domingo, 20 de junho de 2010

ENTREVISTA IMAGINÁRIA COM MACHADO DE ASSIS

Texto de Davi Fazzolari


1. Chega-nos o novo romance e já se fazem ouvir os primeiros comentários. Tens expectativas claras, Sr. Machado, acerca do que se vai publicar sobre “Dom Casmurro”?

MACHADO DE ASSIS: (aparentemente sem dar muita importância a essa primeira pergunta) Sente-se mais comodamente, meu rapaz, não queremos que lhe doam as espáduas.

2. Notamos no romance a constante estratégia de conversar com o “amigo leitor”, durante a narrativa. O estilo deu o que falar nos dois volumes anteriores. Refiro-me a “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Quincas Borba”. Repete a fórmula para garantir o sucesso?

MACHADO DE ASSIS: Vens falar-me em popularidade, num país que não lê! Não se trata de fórmula do sucesso, creio que tinha razão o Brás quando apresentou seu livrinho. O que se passa com a estrutura do novo romance é uma vez mais o correr da pena da galhofa com a tinta da melancolia...

3. Podemos concluir com isso que “Dom Casmurro” será uma continuação para o “Brás Cubas” e para o “Quincas Borba”?

MACHADO DE ASSIS: Ora, melhor deixar esses dois repousarem em suas eternidades. “Dom Casmurro” está pronto para a vida. Bem, é verdade que o estilo fará o leitor lembrar do Brás, mas, afinal, posso lembrar de uma polca quando ouço outra do mesmo maestro. Aliás, polca não: uma moda. Uma moda do Domingos.

4. Suas narrações estão sempre associadas ao grupo mais abastado de nossa sociedade. Contudo D. Plácida ou Prudêncio, sem contar, é claro, com o Quincas, quando dormia nas escadarias da Igreja. Agora, em “Dom Casmurro”, essa Capitu parece dar outro destino a sua origem humilde. Mudança de perspectiva, Sr. Machado? Será um “mea culpa” e a redenção de Marcela?

MACHADO DE ASSIS: Não, não, de modo algum. Capitu não deve nada a Marcela e nem Marcela, pobre alma, cobraria algo de seu pai que já não tivesse lhe sido dado. Não, não. Capitu vai cumprir seu próprio destino. Olha para o mundo de um modo novo. É alguém que já vislumbra o século em que entramos. Mas deixe disso, intrometido, os leitores que a dormem...se conseguirem (rindo sem disfarçar).

5. Está bem, mudemos então o tema. O elogioso artigo que escreveu ao Alencar sobre sua “Iracema” voltou a ser lido, agora, como uma de suas estranhas contradições. Respeitou mesmo o texto, escreveu-o para contrariar os demais ou foi irônico àquela altura?

MACHADO DE ASSIS: Alencar possuía a pena mais firme de nossa prosa, reafirmo. Ninguém de sua estatura necessitaria de uma meia página para afirmar-lhe a condição de grande escritor que a obra lhe confere à larga. Acredito sinceramente, e fui sincero também quando escrevi o artigo, que “Iracema” será lido nos séculos XX, XXI e até mais...caso melhores, evidentemente, a qualidade de nosso leitor.

6. Não perde a oportunidade de cutucar o leitor?

MACHADO DE ASSIS: Nem perco, nem ganho...

7. Nem míngua, nem sobra?

MACHADO DE ASSIS: Andou estudando, meu rapaz...?

8. Só mais uma curiosidade e levo já daqui a amolação...

MACHADO DE ASSIS: (interrompendo) Não conseguiria.

9. Falo agora como um seu leitor assíduo. A morte por afogamento que lemos no novo romance é uma referência verossímil e faz-nos pensar...

MACHADO DE ASSIS: (interrompendo mais uma vez, já impaciente) Insinuas que me refiro ao Manuel*, não é memsmo? É uma observação interessante. Tomo nota, mas não respondo. Uma nota triste, mas interessante. (levantou-se, fitou o horizonte alongamente, pela janela, e lançou de pronto) O jovem não lê, por acaso, a língua dos czares? (voltou a olhar pela janela, como se este repórter já não estivesse ali) Acho que hoje chove.

* Manuel Antônio de Almeida, que, segundo alguns biógrafos, teria introduzido Machado de Assis, ainda menino, no mundo das letras.

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