quarta-feira, 30 de novembro de 2011

HONORÉ DAUMIER (1808-79) E O ATAQUE A POLÍTICA DE LUÍS FILIPE


   Caricaturista com um sentido apurado de sátira social, atividade que adquire notoriedade ímpar pela sua atitude intervencionista, coragem e técnica, sempre pronto a atacar a política de Luís Filipe, tal como o sistema legislativo, judiciário e burocrático do estado dominado por uma aristocracia decrépita que, lentamente, cede o seu cetro à burguesia industrial e financeira.

"Gargantua", litografia, 1831. Por causa dessa charge, do Rei da França como Gargantua.


   O artista desenhou caricaturas intensamente satíricas, alfinetando a pompa de nobres, bonapartistas e políticos. O rei Luís Felipe prendeu DAUMIER por causa de sua caricatura do rei engolindo “sacos de ouro extorquidos do povo”.



DAUMIER era um realista de outra espécie. Filho de um vidraceiro cresceu em Paris. Aprendeu o ofício de litografia e em 1831, começou trabalhando para o jornal “La Caricature”. 

Caricatura representando D. Pedro IV e D. Miguel I  a lutar pela coroa portuguesa, por Honoré Daumier, 1833.

   Em 1834, “La Caricature” foi suprimido e desde então DAUMIER trabalhou para “Charivari”.
   De um artista mais ou menos inexperiente, converteu-se num dos maiores desenhistas da arte ocidental. À sua extraordinária fluência e poder de traço, somou um profundo sentido da injustiça social e uma compreensão pessoal das ambições e da pobreza urbanas.
   Seus ataques políticos não poderiam ter sido tão amargos, se entre DAUMIER e as massas não houvesse estreita afinidade.
   Suas litografias foram admiradas por artistas de renome, como Corot e Delacroix, Balzac, o romancista, que também trabalhou para “Charivari”, disse ele:

   “Este moço tem algo de Michelangelo sob a pele”.

   Quase ninguém se apercebeu de que DAUMIER era também notável pintor, e utilizava as tintas com uma liberdade desconhecida de seus contemporâneos.
   Amigo de Balzac (1799; 1850), melhor do que este soube ver no povo vitimado, o herói da luta pela liberdade contra o poder. Assim, é este povo (que em Daumier é representado pelo operariado urbano, despojado de história e de presente, mas unido pelo desejo de mudança) que se torna o motivo central de toda a sua temática. Como consequência, não há um Daumier político e um Daumier artista, tal como claramente sucede com Courbet.
   Daumier é o primeiro a fundar a arte sobre um interesse político (vendo na política a forma moderna da moral), tal como é o primeiro a recorrer a um meio de comunicação de massas, a imprensa, para com a arte influir sobre o comportamento social.
   Mestre da litografia "existem cerca de 4000 trabalhos litográficos catalogados como suas produções" o artista orienta toda a sua produção plástica no sentido desta técnica, até então considerada menor, dada a sua característica de múltipla reprodução que a afasta do objeto único, exclusivo do seu detentor. Mas se esta posse é um dos fundamentos do colecionismo burguês, Daumier não está interessado nele. O seu objeto e destinatário são os mesmos; a multidão que constitui a base da pirâmide hierárquica.    Deste modo, podemos constatar que Daumier concebe os seus trabalhos como imagens litográficas, tornando a sua comunicação direta, simples e peremptória e isenta de qualquer vestígio de subjetividade como a que encontramos no seu contemporâneo Millet.
 A exceção que confirma a regra reside nos seus múltiplos trabalhos dedicados à temática de D. Quixote, mas essa mostra, a faceta íntima e poética muito própria de Daumier.

  
   Honoré Daumier (num estilo que já podemos encontrar em germinação com Goya) conserva da representação apenas aquilo que pode atuar como estímulo e despertar no espectador uma reação moral imediata.
   Mais, a imagem não é uma representação ou narração de um fato, mas o juízo que se tece sobre esse mesmo fato. É neste ponto onde o realismo de Daumier colide e se afasta da proposta de Courbet para quem a representação não deve incluir nenhuma valoração subjetiva.
   Este posicionamento de Daumier é visível não só nas suas litografias, mas em toda a sua produção plástica e assumidamente expressa em obras como "Queremos Barrabás" (1850),"A Insurreição" (1860), "O vagão de Terceira Classe" (1862), etc.

"Queremos Barrabás", 1850

   Além da temática, transversal a todas elas, Daumier emprega uma técnica cujo fim é salientar o meio, onde essa realidade se produz, assim, opta por um traço desfocado por contrastes de luminosidades e sombras carregadas, permitindo que as zonas de penumbra desempenhem um papel significativo, desenvolvendo as bases de toda a ação dramática.
   Alguma crítica vê nesta manipulação, quase monocromática, o reflexo autodidata do autor, fato que facilmente se desmente quando observamos a riqueza policromática e a composição extremamente inovadora, para não dizer visionária, que apresentam alguns dos seus trabalhos dedicados à temática de D. Quixote.


   Com o Realismo de Daumier a pintura é investida de uma função política atuante, o seu projeto não se confina à observação, mas, principalmente, à ação. O pintor não é, pois, um ser contemplativo, mas alguém obrigado á atuação. Posição que será interrompida pelo insucesso das lutas sociais dos meados do séc. XIX e pelo advento da estética Impressionista, para ser retomada pelo expressionismo e por vários movimentos dos anos de crise da Europa do séc. XX. 


A Insurreição, 1860.
“O vagão de terceira classe”,1862.
   Mesmo assim, DAUMIER, continuou os seus ataques: “O vagão de terceira classe” retrata passageiros da classe trabalhadora, dignos, apesar apertados feito animais. Esta foi a mais precoce representação pictórica do efeito desumanizador do transporte moderno.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

ROY LICHTENSTEIN (1923-1997) E A BANDA DESENHADA.




Era difícil fazer um quadro suficientemente desprezível, a ponto de ninguém querer pendurá-lo. Todo mundo pendurava tudo. Até pendurar um trapo gotejante era aceitável. Mas, a única coisa que todo mundo odiava era a arte comercial. Ao que parece, não a odiavam tanto assim também.”
  
Roy Lichtenstein, escultor e pintor americano, filho de um próspero corretor de imóveis de origem judaico-alemã, nasceu em 27 de outubro de 1923, Nova Iorque. Era uma criança quieta, introspectiva e teve uma infância pacata.
Começou a desenhar e pintar na adolescência influenciado pelo período azul e rosa do grande pintor Picasso. Interessou-se primeiro por arte e design como hobby, ao mesmo tempo era um apaixonado pelo Jazz. Muitas vezes o artista desenhou os músicos e assistiu a shows no Harlen (centro cultural e comercial dos afro-americanos).
Acabou decidindo-se pelo curso de artes plásticas, que cursou na Universidade Estadual de Ohio, mas teve que interrompê-lo para servir na Segunda Guerra Mundial, entre 1941-1943.
Nunca combateu, sua missão consistia em desenhar os mapas do front de batalha.
Ao retornar, terminou o curso e instalou-se em Nova York.
Em 1949, já formado em Artes, realizou sua primeira exposição.
Lichtenstein foi fortemente influenciado por dois professores: Hoyt L. Sherman, que insistiu na “abstração”; e, Allan Kaprow, que reacendeu no aluno o interesse em imagens Neo-Dadaistas, ou Protopop.
Vivenciou vários estilos da arte como o Abstracionismo, Expressionismo e Cubismo.
Roy Lichtenstein fez suas primeiras obras semi-abstratas.
Na década de 1950 começou a se apropriar de imagens da cultura americana, desde personagens animados a índios e caubóis, "embora em estilo expressionista".
No entanto, foi na POP ART que revelou grande talento e brilhantismo com sua originalidade, poder analítico e irônico do estilo convencional.
Sua primeira exposição individual foi em 1951, na Carlebach Gallery, em Nova York.
Até 1957, trabalhou como designer, fez cartazes para vitrines de lojas e oscilou entre o Impressionismo abstrato e as histórias em quadrinhos e cartoons, até que nos anos 60, num procedimento aparentemente inocente, se decidiu pelo uso dos elementos típicos da propaganda em seus desenhos e pinturas. 



Roy Lichtenstein foi o mestre do estereotipo e o mais sofisticado dos artistas pop, quer pela capacidade de análise visual, quer pela ironia da exploração dos estilos passados. Impossível olhar para alguma BD (Banda desenhada, forma de arte que conjuga texto e imagens com o objetivo de narrar histórias dos mais variados gêneros e estilos, e não ser assolado imediatamente pelo trabalho de Lichtenstein).
Ao lado de muitos artistas fundadores do movimento e participantes do “Independent Group”, que seguiam  na contramão da arte moderna, Roy se destaca por aplicar nas artes um cuidado sem igual com a estética das pinturas e esculturas, apesar de utilizar uma linguagem já conhecida  para fazer arte.
O seu primeiro trabalho Pop foi um “look” do Mickey Mouse. Curiosamente, a proposta para o trabalho veio de um de seus filhos, que desafiou o artista a pintar uma imagem tão boa quanto á do famoso ratinho de Walt Disney.

Nos seus quadros a óleo e tinta acrílica, ampliou as características dos quadrinhos e dos anúncios comerciais, e reproduziu à mão, com fidelidade, os procedimentos gráficos. Empregou, inicialmente, uma técnica denominada “Ben-Day dots”, um processo de impressão de pontos que, através do sombreamento, cria uma textura tonal.
A técnica se assemelha ao pontilhismo, com cores brilhantes, planas e limitadas, delineadas por um traço negro, que contribuíam para o intenso impacto visual.


Entre as características marcantes de sua obra, o efeito degradê obtido com bolinhas e o uso de cores fortes: cabelos azuis e amarelos, rosto magenta, lábios vermelhões e traços pretos de expressão bem largos, inspirados pela linguagem dos quadrinhos; o uso de fita adesiva e fita crepe para criar listras diagonais; onomatopeias e gírias inspiradas por cartuns como Dick Tracy, além, dos socos, tiros, lágrimas pelo amor perdido, com frases e textos de apoio.
Com certa ironia deu a esta fase o nome de “Grande Pintura”.
De baixo da couraça muscular de super-heróis e das lágrimas de suas beldades louras, Lichtenstein retrata um tecido poroso, feito a partir de milhares de bolinhas, as células da indústria gráfica. Quem já viu um cartaz outdoor de perto não se esquece desse artificialismo. Foi assim, cientificamente, que o pintor, que antes fora publicitário e vitrinista, satirizou a banalização e a superficialidade a que a mídia submeteu a cultura contemporânea.
Para o crítico italiano Giulio Carlo Argan, ao usar as histórias em quadrinhos, Lichtenstein produziu uma obra que:

 "[...] permite que milhões de pessoas leiam ao mesmo tempo a mesma narrativa, interpretem-na do mesmo modo, sintam a mesma emoção momentânea e, um segundo depois, esqueçam-na".


Como nos anos 60 já usava o tema da ironia, que marcou os 90, Roy é considerado pioneiro, mestre e uma figura proeminente da arte americana. 

I can see the whole room, and there's nobody in it!”, 1961 (“Posso ver o quarto inteiro, e não há ninguém nele”).

Nessa obra, retrata um homem que olha através de um buraco em uma parede e pronuncia a frase que dá nome à obra. A tela trata-se de um contra-ataque ao que faziam na época os expressionistas abstratos.
Uma das melhores definições do movimento veio do próprio Roy:

“O que marca o pop é antes de mais nada, o uso que é dado ao que é desprezado”.

Lichtenstein criou uma obra ambígua, paródica e sedutora, que pretendia oferecer uma reflexão sobre a linguagem e as formas artísticas.


Ele mesmo descreveu o Pop Art como:

 "Não é uma pintura “american”' mas na verdade uma pintura industrial".

Sua intenção era que suas imagens parecessem, tanto quanto possível, feitas por uma máquina, desvinculadas do contexto de uma história, como imagens frias, intelectuais, símbolos ambíguos do mundo moderno. Ampliando os painéis da revista para o tamanho de cartazes, o artista agride o espectador com sua trivialidade.    
Os trabalhos de Lichtenstein não traziam uma crítica à cultura consumista, mas dela fazia uma paródia. O resultado é a combinação de arte comercial e abstração.

 “Em suas cópias e cartuns, ele retomou gêneros tradicionais como paisagem, natureza-morta e figura, reanimando e revivendo estes temas acadêmicos tradicionais no vocabulário moderno”, explica Lisa Phillips.

Ele transformou a linguagem do fazer imagens, o tema de sua arte, em algo análogo às suas fontes populares, contestando com humor e ironia o próprio conceito da arte na era da reprodução em massa.
Mais do que o contorno a preto das figuras e a escolha limitada a cores industriais, os pontos de Benday pareciam fora do lugar na pintura. Embora imagens isoladas de banda desenhada tivessem sido há muito integradas nas belas artes, ninguém tinha encontrado uma forma de aumentar a sua expressão para além da utilização de uma colagem ou de um motivo pintado. Ao usar referências da técnica de impressão, como os pontos de Benday, o conceito de fonte impressa permaneceu intacto. Os críticos e artistas comerciais que reprovaram Lichtenstein por não se distanciar suficientemente da sua fonte, obviamente não compreenderam que não só o conteúdo da pintura, mas também o conteúdo do estilo era importante.


Moça com bola”, 1961.

Nesta obra de LICHTENSTEIN baseada em um anúncio publicado no jornal “The New York Times”, o artista que apreciava as imagens publicitárias, destacou a moça e a bola com a qual ela se diverte.
O artista construiu a cena com poucos traços e poucas cores: a mesma cor escura do maiô é usada nos cabelos da moça; o mesmo vermelho da bola aparece em seus lábios, dando um ar de sensualidade; o mesmo branco da bola foi empregado em seus dentes; nos reflexos de luz em seus cabelos e no detalhe do maiô.
Para realçar sua figura, ele empregou um tom forte de amarelo. Com poucas cores e poucos traços, ele conseguiu criar a imagem de uma jovem saudável, alegre e em pleno movimento.

 “É uma maneira de descrever meus pensamentos o mais rápido possível”, dizia ele sobre seus desenhos. 

In The Car”, 1963.
"Meu trabalho expressa paixão e violenta emoção num estilo mecânico", reconhecia o pintor.

Em 1963 foi chamado de “o pior artista da América” por Brian O’Doherty, do The New York Times. Mas, graças a seu empenho e à retaguarda mercadológica do marchand Leo Castelli, triunfou. 


“Whaam!”, 1963.

Depois de sua fase inicial de histórias em quadrinhos, LICHTENSTEIN ampliou seu repertório de imagens, sempre pintadas graficamente, de paisagens gregas a homenagens aos grandes nomes da pintura, como Picasso e Matisse. Assim, ele próprio, que antes fizera a "autópsia gráfica" da turma do Pato Donald, agora submetia os modernos ao mesmo método.
Em 1965, acusado por vários críticos de cópias de painéis originalmente desenhados por outros artistas, como Kirby, Russ Heath, Abruzzo Tony, Irv Novick e Grandenetti Jerry, que trabalhavam diretamente com a mídia, Lichtenstein praticamente abandonou seus trabalhos com quadrinhos. Outra crítica que o artista sofre, refere-se à ausência de qualquer crédito aos desenhistas originais. Há quem diga que:

 “Lichtenstein não fez pelos quadrinhos nada mais, nada menos, que Andy Wharol fez para a sopa Campbells”.

Lichtenstein tinha algumas facetas não muito conhecidas pelo grande público: as esculturas do período 1967-1968, como a que enfeita a Praça em Barcelona. 


Os quadrinhos, no entanto, retornaram à vida e obra do artista nos anos 70. Desta época, novo “look” do Mickey (1973), que incorpora outros trabalhos anteriores, é dos notáveis exemplos. É também deste período “Pow Wow” (1979).


Afora seus quadros dos anos 60, sua obra mais eloquente é um auto-retrato de 1978. Nele, o pintor vê-se como uma montagem de objetos: uma camiseta imaculadamente branca no lugar do corpo de um espelho vazio, sem refletir nada, no lugar da cabeça.
Em 1977, Lichtenstein participou da terceira etapa do “BMW ART CAR PROJECT”, quando pintou cinco versões do carro de corrida BMW 320.
Fez parte do grupo do galerista Leo Castelli. Recebeu a National Medal of the Arts, Washington, o Kyoto Prize da Inanori Foudation, Japão e o American Academy of Arts and Letters, Nova York. Honorary Doctorates da George Washington University, da California Institute of Fine Arts, da Ohio University, da Bard College e do Royal College of Art, Londres.
A “Roy Lichtenstein Foudation” foi criada de acordo com os desejos do artista e da sua família com intuito de conservar e divulgar a sua obra e de outros artistas contemporâneas.
Suas obras mais conhecidas mundialmente são “Takka, Takka” (1962), “Whaam” (1963), “O Beijo” (1963), “Quando Abri Fogo” (1964) e “M-maybe” (1965).
Foi com assepsia e indiferença que ele espelhou o nosso tempo. Lichtenstein morreu no dia 29 de setembro de 1997, aos 73 anos, vítima de pneumonia, em Nova York.


 “M-maybe”, 1965.

“Eu sei... Brad”, 1963.

Takka Takka”, 1962.
The Kiss”, 1962.

Nessa pintura foi utilizado como enquadramento o plano de close-up, provavelmente para enquadrar a expressão da mulher, que está chorando de felicidade nos ombros de seu amado. Roy faz nesse quadro contrastes de tom utilizando as seguintes cores, o azul (da roupa do homem), o vermelho (do lábio da mulher) e o amarelo (do cabelo da mulher, que é loiro). Isso cria um movimento circular dos olhos, que para apreender a imagem, passa constantemente por esses lugares, transmitindo-nos sensação de felicidade.

I Love Liberty”, 1962.
"Girl at Piano", 1963.








quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CÂNDIDO PORTINARI (1903-1962): "Daqui fiquei vendo melhor a minha terra. Fiquei vendo Brodowski como ela é".



Vim da terra vermelha e do cafezal.
As almas penadas, os brejos e as matas virgens
Acompanham-me como o espantalho,
Que é o meu auto-retrato.
Todas as coisas frágeis e pobres
Se parecem comigo.

 Cândido Portinari

I – VIDA:

Cândido Portinari nasceu no dia 29 de dezembro de 1903, numa fazenda de café em Brodósqui, no Estado de São Paulo. Filho de imigrantes italianos, de origem humilde, recebeu apenas a instrução primária. Ainda criança manifestou sua vocação artística e iniciou-se no mundo artístico como ajudante dos restauradores da igreja de sua cidade.
Em 1909, o menino começa a desenhar. 


Família Portinari

No ano de 1912, participa, durante vários meses, dos trabalhos de restauração da Igreja de Brodowski, ajudando os pintores italianos a "Dipingere Le Stelle". Mais tarde, auxilia um escultor frentista.
A partir de uma carteira de cigarros, Portinari faz a lápis um retrato do músico Carlos Gomes em 1914. A família guarda o desenho.

Desenho de Carlos Gomes feito a carvão em 1914.

Inscrições, na metade superior à direita, “LO SCHIAVO”,
“SALVADOR ROSA” e “MARIA TUDOR”; na metade inferior à esquerda,
“TOSCA”, “COLOMBO”, “CONDOR” e “GUARANY”; no centro da metade inferior,
“Carlos Gomes nascido 17 julho de 1836 e fallecido 16 setembro de 1896”.

Viaja para o Rio de Janeiro em 1918. Tem aulas de desenho no Liceu de Artes e Ofícios.      Matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes, na qual estuda desenho e pintura. Seus professores foram Amoedo, Batista da Costa, Lucílio Albuquerque e Carlos Chambeland.
Realiza-se em 1922 na cidade de São Paulo, a Semana de Arte Moderna, porém Portinari não participa. Expõe, pela primeira vez, no Salão da Escola de Belas Artes.
No ano de 1923, Portinari manda para o Salão da Escola de Belas Artes o retrato do escultor “Paulo Mazzucchelli”, ganhando três prêmios, entre eles a medalha de bronze do Salão.
Participa do Salão Nacional de Belas Artes de 1924, com o quadro “Baile na Roça”, obra com temática brasileira, mas é recusado pelo júri. 

“Baile na Roça”, 1923/1924.

 Obtém a pequena medalha de prata no Salão de 1925, no qual expõe dois retratos, e recebe a grande medalha de prata no de 1927.
Em 1928 conquistou o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Exposição Geral de Belas-Artes, de tradição acadêmica, com o retrato do poeta “Olegário Mariano”.



Conhece Maria Martinelli em 1930, jovem uruguaia de 19 anos, radicada com família em Paris e se casa com ela. Sente saudade de Brodowski e escreve para o Brasil...


"Daqui fiquei vendo melhor a minha terra - fiquei vendo Brodowski como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. Vou pintar o Palaninho, vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor. Quando comecei a pintar, senti que devia fazer a minha gente e cheguei a fazer o “Baile na Roça”... A paisagem onde a gente brincou a primeira vez não sai mais da gente, e eu quando voltar vou ver se consigo fazer a minha terra..."


Longe de sua pátria, saudoso de sua gente, Portinari decide, ao voltar para o Brasil em 1931, retratar nas suas telas o povo brasileiro e a realidade local, superando aos poucos sua formação acadêmica e fundindo a ciência antiga da pintura a uma personalidade experimentalista técnico-expressivas.
A estada na Europa, entre 1928-30, trouxera-lhe as condições fundamentais para a superação da atitude artística convencional. Duas fontes plásticas distintas marcariam, sobretudo, sua obra: a contemporaneidade parisiense e a pintura italiana do Quatrocento. 
Participa da comissão destinada a promover a reforma do Salão Nacional de Belas Artes, no qual os artistas modernos são admitidos pela primeira vez. Portinari é convidado pelo então diretor da Escola Nacional de Belas Artes, o arquiteto Lúcio Costa, a fazer parte da comissão organizadora do Salão. Nesse ano, Portinari apresenta 17 obras.
Portinari expõe individualmente no Palace Hotel em 1932, dessa vez exibe obras de temática brasileira - cenas de infância, circo, cirandas. No ano seguinte faz outra Exposição Individual no mesmo local.

“Ronda infantil”, 1932.

Em 1934, Portinari pinta: “Despejados”, obra de temática social. Intelectuais começam a ver em sua figura o verdadeiro representante plástico do modernismo brasileiro.

“Despejados”, 1934.

Tem sua tela “O Mestiço”, adquirida pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, sendo assim, a primeira instituição pública a incluir uma obra de Portinari em seu acervo.

“O Mestiço”, 1934.

“Índia e Mulata (India y Mulata)”, 1934.

“Lavrador de Café”, 1934.

Há uma discrepância na datação de “O Lavrador de Café”, de Candido Portinari (1903-1962): segundo a ficha técnica do Masp, ela é de 1939, enquanto no site do Projeto Portinari, que tem à frente o professor João Candido Portinari, filho do artista, a obra seria de 1934. A temática social foi uma das mais recorrentes em Portinari. Só sobre o café, o pintor realizou 56 obras, de acordo com o Projeto Portinari.
Em julho de 1935 é contratado para lecionar pintura mural e de cavalete na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Ao participar da Exposição Internacional do Instituto Carnegie, nos Estados Unidos, junto com pintores de 21 países, recebe a Segunda Menção Honrosa, com a tela "Café". Essa obra é adquirida, antes mesmo da premiação, pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, para o Museu de Belas Artes. 

“Café”, 1935.

Passa a lecionar na Escola Nacional de Belas Artes, recebendo a nomeação de “pintor nacional” durante o governo de Getúlio Vargas.
Em seguida, inicia seus trabalhos inspirados no movimento muralista mexicano (“Movimento Rodoviário”, na Via Dutra; “Ministério da Educação e Saúde”, no Rio de Janeiro; “Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York”; “Fundação Hispânica na Biblioteca do Congresso”, em Washington).
Estes trabalhos, como conjunto e como concepção artística, representam um marco na evolução da arte de Portinari, afirmando a opção pela temática social, que será o fio condutor de toda a sua obra a partir de então. Companheiro de poetas, escritores, jornalistas, diplomatas, Portinari participa da elite intelectual brasileira numa época em que se verificava uma notável mudança da atitude estética e na cultura do país: tempos de Arte Moderna e apoio do mecenas Getúlio Vargas que, dentre outras qualidades soube cercar-se da nata da intelectualidade brasileira de seu tempo.
Executou três painéis para o pavilhão brasileiro na Feira Mundial de Nova Iorque: “Jangadas do Nordeste”; “Cena Gaúcha” e “Festa de São João”.


“Jangadas do Nordeste”, 1939.
“Cena Gaúcha”, 1939.

“Festa de São João”, 1939.
  
O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque adquire o quadro "O Morro", que René Huyghe, Diretor do Museu do Louvre, aconselhara Portinari a não utilizar. Em novembro, expõe 269 trabalhos no Museu Nacional de Belas Artes. A Universidade do Distrito Federal é fechada.

“O Morro”, 1936.

PORTINARI foi muito criticado por “deformar” suas figuras humanas. No início da década de 1940, sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, era acusado de antinacionalista por retratar os trabalhadores com braços e pernas desproporcionais, como se sofressem de elefantíase.
Na verdade, as telas de PORTINARI são verdadeiro hino de louvor àquelas pessoas, como nos explica o pintor:

   “Impressionavam-me os pés dos trabalhadores das fazendas de café. Pés disformes. Pés que podem contar uma história.
   Confundiam-se com as pedras e os espinhos. Pés sofridos com muitos e muitos quilômetros de marcha. Pés que só os santos têm. Sobre a terra, difícil era distingui-los. Os pés e a terra tinham a mesma moldagem variada. Raros tinham dez dedos, pelo menos dez unhas. Pés que inspiravam piedade e respeito. Agarrados ao solo eram como os alicerces, muitas vezes suportavam apenas um corpo franzino e doente. Pés cheios de nós que expressavam alguma coisa de força, terríveis e pacientes”.
  
PORTINARI recriava a realidade, potencializando uma maneira particular de ler o mundo ou mesmo dando corpo a outra verdade.
O artista dialetizou aqueles poderosos elementos de linguagem na interpretação plástica do ambiente nativo. Valeu-se de uma imaginação coordenadora que, em parte essencial de sua obra, enfatiza as características antropológicas e as condições sociais do povo brasileiro.
PORTINARI chocava e ao mesmo tempo interessava pela versatilidade dos recursos técnicos, iconográficos e expressivos.
Mesmo ao filiar-se ao PC, o artista não se vinculou ao Realismo Socialista ou a outras soluções de caracterizada natureza política.


Ainda, em 1940, Portinari participa da Exposição de Arte Latino-Americana no Museu Riverside, em Nova Iorque. Expõe com grande sucesso em Detroit e no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. A University Of Chicago Press publica "Portinari, his life and art", o primeiro livro sobre o artista, com prefácio de Rockwell Kent e Josias Leão. Ilustra "A Mulher Ausente", de Adalgisa Nery.
Em Brodowski, na casa de seus pais, Portinari passa a pintar uma capela para sua avó - "Capela da Nonna", que já não mais podia frequentar a Igreja.
Em 1941, Portinari executa quatro grandes murais na Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington, com temas referentes à história latino-americana.

“A descoberta da terra”, 1941.

Ilustra o livro infantil "Maria Rosa", de Vera Kelsey e, a pedido de Assis Chateaubriand pinta uma série de murais para a Rádio Tupi do Rio, inspirados na música popular brasileira. Realiza nova Exposição Individual no Museu Nacional de Belas Artes em 1943. Ilustra "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.
Em 1944, pinta três painéis para a Capela Mayrink, Rio de Janeiro. Acaba de executar um ciclo bíblico, que Assis Chateaubriand compra e leva para a Rádio Tupi de São Paulo, onde a influência da “Guernica” de Picasso é visível, levando-o a um Expressionismo exasperado na caracterização trágica do homem.
A escalada do nazi-fascismo e os horrores da guerra reforçam o caráter social e trágico de sua obra, levando-o à produção das séries “Retirantes” e “Meninos de Brodósqui”, entre 1944 e 1946, e à militância política, filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro e candidatando-se a deputado, em 1945, e a senador, 1947.


Retirantes”, 1944
Óleo s/ tela 190 x 180 cm.
Col. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand São Paulo, Brasil

    “Candido Portinari (1903-1962) tem sua obra caracterizada por um grande diálogo com o movimento muralista mexicano, esse marcado por grande carga de crítica social, num momento em que o modernismo se polarizava entre o abstracionismo e o figurativismo.
   Dentro dessa segunda corrente, Portinari irá encarnar um “pólo brasileiro” da pintura do século 20 no país, ao retratar especialmente trabalhadores rurais, como na obra “Retirantes” (FGV-Direito)”.


            Deus de Violência

Os retirantes vêm vindo com trouxas e embrulhos
Vêm das terras secas e escuras; pedregulhos
Doloridos como fagulhas de carvão aceso

Corpos disformes, uns panos sujos,
Rasgados e sem cor, dependurados
Homens de enorme ventre bojudo
Mulheres com trouxas caídas para o lado

Pançudas, carregando ao colo um garoto
Choramingando, remelento
Mocinhas de peito duro e vestido roto
Velhas trôpegas marcadas pelo tempo

Olhos de catarata e pés informes
Aos velhos cegos agarradas
Pés inchados enormes
Levantando o pó da cor de suas vestes rasgadas

No rumor monótono das alparcatas
Há uma pausa, cai no pó
A mulher que carrega uma lata
De água! Só há umas gotas — Dá uma só

Não vai arribar. É melhor o marido
E os filhos ficarem. Nós vamos andando
Temos muito que andar neste chão batido
As secas vão a morte semeando.

                                   In: PORTINARI. : o menino e o povoado, aparições, a revolta, uma prece. Pref. Manuel Bandeira. Nota biogr. Antonio Callado, Rio de Janeiro:J.Olympio, 1964.

Retirantes”, de 1944, é uma obra vinculada ao neorealismo na medida em que se engaja na denúncia do fenômeno da imigração nordestina. O aproveitamento da técnica expressionista é a característica mais marcante nessa série (há uma série de quadros sobre o tema), muito embora em sua poética perceba-se a convergência de várias outras. A obra faz parte do ciclo que se impregna de forte e inconfundível atmosfera. Nós a respiramos na sua cor arroxeada predominantemente, demonstração do estímulo que o ambiente físico exerce no espírito e nos sentidos do artista.
À realidade intensa da terra ele relaciona figuras e coisas como componentes inseparáveis. Faz isso com sentido estrutural do espaço, assimilado do racionalismo da Renascença.
No enérgico porte e delineamento formal das figuras serenas, vemos os mesmos pontos de origem, todavia intumescidos pela presença de localizadas deformações expressionistas.
PORTINARI vai direto ao encontro da vida popular, demonstrando, desde logo, consciência crítica ao abordar temas em que acentua as pesadas condições de trabalho do camponês.
A objetividade de sua observação não exclui o prazer poético dos distanciamentos oníricos que precederam o “approach” surrealista.
De Cândido Portinari pode-se dizer que é o mais moderno dos antigos.
Esta recuperação cultural é comum no passado e no século XX. As recorrências de PORTINARI passavam por decidido poder catalisador, amalgamando-se às introspecções do autor e sua funda empatia com as próprias origens rurais e o clima da vivência.
A determinação do artista está, numa larga margem, colocada na exaltação da humanidade a que se sente pertencer ou a que é solidário. O inconformismo e a rebeldia próprios dos emigrantes que traziam no sangue a luta ancestral do camponês pelo direito da terra deviam insuflar-lhe a temática a assumir.

“Enterro da menina morta”
“Enterro na Rede”, 1944.

 Em 1944, a convite do arquiteto Oscar Niemeyer, inicia as obras de decoração do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, destacando-se o mural “São Francisco” e a “Via Sacra”, na Igreja da Pampulha. 



Ainda em 1946, Portinari volta a Paris para realizar sua primeira exposição em solo europeu, na Galerie Charpentier. A exposição teve grande repercussão, tendo sido Portinari agraciado, pelo governo francês, com a Légion d!Honneur.
Em 1947 expõe no salão Peuser, de Buenos Aires e nos salões da Comissão nacional de Belas Artes, de Montevidéu, recebendo grandes homenagens por parte de artistas, intelectuais e autoridades dos dois países.
Portinari exila-se no Uruguai, por motivos políticos, onde pinta painéis com temas históricos: o painel “Primeira Missa no Brasil”, 1948, encomendado pelo Banco Boavista do Brasil.

“Primeira Missa no Brasil”, 1948.

 Ilustra "O Alienista" de Machado de Assis. No final do ano, Portinari faz uma retrospectiva no MASP (Museu de Arte de São Paulo), tendo as obras “Enterro na Rede”, “Criança Morta” e “Retirantes”, doadas ao Museu por Assis Chateuabriand.
Entre 1949 e 1950, pinta o Mural "Tiradentes" para o Colégio de Cataguases, hoje no Memorial da América Latina em SP.
Apesar do convite, não consegue participar da Conferência Cultural e Científica para a Paz Mundial, em Nova Iorque, pois tem seu visto de entrada negado. Viaja para a Itália em fevereiro e visita Chiampo, terra natal de seu pai. Expõe seis trabalhos na XXV Bienal de Veneza. Recebe pelo painel Tiradentes, a Medalha de Ouro da Paz do II Congresso Mundial dos Partidários da Paz, em Varsóvia. 

“Tiradentes”, 1949.

 Na década de 50, nosso modernismo passa a explorar a vertente abstracionista, indo além do expressionismo de Portinari, que os jovens pintores achavam superado.
Participa em 1951, com uma sala especial, da 1ª Bienal de São Paulo. A Bienal conta com mais de 2.000 trabalhos de pintura, escultura, arquitetura e gravura de artistas de 19 países. Na Itália é lançada a monografia Portinari, organizada e apresentada por Eugenio Luraghi (ed. Della Mondione, Milão).
Em 1952, atendendo a encomenda do Banco da Bahia, realiza outro painel com temática histórica, “A chegada da Família Real à Bahia”.

A Chegada da Família Real Portuguesa à Bahia”, 1952.

É inaugurada, em 1953, a decoração para a Igreja de Batatais. E realizada a Via Sacra para integrar o conjunto das obras. Começa a demonstrar um problema grave de saúde devido à intoxicação com tintas. Expõe no Museu de Arte Moderna do Rio uma mostra com mais de 100 obras. Inicia o trabalho dos enormes painéis "Guerra e Paz" para a sede da ONU, em Nov a Iorque.
Participa em 1954 com mais quatorze artistas de quinze países da mostra organizada pelo Comitê de Cooperação Cultural com o estrangeiro em Varsóvia, que tem como tema principal a luta dos povos pela paz. Executa também um painel dedicado aos "Fundadores do Estado de São Paulo" para jornal O Estado de São Paulo. Expõe novamente no Museu de Arte de São Paulo. Participa da III Bienal de São Paulo, com uma sala especial.
Com os sintomas da intoxicação cada vez mais presentes, é proibido pelos médicos de pintar por algum tempo. "Estou proibido de viver", reclama.
Em 1955, o Internacional "Fine Arts Council", de Nova Iorque, confere-lhe uma medalha como o pintor do ano. Ilustra o Romance "A Selva", de Ferreira de Castro. Em outubro é inaugurado o painel "O Descobrimento do Brasil", encomenda do Banco Português do Brasil, no Rio.
O Descobrimento do Brasil”, 1955.

Em 1956, Portinari viaja a Israel, a convite do governo daquele país, expondo em vários museus e executando desenhos inspirados no contado com recém-criado Estado Israelense e expostos posteriormente em Bolonha, Lima, Buenos Aires e Rio de Janeiro. Neste mesmo ano Portinari recebe o Prêmio Guggenheim do Brasil, a Menção Honrosa no Concurso Internacional de Aquarela do Hallmark Art Award, de Nova York.
A Maison De La Pensée, em Paris, apresenta a exposição individual de Portinari em 1957, com o patrocínio da Embaixada do Brasil, com 136 obras. Expõe no Museu de Munique. Os painéis "Guerra e Paz" são inaugurados na sede da ONU. Recebe a "Hallmark Art Award", de Nova Iorque. Solomon Guggenheim expõe "Mulheres Chorando" um dos grandes estudos preliminares do painel "Guerra". Expõe no Museu de Munique. Os painéis "Guerra e Paz" são inaugurados na sede da ONU. Recebe a "Hallmark Art Award", de Nova Iorque. 




No final do ano Portinari começa a escrever suas memórias: “Retalhos da minha vida de infância”.

 "Eram belas as manhãs frias na época da apanha do café e delicioso o canto dos carros de boi transportando as sacas da colheita. Quantas vezes adormecíamos sobre as sacas. A luz do sol parecia mais forte.
Era somente para nós. Ia pela estrada afora o carro vagaroso, cantando. Dormíamos cheio de felicidades. Sonhávamos sempre, dormindo ou não. Nossa imaginação esvoaçava pelo firmamento. Fantasias forjadas, olhando as nuvens brancas, mais brancas do que a neve. Tudo se movia ao nosso redor como um passe de mágica. Belas eram as seriemas, as saracuras e os tatus. Quando víamos no chão um orifício, sabíamos a que bicho pertencia. Conhecíamos também a maioria das árvores e arbustos, sabíamos a maioria das árvores e arbustos, sabíamos suas serventias para as doenças; as chuvas, o arco-íris, as nuvens, as estrelas, a lua, o vento e o sol eram-nos familiares. O contato com os elementos moldava nossa imaginação e enchia nosso coração de ternura e esperança."

Expõe em 1958, inaugurando a Galleria Del Libraio, em Bolonha - Itália, os trabalhos com motivos de Israel, os quais mostram a seguir em Lima e Buenos Aires. É convidado de honra, com sala especial, na 1ª Bienal do México. No retorno de uma viagem pela Europa declara que passará a dedicar-se à poesia. É convidado para receber em Bruxelas, a Estrela de Ouro.
No ano seguinte expõe na Galeria Waldenstein, em Nova Iorque e no Museu Nacional de Belas Artes em Buenos Aires. A pedido da Librarie Gallimard,executa doze ilustrações, em cores, para "O Poder e a Glória", romance de Graham Greene. Ilustra também, com trinta gravuras "O Menino de Engenho", de José Lins do Rego. Pinta o mural "Inconfidência Mineira" para o Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais S/A, do Rio de Janeiro. Na V Bienal de São Paulo, expõe 130 trabalhos.
Após 30 anos de casamento, Portinari separa-se de Maria em 1960, que, assumindo mais que o papel de esposa, ajudava-lhe com os problemas do cotidiano, deixando-o livre para dedicar-se mais tempo ao seu trabalho. Mesmo separados, Maria continua a prestar-lhe assistência. Ainda para a Librarie Gallimard, ilustra os romances "Terre Promisse" e "Rose de September", de André Maurois.
Executa cinco painéis para o Banco de Boston de São Paulo: "Os Bandeirantes", "Fundação de São Paulo", "Colheita de Café", "Transporte do Café" e "Industrialização". Expõe individualmente na Checoslováquia, em São Paulo e na Galeria Bonino, no Rio. É convidado a participar do júri da II Bienal do México. Realiza-se em Moscou, uma mostra de fotografias de várias de suas obras. Nasce sua neta Denise. Feliz com o nascimento de sua neta declara:

"Minha neta me libertará da solidão" (Poemas: “Cento e Vinte e Seis”, 1960). A partir daí, passa a retratar sua neta em pintura e poesia.

Faz a última viagem à Europa em 1961. Encontra-se com seu filho João Candido em Paris, revê amigos e lugares que há muito lhe emocionavam.
Em janeiro de 1962 sofreu nova intoxicação por chumbo, que já o atacara em 1954. Adoecido, não mais se recuperou. Nessa época, preparava uma grande exposição, com aproximadamente duzentas obras, a convite da prefeitura de Milão. Em 6 de fevereiro, Portinari morreu, vítima de intoxicação pelas tintas que utilizava, mas cumprindo a promessa de homenagear a sua terra e o seu povo, através da sua arte.

"Daqui fiquei vendo melhor a minha terra. Fiquei vendo Brodowski como ela é".

Seu corpo é velado no Ministério da Educação, de onde sai o enterro, com grande acompanhamento

"Quando o esquife de Portinari saiu do Ministério, na manhã do dia 8, em carreta do Corpo de Bombeiros, dos edifícios envidraçados, do pátio do Palácio da Educação, das bancas de jornais, dos cafés em súbito silêncio diante da Marcha Fúnebre e do Hino Nacional, voltaram-se para o cortejo milhares de caras irmãs das que aparecem nos Morros, nos Músicos nos Retirantes de Portinari. Milhares de anônimas criaturas suas disseram adeus ao pintor, miraram uma última vez o claro e sutil feiticeiro que para sempre se aprisionou em losangos de luz e feixes de cor. Como se no espelho apagado da vida do artista ardesse num último lampejo tudo aquilo que refletira durante a vida". (Antônio Callado)


II - CARACTERÍSTICAS:

Em sua obra percebe-se a apropriação de diversas estéticas, desde o renascimento (os planos e a perspectiva) até o cubismo (a superfície chapada e a geometrização das formas, numa figuração impactante, participante do processo social e também da constituição de uma arte e de um imaginário moderno brasileiro).

  “Eu sempre parto de uma composição abstrata para chegar a uma arte figurativa. Penso primeiro em linhas planas e cores, mas em função de um tema que tenho em mente – é claro, portanto, que estes dois atos têm íntima relação”

Segundo Jorge Amado: “Portinari nos engrandeceu com sua obra de pintor. Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente. Com seus pincéis, ele tocou fundo em nossa realidade. A terra e o povo brasileiro – camponeses, retirantes, crianças, santos e artistas de circo, os animais e as paisagens – são a matéria com que trabalhou e construiu sua obra imorredoura.”
  
Portinari não pertenceu à primeira geração modernista, nem, a rigor, começou como um artista moderno. No mesmo ano em que se realizava a Semana de Arte Moderna, em 1922, era, muito jovem, premiado no Salão Nacional de Belas Artes, um reduto do tradicionalismo. Só em 1931, de volta ao Brasil após dois anos na Europa, o artista expôs no Rio de Janeiro as primeiras obras que indicavam sua necessidade de renovação, tanto temática quanto estilística. Sofreu então certa influência dos muralistas mexicanos, que aparece em “Café”, uma de suas primeiras grandes telas de conteúdo social.
Era homem de esquerda - pertenceu ao Partido Comunista - e artista engajado, e consagrou sua obra à denúncia das mazelas do País subdesenvolvido que existia a seu redor. Um pouco influenciado também pelas fases mais dramáticas de Picasso, realizou em meados dos anos 40 obras excepcionais, como “Menino Morto” e “Enterro na Rede”. Fazem parte de uma vasta série sobre os retirantes, os emigrantes da região Nordeste do Brasil que, assolados pela seca, abandonam suas terras em busca de melhores condições de vida, sem sucesso.
Portinari foi eleito pelos protagonistas do movimento modernista: Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e outros, como principal motor para a constituição de uma arte moderna no Brasil: uma arte que tentava distanciar-se das convenções da Academia, mas atenta para não se “perder” na abstração ou em outros “excessos vanguardistas". Ele foi um artista muito dotado, um grande desenhista, um grande colorista, dono de uma técnica impecável. Justamente por isso, às vezes o acusam de um tradicionalismo disfarçado. A acusação é excessivamente rigorosa. Sua posição hoje é a de um mestre fundamental, mesmo que sem o grau de inventividade de linguagem ímpar, como o de Volpi.
Até hoje a avaliação exata de PORTINARI, artista de importância ímpar no meio, o que é preciso reconhecer em voz alta, sofre os percalços da polêmica que o envolveu desde os tempos em que os círculos governamentais da Revolução de 30 e do Estado Novo reiteravam-lhe uma preferência declarada.
Valeu-lhe isso a fama de “pintor oficial” e, pior ainda, a de artista ligado a uma ditadura das mais repressivas, o que provocou acirrada disputa entre seus defensores e detratores (portinaristas e antiportinaristas).Não se pode negar, entretanto, que era ele um “indisposto a transigências”, como a propósito do seu comportamento, definiu o insuspeito Graciliano Ramos.
A análise de sua obra, descontados prejuízos, como os que envolvem parte de sua retratística assegura-nos a certeza da fidelidade mantida pelo pintor aos valores plásticos, argamassados com independência na vinculação resoluta com os conteúdos sensíveis da realidade do homem em luta pela sobrevivência.
Diante da obra de Portinari, vemos a paisagem, pisamos o chão; vemos seus trabalhadores e sua pobreza, não descritos com aflição, descritos. E descritos com amor. Não amor pela miséria e o trabalho incessante e sim amor por mulher, homem, criança, que, ricos ou pobres, são para ele objeto de amor.
Ele os pinta com plena aceitação. “Bem-aventurados os humildes” é o que parece dizer, do fundo do coração. E sem as condições em que vivem em sua terra brasileira nada tem, pelo que vemos, de invejável herança, a vida que levam, pela bondade que deles se exala, vale a pena ser vivida.
A dignidade que o artista confere ao trabalhador, o destaque que dá ao personagem popular, enfim, todos aqueles assuntos que ele abordou não podiam ser negados por um poder para quem a questão social (mesmo que dentro de uma ótica populista) constituía uma das bases de sua política. Está no homem o seu interesse e não no procurar um estilo próprio.
Portinari produziu suas obras experimentando procedimentos pictóricos de artistas antigos e contemporâneos, sempre acrescentando a cada um desses “experimentos” soluções de forte cunho pessoal, que ainda aguardam um entendimento mais profundo.
De acordo com os críticos, poucos foram os momentos em que Portinari se libertou da preocupação naturalista reinventando a figura humana. Sua visão aponta sempre para o aprofundamento do tema surgindo em muitos casos á intensidade dramática tentando conquistar uma imagem moderna.
Portinari com sua arte voltada para o povo ampliou a contribuição da cultura brasileira para a humanidade. Ele foi um grande guerreiro que superou a rigidez acadêmica e levou um pouco do nosso país ao mundo com sua temática, cheia de brasilidade.
Gerar espaço, cor, formas é muito mais um desejo de atualização do que aprofundamento artístico de Portinari.
A proposta de Portinari é real para o seu tempo, sua estrutura e identidade com seu país.