Autor de volumosa obra, de alta qualidade, dono de traços ora calmos, ora torturados, e de uma paleta rica e complexa, mistura a força agreste e o delicado requinte, empregando cores vivas em inusitadas combinações, que têm sido associadas à exuberante natureza do país. No seu desenho, os anjos, as madonas e os santos apresentam às vezes traços mestiços; por isso é tido como um dos precursores de uma arte genuinamente brasileira.
Todas elas mostram um tipo característico, de nariz arrebitado, levemente beiçudo, pouco queixo, pálpebras pesadas, grandes olhos, ombros largos e almofadados, coxas redondas, pés arqueados, antebraço curvo, mãos moles e dedos às vezes em garra.
As figuras não são reais, como as paisagens e os céus; o indeterminado, originário das gravuras diferentes ganha, à luz dos trópicos, o envolvimento brasileiro e a bonomia natural do pintor das cores claras, em constante harmonia.
“Anjos”, Igreja de São Miguel e Almas, Ouro Preto-MG.
“Anjos”, Matriz da Sé de Mariana-MG.
“Anjos”, Sé de Mariana-MG.
Aprendeu várias especialidades que veio a dominar com maestria: tornou-se, além de pintor de painéis, dourador e pintor de imagens e talha, desenhista e ilustrador, acabando por ser ele mesmo, professor de muitos alunos.
No entanto, poucos de seus trabalhos foram documentados, criando controvérsias em sua cronologia, entretanto, deixou obra considerável, espalhada em várias cidades mineiras.
Seu primeiro trabalho conhecido como pintor são duas imagens de Cristo para o Santuário de Nosso Senhor Bom Jesus de Matosinhos, na cidade mineira de Congonhas do Campo, em 1781.
Douramento de talha
“Cristo em oração no Horto das Oliveiras”, parte da série de esculturas de Aleijadinho encarnadas por Ataíde. Santuário de Matosinhos
Com apenas vinte anos, em 1782, Ataíde recebeu pagamento por um trabalho não identificado, realizada na capela da Ordem Terceira do Carmo, de sua cidade e em 1794, por outras encomendas da Ordem Terceira de São Francisco, também em Mariana-MG.
Em maio de 1799 foi encarregado de fazer a barra da capela-mor da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de Ouro Preto.
Trabalhou em parceria com Aleijadinho em várias obras por 30 anos. Autor de tetos e murais em cerca de 20 igrejas barrocas de Minas, seu trabalho está ligado à temática religiosa. Extrai seus motivos de missais europeus e da Bíblia, mas se torna célebre pelo uso de cores vivas e por dotar seus personagens de feições brasileiras.
No ano de 1818 requer a D. João VI a criação de uma escola de belas-artes em Mariana: "uma Aula de Desenho, e Arquitetura Civil e Militar e da Pintura.... desejando muito e não tendo maiores possibilidades para saciar os seus próprios desejos de ser útil ao público, e à sua Nação e ainda a todo o Mundo, na instrução, adiantamento e aperfeiçoamento das sobreditas Artes", pois "ninguém melhor que Vossa Majestade Real sabe quanto é útil a arte do desenho e arquitetura civil, e militar e da pintura: e que haja neste novo Mundo, principalmente nesta Capitania de Minas, entre a mocidade, homens hábeis de admirável esfera que desejam o estudo e praxe do risco.... desterrando assim a ignorância e a viciosidade, e promovendo as Artes, e ciências, e a instrução popular".
Pai de quatro filhos, nunca se casou. Depois de prolífica carreira, faleceu e foi sepultado em 1830, na igreja da irmandade de São Francisco da Penitência, em Mariana, tendo pedido em última vontade, a celebração de missas em todas as irmandades de que fora membro.
CARACTERÍSTICAS:
Ataíde pertenceu à terceira geração de pintores mineiros, florescendo quando o grande ciclo econômico do ouro e dos diamantes chegava a um fim.
Com exceção de um “Retrato de Sua Majestade Imperial”, de 1824, toda a pintura produzida por Ataíde é sacra, e tem como objetivo ilustrar a história sagrada e os dogmas fundamentais da fé, suscitando a devoção, e perpetuar na memória dos crentes o código de ética do Catolicismo para se levar uma vida aceitável a Deus e obter enfim a salvação eterna para a alma.
Ataíde é usualmente mais lembrado pela pintura de tetos de várias igrejas e capelas pela região mineira; neles pintou Cristo e sua Mãe, os santos e mártires, cenas bíblicas e epifanias gloriosas, e para ambientá-los, criou ricas arquiteturas ilusionísticas e complexas molduras decorativas de guirlandas, rocalhas e coros de anjos, com a graça e leveza típica do mais puro Rococó. Mas, também deixou obras de cavalete e painéis menores, de qualidade mais intimista, às vezes até mais tocantes e próximos da gravidade do Barroco, e não menos valiosos do que seus grandes tetos.
Há, porém, dilemas ainda mal resolvidos na caracterização do estilo de Ataíde, ora é identificado como barroco, ora como rococó.
Segundo Adalgisa Campos, "a inspiração de Ataíde em seu meio, salientando uma coloração tropical vibrante e figuras humanas mestiças, expressando através da forma rococó uma espiritualidade barroca".
Sua profissão o obrigava a constantes deslocamentos para atender encomendas em várias localidades mineiras, e pode deixar obra extensa. Teve diversos ajudantes em seus trabalhos, conforme o hábito da época, entre eles aprendizes e escravos.
Carla Oliveira, ao analisar a obra mais conhecida de Ataíde, a “Assunção de Nossa Senhora” na Igreja de São Francisco de Ouro Preto, afirmou que "ali naquele forro abobadado está cristalizado não só o amálgama entre ambos os estilos mas, de forma mais contundente, também transparece visualmente o hibridismo do discurso visual construído durante o século XVIII na Capitania das Minas". Dessa forma, a obra de Ataíde “não se deixa prender a rótulos de escola ou de períodos. Transcende-os, é contemporânea de si mesma".
Detalhe da “Assunção da Virgem”, em São Francisco de Ouro Preto-MG.
O medalhão central trata da gloriosa “Assunção da Virgem”, que aparece rodeada por uma orquestra de anjos de todas as idades. Maria tem traços mulatos, como ocorre com vários anjos, e está em atitude de oração assentada num trono de nuvens, rodeada por raios de luz e apoiada em um crescente lunar. A composição é complexa, ricamente colorida e perfeitamente integrada em si mesma e em relação à arquitetura da igreja; nas palavras de Carlos del Negro:
"O tom aconchegante e acariciante da luz que banha toda a composição do medalhão revela um certo grau de intimidade, consonância e vibração dos habitantes desse céu. Todas as figuras da composição só têm autonomia em função do conjunto. A orquestra é um segundo centro da composição pictórica pois determina a distribuição espacial do músicos. Poderíamos dizer que nesse forro ele pintou uma partitura e executou uma pintura. Essa talvez tenha sido a inovação mais importante da pintura de Ataíde: introduzir no universo iconográfico da pintura religiosa a música; entra-se no céu ao som musical de uma orquestra celestial. A transposição da música para o paraíso, revela o valor estético e sagrado que esta linguagem adquiriu no simbolismo religioso das Minas Gerais".
Na impossibilidade de ter contato direto com as grandes obras da pintura europeia, Ataíde recebeu inspiração principalmente através de reproduções em gravura, de resto largamente usadas por todos artistas coloniais como modelos mais ou menos prontos, um procedimento também adotado pelas academias da Europa desde a Renascença e que era universalmente aceito como válido, sem implicar demérito para o artista como criador. Vários estudos já documentaram a apropriação de Ataíde de tais modelos adaptando-os às necessidades e possibilidades de cada local e ao estilo de sua época. Como exemplo, seis painéis da capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, executados entre 1803 e 1804, derivam diretamente de gravuras publicadas em Paris por Michel Demarne, entre 1728 e 1730.
“A visita dos anjos a Abraão”. Acima a gravura de Demarne; abaixo, a interpretação de Ataíde num painel lateral da capela-mor da Igreja de São Francisco, Ouro Preto-MG.
A pesquisadora Hannah Levy fez uma descrição do procedimento:
"Note-se que Manuel da Costa Ataíde, em todas estas pinturas, observou fielmente o modelo das gravuras no que concerne à composição geral, à distribuição das luzes e sombras, à posição das figuras e à indumentária. Observe-se, também, que o pintor mineiro, em todas essas obras, simplificou os planos de fundo (paisagem ou arquitetura) em comparação com os das gravuras e que, quase sempre, aproveitou das estampas apenas os grupos principais do tema representado, eliminando figuras ou cenas não diretamente ligadas ao assunto principal. A nosso ver, esta redução das cenas a seus grupos principais foi motivada pelas dimensões do espaço de que dispunha o mestre de Ouro Preto.... Não tratou de transformar a composição de Demarne. Pelo contrário: conservou cuidadosamente todos os pormenores das estampas, limitando-se a deixar simplesmente de lado os grupos que não lhe interessavam. É curioso verificar que mesmo mutilando, por assim dizer, a composição original do gravador, Ataíde não introduz senão modificações insignificantes na composição dos grupos que ele aproveita. E nem por isto as suas pinturas deixam de aparecer como composições artisticamente completas.... porém, desejamos chamar a atenção para o fato de que o artista mineiro consagra um carinho especial a todos os pormenores pitorescos ou anedóticos encontrados nos modelos e suscetíveis de dar às cenas um caráter mais íntimo e mais diretamente familiar. Assim é que ele reproduz fielmente, por exemplo, na cena da restituição de Sara, o cachorrinho; na cena da refeição dos anjos, o prato fumegante trazido pelo criado, os vasos de vidro, os pratos na mesa, o copo na mão do médico, a forma característica do pé da mesa, etc. Na sua ânsia de dar um aspecto convincente e humano às cenas sagradas, chega a inventar pormenores pitorescos, que não se encontram em Demarne, como, entre outros, o da escarradeira por baixo da cama de Abraão".
Suas personagens apresentam distorções puramente estéticas e expressivas, traço típico do Barroco e do Rococó, como podem ser reconhecidas na pintura “A Crucificação de Jesus”, onde retrata os braços retorcidos dos soldados que pregam Jesus.
“Crucificação de Jesus” (detalhe), Igreja de São Miguel e Almas, Ouro Preto-MG.
É importante ressaltar que Ataíde não foi apenas pintor, mas grande parte de sua carreira foi empregada nas tarefas de douramento de talha e encarnação de estátuas. Em várias igrejas mineiras o artista deixou sua marca em vários aspectos da decoração, e às vezes chegou a projetar a arquitetura de retábulos e objetos litúrgicos como castiçais e crucifixos. Também foi ilustrador, pintando iluminuras em Livros de Compromisso de irmandades. Entretanto, é certo que a memória de Ataíde permanece principalmente ligada à píntura de tetos de igrejas.
A organização básica do conjunto é sempre a mesma: a partir do alto das paredes o pintor produz no teto uma pintura que sugere ilusionisticamente a continuidade da arquitetura até que ela se abre para o céu, onde é representada uma epifania. A técnica do ilusionismo arquitetônico para decoração de tetos fora desenvolvida na Itália, sistematizada pelo jesuíta Andrea Pozzo, e por seu impacto visual e poderes evocativos recebeu viva aceitação tanto na Europa como no Brasil colonial.
Em Minas a técnica foi introduzida aparentemente por Antônio Martins da Silveira no forro da capela-mor do Seminário Menor de Mariana, datado de 1782, inaugurando um esquema retomado inúmeras vezes pelos artistas posteriores. Ataíde melhor exibiu a força do seu gênio na elaboração desse tipo de composição, que exigia além de bons conhecimentos de perspectiva e das leis do escorço, grande capacidade de organizar coerentemente imagens diversificadas em uma escala monumental, povoada por várias figuras secundárias: anjos, santos, mártires, doutores da igreja e outras figuras da história sagrada. O coroamento dessas composições é invariavelmente centralizado num grande medalhão, onde é figurada uma cena divina, usualmente com as figuras de Cristo ou a Virgem dominando a composição.
Teto da Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara:
”Ascensão de Cristo”, Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara-MG.
Possivelmente sua primeira obra no gênero ilusionístico; nela já estabelece seu modelo formal geral, ao qual permaneceu fiel, com poucas variações essenciais, até o fim de sua trajetória. A ilusão arquitetônica se inicia logo na cimalha, onde Ataíde pintou dois consoles em cada lateral da igreja. Sobre cada um deles se ergue um destacado pedestal e uma coluna, que se ligam ao medalhão central apenas por um concheado que faz as vezes de entablamento. Outros apoios são figuras de atlantes, falsos pilares, púlpitos, formas vegetais e rocalhas. Entre esses suportes há, em cada lateral, um balcão com ornamentação vazada, onde aparecem anjos cantores.
A composição do medalhão central tem uma distribuição de pesos bastante simétrica, representando a “Ascensão de Cristo”, assistida pelos doze Apóstolos e a Virgem Maria. No alto a composição é rarefeita, dominada pela figura solitária de Cristo, cuja fisionomia feliz e descontraída contrasta com os olhares atônitos de sua pequena plateia, que se agrupa em círculo compacto logo abaixo em torno de um tipo de pedestal, onde estão impressas as marcas dos pés d'Aquele que acabou de subir aos céus.
Teto da Matriz de Santo Antônio em Ouro Branco:
Detalhe de “A Virgem entrega o Menino Jesus a Santo Antônio de Pádua”, Matriz de Santo Antônio em Ouro Branco.
A arquitetura ilusionística deste teto é única na obra do Mestre, com predomínio de linhas retas em organização um tanto ilógica, complicando a observação da composição a partir de um único ponto de vista. Igualmente é original sua paleta de cores, incomumente clara e diáfana. Destacam-se por entre a arquitetura figuras de vigorosos atlantes e anjos. Balcões em torno, contra florões ornamentais, são ocupados por santos. O rico medalhão do centro mostra um grupo com a Virgem, o Menino Jesus e Santo Antônio de Lisboa. A Virgem, entronizada em nuvens, tem um semblante delicado, sereno e amigável. Ao seu lado está o Menino, em pé sobre uma mesa, diante de um devoto Santo Antônio em reverente genuflexão. As figuras são notáveis pelo seu desenho sensível e formas roliças, e transmitem uma impressão de recolhimento e amorosa placidez. A imagem do Menino Jesus é particularmente graciosa, com o ar travesso das crianças. Anjos ladeiam o grupo central.
Teto da Igreja do Rosário dos Pretos, em Mariana:
No teto da Igreja do Rosário dos Pretos, em Mariana, Ataíde criou uma moldura arquitetural perspectivada, mas a cena no medalhão central foi apresentada em visão plana frontal, sem escorço nas figuras.
”Assunção da Virgem”, Rosário dos Pretos em Mariana-MG.
Essa solução era corriqueira em Portugal, onde era chamada de "quadro recolocado", pois tinha apenas e precisamente o efeito de um painel de altar posto no teto, sem explorar os recursos de uma cenografia pictórica mais expansiva e mais ilusória. Em parte isso se devia às dificuldades da criação de um bom escorço, técnica reservada somente aos pintores mais habilidosos, mas também, na opinião de Myriam de Oliveira, seria uma natural continuidade de uma tradição especificamente portuguesa de não escorçar figuras humanas. Esta opção técnica teria possibilitado uma comunicação mais direta com os santos, "retirados assim das alturas celestiais pela terrena sensibilidade da alma portuguesa.... pouco afeita aos arroubos místicos".
Teto da capela-mor da Matriz de Santo Antônio em Itaverava:
”A Coroação da Virgem pela Santíssima Trindade”, Matriz de Santo Antônio em Itaverava-MG.
A composição central é emoldurada por púlpitos nos cantos, onde pontificam santos. Púlpitos intermédios são ocupados por anjos músicos. A arquitetura de apoio é sólida e um tanto pesada, o que faz o medalhão central irromper de forma dramática no espaço. O tema do medalhão é A Santíssima Trindade coroando a Virgem Maria. A composição é equilibrada e simétrica. Conforme a iconografia corrente, a figura do Pai é a de um ancião encanecido, o Filho é a imagem de Jesus com sua cruz, e o Espírito Santo voa como uma pomba acima de todos, de onde partem raios de luz que iluminam toda a cena. Ao centro e abaixo, a Virgem recebe uma coroa. Em torno, alguns anjos assistem a cena.
Teto da sacristia da Igreja de São Francisco de Assis em Mariana:
“São Francisco em agonia”, Igreja de São Francisco em Mariana-MG.
Dois painéis dividem o espaço deste forro, ambos tratando da “Agonia de São Francisco”. Em ambos um mesmo modelo, mostrando o santo, já estigmatizado, rodeado de anjos e dos símbolos de sua paixão: o cilício, a ampulheta, o crânio e o livro sagrado. Aqui já estamos em outra categoria de composição; não há arquiteturas ilusionísticas, mas grandes cenas abertas com fundos paisagísticos, onde fica perceptível sua habilidade em transmitir significados pelo simples uso das cores e distribuição de pesos. A figura do santo penitente e sofredor, pintada em cores escuras, contrasta com a claridade do céu e a vivacidade dos anjos que o atendem na sua hora extrema. Lélia Frota detalha a descrição:
"Estes dois painéis no forro da sacristia de São Francisco de Mariana estarão entre os mais belos trabalhos realizados pelo Ataíde. Reúnem de maneira ótima as suas mais evidentes qualidades: a grave expressividade do seu humanismo, concentrada na representação do santo mestiço; o refinamento da composição, centrada nas formas sutilmente oclusas de concha, e conciliando elementos muito díspares; o capricho tonal e um particularíssimo claro-escuro, que exibem uma invenção visual que vai do ar livre da paisagem e do céu até o intimismo mais sombrio do âmago da concha dissolvida em nuvens onde agoniza Francisco. Uma tênue diagonal divide em dois terços o quadro: no inferior, predominam os terras, a tônica é mais densa e dramática. No superior, são azuis, brancos, grises e rosas que ressaltam. E do grupo dos anjos assentados sobre a parte superior da concha nuvem se dirige a Francisco a graça que emana do símbolo triangular da Santíssima Trindade.... A composição se apóia no eixo diagonal, tão caro ao Barroco, ondulando-o e ocultando-o sob os recortes irregulares da gruta em rocaille, continuada pelo tronco e ramos desiguais de uma grande árvore".
Teto da nave da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Ouro Preto:
A mais expressiva obra de mestre Ataíde é o teto da nave da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Ouro Preto. A forma da Igreja, octogonal irregular, com as quatro paredes menores convexas e a solução de abóbada a barrete de clérigo certamente facilitaram a magnífica composição. Sobre as paredes convexas estão os quatro púlpitos com doutores da Igreja, espetacularmente favorecidos pela arquitetura.
O quadro central, pintado a óleo, é o que apresenta espaço metafórico mais amplo, tanto na obra de Ataíde quanto na pintura brasileira. No centro vê-se uma Nossa Senhora mulata, entre nuvens povoadas de anjos, igualmente pardos. Além da cabeça de Nossa Senhora, o espaço se dilata, subindo para as alturas.
Sua última criação documentada foi a tela intitulada “A Última Ceia”, de 1828, a única obra de cavalete realizada pelo artista para o tradicional Colégio do Caraça em Santa Bárbara-MG.
“A Última Ceia” (1828), Colégio do Caraça-MG.
É uma obra em que fica explícita sua qualidade de criador original sobre a última refeição de Jesus com os seus Apóstolos, a quem num gesto de humildade, lavou os pés quando se sentaram à mesa, o que é indicado pela bacia de barro com um pano branco semi torcido à boca do quadro.
Alaíde introduz em uma cena litúrgica, elementos de descontração e informalidade, dando. Diversos detalhes anedóticos dão vivacidade à composição, como as serviçais em atividade, uma delas uma mulata, e a animada interação coreográfica dos Apóstolos com Cristo. Outros introduzem associações heterodoxas para a doutrina católica, pois sobre a mesa aparecem ossos de carneiro, "em flagrante contradição com os rígidos preceitos do Catolicismo de outrora quanto à restrição de consumo de carne durante a Quaresma".
A tela foi emprestada para o Governo de Minas Gerais nos anos 70 por ocasião da inauguração do Palácio das Artes em Belo Horizonte, e temeu-se que ela nunca mais fosse devolvida, "pagando" desta forma os gastos públicos para levar o asfalto até o Caraça. O colégio estava na época ainda abalado pelo desastroso incêndio de 1968, que encerrou sua brilhante trajetória como educandário da elite brasileira, mas salvando-se porém a obra do pintor.
OBRAS:
Pintura de tetos, panos de porta e outros painéis:
• Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Mariana (1791/1792 - pano de porta; 1794/1795 - forro da sacristia)
• Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Piranga (1800)
• Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Ouro Preto (1801/1812 - forro da nave)
• Igreja Matriz de Conceição do Mato Dentro (1805 - seis painéis)
• Igreja Matriz de Santo Antônio, em Santa Bárbara (1806/1807 - duas imagens de Cristo)
• Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas (1818/1819 - retoques no forro da nave da Igreja; pintura parietal nas três primeiras Capelas dos Passos)
• Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto (1818 - quatro painéis grandes)
• Catedral de Mariana (1819/1821)
• Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Mariana (1823 - teto da capela-mor)
• Câmara de Mariana (1824 - um retrato do Imperador)
• Igreja Matriz de Santo Antônio, em Ouro Branco
• Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Santa Bárbara (1827)
• Colégio do Caraça (1828 - A Última Ceia)
• Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Mariana (1793/1794 - retábulo; 1794/1795 - altar-mor; 1804/1807 - trono e altar-mor)
• Santa Isabel, Mariana (1795/1800 - altar)
• Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Piranga (1800 - altar)
• Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Ouro Preto (1801/1812; 1825 - tabernáculo)
• Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto (1812 - capela e oratório; 1818 - prateamento de sessenta castiçais e oito palmas; 1824 - altar-mor; 1825 - arco do cruzeiro, quatro portadas e o prebistério; 1826 - altares laterais e dois púlpitos)
• Catedral de Mariana (1819/1821)
• Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Mariana (1823 - inúmeras peças; 1826 - termina o altar-mor)
• Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Santa Bárbara (1827)
Encarnação de estátuas:
• Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas (1781; 1808/1809; 1818/1819)
• Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Mariana (1793/1794)
• Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Ouro Preto (1805 - estátuas de São Roque, Santo Ivo, São Francisco, o Pontífice, dois Cardeais e de São Luís)
• Igreja Matriz de Santo Antônio, em Santa Bárbara
• Igreja Matriz de Conceição do Mato Dentro
• Matriz de Santo Antônio, em Itaverava (1811/1812 - estátua de Nossa Senhora)
Projeto do retábulo arquitetural:
• Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto (1813)
Iluminação de manuscritos:
• Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, onde estão preservados os Livros de Compromisso das Irmandades de Nossa Senhora das Mercês, da Freguesia de São Bartolomeu, e da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa, de Antônio Pereira.
Manuel da Costa Ataíde é fruto maduro do mundo artesanal, sem escolas formais, voltado para a execução e não para a criação. Entretanto, Ataíde executa e inova. Inova nos traços fisionômicos, na composição, na localização e número das personagens.
2 comentários:
Parabéns pelo blog. Utilizei os dados em meu trabalho ficou ótimo.
Mestre Ataíde e seus santos de traços mulatos merece os nossos aplausos. Um artista genial, de um dos períodos mais ricos da arte brasileira.
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