sábado, 29 de janeiro de 2022

 

“RELATO DE UM CERTO ORIENTE”, 1989, MILTON HATOUM.


- A OBRA TRAZ UMA DAS CARACTERÍSTICAS MAIS MARCANTES DE TODA A OBRA DO ESCRITOR ATÉ AQUI: SUA NARRATIVAS SE APROFUNDAM NA MEMÓRIA, NO CONFRONTO DO PASSADO COM O QUE SE PERDEU E COM O QUE AINDA PODE VIR, NA BUSCA DA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE.

- “Relato de um certo Oriente”, trata-se da história de famílias de imigrantes libaneses que vieram para o Brasil no início do XX, para se estabelecerem nos recônditos lugares da Amazônia.

- Uma obra que atravessa oceanos e deságua em um rio incrustado em uma floresta densa, repleta de mistérios e mitos e ganha profundidade a refletir sobre a nossa condição no mundo enquanto seres humanos submetidos a diferentes padrões sociais, culturais e históricos.

- Em “Relato de um certo Oriente”, temos como narradora uma mulher, de nome não apontado ao longo do romance, que após longa ausência regressa à casa da sua infância, em Manaus, no Amazonas.

- Sua motivação é visitar Emilie, a matriarca da família de origem libanesa pela qual foi adotada, juntamente de seu irmão, quando crianças.

- A narrativa se desdobra no retorno ao passado por meio das memórias da narradora principal e de outros depoimentos, “rememorados” por outras vozes, pessoas e lembranças que ela reúne, atuando como curadora.

Você encontra a análise completa dessa obra acessando o link:  https://youtu.be/geo0hJVLuBo



 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

LUCI COLLIN, A PALAVRA ALGO, 2016

 

A PALAVRA ALGO, LUCI COLLIN, 2016

"Para mim não  haveria sentido em escrever se a escrita fosse apenas uma expressão autocentrada. Escreve-se para comunicar, dividir, compartilhar experiências e emoções e assim, a tônica desse processo é sempre o outro. Ao escritor cabe a tarefa de observar o mundo e então, transpor a experiência da observação por meio das palavras. Logicamente é uma expressão subjetiva, mas que diz do mundo para tentar iluminar – filosoficamente, psicologicamente, socialmente – a experiência humana com suas fragilidades e forças, com suas convicções e incertezas. A literatura é um veículo potente para a ampliação da percepção das essencialidades da Vida – não só humana. ”

I – AUTORA:

- Literatura contemporânea paranaense.

- Segundo lugar na categoria Poesia no 59º Prêmio Jabuti (2017), o mais tradicional prêmio literário brasileiro.

- Autora curitibana.

- Mais de 20 obras publicadas.

- Transita por vários gêneros literários, mas escreve principalmente poesia e contos.

- Escritora e professora aposentada do Departamento de Letras e Literatura da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

- Também com formação em música (percussão e piano).

II – TÍTULO:

- Algo é um pronome indefinido e diz sobre alguma coisa indeterminada, que não se pode definir com precisão

“A Palavra Algo já nos dá uma pista imensa do que vai ser apresentado para gente. ‘Algo’ é um pronome indefinido, diz sobre uma coisa indeterminada, o título nos dá uma pista que ali no livro ela vai tratar de coisas que nos escapam, mas que é perseguido via palavra, via linguagem”, menciona.

- O título já nos dá pistas de que ali, no livro, será tratado de alguma coisa que escapa, mas que é perseguida pela poeta nos poemas, via palavra. Algo de indeterminado, indefinido, que foge das mãos, cujo entendimento total se esquiva

- O próprio título também é uma brincadeira com a ambiguidade: o livro não é sobre a palavra “algo” em si, mas sobre a dimensão da palavra, do escrever, da criação literária, principalmente da poesia, que toca muitas vezes em coisas não definíveis objetivamente

 

existem coisas que eu digo / no meio das coisas que escondo

vigoram silêncios imensos / no meio de certos estrondos

resistem horas inteiras / em meio a meio minuto

e dias e noites  valendo / aquele real absurdo

e até o porto seguro é de um remanso relativo

que um lance de dados insiste / no seio do absoluto [...]

Algo aqui neste livro se faz, tanto quanto se diz. De que espécie será essa alguma coisa – essa coisa alguma? O que será o mistério “que reaparece / nesse aqui / sem nem sê-lo”? Como pode haver tais haveres que nem sequer são, como um pássaro que inadvertidamente transita por um “curso intransitivo”?

III – CARACTERÍSTICAS:

- Composto por 47 poemas de formas diversas

- Collin usa referências de outros autores e brinca com a intertextualidade para conduzir para uma mensagem única.

- Trabalho poético com a linguagem, poemas que afirmam justamente a partir de uma tenaz negação. O próprio título exprime a ambivalência de um afirmar negando, que parece orientar – ou pelo menos sugerir.

- Influências do romantismo, simbolismo, modernismo e neoconcretismo.

- Metalinguagem: as palavras não têm importância, são apenas instrumentos para nos referirmos a algo.

- Cotidiano: a poesia vê a beleza imaginária do mundo com outros olhos, libertadora.

- Linguagem culta e elaborada (palavras raras); quebra sintática das frases; as vezes linguagem coloquial (homenagem ao modernismo e a poesia marginal).

- Imagens surrealistas; enumeração caótica (mostrar variedade e complexidade); figuras de linguagem; musicalidade; poemas herméticos (difíceis de interpretar).

- Subjetividade: dificuldade de comunicação com a pessoa amada (diálogo difícil com o outro).

- Tom sarcástico, irônico e negativo (crítica a frieza do mundo atual).

- Desacerto: as ações humanas e o mundo estão descompassados de seus propósitos e não funcionam mais.


DEVERAS

o poeta finge

e enquanto isso

cigarras estouram

pontes caem

azaleias claudicam

édipos ressonam

vacinas vencem

a bolsa quebra e

o poeta finge

e enquanto isso

vagalhões explodem

o pão adoce

astros desviam-se

manadas inteiras se perdem

a noite range

o vento derruba ninhos e

o poeta finge

e enquanto isso

vozes racham

veias entopem

galeões afundam

medeias abatem crias

turvam-se as corredeiras

o sapato aperta e

o poeta finge

que as mãos cheias de súbitos

não são as suas

(Luci Collinem A palavra algo, p. 11)


“AUTOPSICOGRAFIA”, FERNANDO PESSOA

O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

(Fernando Pessoa em “Poesias”)


- Poema que abre o livro e anuncia um pouco de tudo o que está por vir: bagagem literária, referências mais clássicas (medeias, édipos) misturadas a assuntos do cotidiano (o sapato aperta).

- “DEVERAS” (advérbio) = A palavra deveras deriva da junção da preposição “de”, e “veras”, feminino plural de veros, com o sentido de verdadeiro.

- Utilizado para dar ênfase, destacar ou realçar o teor verdadeiro daquilo que se fala; de fato, enquanto o poeta finge, liberta o poeta da obrigação de reproduzir a realidade, abre espaço para a imaginação.

- “O poeta é um fingidor” = a poesia não necessariamente se envolve diretamente com o autor (subjetividade, vivência do poeta) e com os acontecimentos (objetividade, cotidiano).

- Repetição: dá a ideia de que, apesar de tudo, das coisas todas, das dores todas, o poeta continua fingindo, continua escrevendo, continua fazendo poesia...


“MEUS OITO ANOS”

AURORA DA MINHA VIDA

ORA IDA

OS ANOS TRAZEM AIS

(Luci Collinem A palavra algo, p. 67)

 

 “MEUS OITO ANOS”, DE CASIMIRO DE ABREU

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

[...]