga faz um breve comentário e defende o padrinho. Policarpo sempre fechado, vivendo na companhia calada de seus livros, via aquilo tudo sem muito importar, pelo contrário, afinava ainda mais suas velhas convicções.
As razões desse internamento são esclarecidas no capítulo seguinte: Quaresma havia dirigido um requerimento à Câmara, solicitando ao Congresso a adoção do tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. Isto foi comentado na sociedade, na repartição, na imprensa, e Quaresma foi alvo de chacota geral. Poucos dias depois, por distração, envia um oficio em tupi sobre coisas de Mato Grosso ao Ministro do Exército e sem se dá conta colocou-o junto a outros papéis e encaminhou-os ao diretor.
O ofício causou estrondoso rebuliço, pois ninguém sabia em que língua estava escrito. O ministro devolveu o ofício ao Arsenal. O Coronel ao ver o estilo das letras soube de imediato que era coisa de Quaresma. Suspendeu Policarpo até segunda ordem.
Este, sequer olhou os papéis, passou-os ao ministério, o que lhe valeu uma suspensão do serviço e novos aborrecimentos. Isolado, não suportou tanta decepção, o que o levou à loucura.
Durante o período de internamento, recebia as visitas de Ricardo Coração dos Outros e, sobre tudo, de Vicente Coleoni e sua filha Olga, que era afilhada de Quaresma. Os três cuidaram dos interesses do Major, conseguindo, inclusive, a sua aposentadoria.
Em uma das visitas de Olga, a afilhada comenta sobre seus planos de casamento com um doutorando em Medicina, Armando Borges. Quaresma indaga-a se realmente gostava do noivo. Ela pensou um pouco e respondeu que sim. Deixaram o local para ir pegar o bonde. Pararam ao ver uma mulher em pranto. Pensaram que o filho havia morrido. Ela respondeu que chorava por algo pior, seu filho não a reconhecia mais.
Entraram no bonde e foram para casa de Quaresma. Passaram pela cidade que parecia a um esqueleto, faltam-lhe as carnes, que são: a agitação, o movimento dos carros, de carroças e de gentes, pois era domingo.
Na residência de Quaresma, Ricardo Coração dos Outros conversava com D. Adelaide. Ele precisava escrever suas canções, pois deveria enviar ao Sr. Paysandon, da Argentina, porém não tinha cabeça para tal tarefa, a mesma estava ocupada com o fato de ter um rival, um negro que tocava demais o violão. Não havia nele preconceito, todavia um medo mórbido de perder o pouco prestigio que tanto o custou a conquistar. Chegam Coleoni e sua filha. Olga anuncia que irá se casar.
Enquanto isso, com Ismênia, as coisas não iam bem: depois do noivado, Cavalcanti sumira no mundo e nunca mais dera notícias. Humilhada, a moça começou a definhar.
Quaresma deixa o hospício após seis meses, mas retornava triste, o tempo passado em meio a loucos lhe causou grande abalo emocional. Olga sugere-lhe uma experiência bucólica e as velhas chagas voltaram a brotar no rosto já feliz do padrinho. Os sonhos antigos rebrotavam do chão seco e outra manifestação aflora em sua mente: a reforma agrária. Passou a lê sobre agricultura. Comprou uma propriedade de nome “Sossego”. Nela havia uma modesta casa, que ao longe via passar a linha de trem.

PARTE II:
Dessa forma, a segunda parte da obra é transferida para o sítio do Sossego, adquirido por Quaresma, atendendo a uma sugestão de Olga, depois que tivera alta no hospício. A intenção do Major, na verdade, era dar sequência aos seus planos patrióticos: provar que o Brasil é o maior país agrícola. Chegara à conclusão de que uma agricultura forte seria o principal alicerce da pátria. Vendeu a casa de São Januário e mudou-se para o sítio, a quarenta quilômetros do Rio, no município de Curuzu, acompanhado pela irmã, Adelaide, e pelo fiel criado Anastácio.
As primeiras semanas são dedicadas à exploração do local, que estava abandonado. Quaresma observa os espécimes vegetais e animais, as rochas, organiza um museu e uma biblioteca agrícola...
No sítio, Quaresma e Anastácio labutaram alguns dias catalogando a fauna e a flora que ali conviviam, além dos minerais. Assim que terminaram, pegaram-se no cabo da enxada e puseram a limpeza do terreno abandonado.
Enquanto Quaresma trabalhava, seus pensamentos flutuavam ao sabor do vento, sonhava com o farto lucro, tinha certeza que provaria a partir da agricultura que sua pátria era de grandeza maior que todas as outras existentes.
Cercou-se de instrumentos que acreditava lhe seriam úteis: termômetro, barômetro, pluviômetro, higrômetro, anemômetro... Mas o simples manejo da enxada foi aprendido com muita dificuldade, apesar da paciência do "mestre" Anastácio.
Um dia o trem pára, desce Ricardo Coração dos Outros que vem andando em seus passos miúdos trazendo seu violão, em direção a casa de Policarpo.
“As casas em abundância em um ponto, noutro poucas ou nenhuma; ruas largas aqui, ali vielas. Era no alto onde Ricardo tinha sua morada; um pequeno quarto com vista a perder horizonte adentro.”
Sentindo amargurado por ver seu rival ser aclamado, enquanto ele perdia lentamente seu prestigio, passou queixar-se da vida, a lembrar da infância na fazenda. Foi quando, recebeu uma carta do Coronel Albernaz convidando-o para o casamento da filha Quinota com Genelício. Ficou alegre e no dia aprazado, compareceu com seu instrumento.
Em uma sala reservada os homens do exército conversavam sobre guerras. Coração dos Outros chegou e ficou a apreciar a conversa. Para aqueles homens o Exército era a mais bela das profissões.
O noivo de Quinota havia escrito um livro de contabilidade. Fez muito sucesso e o fez subir de cargo. Maricota pede para que eles fossem ver a garota cantar e tocar piano e avisa Ricardo que logo após será a vez dele. A moça cantou e recebeu tímidas palmas. Coração dos Outros tocou uma das suas modinhas. Todos o saudaram de pé com um arsenal de palmas. Uma moça pediu a ele a canção escrita. Ricardo aproveita o momento e pede a Albernaz uma passagem para ir visitar Quaresma. O homem de farda mandou que ele o procurasse no outro dia. Ismênia pede a Ricardo para falar a Adelaide que mandasse cartas para ela.
Num "flash-back", o autor descreve a vida que Ricardo levava numa "casa de cômodos", num subúrbio do Rio, e descreve a "fauna" que habitava tais casas.
Certo dia, um escrivão da coletoria, Antonino Dutra bate à sua porta pedindo dinheiro para a festa da padroeira da cidade. Quaresma diz ao homem que deseja muito ajudar, ainda mais por ser algo autêntico nacional. Antonino comenta sobre a disputa política que aflorava na região e deseja conhecer a sua posição política, e a de Ricardo Coração dos Outros.
Quaresma não tinha interesse no assunto e ignorou-o.
Uma semana após o casamento de Quinota, foi à vez de Olga subir ao altar. Casava por conveniência. Esteve bela, como todas as noivas da sua classe social. O marido era então formado em medicina. Foram morar na casa do pai da noiva.
Ricardo Coração dos Outros passou um mês no sítio e foi um triunfo na vila, onde fez muitas amizades e recebeu inúmeros convites para cantar, entre eles, o Dr. Campos, médico do local, chefe político e presidente da Câmara Municipal.
Policarpo contrata mais um funcionário, Felizardo. Esse conversava demais, tudo que passava na vizinhança o Felizardo sabia, contou certa vez que ouviu um negócio, segundo o próprio, de polícia, onde falava do Tenente Antonino e Dr. Campos.
Ricardo compôs nova canção: “Os lábios da Carola”.
Olga e o esposo foram passar alguns dias na companhia do padrinho. A moça ao fazer um passeio com a família do Dr. Campos esteve em uma linda cachoeira, esta ficava perto da fazenda onde hospedara. Depois, impressionou-se com a miséria do interior. Viu a pobreza da população que possuía vasta extensão de terras, água e sequer erguiam a enxada a favor do seu sustento. Não conteve e questionou Felizardo. Este lhe explicou que as terras não eram daquela gente, e se plantassem as formigas carregavam tudo.
Quaresma recebe o jornal da manhã, “O Município”, de Curuzu e fica pasmo ao ver seu nome em uma poesia. Acusava-o de fazer política.
“Passou o dia triste e pensativo. À noite sentou na varanda para ler um livro. Os sapos cantavam em uníssono. Quando paravam um pouco escutava um estranho ruído. Os sapos voltavam a cantar. Parou-se o canto, o estranho barulho aumentara. Entrou casa adentro para ver do que se tratava. Saúvas carregavam da sua despenca os mantimentos. Tentou dá fim nos insetos. Quando matava uma, dez novas surgiam.”
Adelaide, a irmã de Quaresma, era solteira e mais nova que ele quatro anos. Vivia já há muito tempo na companhia do irmão, as ideias diferentes dele não a incomodavam. Policarpo vivia no mundo dos sonhos, idealizava um país prospero. Tinha como meta: fazer suas terras produzirem. Não reparava na miséria alheia nem investigou qual a causa da ociosidade daquela gente. Colheu a primeira safra de abacate, por muito insistir vendeu cem frutos pelo valor de uma dúzia. Ao deduzir as despesas o lucro foi ínfimo, não compensava o trabalho. Em vez de ficar desanimado o fez ainda mais convicto da sua missão. Contratou mais um funcionário, esse iria ajudá-lo no trato com as fruteiras. Mané Candeeiro era de pouca conversa, no entanto cantava feito passarinho. Criava seus próprios versos. Um desses chamou a atenção do patrão, pois fora o único a falar de um pássaro da fauna local.
Plantou o milho, a batata, cresciam para mais de um palmo.
Certa noite, ao acordar alegre como sempre, viu o fruto de seu trabalho sumir ao sabor de uma noite. Na despensa, depara com milhares de formigas que carregavam as suas reservas de milho e feijão. A partir daí, travaria uma luta sem tréguas com elas - e não conseguiria vencê-las.
As saúvas haviam levado tudo para debaixo da terra. Sem desanimar, com muita determinação, comprou inseticida e atacou todas as casas de formiga que via pela frente. Quando pensava que o sossego chegara, às pestes ressurgiam com mais força em ritmo veloz de organização e trabalho que colocava inveja ao mais hábil humano. Para vencer a praga deveria agir em conjunto com os proprietários vizinhos. Com todos esses desafios, ainda assim o sítio proporcionou lucro. Colheu muita batata e abóbora. Angariou dois mil reis. A irmã ao ver aquela pequena quantia aconselhou-o parar com tamanha barbaridade, pois não compensava o suor derramado. Nada fazia Quaresma desistir dos seus objetivos.
No entanto, o duro aprendizado agrícola começava a mostrar-1he o verdadeiro vulto dos problemas nacionais: as pragas, como as formigas; os preços vis pagos ao produtor pelos atravessadores do Rio, onde colocava a produção do "Sossego"; a miséria, a pobreza e a improdutividade das terras.
Dr. Campos vai à residência de Policarpo propor que ele siga seu partido político. Não houve acordo. No dia seguinte chega uma carta ordenando que Quaresma limpasse uma faixa de terra defronte a sua chácara. Ele recusou a fazer o trabalho. No outro dia chega uma intimação avisando-o que deveria pagar um imposto pelas mercadorias vendidas. Começou a descobrir aí por que tanta miséria, os empecilhos era a grande trava ao progresso. Para que as terras do Brasil produzam deveria fazer uma reforma urgente no administrativo.
Felizardo diz ao patrão que não mais irá trabalhar. Ao ser indagado qual o motivo, ele passa a Quaresma um jornal. Lê e fica sabendo que a esquadra havia insurgido e intimado o Presidente a deixar o poder. Ficou alegre, pois via nesse golpe de Estado, uma chance para mudar o país.
O Brasil precisava realmente de um governo forte, para reformar em profundidade a administração e espalhar "sábias leis agrárias"... Talvez um novo Henrique IV (França), assessorado por um novo Sully.
E os acontecimentos pareciam ajustar-se as suas reflexões. Estalou, no Rio, a revolta da Esquadra contra Floriano. “Não seria este "Marechal de Ferro" o homem providencial, o governante forte de que o Brasil precisava? Foi ao correio e telegrafou: Mal. Floriano, Rio. Peço energia. Sigo já - Quaresma".

A narrativa é transferida então, ao Rio para retratar a movimentação e os interesses particulares das pessoas trazidos pela revolta. Muitos fazem cálculos para avaliar os benefícios que ela lhes pode trazer: Albernaz terá uma comissão extra para reforçar as combalidas finanças; Caldas espera, enfim, comandar uma frota do Governo e ganhar suas infindáveis demandas; Fontes, positivista, criticava os insurretos e Bustamante já organiza um batalhão patriótico de voluntários; Genelício não perderia a chance para se promover a subdiretor da Secretaria da Fazenda e o Dr. Armando Borges enfim conseguiria ser médico do Estado.
Enquanto isso, no seu cubículo, Coração dos Outros, indiferente, ignorante de tudo, compunha suas modinhas e cantava os lábios da sua Carola, "onde encontrava a doce ilusão que adoça a vida..."

PARTE III:
A cidade do Rio de Janeiro fervia de soldados e adeptos. Albernaz e Costa andavam na direção da estrada de ferro. No caminho passam pelas árvores que deitava suas sombras a rua. Encontraram um soldado dormindo, acordou-o e indagou-lhe sobre os navios. Ao fim, mando-o ir embora para não ser vítima de ladrões. Albernaz viu uma moça na estação e quase chorou ao lembrar-se da filha Ismênia. A pobre filha andava passo a passo rumo à debilidade total.
Na cidade o clima era tenso, os que trabalhavam no setor público viam-se coagidos, os demais esperançosos com o futuro. Cada qual sonhava com suas realizações pessoais: o esposo de Olga desejava ser agraciado com um cargo de alto escalão, fingia ser estudioso, pouco conhecia da própria profissão. O amor da mulher por ele ia se acabando, pois o que a fascinava era os dotes intelectuais dele, ao saber da farsa, perdeu o carisma passando a ter raiva.
Ricardo Coração dos Outros vivia socado em casa. Sua fama crescera a tal ponto que nem se ouvia falar mais no nome do rival. Passava o tempo a escrever suas canções, preparava um livro. Saia à rua e tão logo retornava para seu quartinho. Enquanto relia um de seus trabalhos, “Os lábios de carola”, ouviram-se um tiro, outro e mais outro.
Quaresma deixou a Saudade e foi ao Palácio do Marechal Floriano. Ficou sentado um bom tempo esperando a coragem chegar para ir conversar com o novo rei da pátria.
A descrição do Presidente é antológica: "... tinha ainda o palito na boca, como sinal do almoço; sua fisionomia era vulgar e desoladora. O bigode caído, o lábio inferior pendente e mole a que se agarrava uma grande "mosca"; os traços, flácidos e grosseiro. Era um olhar mortiço, redondo, pobre de expressões" "e todo ele era gelatinoso, parecia não ter nervos". "A sua concepção de governo era a de uma tirania doméstica: o bebê portou-se mal, castiga-se". "Portar-se mal era fazer oposição, e os castigos eram a prisão e morte.”
Floriano deixava transparecer uma preguiça mórbida, não a que acomete a homens fracos, mas aquela que toma do corpo. Lento nas decisões e humilde ao ponto de se igualar a subalterno. Chegado a sua vez teve uma conversa amigável com o Marechal. Quaresma havia redigido um memorial sobre os problemas agrícolas do país, entregou-o a Floriano que recebeu com má vontade e pediu que o deixasse sobre a mesa.
"- Deixa aí...". O Bustamante, que também lá estava presente, não perdeu tempo e alistou o Major Policarpo no seu batalhão patriótico, cobrando-lhe, além disso, 400.000 mil reis pela patente de Major. Sem antes, o Marechal arrancar um pedaço do memorando e escrever um recado, depois se desculpou com Quaresma.
Quaresma pega o bonde e no trajeto escuta tiros. Albernaz o encontra e vão conversando.
Quaresma passa pela casa do compadre Coleoni para revê-lo e, em seguida, foi conhecer seu posto. Ficava em um antigo cortiço de pequenos cômodos. Ganhou fardamento e logo viu Ricardo entrar pela porta aos gritos e berros, pedindo que lhe devolvessem o violão.
Ele foi alistado "voluntariamente" e vinha puxado por dois soldados. Coração dos Outros pedia loucamente para que o amigo o salvasse. Ele até que tentou, foi a Bustamante, porém não obteve sucesso. Ricardo enfim, concordou, mas exigiu seu violão de volta, foi feito cabo.
A orla estava coberta por uma densa cerração. Os soldados andavam tensos a esperar o inimigo, que insistia em não aparecer. Ricardo olhava aquela praia feia, diferente, estava acostumado a apreciar os lindos arvoreceres. Desejava cantar e tocar seu violão. Pediu o Major Quaresma, o mesmo consentiu desde que não fosse muito alto.
Em uma dessas noites surgiu uma lancha e lançou fogo, o projétil passou longe. E assim seguiu um lado tentando acertar o outro. Um rapaz gritava sempre que uma bala não atingisse seu alvo: “Queimou!”. Quando uma dessas, algo raro, atingia seu objetivo, aparecia à notícia nas páginas dos jornais. Com o passar do tempo, aquilo que era novidade cai em rotina, perde as graças. A guerra então ficara monótona. A vida retornava ao seu antigo cotidiano, Quaresma procurou seus livros e os demais, cada qual, em seus afazeres.
Coração dos Outros foi pego tocando o violão. Tenente Fontes o proibiu de tocar em serviço e foi tirar satisfação com o Major Quaresma. Esse achou sensato, pois ali não era lugar para cantorias. Após a conversa Policarpo saiu pela rua impregnada de mortes e foi parar na residência do General Albernaz. Sentou a mesa com os amigos das primeiras visitas. A guerra já esfriara, com isso levava a esperança. Discutiam sobre os episódios, mas o entusiasmo já não era o mesmo. Quaresma observava na tentativa de ver Ismênia, perguntou ao General, ele respondeu que estava na casa de uma das filhas casada e que ia de mal a pior. Deixou o ambiente e voltou ao seu posto.
O Marechal Floriano chegou para uma visita, gostava de sair à noite para ver como andava suas tropas. Conversou com Quaresma e saiu. O Major o seguiu e pergunto-o se ele havia lido o memorial. A resposta foi um sim. Policarpo falava a todo vapor, entusiasmado, sem ver o rosto do Marechal. Ao entrar no bonde ele diz: “Quaresma, você é um visionário”.
Na rotina da revolta, o peso e o comando do "batalhão patriótico" acabaram ficando por conta do herói, que passava os dias e as noites no quartel, enquanto os outros arrumavam inúmeras regalias e dispensas. Quaresma estuda furiosamente as artes militares, como artilharia, balística, mecânica, cálculo... Quase todas as tardes trocavam-se tiros entre o mar e as fortalezas, e "tanto os navios como os fortes saíam incólumes de tão terríveis provas".
Quaresma encontra com Albernaz, esse vinha triste e pensativo. Logo veio o assunto relacionado à Ismênia. O general deixou lágrimas precipitarem. O quadro da filha havia piorado, estava enferma e de cama. Ele já tinha feito de tudo na intenção de restituir a saúde à filha, porém essa pouco a pouco perdia o ânimo para viver. Médicos, curandeiros, espíritas, todos ele tinha procurado. Chamou um negro, velho e de barba branca. Dançou, pronunciava línguas estranhas, apertava um sapo que trazia na mão e passava o ramo na enferma. Nada. O estado da moça piorava a cada dia. Ninguém conseguia tirar da cabeça dela aquela obsessão pelo casamento. Quaresma tentou animar o companheiro, disse-o que iria levar o marido da afilhada, Dr. Armando, para vê-la. E para casa de Olga ele foi. No caminho pensava nos conflitos, nas pessoas que morriam por um Marechal que não desejava o progresso. Fatos dos conflitos vinham à mente naquele instante.

“Havia na Guarda Nacional certo homem de nome Ortiz, feroz. Conta que ao passar um pescador ele perguntou quanto era o peixe. Três mil reis, respondeu o pescador. Faça um menos? Dois mil e quinhentos. Leve-o para dentro de casa. O pobre homem fez o que ele mandou, voltou e ficou esperando o dinheiro. Ortiz responde: “Dinheiro?
Vá cobrar do Floriano”.

Ricardo Coração dos Outros fora efetivado, agora era Sargento, mas vivia triste como um "melro engaiolado" porque não podia mais tocar seu violão.
A revolta já durava quatro meses. O Dr. Armando já conseguira sua nomeação, na vaga de um colega demitido por ter visitado um amigo preso. Quaresma começava a decepcionar-se ao ver a repressão violenta e os crimes do governo, e ao perceber que Floriano jamais faria as reformas com que sonhara. "Era, pois, por esse homem que tanta gente morria?"
Recebe de Bustamante a notícia de que o "batalhão" iria marchar à frente de batalha, sob o comando de Quaresma: ele mesmo arranjara uma desculpa para não ir: tinha que fazer a escrituração contábil da unidade.
Quaresma vai à residência de Olga e pede ao seu marido que vá a morada de Albernaz para tentar uma solução para o caso de Ismênia. Policarpo pensa em tirar uma folga e ir a fazenda ver a irmã e seu empregado Anastácio. Frustrou-se ao saber que iria guiar seu batalhão em uma empreitada. Dr. Armando vai visitar Ismênia e também não consegue restabelecer a saúde da moça. Dona Maricota vive a esperança de ver a filha curada. Ismênia em um momento de lucidez pede à mãe que quando vier a morrer que a enterrasse com o vestido de noiva que guardara para o casamento. Certo dia, ao ver a porta do seu guarda-vestidos aberta, olhou e deparou-se com seu vestido de noiva, levantou e pressentindo a morte, vestiu-se de noiva.

"O véu afagou-lhe as espáduas carinhosamente, como um adejo de borboleta. Teve uma fraqueza, uma cousa, deu um ai e caiu de costas na cama, com as pernas para fora..." "Quando a vieram ver, estava morta".

Sentiu uma leve tontura e caiu sobre a cama. No velório o pessoal que acompanhava o féretro chorava e soltava muitos porquês. Quaresma observava aquela cena com ar estranho; as sepulturas nesse momento derradeiro da vida humana andavam lado a lado, pobres misturados com ricos, umas belas outras nem tanto, dentro apenas lama, rastos daqueles que por aqui passaram. “Não via nenhum túmulo de alguém famoso, todos enterrados ali levavam consigo suas débeis existências. O carro funerário chega. O chororó aumenta. Os cavalos partem levando o caixão e nele o corpo de Ismênia. O povo segue-o até o cemitério. Enquanto o cortejo passava as janelas se abriam e os curiosos observavam atentos.”

A chácara de Policarpo aos poucos retornava ao seu estado de outrora, desleixe e pobreza. As formigas voltaram com ardor a devorar o que achava em seus caminhos. O mato que não servia a alimentação dos insetos tomava os espaços. Pouco ou quase nada produzia. A irmã Adelaide ficara só, foram-se os momentos de prosa com a Sinhá Chica, essa vivia no mundo dos feitiços, das conversas com os entes do além, ela era tão popular quanto o médico Caldas. A pobreza acompanhava a negra que tinha poder maior do que o do vigário. Caldas atendia mais a classe alta, Chica, a pobre. Quaresma de tempo em tempo escrevia cartas a irmã que sempre respondia muito chorosa a implorar pela sua volta. Uma carta chegou escrita pelo irmão: “Estava ferido. Havia matado. Deseja pedir perdão, mas não sabia a quem. Ricardo estava em estado físico pior que o dele, porém ele estava com o espírito afundado na lama. Sonhava com o fim dos conflitos para regressar ao Sossego. Seu sonho foi frustrado e morto. Via os colegas buscarem algo material ou um status. Sentia todas as dores. Estava arrependido de ter ido à guerra”.

O conflito chegou ao fim. Uma esquadra vinda de Recife decretou a vitória de Floriano. Clarimundo falece e por ser político recebe muitos amigos e curiosos no seu funeral. Muitos queriam apenas deixar seu nome no livro ou sair em algum jornal.
Policarpo melhora e é designado ao posto de carcereiro. Segue seu destino com uma dose alta de repugnância.
Desmoronara-se todo o sistema de ideias que o levara a meter-se na guerra.
"Todos tinham vindo ou com pueris pensamentos políticos, ou por interesse; nada de superior os animava". "Os prisioneiros eram a gentinha pequena", "inteiramente estranha à questão em debate...", "sem responsabilidade, sem anseio político, sem vontade própria, simples autômatos nas mãos dos chefes e superiores que a tinham abandonado à mercê do vencedor..."
Suas dores espirituais agigantaram. Não conseguia olhar nos olhos dos detentos, carecia de alguém para conversar.
Certa noite não conseguia dormir, quando o sono veio foi desperto por um inferior. Um oficial do Itamarati vinha sortear a “turma do Boqueirão”, aqueles prisioneiros que seriam assassinados, por vingança.
Policarpo levou o choque decisivo: ele assistia "ao sinistro alicerçar do regime". Quaresma ao presenciar tamanha carnificina, escreve um texto protestando contra o que acabara de ver e enviou-o ao Marechal Floriano.
Foi preso e encarcerado na Ilha das Cobras, em cuja masmorra reflete sobre o seu estranho destino.
Grande desilusão sofria ao perceber que havia perdido toda a existência em favor de um sonho ou utopia.
Era essa a recompensa que recebia da Pátria, por tê-la amado tanto, por ter-lhe ofertado toda a sua vida, renunciando a tudo...
Lembrava dos estudos. Questionava a si mesmo qual a valia daqueles estudos. Saber os nomes dos rios. Gloriar os grandes homens. Dizer aos quatro cantos a bonança da sua pátria. Derrotado e preso iria morrer e não teria sequer um amigo ou ente no funeral. A política sempre fora a mesma. O governo usava da força para oprimir e impor o poder. Sabia que jamais voltaria a rever sua afilhada, sua irmã, seu empregado Anastácio e o grande amigo Ricardo Coração dos Outros.

“Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara – todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara.
Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem...Em que lhe contribuíra para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada...O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas cousas de tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas...Restava disso tudo em sua alma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!”
O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o a loucura. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes como diziam os livros... "E onde estava a doçura de nossa gente?" "Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros?” "A sua vida era um encadeamento de decepções." "A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete". "A que existia, de fato era a do tenente Antônio, do Dr. Campos, a do homem do Itamarati".

Quaresma não sabia que Ricardo corria aos quatro cantos na tentativa de salvá-lo. Todos os antigos amigos viravam-lhe às costas estavam preocupados em galgar privilégios com o novo governo. A guerra tirou de Coração dos Outros a alegria que cantava no outrora. Tudo agora era seco e sem flor. Lembrou-se de Olga. Foi à residência da moça na tentativa de convencê-la a ir ver o padrinho. Olga discute com o marido e vai tentar falar com o Marechal, cercado então, de bajuladores. Não conseguiu e falou com um secretário de Floriano a respeito de Quaresma, foi insultada.
"Quaresma? Aquele traidor? O Marechal não a atenderá". Olga lhe deu as costas, arrependida por ter vindo. "Com tal gente, era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho que diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos seus algozes que eles tinham direito de matá-lo".

Saiu e andou. Olhou o céu, os ares, as árvores de Santa Teresa, e se lembrou que, poe estas terras, já tinham errado tribos selvagens, das quais um dos chefes se orgulhava de ter no sangue o sangue de dez mil inimigos. Fora há quatro séculos. [..]“Esperemos mais”, pensou ela; e seguiu serenamente ao encontro de Ricardo Coração dos Outros.

XII – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

- Crítica ao funcionalismo público e a burocracia: na dificuldade em se "liquidar uma aposentadoria"; no ambiente nivelador e anônimo; na corrupção para se obter promoção e nas manobras do "especialista" Genelício.

- Política brasileira: os "golpes" nos adversários; a política rasteira, de fofocas, perseguições; a utilização do cipoal de leis, decretos, portarias em vinganças mesquinhas contra os desafetos, desestimulando as iniciativas e a produção...

- A política de colonização, com abandono dos brasileiros e favorecimento dos imigrantes: as taxas e impostos que esmagavam o produtor agrícola, deixado, por outro lado, as mãos dos atravessadores monopolistas. O ensino brasileiro, incapaz de formar doutores que pudessem combater uma simples peste de galinheiro...

- A desigualdade social e o atraso cultural interiorano: "O que mais a impressionou foi à miséria geral, a falta de cultivo, a pobreza das casas, o ar triste, abatido, da gente pobre". "Por que ao redor dessas casas, não havia culturas, uma horta, um pomar? Não seria tão fácil, trabalho de horas?"
"De resto, a situação geral que o cercava, aquela miséria da população campestre que nunca suspeitara, aquele abandono de terras a improdutividade, encaminhavam sua alma de patriota meditativo a preocupações angustiosas. Via o Major com tristeza não existir naquela gente humilde sentimento de solidariedade, de apoio mútuo. Não se associavam para cousa alguma..."

- A República e o positivismo, em particular, do qual eram adeptos os "pais da República", e asperamente estigmatizado, no seu culto à falsa ordem, a tirania, a ditadura, ao próprio regime, como se este fosse à chave da felicidade geral da humanidade. O Mal. Floriano e o seu governo são impiedosamente dissecados: a apatia e a falsa auréola do Marechal, a bajulação que o cercava; as perseguições aos adversários, as prisões; a corrida interesseira para se colherem os frutos da rebelião da esquadra: promoções, patentes, comissões extras.

- O status e o poder do “diploma”, vistos em Cavalcanti, na festa do pedido de casamento, e cercado por uma turma de basbaques, quase a adorá-lo como a um deus, pela simples razão de ter concluído o curso de Odontologia e em Armando Borges, formado, passando a conversar "pausadamente, sentenciosamente, dogmaticamente", revirando no dedo o seu anelam, para marcar a infinita distancia que o separava de Quaresma. Ele resistia à idéia de ir visitar o padrinho da esposa, "gente sem fortuna e sem título, de outra esfera".

- Os casamentos interesseiros da burguesia - o esforço de Albernaz para levar a bom termo o casamento das filhas. O casamento de Quinota com Genelício: "Creio que casei bem minha filha..." Armando Borges meditando a sua ascensão social e financeira pelo matrimônio. A educação errada das mulheres para o casamento, como se fosse o sentido da vida - o que explica o drama de Ismênia.

- A loucura abordada na obra remetendo a ruptura entre o sonho e a realidade e a experiência amarga e a convivência do autor com a deficiência mental.

- A manipulação da imprensa: atacada na campanha de insultos, troças e zombarias promovida contra o major Quaresma, no episódio do tupi, língua brasileira: "Não ficaram nisso; a curiosidade malsã quis mais. Indagou-se quem era, de que vivia, se era casado, se era solteiro. Uma ilustração semanal publicou-lhe a caricatura e o Major foi apontado na rua. Os pequenos jornais alegres, esses semanários de espírito e troça, então! eram de um encarniçamento atroz com o pobre major. Com uma abundância que marcava a felicidade dos redatores em terem encontrado um assunto fácil, o texto vinha cheio dele..."

- Crítica a formalidade linguística: a "charge" do Dr. Armando Borges escrevendo seus artigos em "língua comum" e depois, traduzindo-os para o “clássico" mediante alguns truques e o famoso requerimento de Quaresma pedindo a oficialização do tupi não deixa de dar também uma alfinetada:
“...certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, aliás, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante a correção gramatical...”

- Religiosidade e superstições: em duas ocasiões especiais, são mencionadas e satirizadas: nos esforços de Albernaz para curar Ismênia, recorrendo a espíritas, médiuns e feiticeiros ex-escravos; e na descrição de Sinhá Chica e seus "dotes".

- O romance não termina, depois de tudo, no desespero: "esperemos mais", é o último pensamento sereno de Olga, que na verdade, reflete o pensamento do próprio autor.

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