“TERRA SONÂMBULA”, MIA COUTO
ANÁLISE CRÍTICA LITERÁRIA
PROFª. Valéria Pisauro
1. MISTURA DE REALIDADE E FANTASIA DE FORMA MÁGICA: ENTRELAÇAMENTO
ENTRE A TRADIÇÃO E O MODERNO.
- REALIDADE: A GUERRA CIVIL, O CAMPO DE REFUGIADOS, AS SEQUELAS
DO COLONIALISMO
- FANTASIA
(MÍTICO OU SIMBÓLICO): UM
RIO CRIADO PELO HOMEM; UM HOMEM QUE SE CONVERTE EM SEMENTE; OS NAPARAMAS; OS
MORTOS QUE INTERFEREM NO ESPAÇO DOS VIVOS.
2. ORALIDADE: PERPETUA A TRADIÇÃO QUE FAZ NASCER O FUTURO SONHADO.
- SE KINDZU APRENDE OUVINDO AS
HISTÓRIAS DE SEU PAI E DOS OUTROS NARRADORES DA SUA VIAGEM, MUIDINGA APRENDE
REPETINDO AS LIÇÕES DE KINDZU E TUAHIR APRENDE ESCUTANDO MUIDINGA.
- ASSIM, COMO O SONHO FAZ VIVER A ESTRADA, É O CONTAR DAS HISTÓRIAS QUE CRIA OS SONHOS.
- TUAHIR E MUIDINGA SÃO AO MESMO TEMPO NARRADOR E OUVINTE.
- MUIDINGA É TAMBÉM LEITOR, ASSIM COMO O LEITOR DA OBRA, OUVINTE E SONHADOR DESSA NARRATIVA.
- ESSE CONTAR É FEITO RITUALISTICAMENTE À BEIRA DA FOGUEIRA, COMO NAS COMUNIDADES ARCAICAS.
3. A BUSCA POR SUA IDENTIDADE:
- MUIDINGA PERDE A MEMÓRIA; É RESSUSCITADO POR TUAHIR E NASCE NOVAMENTE (GASPAR).
-
MUIDINGA É A SEMENTE PLANTADA NAS PÁGINAS DE KINDZU; BUSCAVA SUA ORIGEM, SUA
IDENTIDADE.
- KINDZU: O SONHO DE SE TORNAR UM NAPARAMA CONDUZ A UMA VIAGEM EM BUSCA DO IDEAL, DO SONHO, COMO TAMBÉM, UMA FUGA DE SUA ALDEIA, NA QUAL SE SENTIA ASFIXIADO.
- TRATA-SE DE UMA VIAGEM INICIÁTICA, DE APRENDIZAGEM DAS SUAS RAÍZES CULTURAIS, DE UM MUNDO REPRESENTADO POR SEU PAI, O QUAL ELE NUNCA SOUBERA COMPREENDER.
- OS NAPARAMAS ERAM GUERREIROS QUE LUTAVAM NO CONFLITO EM FAVOR DA POPULAÇÃO CIVIL. NÃO TOMARAM PARTE NEM DA RENAMO, NEM DA FRELIMO E ALGUMAS PESSOAS CHEGAM A DUVIDAR DA VERDADEIRA EXISTÊNCIA DESSE GRUPO.
- DE ACORDO COM MIA COUTO: “ERAM GUERREIROS TRADICIONAIS, ABENÇOADOS PELOS FEITICEIROS, QUE LUTAVAM CONTRA OS FAZEDORES DA GUERRA. NAS TERRAS DO NORTE ELES TINHAM TRAZIDO A PAZ. COMBATIAM COM LANÇAS, ZAGAIAS, ARCOS. NENHUM TIRO LHES INCOMODAVA, ELES ESTAVAM BLINDADOS, PROTEGIDOS CONTRA BALAS. “
4. TUHAIR (PASSADO/TRADIÇÃO) E MUIDINGA (FUTURO/MODERNIDADE):
- VELHO E CRIANÇA CAMINHAM LADO A LADO E O
CONHECIMENTO É O ÚNICO CAMINHO PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA NAÇÃO: RESGATE DA
HUMANIDADE E DE ESPERANÇA NO FUTURO.
- FORMA-SE UMA COMUNHÃO ENTRE SOBREVIVENTES DE UM CAMPO DE REFUGIADOS, SERES FUGIDOS DA GUERRA, QUE BUSCAM A PAZ, O REENCONTRO E A RENOVAÇÃO DE SI MESMOS.
- MUIDINGA: INTELIGÊNCIA, AQUELE QUE DETÉM O
CONHECIMENTO DO NOVO.
- TUAHIR: SABEDORIA; CONTINUIDADE DA TRADIÇÃO.
- OS DESLOCADOS DE GUERRA CAMINHAM POR UMA ESTRADA,
ONDE KINDZU JAZ MORTO. SÃO RETRATADOS COMO SUJEITOS PERDIDOS NO TEMPO E NO
ESPAÇO E COM POUCA ESPERANÇA.
5. O NAVIO ENCALHADO:
- SIMBOLIZA SONHOS IMPOSSÍVEIS, UMA VEZ QUE SE ENCONTRA ABANDONADO COMO UM NAVIO FANTASMA.
- ALÉM DISSO, “A METÁFORA DO BARCO À DERIVA, SÍMBOLO DA MORTE, REPRESENTA O SENTIMENTO DE DER (ROTA).
6. MISCIGENAÇÃO E PRECONCEITO: O DESPREZO E A INTOLERÂNCIA RACIAL AOS ESTRANGEIROS.
- ESSA PRÁTICA FOI MUITO COMUM EM MOÇAMBIQUE NO PÓS-INDEPENDÊNCIA,
AGRAVADA NA GUERRA CIVIL.
- O ESTRANGEIRO É VISTO COMO ESTRANHO E IDENTIFICADO COMO UM EXPLORAR: AFONSO; SURENDRA; KINDZU; FARIDA; ROMÃO; ASSMA E VIRGÍNIA.
- A QUESTÃO É TRATADA EM VÁRIOS MOMENTOS:
1. O PASTOR E PROFESSOR AFONSO, PORTUGUÊS:
É ASSASSINADO E SUA ESCOLA QUEIMADA.
2. SURENDRA, INDIANO: COMERCIANTE, CHAMADO PEJORATIVAMENTE DE MONHÉ. ELE E SUA ESPOSA SÃO RETRATADOS EM SITUAÇÕES HUMILHANTES.
- REPROVA A VISÃO PRECONCEITUOSA DE MUNDO E SUGERE
QUE SE OBSERVEM OS SONHOS E AS INTENÇÕES DAS PESSOAS MAIS DO QUE SUA RAÇA.
- QUEM ABANDONA OS SEUS EM BUSCA DE RIQUEZA E
PODER, DEVE SER VISTO COM DESCONFIANÇA, MAS QUEM BUSCA UMA VIDA MELHOR NÃO É
NECESSARIAMENTE AMEAÇADOR.
7. ROMÃO PINTO X FARIDA E SALIMA:
- ROMÃO X FARIDA: O ABUSO E O PODER DO COLONIZADOR SOBRE O COLONIZADO.
- FARIDA É A TERRA A SER RASGADA PELA FÚRIA E COBIÇA DO PORTUGUÊS; MÃE DE
MUIDINGA.
- ROMÃO X SALIMA: APETITE SEXUAL E A PUNIÇÃO.
8. O RETORNO DE ROMÃO PINTO:
- APÓS MAIS DE DEZ ANOS, ROMÃO RETORNA DO MUNDO DOS
MORTOS E NÃO PERDE A AUTORIDADE;
- ELEMENTOS CÔMICOS:
1. SAPATOS ROUBADOS (CIVILIDADE, STATUS);
2. FORMIGAS – CADÁVER;
3. DOAÇÃO DE SEU PRÓPRIO CAIXÃO PARA O POVO (ATITUDE PRÓPRIA DOS POLÍTICOS QUE SE GABAM DE DAR DONATIVOS AOS NECESSITADOS).
9. OS PARES/DUPLICIDADE:
1. CAROLINDA E FARIDA: IRMÃS GÊMEAS INIMIGAS
2. TUAHIR E TAÍMO: PERDERAM A ESPERANÇA NA VIDA E DESACREDITARAM NO SER HUMANO.
3. ASSMA E VIRGÍNIA: VIÉS DO DISTANCIAMENTO E DA LOUCURA
4. MUIDINGA E KINDZU
10. AS MULHERES:
1. DETERMINADAS: FARIDA E TIA EUZINHA.
2. SUBMISSA: ASSMA, VIRGÍNIA, MÃE DE KINDZU E DE FARIDA.
3. MARGINALIDADE: JULIANA BASTIANA, SALIMA E JOTINHA.
4. PAPÉIS INVERTIDOS: AS VELHAS PROFANADORAS E CAROLINDA.
11. A ÁGUA:
- O MAR É O CONTRAPONTO COM A TERRA ASSOLADA, ASSINALANDO UM LUGAR ONDE AS PERSONAGENS VÃO ENCONTRAR A PAZ APÓS UMA LONGA VIAGEM AGONIZANTE, COMO SE PODE VER EM: “A PAISAGEM CHEGARA AO MAR. A ESTRADA AGORA, SÓ SE TAPETEIA DE AREIA BRANCA”.
- O MAR É POR ONDE KINDZU VIAJA EM SEUS CADERNOS E
TAMBÉM É O PONTO DE CHEGADA DE TUHAIR E MUIDINGA.
1. NAS ÁGUAS QUE KINDZU ENCONTRA E SE DESPEDE DE FARIDA.
2. NAS ÁGUAS, TAÍMO É SEPULTADO;
3. NAS ÁGUAS TUAHIR DESCANSA PARA SUA VIAGEM FINAL;
4. O MAR PARA MUIDINGA E METÁFORA DA SENSAÇÃO DE LIBERDADE;
5. EM MATIMATI, AS ÁGUAS MARINHAS SÃO TRAIÇOEIRAS;
6. O MAR CARREGA A ILUSÃO DE ASSMA DO RETORNO À TERRA NATAL;
7. NHAMATACA – O FAZER DE RIOS;
12. O FOGO:
1. O ÔNIBUS INCENDIADO E REPLETO DE CADÁVERES QUEIMADOS;
2. MUIDINGA LÊ OS CADERNOS DE KINDZU À LUZ DA FOGUEIRA;
3. O FOGO ILUMINA OS CAMINHOS DE MUIDINGA;
5. O INCÊNDIO NA LOJA DE SURENDRA;
6. FARIDA ACREDITA QUE A LUZ DE UM VELHO FAROL PUDESSE TRAZER ILUMINAÇÃO PARA SUA VIDA;
7. ASSMA E OS FUMOS DE SUA ÍNDIA.
13. TERRA:
1. ESPAÇO DE ERRÂNCIA E DEVASTAÇÃO;
2. A ARIDEZ DO SOLO SE CONFUNDE COM OS SENTIMENTOS DOS PERSONAGENS;
3. ELO ENTRE O MUNDO DOS VIVOS E DOS MORTOS;
4. A TERRA QUEM RECEBERÁ, COMO MÃE AMOROSA, AS FOLHAS DOS CADERNOS DE KINDZU.
14. REPRESENTANTES DO GOVERNO: AS MAIORES ACUSAÇÕES SÃO DIRECIONADAS AOS TRAIDORES DAS CAUSAS REVOLUCIONÁRIAS E DESVIADORES DE DONATIVOS (POLÍTICOS E ADMINISTRADORES).
- SEJA NA FORMA DE NACIONALIZAÇÃO OU PRIVATIZAÇÃO,
SEJA NO COMÉRCIO DE BENS COSTUMEIROS OU NA TRAFICÂNCIA DE NECESSIDADES BÁSICAS
DOS SERES HUMANOS, SEJA COM OS COMPATRIOTAS OU COM OS ANTIGOS COLONIALISTAS.
- APRESENTA COMO ESPAÇO DE DENÚNCIA, CONTESTAÇÃO E MEMÓRIA.
1. ESTEVÃO JONAS: “ADMINISTRAIDOR” LOCAL.
- FECHA NEGÓCIO COM O FANTASMA DO ROMÃO;
- SÓ DISTRIBUÍA OS ALIMENTOS, DEPOIS DE UMA CERIMÔNIA OFICIAL, QUE TINHA COMO FIM A AUTOPROMAÇÃO.
- KINDZU SE SURPREENDE COM A MISÉRIA DOS CAMPOS DE REFUGIADOS APESAR DE HAVER COMIDA ESTRAGANDO: “OS BICHOS VAZAVAM O ARMAZÉM COM GULAS DE GIGANTE. (...) TANTO ALIMENTO APODRECENDO ALI ENQUANTO MORRIAM PESSOAS ÀS CENTENAS NO CAMPO? ”
2. ASSANE: SÓCIO DE SURENDRA; DESVIO DE
DONATIVOS.
- HÁ UMA METÁFORA BELÍSSIMA NO LIVRO, QUANDO KINDZU
OBSERVA UMA BALEIA NA PRAIA E COMPARA SEU PAÍS COM O ANIMAL AGONIZANDO NA PRAIA
E VIOLENTAMENTE SENDO ESQUARTEJADO POR ÁVIDOS DISPUTANDO PEDAÇOS DE CARNE.
15. VIAGENS QUE CORREM PARALELAS PARA NO FINAL SE ENTRELAÇAREM:
- MUIDINGA DESCOBRE A SUA IDENTIDADE COMO
MOÇAMBIQUE PRECISA REAFIRMAR SUA IDENTIDADE DESCOBRINDO NOVAMENTE SUA CULTURA,
NÃO DEIXANDO MORRER O VELHO EM DETRIMENTO DO NOVO: AO CONTRÁRIO, FAZENDO COM
QUE TODA UMA SABEDORIA DO PASSADO SEJA TERRENO FÉRTIL PARA RECEBER AS SEMENTES
DO FUTURO.
- KINDZU SE RECONCILIA COM TAÍMO E TORNA-SE UM
NAPARAMA.
- A SUA LUTA TENAZ PELA TERRA É COMPROVADA QUANDO SEU CORPO É ARRASTADO COM OS DENTES CRAVADOS NO SOLO, TAL COMO UM ARADO LAVRANDO O CAMPO.
- É DESSA FORMA, QUE SE PERCEBE, NA VIAGEM POR ESSA
“TERRA SONÂMBULA”, OS SONHOS DE ESPERANÇA QUE NASCEM DESSAS “PÁGINAS DE TERRA”.
16. JUNHITO (METÁFORA DA HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE):
- REPRESENTA AS ETAPAS HISTÓRICO-CONJUNTURAIS DE
MOÇAMBIQUE ENTRE O PROCESSO INDEPENDENTISTA DE 1975; A GUERRA CIVIL DA SEGUNDA
METADE DA DÉCADA DE 1970 ATÉ O INÍCIO DOS ANOS 90 E A RESTAURAÇÃO PAULATINA DA
PAZ.
1. TAÍMO, ANSIOSO PELA INDEPENDÊNCIA DO SEU PAÍS,
FACE AO COLONIALISMO BRANCO, DÁ O NOME DE VINTICINCO DE JUNHO, AO SEU FILHO.
- APÓS UM CURTO TEMPO DE “MANSAS LENTIDÕES”,
A GUERRA CIVIL INTRODUZ UM CLIMA DE TERROR: “AOS POUCOS, EU SENTIA A NOSSA FAMÍLIA QUEBRAR-SE COMO UM POTE LANÇADO NO CHÃO. […] JÁ NEM PODÍAMOS MACHAMBAR”.
2. TAÍMO DECIDE RECOLHER JUNHITO AO GALINHEIRO, DESSE MODO, ESTARIA A SALVO DOS DESMANDOS DOS BANDOS ARMADOS E DA COBIÇA ALHEIA.
- PAULATINAMENTE, O MENINO FOI PERDENDO A SUA HUMANIDADE E TRANSFORMANDO-SE EM GALINÁCIO. E, OBVIAMENTE, ELE SE TORNA VÍTIMA AMESTRADA DESSE CONFLITO.
- O PREÇO A PAGAR CORRESPONDERIA A UMA METAMORFOSE EM ANIMAL DOMÉSTICO INCAPAZ DE PROTAGONIZAR QUALQUER RESISTÊNCIA OU REVOLTA CONTRA A LUTA FRATICIDA NACIONAL.
3. JUNHITO, ENTRETANTO, DESAPARECE DA CAPOEIRA.
- E, ESSA OCORRÊNCIA DESENCADEIA FATOS IMPORTANTES: TAÍMO AFUNDA-SE CADA VEZ MAIS NO ÁLCOOL E MORRE. KINDZU FICA SEM AMARRAS À TERRA E DECIDE FAZER UMA LONGA VIAGEM EM BUSCA DOS NAPARAMAS.
4. JUNHITO, CONTUDO, NÃO SERIA POUPADO AOS HORRORES
DA GUERRA. ELE SURGE INESPERADAMENTE AO SEU IRMÃO KINDZU, DENTRO DO BLINDADO
MILITAR, QUE ASSANE TRANSFORMOU OCULTAMENTE EM CAPOEIRA PARA FAZER LUCRO COM A
PRODUÇÃO E COMÉRCIO DOS GALINÁCEOS.
- ELE NÃO CUMPRE AGORA APENAS UMA FUNÇÃO DE RESIGNAÇÃO FORÇADA E REDUZIDA A PASSIVA ANIMALIDADE, MAS UMA IMPOSIÇÃO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DOS MEIOS USADOS PELOS OPORTUNISTAS QUE APROVEITAM A GUERRA PARA ENRIQUECER E ADQUIRIR PODER.
- ELE ESTÁ NAS GARRAS DOS PREDADORES, É UM MEIO DE REPRODUÇÃO DAS INJUSTIÇAS DO CONFLITO BÉLICO.
- NESSE SENTIDO, PODE EQUIVALER AO FRACASSO DE UMA JOVEM NAÇÃO INDEPENDENTE INCAPAZ DE RESISTIR ÀS PRESSÕES DA GUERRA.
5. NO FINAL DE “TERRA SONÂMBULA”, JUNHITO REAPARECE
ONIRICAMENTE POR INTERMÉDIO DE KINDZU.
- CONTRA OS CORRUPTOS QUE QUERIAM “LHE DEPENAR O PESCOÇO”, JUNHITO CONSEGUE SOBREVIVER E (RE) HUMANIZAR-SE GRAÇAS A KINDZU TRANSFORMADO EM “NAPARAMA”.
- REINVESTIDO NAS FORMAS E NAS CAPACIDADES HUMANAS, PRECISAMENTE NO MOMENTO EM QUE AS POPULAÇÕES SÃO METAMORFOSEADAS EM ANIMAIS IRRACIONAIS PELO “NGANGA” NO CONTEXTO DA GUERRA.
- O SONHO DE KINDZU PODERÁ SER LIDO COMO METONÍMIA DO POVO MOÇAMBICANO DILACERADO PELO COMBATE FRATICIDA, DE QUE ELA PODERIA ACABAR: A HUMANIZAÇÃO E A PAZ ERAM POSSÍVEIS.
17. REFLEXÃO SOBRE A GUERRA:
- O ROMANCE APRESENTA UMA REFLEXÃO SOBRE A GUERRA,
VISTA PELOS OLHOS DE SUA VÍTIMAS, DOS QUE VIVEM E SOFREM ESSE DRAMA E NÃO
ENCONTRAM RESPOSTA NO DISCURSO HISTÓRICO OFICIAL, PRINCIPALMENTE AOS REFUGIADOS
DE GUERRA, AOS CAMPOS DE ACOLHIMENTO E À SITUAÇÃO DESOLADORA QUE AS PESSOAS
ENFRENTAVAM NESSES LOCAIS.
- Conforme afirmaria o escritor
moçambicano em entrevista: Comecei o livro sem nenhuma esperança que os meus
filhos iriam saber, um dia, o que seria a paz. E o curioso é que eu mantinha a
convicção que um livro sobre a guerra se faz depois da guerra. Atuei contra
essa própria convicção, começando a escrever a história em plena situação de
guerra. Mas havia no ar alguns sinais, silenciosos e subtis, de que se estava
fabricando a paz. E de fato, pouco tempo depois de ter publicado o livro, foi
rubricado o Acordo de Paz.
2. ORALIDADE: PERPETUA A TRADIÇÃO QUE FAZ NASCER O FUTURO SONHADO.
- ASSIM, COMO O SONHO FAZ VIVER A ESTRADA, É O CONTAR DAS HISTÓRIAS QUE CRIA OS SONHOS.
- TUAHIR E MUIDINGA SÃO AO MESMO TEMPO NARRADOR E OUVINTE.
- MUIDINGA É TAMBÉM LEITOR, ASSIM COMO O LEITOR DA OBRA, OUVINTE E SONHADOR DESSA NARRATIVA.
- ESSE CONTAR É FEITO RITUALISTICAMENTE À BEIRA DA FOGUEIRA, COMO NAS COMUNIDADES ARCAICAS.
3. A BUSCA POR SUA IDENTIDADE:
- MUIDINGA PERDE A MEMÓRIA; É RESSUSCITADO POR TUAHIR E NASCE NOVAMENTE (GASPAR).
- KINDZU: O SONHO DE SE TORNAR UM NAPARAMA CONDUZ A UMA VIAGEM EM BUSCA DO IDEAL, DO SONHO, COMO TAMBÉM, UMA FUGA DE SUA ALDEIA, NA QUAL SE SENTIA ASFIXIADO.
- TRATA-SE DE UMA VIAGEM INICIÁTICA, DE APRENDIZAGEM DAS SUAS RAÍZES CULTURAIS, DE UM MUNDO REPRESENTADO POR SEU PAI, O QUAL ELE NUNCA SOUBERA COMPREENDER.
- OS NAPARAMAS ERAM GUERREIROS QUE LUTAVAM NO CONFLITO EM FAVOR DA POPULAÇÃO CIVIL. NÃO TOMARAM PARTE NEM DA RENAMO, NEM DA FRELIMO E ALGUMAS PESSOAS CHEGAM A DUVIDAR DA VERDADEIRA EXISTÊNCIA DESSE GRUPO.
- DE ACORDO COM MIA COUTO: “ERAM GUERREIROS TRADICIONAIS, ABENÇOADOS PELOS FEITICEIROS, QUE LUTAVAM CONTRA OS FAZEDORES DA GUERRA. NAS TERRAS DO NORTE ELES TINHAM TRAZIDO A PAZ. COMBATIAM COM LANÇAS, ZAGAIAS, ARCOS. NENHUM TIRO LHES INCOMODAVA, ELES ESTAVAM BLINDADOS, PROTEGIDOS CONTRA BALAS. “
4. TUHAIR (PASSADO/TRADIÇÃO) E MUIDINGA (FUTURO/MODERNIDADE):
- FORMA-SE UMA COMUNHÃO ENTRE SOBREVIVENTES DE UM CAMPO DE REFUGIADOS, SERES FUGIDOS DA GUERRA, QUE BUSCAM A PAZ, O REENCONTRO E A RENOVAÇÃO DE SI MESMOS.
- TUAHIR: SABEDORIA; CONTINUIDADE DA TRADIÇÃO.
5. O NAVIO ENCALHADO:
- SIMBOLIZA SONHOS IMPOSSÍVEIS, UMA VEZ QUE SE ENCONTRA ABANDONADO COMO UM NAVIO FANTASMA.
- ALÉM DISSO, “A METÁFORA DO BARCO À DERIVA, SÍMBOLO DA MORTE, REPRESENTA O SENTIMENTO DE DER (ROTA).
6. MISCIGENAÇÃO E PRECONCEITO: O DESPREZO E A INTOLERÂNCIA RACIAL AOS ESTRANGEIROS.
- O ESTRANGEIRO É VISTO COMO ESTRANHO E IDENTIFICADO COMO UM EXPLORAR: AFONSO; SURENDRA; KINDZU; FARIDA; ROMÃO; ASSMA E VIRGÍNIA.
1. O PASTOR E PROFESSOR AFONSO, PORTUGUÊS:
É ASSASSINADO E SUA ESCOLA QUEIMADA.
2. SURENDRA, INDIANO: COMERCIANTE, CHAMADO PEJORATIVAMENTE DE MONHÉ. ELE E SUA ESPOSA SÃO RETRATADOS EM SITUAÇÕES HUMILHANTES.
7. ROMÃO PINTO X FARIDA E SALIMA:
- ROMÃO X FARIDA: O ABUSO E O PODER DO COLONIZADOR SOBRE O COLONIZADO.
1. SAPATOS ROUBADOS (CIVILIDADE, STATUS);
2. FORMIGAS – CADÁVER;
3. DOAÇÃO DE SEU PRÓPRIO CAIXÃO PARA O POVO (ATITUDE PRÓPRIA DOS POLÍTICOS QUE SE GABAM DE DAR DONATIVOS AOS NECESSITADOS).
9. OS PARES/DUPLICIDADE:
1. CAROLINDA E FARIDA: IRMÃS GÊMEAS INIMIGAS
2. TUAHIR E TAÍMO: PERDERAM A ESPERANÇA NA VIDA E DESACREDITARAM NO SER HUMANO.
3. ASSMA E VIRGÍNIA: VIÉS DO DISTANCIAMENTO E DA LOUCURA
4. MUIDINGA E KINDZU
10. AS MULHERES:
1. DETERMINADAS: FARIDA E TIA EUZINHA.
2. SUBMISSA: ASSMA, VIRGÍNIA, MÃE DE KINDZU E DE FARIDA.
3. MARGINALIDADE: JULIANA BASTIANA, SALIMA E JOTINHA.
4. PAPÉIS INVERTIDOS: AS VELHAS PROFANADORAS E CAROLINDA.
11. A ÁGUA:
- O MAR É O CONTRAPONTO COM A TERRA ASSOLADA, ASSINALANDO UM LUGAR ONDE AS PERSONAGENS VÃO ENCONTRAR A PAZ APÓS UMA LONGA VIAGEM AGONIZANTE, COMO SE PODE VER EM: “A PAISAGEM CHEGARA AO MAR. A ESTRADA AGORA, SÓ SE TAPETEIA DE AREIA BRANCA”.
1. NAS ÁGUAS QUE KINDZU ENCONTRA E SE DESPEDE DE FARIDA.
2. NAS ÁGUAS, TAÍMO É SEPULTADO;
3. NAS ÁGUAS TUAHIR DESCANSA PARA SUA VIAGEM FINAL;
4. O MAR PARA MUIDINGA E METÁFORA DA SENSAÇÃO DE LIBERDADE;
5. EM MATIMATI, AS ÁGUAS MARINHAS SÃO TRAIÇOEIRAS;
6. O MAR CARREGA A ILUSÃO DE ASSMA DO RETORNO À TERRA NATAL;
7. NHAMATACA – O FAZER DE RIOS;
12. O FOGO:
1. O ÔNIBUS INCENDIADO E REPLETO DE CADÁVERES QUEIMADOS;
2. MUIDINGA LÊ OS CADERNOS DE KINDZU À LUZ DA FOGUEIRA;
3. O FOGO ILUMINA OS CAMINHOS DE MUIDINGA;
5. O INCÊNDIO NA LOJA DE SURENDRA;
6. FARIDA ACREDITA QUE A LUZ DE UM VELHO FAROL PUDESSE TRAZER ILUMINAÇÃO PARA SUA VIDA;
7. ASSMA E OS FUMOS DE SUA ÍNDIA.
1. ESPAÇO DE ERRÂNCIA E DEVASTAÇÃO;
2. A ARIDEZ DO SOLO SE CONFUNDE COM OS SENTIMENTOS DOS PERSONAGENS;
3. ELO ENTRE O MUNDO DOS VIVOS E DOS MORTOS;
4. A TERRA QUEM RECEBERÁ, COMO MÃE AMOROSA, AS FOLHAS DOS CADERNOS DE KINDZU.
14. REPRESENTANTES DO GOVERNO: AS MAIORES ACUSAÇÕES SÃO DIRECIONADAS AOS TRAIDORES DAS CAUSAS REVOLUCIONÁRIAS E DESVIADORES DE DONATIVOS (POLÍTICOS E ADMINISTRADORES).
- APRESENTA COMO ESPAÇO DE DENÚNCIA, CONTESTAÇÃO E MEMÓRIA.
1. ESTEVÃO JONAS: “ADMINISTRAIDOR” LOCAL.
- SÓ DISTRIBUÍA OS ALIMENTOS, DEPOIS DE UMA CERIMÔNIA OFICIAL, QUE TINHA COMO FIM A AUTOPROMAÇÃO.
- KINDZU SE SURPREENDE COM A MISÉRIA DOS CAMPOS DE REFUGIADOS APESAR DE HAVER COMIDA ESTRAGANDO: “OS BICHOS VAZAVAM O ARMAZÉM COM GULAS DE GIGANTE. (...) TANTO ALIMENTO APODRECENDO ALI ENQUANTO MORRIAM PESSOAS ÀS CENTENAS NO CAMPO? ”
15. VIAGENS QUE CORREM PARALELAS PARA NO FINAL SE ENTRELAÇAREM:
- A SUA LUTA TENAZ PELA TERRA É COMPROVADA QUANDO SEU CORPO É ARRASTADO COM OS DENTES CRAVADOS NO SOLO, TAL COMO UM ARADO LAVRANDO O CAMPO.
16. JUNHITO (METÁFORA DA HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE):
- APÓS UM CURTO TEMPO DE “MANSAS LENTIDÕES”,
A GUERRA CIVIL INTRODUZ UM CLIMA DE TERROR: “AOS POUCOS, EU SENTIA A NOSSA FAMÍLIA QUEBRAR-SE COMO UM POTE LANÇADO NO CHÃO. […] JÁ NEM PODÍAMOS MACHAMBAR”.
2. TAÍMO DECIDE RECOLHER JUNHITO AO GALINHEIRO, DESSE MODO, ESTARIA A SALVO DOS DESMANDOS DOS BANDOS ARMADOS E DA COBIÇA ALHEIA.
- PAULATINAMENTE, O MENINO FOI PERDENDO A SUA HUMANIDADE E TRANSFORMANDO-SE EM GALINÁCIO. E, OBVIAMENTE, ELE SE TORNA VÍTIMA AMESTRADA DESSE CONFLITO.
- O PREÇO A PAGAR CORRESPONDERIA A UMA METAMORFOSE EM ANIMAL DOMÉSTICO INCAPAZ DE PROTAGONIZAR QUALQUER RESISTÊNCIA OU REVOLTA CONTRA A LUTA FRATICIDA NACIONAL.
3. JUNHITO, ENTRETANTO, DESAPARECE DA CAPOEIRA.
- E, ESSA OCORRÊNCIA DESENCADEIA FATOS IMPORTANTES: TAÍMO AFUNDA-SE CADA VEZ MAIS NO ÁLCOOL E MORRE. KINDZU FICA SEM AMARRAS À TERRA E DECIDE FAZER UMA LONGA VIAGEM EM BUSCA DOS NAPARAMAS.
- ELE NÃO CUMPRE AGORA APENAS UMA FUNÇÃO DE RESIGNAÇÃO FORÇADA E REDUZIDA A PASSIVA ANIMALIDADE, MAS UMA IMPOSIÇÃO DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DOS MEIOS USADOS PELOS OPORTUNISTAS QUE APROVEITAM A GUERRA PARA ENRIQUECER E ADQUIRIR PODER.
- ELE ESTÁ NAS GARRAS DOS PREDADORES, É UM MEIO DE REPRODUÇÃO DAS INJUSTIÇAS DO CONFLITO BÉLICO.
- NESSE SENTIDO, PODE EQUIVALER AO FRACASSO DE UMA JOVEM NAÇÃO INDEPENDENTE INCAPAZ DE RESISTIR ÀS PRESSÕES DA GUERRA.
- CONTRA OS CORRUPTOS QUE QUERIAM “LHE DEPENAR O PESCOÇO”, JUNHITO CONSEGUE SOBREVIVER E (RE) HUMANIZAR-SE GRAÇAS A KINDZU TRANSFORMADO EM “NAPARAMA”.
- REINVESTIDO NAS FORMAS E NAS CAPACIDADES HUMANAS, PRECISAMENTE NO MOMENTO EM QUE AS POPULAÇÕES SÃO METAMORFOSEADAS EM ANIMAIS IRRACIONAIS PELO “NGANGA” NO CONTEXTO DA GUERRA.
- O SONHO DE KINDZU PODERÁ SER LIDO COMO METONÍMIA DO POVO MOÇAMBICANO DILACERADO PELO COMBATE FRATICIDA, DE QUE ELA PODERIA ACABAR: A HUMANIZAÇÃO E A PAZ ERAM POSSÍVEIS.
17. REFLEXÃO SOBRE A GUERRA: