“Para mim não haveria sentido em escrever se a escrita fosse apenas
uma expressão autocentrada. Escreve-se para comunicar, dividir, compartilhar
experiências e emoções e assim, a tônica desse processo é sempre o outro. Ao
escritor cabe a tarefa de observar o mundo e então, transpor a experiência da
observação por meio das palavras. Logicamente é uma expressão subjetiva, mas
que diz do mundo para tentar iluminar – filosoficamente, psicologicamente,
socialmente – a experiência humana com suas fragilidades e forças, com suas
convicções e incertezas. A literatura é um veículo potente para a ampliação da
percepção das essencialidades da Vida – não só humana. ”
I – AUTORA:
- Literatura contemporânea paranaense
- Segundo lugar na categoria Poesia no 59º Prêmio Jabuti (2017), o
mais tradicional prêmio literário brasileiro
- Autora curitibana
- Mais de 20 obras publicadas
- Transita por vários gêneros literários, mas escreve
principalmente poesia e contos
- Escritora e professora aposentada do Departamento de Letras e
Literatura da UFPR (Universidade Federal do Paraná)
- Também com formação em música (percussão e piano)
II
– TÍTULO:
- Algo é um pronome indefinido e diz
sobre alguma coisa indeterminada, que não se pode definir com precisão
“A Palavra Algo já nos dá uma pista
imensa do que vai ser apresentado para gente. ‘Algo’ é um pronome indefinido,
diz sobre uma coisa indeterminada, o título nos dá uma pista que ali no livro
ela vai tratar de coisas que nos escapam, mas que é perseguido via palavra, via
linguagem”, menciona.
- O título já nos dá pistas de que ali,
no livro, será tratado de alguma coisa que escapa, mas que é perseguida pela
poeta nos poemas, via palavra. Algo de indeterminado, indefinido, que foge das
mãos, cujo entendimento total se esquiva
- O próprio título também é uma
brincadeira com a ambiguidade: o livro não é sobre a palavra “algo” em si, mas
sobre a dimensão da palavra, do escrever, da criação literária, principalmente
da poesia, que toca muitas vezes em coisas não definíveis objetivamente
existem coisas que eu
digo / no meio das coisas que escondo
vigoram
silêncios imensos / no meio de certos estrondos
resistem
horas inteiras / em meio a meio minuto
e
dias e noites valendo / aquele real absurdo
e até
o porto seguro é de um remanso relativo
que
um lance de dados insiste / no seio do absoluto [...]
Algo aqui neste livro se faz, tanto
quanto se diz. De que espécie será essa alguma coisa – essa coisa alguma? O que
será o mistério “que reaparece / nesse aqui / sem nem sê-lo”? Como pode haver
tais haveres que nem sequer são, como um pássaro que inadvertidamente transita
por um “curso intransitivo”?
III
– CARACTERÍSTICAS:
- Composto por 47 poemas de formas
diversas
- Collin usa referências de outros
autores e brinca com a intertextualidade para conduzir para uma mensagem única.
- Trabalho
poético com a linguagem, poemas que afirmam justamente a partir de uma tenaz
negação. O próprio título exprime a ambivalência de um afirmar negando, que
parece orientar – ou pelo menos sugerir.
- Influências do romantismo, simbolismo,
modernismo e neoconcretismo.
- Metalinguagem: as palavras não têm
importância, são apenas instrumentos para nos referirmos a algo.
- Cotidiano: a poesia vê a beleza
imaginária do mundo com outros olhos, libertadora
- Linguagem culta e elaborada (palavras
raras); quebra sintática das frases; as vezes linguagem coloquial (homenagem ao
modernismo e a poesia marginal)
- Imagens surrealistas; enumeração
caótica (mostrar variedade e complexidade); figuras de linguagem; musicalidade;
poemas herméticos (difíceis de interpretar)
- Subjetividade: dificuldade de
comunicação com a pessoa amada (diálogo difícil com o outro)
- Tom sarcástico, irônico e negativo (crítica
a frieza do mundo atual)
- Desacerto:
as ações humanas e o mundo estão descompassados de seus propósitos e não
funcionam mais
DEVERAS
o poeta finge
e enquanto isso
cigarras estouram
pontes caem
azaleias claudicam
édipos ressonam
vacinas vencem
a bolsa quebra e
o poeta finge
e enquanto isso
vagalhões explodem
o pão adoce
astros desviam-se
manadas inteiras se perdem
a noite range
o vento derruba ninhos e
o poeta finge
e enquanto isso
vozes racham
veias entopem
galeões afundam
medeias abatem crias
turvam-se as corredeiras
o sapato aperta e
o poeta finge
que as mãos cheias de súbitos
não são as suas
(Luci Collinem A palavra algo, p. 11)
“AUTOPSICOGRAFIA”, FERNANDO PESSOA
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Fernando Pessoa em “Poesias”)
- Poema que abre o livro e anuncia um
pouco de tudo o que está por vir: bagagem literária, referências mais clássicas
(medeias, édipos) misturadas a assuntos do cotidiano (o sapato aperta).
- “DEVERAS” (advérbio) = A palavra
deveras deriva da junção da preposição “de”, e “veras”, feminino plural de
veros, com o sentido de verdadeiro.
- Utilizado para dar ênfase, destacar ou
realçar o teor verdadeiro daquilo que se fala; de fato, enquanto o poeta finge,
liberta o poeta da obrigação de reproduzir a realidade, abre espaço para a
imaginação.
- “O poeta é um fingidor” = a poesia não necessariamente
se envolve diretamente com o autor (subjetividade, vivência do poeta) e com os
acontecimentos (objetividade, cotidiano).
- Repetição: dá a ideia de que, apesar de tudo, das coisas todas, das dores todas, o poeta continua fingindo, continua escrevendo, continua fazendo poesia...
“MEUS
OITO ANOS”
AURORA DA MINHA VIDA
ORA IDA
OS ANOS TRAZEM AIS
(Luci Collinem A palavra algo, p. 67)
“MEUS OITO ANOS”, DE CASIMIRO DE ABREU
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
[...]
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