A obra “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”, Ailton
Krenak, escritor indígena, líder ativista ambiental e membro da Academia
Brasileira de Letras, é composta por uma adaptação de duas palestras e uma
entrevista proferidas em Portugal, nos anos 2017 e 2019.
O livro é dividido em três partes: “Ideias
para adiar o fim do mundo”, que dá nome à obra; “Do sonho e da terra”; e, por
último, “A humanidade que pensamos ser”. Em entrevista a Massuela e Weis
(2019), Krenak afirma que “estamos num fim de mundo. Pelo menos desse mundo que
todo mundo acha que pode saquear”. E questiona: “quantas Terras vamos ter que
consumir até essa gente entender que está no caminho errado?”.
Ailton Krenak marcou presença nacional em
1987, quando protestou publicamente na Assembleia Nacional Constituinte, em
Brasília, em defesa dos direitos dos povos originários, pintando seu rosto com
tinta preta de jenipapo, como forma de manifesto político. Em 2000, Krenak recusou
o convite para integrar-se às celebrações dos 500 anos da descoberta do Brasil,
afirmando não se tratar de uma comemoração brasileira.
A obra “Ideias Para
Adiar o Fim do Mundo” inicia com um desabafo confessional sobre sua contrariedade
de viajar a Portugal, por “razões afetivas e históricas”.
Em 2017, entretanto, aceitou o convite de
Eduardo Viveiros de Castro para participar de algumas atividades em um evento
ibero-americano de cultura, em Lisboa, entre eles a exibição de um documentário
“Ailton Krenak e o sonho da pedra”, dirigido Marco Altberg.
O filme desencadeou reflexões a respeito da
forma como a “humanidade” foi pensada e as consequências desastrosas que
levaram esse processo, inclusive com uso de violência.
O autor parte do princípio de que os
colonizadores europeus, com o falso discurso de superioridade, detentores de
uma “humanidade esclarecida” deveriam espalhar “luz” a quem julgavam por
“humanidade obscurecida”, postura que impôs violentamente o silêncio da
trajetória dos nossos povos originários, considerados incivilizados, com o
objetivo de integrá-los ao “grupo da humanidade”.
Krenak, em sua obra, alerta para os desafios
dos dias atuais, perante as questões ambientais, da ameaça à sobrevivência da
humanidade e de sua diversidade na Terra, e convida a refletir se “somos mesmo
uma humanidade?”
Em
seguida, enumera algumas instituições como o Banco Mundial, Organização dos
Estados Americanos (OEA), e Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), que deveriam defender a “Natureza”, muitas vezes,
erroneamente, induzem a acreditar que os avanços da modernização são sinônimos
de “Humanidade” na tentativa de “justificar o assalto que fazem à nossa ideia
de natureza”. Esta afirmação é imprescindível para repensar os desdobramentos
que ocorreram a partir do conceito criado sobre “humanidade”, que resultou em
deslocamento físico e social, desterritorialização, maiores desigualdades
sociais, perda da memória ancestral, a identidade e levando a autodestruição da
vida humana.
Esses questionamentos constituíram o
alicerce temático da palestra provocativa de Krenak na UnB – Universidade de
Brasília, de maneira irônica e dialógica, sobre desenvolvimento sustentável, intitulada
“Ideias para adiar o fim do mundo”, que posteriormente, daria título a publicação
da obra homônima.
A palestra alerta que fomos alienados a traçar
um paralelo entre os conceitos de Terra e Humanidade, tratando-as de formas
distintas, como fonte de recursos para a satisfação das necessidades humanas.
Entretanto, Krenak discorda desse dualismo, afirmando que uma está dentro da
outra, “tudo é natureza” e exemplifica através da história de um pesquisador
europeu do começo do século XX, que estava nos Estados Unidos e chegou a um
território de Hopi, para entrevistar uma anciã e a encontrou conversando com
uma rocha, que dizia ser sua irmã. Essa narrativa remete ao vínculo direto que os
indígenas têm com a natureza e a ancestralidade, e como é impossível conceber
uma humanidade sem a conexão e comunhão com a terra.
Na sequência, o autor narra os
acontecimentos trágicos que marcaram a aldeia Krenak, no Vale do Rio Doce: a
degradação da extração mineral; o abandono da atividade agrícola e a restrição
do seu território em virtude das invasões, destruindo a vida dos que viviam em
sua extensão. Relata que cresceu sabendo que aquela serra chamava Takukrak, que
tinha vida, personalidade e se expressava.
Cita várias regiões, onde a natureza é
considerada um lugar sagrado, de onde os indígenas não só retiram a
sustentação, a sobrevivência; mas, também orientação, inspiração, proteção,
salvamento e amparo para resolver questões práticas da vida.
Grandes incorporações e países do mundo
moderno, entretanto, utilizam da visão de humanidade para explorar a terra,
transformá-la em mercadoria com a disfarce de progresso, alienando seus
habitantes, levando-os a viverem em ambientes artificiais, para que possam
devorar as florestas, montanhas e rios.
O
distanciamento do homem da terra, faz com que ele passe a vivenciar uma situação
de abstração civilizatória, impedido de exercer a sua
própria cidadania, transformando a humanidade em “humanidade zumbi”, sem
prazer de viver, de dançar e de cantar.
Os únicos que ainda sobrevivem a esta
desumanização são os grupos dos índios, caiçaras, quilombolas, aborígenes
classificados como sub-humanidade, que lutam e resistem pela preservação da
terra, provocando conflitos com as corporações, que defendem, que “suprime a
diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos
[23]. Pensamento esse, que desfigura e anula todas as outras humanidades,
ampliando espaços para uma sociedade consumista,
que explora a natureza visando acúmulo de capital.
O mundo moderno, dessa forma, além de
destruir a natureza, extingue toda a nossa subjetividade, transformando-nos em
objetos padronizados.
Krenak faz referências à obra “A queda do
céu: palavras de um xamã yanomami” (2015), do líder yanomami David Kopenawa e
do antropólogo francês Bruce Albert, pela luta pela sobrevivência, manutenção e
permanência de sua cultura.
De acordo com Krenak, sua conversa com aquelas
pessoas é “contar mais uma história” para adiar o fim do mundo, para isso é
necessário rever conceitos, padrões, práticas sociais e políticas e resgatar a
nossa singularidade, ancestralidade, nossas raízes e reconhecer nossas diversidades.
O autor propõe uma atitude de resistência para “quando você sentir que o céu
está ficando muito baixo, é só empurrá-lo e respirar”, portanto, através de criatividade,
criando “paraquedas coloridos”, pensamento crítico e luta para resistir à
atrocidade da homogeneização que disfarçadamente denominam “humanidade”.
O
palestrante afirma que no ano de 2018, o Brasil estava prestes a sofrer mais
uma derrocada e foi questionado “como os índios vão fazer diante disso tudo?”
Krenak responde que os povos indígenas, desde o período da colonização até os
dias atuais resistem à sua destruição, violência e aos processos de ocupação, e
para preservarem a tradição, costumes, seu espaço e suas subjetividades, sempre
lutaram e continuaram resistindo.
O autor conclui que uma das “ideias para
adiar o fim do mundo” é “suspender o céu”, para enxergarmos mais longe,
livremente, respeitando nossas subjetividades e não deixar nos corromper por
ideias de consumo que só nos afastam da terra-mãe.