sábado, 27 de janeiro de 2024

“Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”, 2019, Ailton Krenak

 

   A obra “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo”, Ailton Krenak, escritor indígena, líder ativista ambiental e membro da Academia Brasileira de Letras, é composta por uma adaptação de duas palestras e uma entrevista proferidas em Portugal, nos anos 2017 e 2019.

   O livro é dividido em três partes: “Ideias para adiar o fim do mundo”, que dá nome à obra; “Do sonho e da terra”; e, por último, “A humanidade que pensamos ser”. Em entrevista a Massuela e Weis (2019), Krenak afirma que “estamos num fim de mundo. Pelo menos desse mundo que todo mundo acha que pode saquear”. E questiona: “quantas Terras vamos ter que consumir até essa gente entender que está no caminho errado?”.

   Ailton Krenak marcou presença nacional em 1987, quando protestou publicamente na Assembleia Nacional Constituinte, em Brasília, em defesa dos direitos dos povos originários, pintando seu rosto com tinta preta de jenipapo, como forma de manifesto político. Em 2000, Krenak recusou o convite para integrar-se às celebrações dos 500 anos da descoberta do Brasil, afirmando não se tratar de uma comemoração brasileira.

   A obra “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo” inicia com um desabafo confessional sobre sua contrariedade de viajar a Portugal, por “razões afetivas e históricas”.

   Em 2017, entretanto, aceitou o convite de Eduardo Viveiros de Castro para participar de algumas atividades em um evento ibero-americano de cultura, em Lisboa, entre eles a exibição de um documentário “Ailton Krenak e o sonho da pedra”, dirigido Marco Altberg.

   O filme desencadeou reflexões a respeito da forma como a “humanidade” foi pensada e as consequências desastrosas que levaram esse processo, inclusive com uso de violência.

   O autor parte do princípio de que os colonizadores europeus, com o falso discurso de superioridade, detentores de uma “humanidade esclarecida” deveriam espalhar “luz” a quem julgavam por “humanidade obscurecida”, postura que impôs violentamente o silêncio da trajetória dos nossos povos originários, considerados incivilizados, com o objetivo de integrá-los ao “grupo da humanidade”.

   Krenak, em sua obra, alerta para os desafios dos dias atuais, perante as questões ambientais, da ameaça à sobrevivência da humanidade e de sua diversidade na Terra, e convida a refletir se “somos mesmo uma humanidade?”

Em seguida, enumera algumas instituições como o Banco Mundial, Organização dos Estados Americanos (OEA), e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que deveriam defender a “Natureza”, muitas vezes, erroneamente, induzem a acreditar que os avanços da modernização são sinônimos de “Humanidade” na tentativa de “justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza”. Esta afirmação é imprescindível para repensar os desdobramentos que ocorreram a partir do conceito criado sobre “humanidade”, que resultou em deslocamento físico e social, desterritorialização, maiores desigualdades sociais, perda da memória ancestral, a identidade e levando a autodestruição da vida humana.

   Esses questionamentos constituíram o alicerce temático da palestra provocativa de Krenak na UnB – Universidade de Brasília, de maneira irônica e dialógica, sobre desenvolvimento sustentável, intitulada “Ideias para adiar o fim do mundo”, que posteriormente, daria título a publicação da obra homônima.

   A palestra alerta que fomos alienados a traçar um paralelo entre os conceitos de Terra e Humanidade, tratando-as de formas distintas, como fonte de recursos para a satisfação das necessidades humanas. Entretanto, Krenak discorda desse dualismo, afirmando que uma está dentro da outra, “tudo é natureza” e exemplifica através da história de um pesquisador europeu do começo do século XX, que estava nos Estados Unidos e chegou a um território de Hopi, para entrevistar uma anciã e a encontrou conversando com uma rocha, que dizia ser sua irmã. Essa narrativa remete ao vínculo direto que os indígenas têm com a natureza e a ancestralidade, e como é impossível conceber uma humanidade sem a conexão e comunhão com a terra.

   Na sequência, o autor narra os acontecimentos trágicos que marcaram a aldeia Krenak, no Vale do Rio Doce: a degradação da extração mineral; o abandono da atividade agrícola e a restrição do seu território em virtude das invasões, destruindo a vida dos que viviam em sua extensão. Relata que cresceu sabendo que aquela serra chamava Takukrak, que tinha vida, personalidade e se expressava.  

   Cita várias regiões, onde a natureza é considerada um lugar sagrado, de onde os indígenas não só retiram a sustentação, a sobrevivência; mas, também orientação, inspiração, proteção, salvamento e amparo para resolver questões práticas da vida.

   Grandes incorporações e países do mundo moderno, entretanto, utilizam da visão de humanidade para explorar a terra, transformá-la em mercadoria com a disfarce de progresso, alienando seus habitantes, levando-os a viverem em ambientes artificiais, para que possam devorar as florestas, montanhas e rios.

O distanciamento do homem da terra, faz com que ele passe a vivenciar uma situação de abstração civilizatória, impedido de exercer a sua própria cidadania, transformando a humanidade em “humanidade zumbi”, sem prazer de viver, de dançar e de cantar.

   Os únicos que ainda sobrevivem a esta desumanização são os grupos dos índios, caiçaras, quilombolas, aborígenes classificados como sub-humanidade, que lutam e resistem pela preservação da terra, provocando conflitos com as corporações, que defendem, que “suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos [23]. Pensamento esse, que desfigura e anula todas as outras humanidades, ampliando espaços para uma sociedade consumista, que explora a natureza visando acúmulo de capital.

   O mundo moderno, dessa forma, além de destruir a natureza, extingue toda a nossa subjetividade, transformando-nos em objetos padronizados.

   Krenak faz referências à obra “A queda do céu: palavras de um xamã yanomami” (2015), do líder yanomami David Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert, pela luta pela sobrevivência, manutenção e permanência de sua cultura.

   De acordo com Krenak, sua conversa com aquelas pessoas é “contar mais uma história” para adiar o fim do mundo, para isso é necessário rever conceitos, padrões, práticas sociais e políticas e resgatar a nossa singularidade, ancestralidade, nossas raízes e reconhecer nossas diversidades. O autor propõe uma atitude de resistência para “quando você sentir que o céu está ficando muito baixo, é só empurrá-lo e respirar”, portanto, através de criatividade, criando “paraquedas coloridos”, pensamento crítico e luta para resistir à atrocidade da homogeneização que disfarçadamente denominam “humanidade”.

O palestrante afirma que no ano de 2018, o Brasil estava prestes a sofrer mais uma derrocada e foi questionado “como os índios vão fazer diante disso tudo?” Krenak responde que os povos indígenas, desde o período da colonização até os dias atuais resistem à sua destruição, violência e aos processos de ocupação, e para preservarem a tradição, costumes, seu espaço e suas subjetividades, sempre lutaram e continuaram resistindo.

   O autor conclui que uma das “ideias para adiar o fim do mundo” é “suspender o céu”, para enxergarmos mais longe, livremente, respeitando nossas subjetividades e não deixar nos corromper por ideias de consumo que só nos afastam da terra-mãe.