quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O SAGRADO E O PROFANO, MIRCEA ELIADE


A obra O SAGRADO E O PROFANO – A essência das religiões, MIRCEA ELIADE, contextualiza o que se chamou por “ciências das religiões”, termo empregado por Max Müller, a partir do século XIX.


O autor ressalta a importância da atualidade dessa ciência, autônoma e em formação que tem apresentado interesse não só do historiador, mas de todos que buscam conhecer e compreender a trajetória da existência humana.

ELIADE propõe um estudo baseando-se nos elementos essenciais das diversas religiões, através de uma análise comparativa, a partir de suas raízes e evoluções.
O autor enfatiza as duas doutrinas divergentes que regem a maneira de “ser” que acompanhou o homem ao longo de sua história: o homem sagrado e o homem profano e faz uma análise sobre o bifrontismo do ser humano, embora, sua atenção inicial esteja concentrada em “apresentar as dimensões específicas da experiência religiosa, salientar as suas diferenças com a experiência profana do Mundo”.
ELIADE não se limita apenas à história e ao estudo do fenômeno religioso, e, sim ao resgate das raízes do homem primitivo até as sociedades modernas em toda sua complexidade.
Essa experiência provocou uma dicotomia hierárquica entre o mundo superior e absoluto dos deuses – o mundo sagrado e, o mundo humano, concreto, finito e inferior – o mundo profano.
Partindo da premissa de que a religiosidade é exclusivamente humana e sabendo que o homem é um produto do seu contexto histórico-social e cultural, não existe uma manifestação religiosa totalmente “pura”, isto é, sem nenhuma interferência de fatores externos. Em qualquer que tenham sido as condições econômicas e sociais da formação e do desenvolvimento histórico de uma sociedade e de sua cultura, é possível constatar herança de elementos de características religiosas, como por exemplo: manifestação do sagrado em um objeto, mitos, símbolos, rituais etc que representam a forma de conhecimento, porque “revelam-se”, tornam-se sagrado, o ganz andere.
Nas sociedades das culturas arcaicas, estas verdades são denominadas hierofanias, “algo de sagrado se nos revela”, pois, através delas, afasta o homem da esfera do profano.
São inúmeras as hierofanias manifestadas que constituem toda a história das religiões e embora cada religião apresente elementos próprios, é possível estabelecer uma série de elementos comuns entre elas; inclusive, identificar o sagrado com o Cosmos, em sua totalidade, constituindo-se em uma hierofania.
O autor, em seguida, detém-se ao exame da construção das ideias de espaço e tempo e, finalmente, da vivência religiosa propriamente dita.
De acordo com ELIADE, para conhecer o universo mental do homem religioso é necessário levar em conta a existência de dois espaços distintos: o espaço sagrado, forte e significativo e os espaços profanos, sem estrutura, os amorfos; analisar a experiência do homem religioso perante o seu horror da homogeneidade do espaço profano e sua necessidade latente de encontrar-se e, fixar-se no espaço sagrado, transformando-o em seu centro de referência e sua orientação para com o Universo.

Quando o sagrado se manifesta por uma qualquer hierofania, não só há ruptura na homogeneidade do espaço, mas há também revelação de uma realidade absoluta, que se opõe à não-realidade da imensa extensão envolvente. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo (...)” (ELIADE, Mircea. p.26)

O espaço sagrado significa o “ponto fixo” do homem religioso e a partir dele toda sua referência e orientação. Trata-se do “Centro do Mundo” que permite toda a constituição do mundo e sua orientação futura.
O homem não-religioso, aquele que se afasta da sacralidade do mundo, mantém a homogeneidade e a relatividade do espaço, onde não há um Mundo, mas, sim, “lugares” em que se verifica uma diminuição do poder sagrado. Contribuíram para esta situação o avanço das explicações científicas, a perda do poder e do prestígio das instituições religiosas, que eram os únicos “centros organizadores” na sociedade.
Um dos aspectos que caracterizam as sociedades tradicionais é o fato de haver uma oposição na constituição do espaço: de um lado, o “Cosmos”, o território real, habitável e que por ter sido criado pelos deuses é o canal de manifestação entre os homens através da vida cósmica; e do outro, o espaço desconhecido que o cerca que é povoado pelas estranhezas, o “Caos”, uma espécie de outro mundo.


Com essa especificidade o homem além de transformar o Caos em Cosmos, ele também santifica seu “mundo” à imagem do Mundo dos deuses, mas qualquer interferência exterior pode se transformar em ameaça e transformá-lo em “Caos”.

Essa interferência pode ser oriunda dos inimigos dos deuses (os demônios, e principalmente ao arquidemônio; o Dragão primordial vencido pelos deuses etc) e, a vitória contra esses destruidores dos “Cosmos” reitera a vitória exemplar do Deus, simbolizada pelo Dragão que teve de ser vencido e esquartejado pelo Deus para que o “Cosmos” pudesse vir à luz.
Estes dois modos de ser no espaço aparecem em diversas teofanias e sinais, como ritos que diferenciam os lugares sagrados, templos religiosos, escolhas de lugares para a constituição do espaço vivencial. Independente do grau de dessacralização do mundo, o homem não-religioso não consegue negar em sua totalidade seu comportamento religioso, por exemplo: um lugar que lhe traga saudades, passa ser um “lugar sagrado” para ele, como se ele tivesse experimentado a “revelação”, sensação comum ao homem religioso.
Assim, segundo ELIADE, na visão do homem primitivo, a tendência de “descobrir” o que é o mundo que o rodeia, a “conhecer”, a “compreender” esse mundo, a si mesmo, a natureza e a sociedade comprova que tudo está revestido de sacralidade.
ELIADE observa que ao longo da história, muitos objetos antes reduzidos na esfera natural, converteram-se em sagrados por todos os membros de uma determinada comunidade, após a revelação deste, em algo distinto de seu signo inicial, conferindo-lhe potencialidade de ser sacralizado pelo fato de haver sido criado pelos deuses.
O autor faz um breve relato sintetizando a relação entre a “cosmização” e “consagração” entre povos de cultura diversificada, enfatizando que a “cosmização” dos territórios desconhecidos torna-se uma “consagração”, pois a organização de um espaço reitera a obra exemplar dos deuses.
Um espaço desconhecido, dessa forma, torna-se vazio de significados até que o homem transforme-o, simbolicamente, em Cosmos pela repetição ritual da cosmogonia.
A necessidade de possuir uma casa equivalente a dos deuses é um desejo latente que alimenta o homem religioso e que o impele a configurar posteriormente em templos e santuários. Mas, para esta “construção” se solidificar, ela deve ser personificada, isto é, receber uma vida e uma alma e, o “traslado” da alma só se realiza através de sacrifícios sangrentos ou simbólicos.
A morada não é apenas um espaço geométrico do plano material para se habitar “é o Universo que o homem construiu para si imitando a Criação exemplar dos deuses, a cosmogonia”, portanto constitui-se uma “imago mundi”, um espaço sagrado e localizado simbolicamente no “Centro do Mundo” e aberto para a comunicação com o transcendente.
Então, pode-se afirmar que “todos os símbolos e rituais concernentes aos templos, às cidades e às casas derivam, em última instância, da experiência primária do espaço sagrado.”
Desde as sociedades mais arcaicas até os dias atuais, o homem religioso como o homem profano, preparou-se contra ataques que viessem a prejudicar a sua ordem local. Seu pensamento simbólico sempre esteve voltado ao Demônio e à Morte, que levariam o Cosmos a um estado caótico. Assim sendo, a simbologia religiosa do Mundo, perpetua-se também, no comportamento do homem não religioso, sem que ele se dê conta disso.
Existem três níveis cósmicos: a Terra, o Céu e as regiões inferiores (“os Infernos”) que se comunicam, através da imagem de uma coluna universal (Axis mundi) e que tem a função de ligar e sustentar a comunicação entre o Céu e a Terra. Acredita-se que a sua base está localizada nos Infernos; a coluna cósmica no centro do Universo e o mundo habitável no Centro do Mundo.
A partir dessas razões conclui-se que, o Centro do Mundo corresponde ao “Cosmos”, firmemente estabelecido e as regiões inferiores correspondem ao “Caos” e a regressão ao amorfo efetuada pela morte.


Este “Sistema do Mundo” tradicional é manifestado através de diversas crenças, mitos e ritos seguindo as diferentes civilizações e culturas das sociedades, mas todas derivadas de um ponto comum: o Centro do Mundo, base de compreensão do comportamento humano em relação ao “espaço em que se vive”.

O Tempo é um fator de suma importância para o estudo das religiões. Como o espaço, o Tempo, para o homem primitivo, não é homogêneo e contínuo.
O autor apresenta o conceito de Tempo dividindo-o, em: o Tempo sagrado e Tempo profano.
O Tempo sagrado representa a reatualização de um tempo mítico primordial que se faz presente com duração específica e periódica e, que, acontece durante as festas de caráter sagrado e se desenvolve em um círculo fechado.

O Mundo renova-se anualmente, isto é, reencontra a cada novo ano a santidade original”, tem o seu início e seu fim, representado pelo renascer do novo, no caso, o Ano Novo, remetendo, assim, uma restauração do Tempo primordial, em busca da purificação, da abolição dos seus erros no tempo passado e da renovação para o tempo futuro.
O Tempo profano tem duração ordinária e sem relações com a religiosidade.

O Tempo profano não pode apresentar nem rotura, nem “mistério”, constitui a mais profunda dimensão existencial do homem, está ligado à sua própria existência, portanto tem um começo e um fim, que é a morte, o aniquilamento da existência.”

Esse comportamento pode aparentar como um grande atraso ao homem não religioso contemporâneo, visto que ele centraliza-se no seu próprio “eu” e para com a sociedade. Porém, independentemente da divisão temporal, o homem religioso pode navegar entre o Tempo sagrado e o Tempo profano, pois o Tempo sagrado é recuperável através de cada festa periódica, onde “a primeira aparição do Templo sagrado, tal qual ela se efetuou ab origine, in illo tempore.”
O Tempo de origem corresponde ao Tempo de criação dos deuses e o homem ao reatualizá-lo, realiza-os através de rituais que são as festas religiosas.
O homem religioso ao reviver no presente as festas e os ritos do Tempo original, faz com que reencontre o “illud tempus” mítico, incorporando-os e revivendo-os na atualidade, tornando-os contemporâneos dos deuses.
Ao retornar aos ritos primitivos, o homem religioso tenta imitar seus deuses, mesmo quando, se depara com as “histórias divinas trágicas”, onde terá grandes dificuldades para enfrentá-las, tornando-se responsável por si próprio e pela Natureza ao reatualizá-las.

O mito é solidário da ontologia, só fala das realidades, do aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente.”

A esfera do profano não está inserida no mundo dos mitos, embora haja temas comuns entre as duas esferas, porém vistas e interpretadas com visões diferenciadas. Pode-se citar o exemplo da agricultura e da semeadura, que para o homem profano tornou-se uma dessacralização, visando somente ao capitalismo.


O homem religioso espelha-se na História Sagrada revelada pelos mitos que proporciona o entendimento de como a realidade veio à existência e como a imitação aos deuses remetem os homens ao sagrado e automaticamente, à realidade. Enquanto que, para o homem profano o que interessa é a História Humana.

O autor disserta sobre as diferentes concepções entre o Tempo mítico e o Tempo histórico citando o exemplo da Índia com seu esquema exemplar de “criação-destruição-criação etc”; em seguida, menciona o mito do eterno retorno e da concepção do Tempo circular aos seus limites extremos da Grécia; e, esclarece que para o judaísmo a ideia de “Tempo tem um começo e terá um fim” partindo da concepção que Jeová não se manifesta no Tempo cósmico (como os deuses das outras religiões), mas num Tempo histórico, onde “seus gestos são intervenções pessoais na História e só revelam seu sentido profundo para seu povo, o povo escolhido por Jeová. Assim, o acontecimento histórico ganha uma nova dimensão: torna-se uma teofania.”
Quanto ao cristianismo “conduz a uma teologia e na a uma filosofia da História, pois as intervenções de Deus na história, e sobretudo a Encarnação na pessoa histórica de Jesus Cristo, têm uma finalidade trans-histórica – a salvação do homem.”
Assim, o historicismo é o produto de decomposição do cristianismo, pois nega toda possibilidade de uma revelação trans-história, detendo-se literalmente ao acontecimento histórico.
ELIADE, atenta que o Cosmos é uma criação divina, dessa forma, a Natureza revela-se ao homem religioso impregnada de sacralidade, pois ela transcende “do natural” e eleva-se ao “sobrenatural”, onde a ontofania e a hierafania se unem.
O Céu com sua infinitude revela-se de forma transcendental, absoluta e eterna aos olhos do homem religioso e inacessível aos homens que o impregna de significados simbólicos, além de representar a fortaleza dos deuses e consequentemente, a fraqueza humana. O Cosmos, como obra exemplar dos deuses “é construído de tal maneira, que o sentimento religioso da transcendência divina é incitado pela própria existência do Céu.”
São diversas nomeações que remetem ao Céu, porém Céu não corresponde a Deus, afinal, Deus é o criador de todo o Cosmos inclusive do Céu, onde fez sua morada.
ELIADE discute sobre o afastamento de Deus que após a criação do Cosmos, da Vida e do Homem, abandonou a sua criação e se estabeleceu no Céu, deixando na Terra um filho ou um demiurgo para acabar ou aperfeiçoar sua obra de criação.
A agricultura, a sexualidade, a fecundidade, a mitologia da mulher e da Terra etc são alguns fatores que absorvem o homem primitivo aproximando-o da experiência religiosa da vida através dos Deuses fortes e das Deusas-Mães que os tornam mais concretos que o próprio Deus criador. Essas divindades, porém, acabam perdendo seu caráter mais específico que é o espiritual, para especializarem-se em funções mais reais.
O autor apresenta alguns exemplos de religiões primitivas onde o Criador está ausente na atualidade religiosa, mas presente nas orações, preservando ativamente a imagem do Ser Supremo.
A simbologia da Água possui grande força expressiva: primeiramente, por existir antes da Terra e, pelo resgate do símbolo da Criação. Esse simbolismo implica na morte, por ventura da imersão, equivalendo à dissolução das formas; a representatividade do renascimento; da regeneração; da purificação ou de um “novo nascimento”, além de corresponder ao batismo e aos banhos rituais primaveris que trazem saúde e fertilidade, adquirindo a função de “lavar os pecados”.
À cosmogonia aquática defende a crença que o ser humano nasceu das Águas, dessa maneira, ela representa a “segunda morte” do homem ou a morte iniciática simbolizada pelo batismo, mas nunca a sua extinção definitiva e sim, uma renovação.
A Água integra todas as revelações particulares das mais variadas hierofanias, até mesmo por sua forma vaga, fluída e abstrata que a destaca de todos os objetos.
O símbolo da Terra Mater ou a Tellus Mater é associado ao símbolo da fecundidade, da fertilização e evidentemente, da mulher, que sempre esteve envolta por poderes mágicos e religiosos ocultos. Ao relacioná-la misticamente com a Terra, a fecundidade feminina tem um modelo cósmico: o da Terra Mater, da Mãe universal.
A crença de que os homens foram paridos pela Terra espalhou-se universalmente, assim, a Terra é a responsável pelo nascimento de todos os seres.
ELIADE explicita a humi positio (parto no chão), ritual que carrega uma carga religiosa e imitativa: a repetição do ato primordial da aparição da Vida no seio da Terra.


“Por isso, a mãe humana deve colocar-se em contato direto com a Grande Mãe, a fim de se deixar guiar por ela na realização do grande mistério que é o nascimento de uma vida, para receber dela as energias benéficas e encontrar aí a proteção maternal.”


O ritual de depor o recém-nascido no solo foi muito difundido e alcançou vários países, porém com diferentes significados, podendo ser, sinal de reconhecimento; aceitação na nova família; consumação de fatos; identidade substancial entre a Raça e o Solo; legitimação da verdadeira mãe; proteção divina etc.
Algumas religiões defendem a possibilidade da Terra-Mãe conceber independentemente de um companheiro, remetendo a expressão mítica da auto-suficiência e da fecundidade da Terra-Mãe. Em outras, a criação cósmica é o resultado de uma hierogamia entre o Deus-Céu e a Terra-Mãe.


O mito divino também é representativo no ritual conjugal, na sexualidade e nas orgias rituais de fertilidade, correspondendo à indiferenciação anterior a Criação.

Para o homem religioso a Árvore assume conceitos de regeneração, de eterna juventude e de saúde. A árvore é símbolo de Vida, da juventude, da imortalidade, a sapiência e a união do real e do sagrado por excelência. Tanto é que os mitos da busca pela imortalidade ou da juventude são representados por uma árvore que é protegida por monstros. O homem que quiser provar desse fruto terá que enfrentar desafios, travando uma batalha sangrenta até atingir seus objetivos.
Entretanto, os cultos da vegetação não se prendem ao fenômeno natural da primavera e da aparição da vegetação e, sim, sinal prenunciador do mistério cósmico.
A dessacralização da natureza é uma experiência recente encontrada numa minoria das sociedades modernas, embora nunca concretizada em sua integralidade.
Atentando ao exemplo na cultura chinesa, o autor relata que ao incorporar um mini jardim em suas casas, os moradores restabelecem pela meditação, a harmonia com o Mundo, antes que o modismo dos letrados o incorporasse a partir do século XVII, como objetos de decoração e paisagismo.
São inúmeros os aspectos que compõe a sacralidade da Natureza e do Mundo, mas o autor se deterá em apenas alguns, como por exemplo, analisar os valores religiosos atribuídos às Pedras, como hierofanias, revelando poder, firmeza e permanência.
Através do simbolismo lunar e as fases da Lua (“nascimento”, “morte” e “ressurreição”) foi possível ao homem religioso relacionar e estabelecer correspondências com o “fio da Vida”, o destino, a temporalidade, a morte etc. Ao mesmo tempo, permitindo ao homem refletir que a “Morte não é definitiva, que é sempre seguida de um novo nascimento”.
O Sol faz parte de uma das grandes mitologias heróicas: ele luta contra as trevas, desce ao reino da Morte e sai vitorioso.
Para ELIADE, o estudo do folclore das sociedades rurais européias apresenta muitas informações básicas para o entendimento de várias “situações religiosas” arcaicas, visto que, essas sociedades conciliam ao seu cristianismo grande parte das religiões pré-cristã, integrando a sua nova fé a religião cósmica, herança de seus antepassados, diferentemente do que ocorreu com os cristãos das cidades.
No entanto, a tarefa de um historiador das religiões deve buscar nas raízes do mundo primitivo dados para o entendimento do seu comportamento religioso.
É neste contexto que ELIADE estabelece de início a afirmativa que, para as sociedades arcaicas, o “Mundo existe porque foi criado pelos deuses”. Assim sendo, o próprio Cosmos é uma prova da divindade e o homem se inclui nesta Criação dos deuses, reencontrando em si a santidade que o identifica no Cosmos.
Sabe-se que em outros contextos o Casamento corresponde a uma hierogamia entre o Céu e a Terra; para os agricultores a Mulher representa a gleba, as sementes e ao sêmen virile e o trabalho agrícola à união conjugal, portanto, a Mulher veio ao mundo para ser “semeada”. Ao exercer essa experiência, o homem assume uma estrutura trans-humana e “aberta”, transportando novas simbologias a um objeto ou ação, sem eliminar o seu valor real.
A análise “da existência aberta ao mundo” faz compreender a visão do homem das sociedades arcaicas no que se refere à santificação da vida: o equilíbrio entre a existência humana e a vida trans-humana.
O autor acrescenta que provavelmente os comportamentos humanos tiveram a sua base num significado religioso; diferentemente, do homem profano que dessacralizou essa correlação, eliminando a sua dimensão espiritual como também, a dimensão humana.
Muitos significados religiosos fixaram-se ao espírito, podendo citar: um olho que corresponde ao Sol; dois olhos, ao Sol e à Lua; caixa craniana à lua cheia; o sopro aos ventos; os ossos às pedras, os cabelos às ervas etc.
O historiador amplia essa correspondência simbólica comparativa, citando: o ventre ou a matriz à gruta; os intestinos aos labirintos; a respiração à tecelagem; as veias e as artérias ao Sol e à Lua, a coluna ao Axis mundi etc.
Todas essas assimilações não são encontradas nas sociedades primitivas, mas têm o seu foco nas culturas arcaicas e essas correspondências antropocósmicas remetem as principais funções fisiológicas, transformando-se em sacramentos.
Para o homem religioso o ato de construir sua casa representa uma decisão de caráter vital e religiosa, pois está relacionado em criar o seu próprio mundo e de assumir a responsabilidade de mantê-lo.
Esta experiência permite ao homem religioso reproduzir em escala microscósmica a Criação do Mundo, do Cosmos e de si próprio.
Trata-se de evocar a Criação do Mundo no “centro” que se escolheu, traçando a sua comunicação com os deuses, paralelamente, santificando o seu próprio corpo. Dessa maneira, o “homem reproduz em escala humana, o sistema dos condicionamentos recíprocos e dos ritmos que caracteriza e constitui um “mundo”, que define, em suma, todo universo.” Desta maneira, pode-se dizer que o homem religioso primitivo somente pode viver em um mundo que lhe permita situar-se num centro miticamente definido por ele, onde exista a possibilidade de se abrir e poder experimentar uma comunicação e que lhe faça sentir em permanente comunhão com os deuses.
É importante ressaltar que Cosmos, Corpo e Casa possuem uma “abertura” superior que serve de passagem para o outro mundo. E, evidentemente, onde quer que se habite, há de ter uma comunicação com o alto, com o outro nível que é transcendente, e esta abertura torna-se possível a passagem de um modo de ser a outro, de uma situação existencial a outra e, adquire diversos significados, conforme lhe atribuem às diversas culturas. O importante é ressaltar que em todas as culturas, o homem comunica-se pelo alto que é a direção ascensional para o Céu e o seu transcendente.
Nas sociedades modernas o Cosmos tornou-se algo vazio, “fechado”, sem nenhuma carga de religiosidade e suas relações se resumem em homem-Deus-História, onde o Cosmos não possui nenhuma representatividade.
ELIADE ao tratar sobre a simbologia da “passagem” atenta ao fato que toda a existência humana está condicionada aos movimentos e às transformações.
O homem nasce incompleto e passa de uma pré-vida a vida e desta à morte, reproduzindo dessa forma, o antepassado mítico da pré-existência à existência.
Para tanto, o homem deve morrer dessa primeira fase para renascer e atingir a perfeição em uma vida superior, espiritual. Para sugerir essa “passagem”, diversas tradições religiosas utilizaram o símbolo da “ponte perigosa” ou da “porta estreita”, representando as dificuldades do conhecimento metafísico e a fé, no caso do cristianismo.
Desde as sociedades arcaicas, os ritos de passagem e as iniciações sucessivas reproduzem o que permite a existência humana atingir sua plenitude, desempenhando um papel fundamental na formação religiosa do homem.
Os ritos de passagem baseiam-se em diversas formas, mas todas representam término de uma fase e iniciação para outra e sempre envolvem uma mudança radical de regime ontológico e estatuto social, como acontece em virtude do nascimento e do casamento.
Com relação à Morte, os ritos são mais complexos, não se resume ao “fenômeno natural”, mas “também de uma mudança de regime ao mesmo tempo ontológico e social: o defunto deve enfrentar certas provas que dizem respeito ao seu próprio destino post-mortem, mas deve também ser reconhecido pela comunidade dos mortos e aceito entre eles.”
O homem das sociedades primitivas nunca se considerou um homem completo e sempre buscou a sua plenitude através dos ritos de passagem. Já, para o homem a-religioso essas “passagens” perderam todas as características ritualísticas, tornando-se apenas um processo natural.
A iniciação corresponde ultrapassar etapas através do amadurecimento espiritual, portanto, o iniciado é “aquele que conheceu os mistérios, é aquele que sabe” e isso,
explica a transferência da condição profana para o sagrado, pois pela fenomenologia da iniciação, essa condição não é percebida como dissolução, afinal, o iniciado apenas muda de estado, o que é viabilizado por rituais de passagem - não há idéia de aniquilamento e, sim de superação.
Os rituais de iniciação das sociedades masculinas têm como base o isolamento, torturas, provas iniciáticas, morte e ressurreição, imposição de um novo nome, ensino de uma língua secreta etc.
Com as sociedades femininas os ritos e mistérios direcionam-se à sacralidade tanto nos seus aspectos iniciáticos de puberdade e começa com a primeira menstruação, como nas sociedades secretas femininas, envolvendo o mistério do nascimento e da fertilidade.
Nas sociedades primitivas o significado que o homem dá à morte reflete o sentido que conferem à vida. Os pólos antagônicos vida e morte não são excludentes; mas, formas dialéticas inseparáveis.
A morte iniciática compreende-se pelo sofrimento e por uma regressão ao Caos, para em seguida, ocorrer o “novo nascimento”, uma ressurreição sagrada desvinculando o iniciado da vida profana. No entanto, geração, morte e regeneração são três movimentos circulares e contínuos não podendo ocorrer bloqueios nem dissoluções entre eles.
Estudos comprovam que o quadro iniciático influenciou as religiões mais evoluídas, sempre renovando sua forma e significados. Todas, porém, admite a morte como condição para o ser humano se desvincular do mundo profano e elevar-se para o mundo dos deuses.
Dessa forma, o “segundo nascimento” simboliza a ascensão à espiritualidade.
ELIADE desencadeia reflexões cheias de significados sobre o homem religioso e estende ao conhecimento geral do homem.
O autor atesta que ao longo dos tempos, a religiosidade das sociedades primitivas encontrou ameaças e foi atropelada pela história, fazendo com que o homem do mundo moderno ou o homem a-religioso se afastasse desses preceitos, negando a transcendência e reconhecendo-se com sujeito da história, na medida em que, se desvinculou das concepções míticas dos seus antepassados.
Mesmo assim, por mais que negue qualquer vínculo com a religiosidade, o homem a-religioso perfaz o resultado do que ele abomina.
Ele não aceita nenhum signo que não ultrapasse a condição humana, dessa forma, ele “só será verdadeiramente homem quando tiver matado o último Deus.
Embora, “o homem moderno que se sente a se pretende a-religioso carrega ainda toda uma mitologia camuflada (...)”
As comemorações de Ano Novo; a instalação de uma nova casa; o nascimento de uma criança; o casamento; um novo emprego; a ascensão social, todos esses exemplos de festejo confirmam a participação direta ou indiretamente do homem a-religioso. Além, das apresentações cinematográficas ou através de leitura colocam o homem a-religioso defronte de uma “realidade” que ele nega, fazendo-o viver numa outra “história”.
Contudo, por mais a-religiosos que os homens sejam no mundo moderno, ainda mantém ligações com a religiosidade, muitas das vezes de forma inconsciente. Assim sendo, a maioria do homem a-religioso partilha das pseudo-religiões e mitologias degradadas, sejam elas, “a luta pela vida”, as “provas”, “a crise existencial”, as “dificuldades” etc.
ELIADE enumera todos esses comportamentos do homem a-religioso com o intuito de demonstrar que, por mais que negue, ele partilha de uma religiosidade, embora não assimile a totalidade do regime ontológico dos mitos, pois se configura num Mundo “fechado” para a universalidade dos símbolos. Por sua vez, o inconsciente oferece-lhe “soluções para as dificuldades de sua própria existência e, neste sentido, desempenha o papel da religião, pois, antes de tornar uma existência criadora de valores, a religião assegura-lhe a integridade.”
Assim, enquanto que, o homem religioso reconheceu nos antigos laços das culturas arcaicas os fundamentos para a sua formação religiosa; o homem profano insiste em negá-lo, embora, inconscientemente as “vive” e as “executa” em seus dias.
ELIADE termina sua narrativa deixando para os filósofos, os psicólogos e até mesmo os teólogos prosseguirem seus estudos, atentando ao fato de que se refere à base da civilização, portanto, sujeito a subjetivas interpretações e aceitações.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

PARMIGIANINO, MANEIRISTA


Para Parmigianino a alquimia representava um sistema de pensamento, um método, um estilo pictórico que buscava, na arte, uma forma de imortalidade.”

(Parma, Itália, 1503 – Casalmaggiore, Itália, 1540)





"Autoretrato ante o espelho"


Girolamo Francesco Maria Mazzola, conhecido por Parmigianino ou Parmigiano é um extraordinário pintor e gravador italiano do século XVI, considerado o pai da água-forte italiana.

Filho de Filippo Mazzola e Maria ser de di Guglielmo, após o falecimento de seu pai, foi criado pelos tios Pier Ilario Filippo e Michele Mazzola, modestos pintores provincianos. Estes receberam uma encomenda de Nicolo Zangrandini para a decoração da capela de São João Evangelista de Parma, em 1515, trabalho que foi concluído pelo jovem Parmigianino, onde é notória a influência de Rafael.
Em 1521 foi enviado a Viadana junto com o pintor Girolamo Bedoli, fugindo das guerras entre as tropas francesas, imperiais e papais.
Em Viadana pintou dois painéis em têmpera, com destaque para o “São Francisco” da igreja de Frati de' Zoccoli, e o “Casamento Místico de Santa Catarina” para a de São Pedro, além de realizar grande ciclos de afrescos em Parma.
A partir de 1527, afirmou o seu estilo pessoal com obras como a “Madonna de S. Petronio de Gambá”, a “Sagrada Família” (Louvre), “Santa Catarina” (Museu do Capitólio), “Virgem” (Palácio de Pitti) e “Madonna dal Collo Lungo”, uma das obras-primas do Maneirismo.
Depois do saque de Roma em 1527, instalou-se em Bolonha e posteriormente em Parma, onde passou os últimos anos de sua vida atormentado pelos constantes requerimentos do capítulo da Igreja de Steccata, que exigia-lhe a conclusão dos afrescos que lhe haviam sido encomendados em 1531. Encarcerado por conta das dívidas, conseguiu fugir para Casalmaggiore. Ali, enquanto tratava de resolver seus problemas com uso da alquimia, morreu com apenas 37 anos.
Sua obra e personalidade se afirmam em contato com o primeiro maneirismo toscano, e através das obras dos grandes mestres Rafael e Michelangelo, conseguindo traduzir de forma original os modelos do Renascimento com uma orientação já plenamente maneiristas. Para ele, a função da arte era transmitir sensações estranhas e excitantes, para o que teria de criar um necessário artificialismo. Assimilaria de Correggio o classicismo, convertendo-o em maneirismo, mantendo o ilusionismo do primeiro, mas traduzindo-o em modelos mais decorativos e com maior vitalidade das formas.
No "Casamento de Santa Catarina”, de 1521, há uma rebuscada elegância nas formas e uma composição onde todas as figuras giram ao redor do pedestal da Virgem, um corpo geométrico que vai repetir-se deliberadamente em toda a composição, inclusive o marco arquitetônico aparece em formato semi-cilíndrico.
A “Visão de São Jerônimo”, realizada depois de sua chegada a Roma e depois de conhecer as obras de Rafael e Michelangelo, é uma obra que resume todas essas experiências. A dimensão de seus personagens e sua expansividade forma são inspiradas no segundo, mas a energia própria do mestre é reduzida e substituída pela elegância. Há grandiosidade nas aparências e dignidade na representação do tema, ainda que pareça haver se evaporado todo o sentimento especificamente cristão. Esta representação ilustra a atitude das crenças da Roma sob Clemente VII, virtualmente indiferente aos valores tradicionais da devoção cristã, para quem os símbolos religiosos e o dogma só possuíam uma dimensão estética.
Nas obras posteriores à sua estadia romana manterá o ar elegante e em certos momentos majestoso, tendo cada vez mais uma beleza abstrata e uma graça artificial.

“Visão de São Jerônimo”, 1527



"Madona com longo pescoço", 1535-40



“Cupido”





“Madonna della Rosa”
Cristóvão Colombo”, (1451-1506)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PONTORMO, MANEIRISTA


Jacopo da Pontormo, Jacopo Pontormo ou simplesmente Pontormo, foi um pintor maneirista italiano da Escola Florentina. Era famoso pelo uso de poses contorcidas, perspectiva distorcida cores marcadamente incomuns e peculiares, que pareciam espelhar seu temperamento neurótico e inquieto.

Jacopo Carucci nasceu em Pontorme, perto de Empoli. Foi aprendiz de Leonardo da Vinci, Mariotto Albertinelli, Piero di Cosimo, e finalmente em 1512, de Andrea del Sarto.
Pontormo pintou somente em Florença, com o patrocínio da Família Médici. Pintou afrescos de pastores e campos, um gênero quase incomum na pintura de Florença. Em 1522, com a peste em Florença, Pontormo partiu para Certosa di Galuzzo, um monastério da Ordem dos Cartuxos, onde pintou uma série de afrescos.
O grande altar construído por Brunelleschi para a Capela Capponi, na Igreja de Santa Felicita, em Florença, é considerada sua obra-prima. A Galeria Uffizi abriga outra de suas obras-primas, a “Ceia em Emaús”, junto com vários retratos, realizados com proporções Maneiristas.
A marca registrada de sua adesão ao estilo maneirista está presente na energia psíquica superando a beleza natural do corpo, apresentando belos ritmos lineares, mas com movimento incansável, espaço ambíguo e cores vívidas. Em resumo, para Pontormo, a obra de arte passou a ser, sobretudo, um ornamento.
Esta característica fica bem patente na obra "Retrato de Francesco Guardi" (Portrait of a Halberdier), onde Pontormo introduz uma nova dimensão aos seus retratos, expressando a imagem pública do modelo, enquanto sugere, na figura, sua vida interior.


Retrato de Francesco Guardi

Postado diante do muro de um forte, este soldado bem vestido aparece bem preparado para a luta, com uma lança nas mãos e uma alabarda na cintura. Seu olhar penetrante contrasta com a pose de fanfarrão e com sua compleição física, denunciando a presença de um inofensivo adolescente. 
Como um retratista, Jacopo Pontormo tornou-se renomado pela sutileza dos detalhes, que revelam um estudo psicologicamente complexo do modelo retratado. Neste quadro, o artista mostra uma arrogância ingênua e infantil, no corpo de um jovem aparentemente vulnerável.
Pintor da corte de Medici, Pontormo foi um pioneiro do Maneirismo em Florença, iniciando um novo e sofisticado tipo de retrato, em que a elegância e a reserva aristocrática se fazem presentes.
A identidade do modelo é ainda muito discutida. O pintor florentino Giorgio Vasari notou que, durante o cerco de Florença, por volta de 1528, Pontormo pintou uma «obra muito bonita», um retrato do jovem nobre Francesco Guardi, em traje de soldado. Com efeito, havendo Francesco nascido em 1514, seria um adolescente quando o quadro foi pintado. Baseado em um inventário florentino, Cosimo de Medici também deu indicações de que se trata do jovem Francesco.

“A Deposição da cruz“


Cena da vida no Hospital de São Mateus”


“A ceia de Emaús”

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

RENASCIMENTO FLORENTINO I - MICHELANGELO

MIGUEL ÂNGELO DI LUDOVICO BUONARROTI SIMONI

ou apenas:

MICHELANGELO

Pintor, escultor, poeta e arquiteto renascentista italiano.

(Caprese, na Toscana 06/03/1475 — Roma, 18/02/1564)

"Não sou o escultor Michelangelo. Sou Michelangelo Buonarroti".


Michelangelo nasceu a 6 de março de 1475, em Caprese, província florentina. Se pai Ludovico di Lionardo Buonarroti Simoni era um homem violento, "temente de Deus", sua mãe, Francesca morreu quando Michelangelo tinha seis anos. Eram 5 irmãos.
Michelangelo foi entregue aos cuidados de uma ama-de-leite cujo marido era cortador de mármore na aldeia de Settignano. Mais tarde, brincando, Michelangelo atribuirá a este fato sua vocação de escultor. Aos treze anos, sua obstinação vence a do pai: ingressa, como aprendiz, no estúdio de Domenico Ghirlandaio, famoso pintor de Florença.
Mas o aprendizado é breve, cerca de um ano, pois Michelangelo irrita-se com o ritmo do ensino, que lhe parece moroso, e além disso considera a pintura uma arte limitada: o que busca é uma expressão mais ampla e monumental. Diz-se também que o motivo da saida do juvem foi outro: seus primeiros trabalhos revelaram-se tão bons que o professor, enciumado, preferiu afastar o aluno. Entretanto, nenhuma prova confirma essa versão.
Deixando Ghirlandaio, o canhoto Michelangelo entra para a escola de escultura que o mecenas Lourenço, o Magnifico, riquíssimo banqueiro e protetor das artes em Florença mantinha nos jardins de São Marcos.
A arte vive em plena enfervencência cultural do Renascimento italiano. O retorno ao ideal de beleza, o equilíbrio das formas e a filosofia platônica da Grécia Antiga, contagiará a arte de Michelangelo.

"A perfeição é feita de pequenos detalhes - não é apenas um detalhe."

Nesse período o artista criou “O Combate dos Centauros”, baixo-relevo de tema mitológico e sente-se não um artista italiano inspirado nos padrões clássicos helênicos, mas um escultor grego de verdade.

Mármore, 90,5 X 90,5 cm

Segundo Condivi, esse relevo teria sido executado a pedido de Ange Politien (1454-1494), tutor dos filhos de Lorenzo, O Magnífico. Politien, poeta e humanista, conhecia o tema a partir da genealogia de Bocácio (de uma edição parisiense de 1511, livro XIX), ou a partir da coleção de mitologia atribuída a Hygenious. O episódio narra o aparecimento de Hércules durante o casamento do rei Cyclopes, Eurithon, com Dejanra, para sequestrá-la, já que ela tinha sido sua noiva. As formas deste relevo são bastante indecisas, é difícil reconhecer os Centauros e mais ainda distinguir os sujeitos masculinos e femininos.

Essa obra foi inspirada em um frontão de sarcófago romano dos tempos do Império. Foi também comparado, justamente ao baixo-relevo equestre de Bertoldo.
Michelangelo parece ter gostado muito de seu baixo-relevo (fato confirmado por Condivi). Ele o guardou em vida e sua família conservou o em seguida.
Na Igreja del Carmine, Michelangelo copia os afrescos de Masaccio.
Nos jardins de Lourenço, participa de requintadas palestras sobre filosofia e estética.
Em 1490, Michelangelo tem 15 anos. É o ano em que, o monge Savonarola começa a inflamada pregação mistica que o levará ao governo de Florença. O anúncio de que a ira de Deus em breve desceria sobre a cidade atemoriza o jovem artista: sonhos e terrores apocalípticos povoam suas noites. Lourenço, o Magnifico, morre em 1492. Michelangelo deixa o palácio. A revolução estoura em 1494. Michelangelo, um mês antes, fugira para Veneza.
Longe do caos em que se convertera a aristocrática cidade dos Médici, Michelangelo se acalma. Passa o inverno em Bolonha, esquece Savonarola e suas profecias, redescobre a beleza do mundo. Lê Petrarca, Boccaccio e Dante. Na primavera do ano seguinte, passa novamente por Florença.
Esculpe o “Cupido Adormecido”, obra "pagã" num ambiente tomado de fervor religioso, vai a Roma, onde esculpe “Baco Bêbado”, “Adônis Morrendo”. Enquanto isso, em Florença, Savonarola faz queimar livros e quadros: "as vaidades e os anátemas".

“Cupido Adormecido”



“Baco Bêbado”


Michelangelo escolheu duas qualidades do deus do vinho e do êxtase para representá-lo em sua obra. Na cabeça de Baco colocou cachos de uvas, e em sua mão direita uma taça segura com movimento para cima como se ele estivesse prestes a saudar alguém. A expressão facial é de um pensamento vago e meio confuso, como se ele tivesse esquecido o que iria brindar ou o que faria em seguida. A cabeça está pendente e a boca aberta, seus olhos parecem indecisos e fora de foco. O corpo, como que balançando, parece demonstrar a aparência de uma pessoa alcoolizada. Uma perna está um pouco levantada, enquanto seu dorso e cintura pendem para trás, fazendo com que o deus pareça não ter certeza de seus passos, como se estivesse completamente bêbado. A obra foi solicitada por um banqueiro romano rico, Jacopo Galli, entre os anos de 1497-1498, enquanto Michelangelo estava morando em Roma.
O artista aos vinte e três anos de idade criou “Pietà”, escultura magnífica que confere a genialidade de Michelangelo e sua perfeição técnica ao registrar o drapeado das roupas, os músculos e a veias dos corpos.
Foi sua passagem para trabalhar para a família Médici.

"Observei o anjo gravado no mármore, até que eu o libertasse."

“Pietà”

Mármore: 174 cm X 195 cm X 64 cm.


Pietà significa piedade e representa a maior expressão da dor de uma mãe.
O seu arranjo piramidal é derivado de Leonardo, com a clássica postura do rosto da Virgem refletindo a expressão calma, idealizada, das estátuas gregas.
Desafiando a passagem do tempo, Maria é representada por uma mulher jovem com olhar sereno contrastando com o tema dramático e com o sofrimento da cena: o recolhimento do corpo de seu filho após a morte na cruz. Torna-se assim evidente a influência do “pathos” dos clássicos gregos. Imaginou a juventude de Maria, objeções que erguem contra ele seus críticos, como expressão de pureza incorruptível.
A dor de Maria sobre o corpo morto do filho foi representada com o abandono do realismo cruel típico em favor de uma visão idealizada. Criou, então, a sua mais acabada e famosa escultura.
A anatômica do corpo de Cristo se deve a dissecação de cadáveres efetuada por Michelangelo; porém nem Cristo nem a mãe apresentam tamanhos “normais”, causando dessa forma, um efeito expressivo do todo.
A Virgem está sentada talvez numa poltrona, remetendo a um acolhimento; sua cabeça é pequena; seus seios são grandes; suas pernas imensas etc
O artista utilizou-se de muito polimento valorizando o volume e o jogo do planejamento.
Quando a estátua foi descoberta, um apreciador de arte não acreditou que um jovem inexperiente fosse capaz de realizar tal obra. Ao saber disso, Michelangelo esculpiu seu nome na faixa que atravessa o seio da Virgem. Foi seu único trabalho assinado.

Na primavera de 1501, ei-lo por fim em Florença. Nesse mesmo ano, surgirá de suas mãos a primeira obra madura. Um gigantesco bloco de mármore jazia abandonado havia 40 anos no local pertencente à catedral da cidade. Tinha sido entregue ao escultor Duccio, que nele deveria talhar a figura de um profeta. Duccio, porém, faleceu repentinamente e o mármore ficou á espera. Michclangelo decidiu trabalhá.lo. O resultado foi o colossal “Davi”, símbolo de sua luta contra o Destino, como Davi ante Golias.
Uma comissão de artistas, entre os quais estavam nada menos que Leonardo da Vinci, Botticelli, Filippino Lippi e Perugino, interroga Michelangelo sobre o lugar onde deveria ficar a estátua que deslumbra a todos quc a contemplam. A resposta do mestre é segura: na praça central de Florença, defronte ao Palácio da Senhoria. E para esse local a obra foi transportada. Entretanto, o povo da cidade, chocado com a nudez da figura, lapidou a estátua, em nome da moral.

“Davi”


"Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a vêem."


A escultura “Davi”, de Michelangelo mede 4,10 m (ou 5,16 metros de altura e 5,5 toneladas), foi esculpida em um único bloco de mármore e retrata “um jovem adulto, com o corpo tenso e cheio de energias controladas.”
A superfície do corpo é leitosa (pouca polimento), fazendo nosso olhar deslizar pelo contorno da figura e não para o volume.
Não é frágil, nem perfeito e nem elegante. A mão é colossal, que sugere força e capacidade de trabalho e de luta; braços compridos e a cabeça grande. A cabeça e o rosto expressam decisão e autoconfiança. Ele é heróico, determinado e contém uma espécie de força interior, que lhe dá consciência de sua própria capacidade para enfrentar com dignidade os desafios da existência.
Michelangelo levou dois anos para completar sua obra-prima, pela qual recebeu 400 florins de ouro, segundo as crônicas da época.
Da mesma época data a primeira pintura (que se conhece) de Michelangelo, “A Sagrada Família”, também conhecida como “Doni Tondo”.
Trata-se de um tondo, pintura circular, cujas formas e cores fariam com que, pasteriormente, os críticos o definissem como obra precursora da escola "maneirista".
A obra foi encomendada a Michelangelo pelo seu amigo Ângelo Doni, entre os anos de 1503 e 1504.
Michelangelo raramente executava trabalhos utilizando a parte mediana da obra. O “Doni Tondo” é a única obra com esse formato que pode realmente ser atribuída a ele.
Nessa obra as três figuras estão ligadas entre si pelos movimentos, formando uma figura compacta, como se fosse um trabalho escultural. A moldura redonda é realçada pela configuração triangular e o delineamento é ondulado, quase crespo, com definição clara.
O artista utilizou da pintura de tempera, que aumenta a qualidade das figuras. Nessa obra a tempera faz com que o trio sobressaia em relação ao fundo da pintura, como se estivesse sido sobreposto.
As cores são alegres e vivas. A cor laranja dourado da roupa de José parece ter uma textura de cetim.
Pode-se ver que, mesmo com o pincel, Michelangelo não deixa de ser escultor. Ou, como ele próprio dizia: "Uma pintura é tanto melhor quanto mais se aproxime do relevo".

“A sagrada família” (1504)


Em março de 1505, Michelangelo é chamado a Roma pelo Papa Júlio II. Começa então o periodo heróico de sua vida. A idéia de Júlio II era a de mandar construir para si uma tumba monumental que recordasse a magnificência da Roma Antiga com seus mausoléus suntuosos e solenes. Michelangelo aceita a incumbência com entusiasmo e durante oito meses fica em Carrara, meditando sobre o esquema da obra e selecionando os mármores que nela seriam empregados. Enormes blocos de pedra começam a chegar a Roma e se acumulam na Praça de São Pedro, no Vaticano. O assombro do povo mistura-se à vaidade do papa e à inveja de outros artistas. Bramante de Urbino, arquiteto de Júlio II, que fora frequentes vezes criticado com palavras sarcásticas por Michelangelo, consegue persuadir o papa a que desista do projeto e o substitua por outro: a reconstrução da Praça de São Pedro. Em janeiro de 1506, Sua Santidadc aceita os conselhos de Bramante. Sem sequer consultar Michelangelo, decide suspender tudo: o artista está humilhado e cheio de dividas.

Michelangelo parte de Roma. No dia seguinte, Bramante, vitorioso, começa a edificação da praça. No entanto, Júlio II quer o mestre de volta. Uma nova incumbência aguarda Michelangelo: executar uma colossal estátua de bronze para ser erguida em Bolonha. São inúteis os protestos do artísta de que nada entende da fundição desse metal. Que aprenda, responde-lhe o caprichoso papa. Durante 15 meses, Michelangelo vive mil acidentes na criação da obra. Escreve ao irmão:

"Mal tenho tempo de comer. Dia e noite, só penso no trabalho. Já passei por tais sofrimentos e ainda passo por outros que, acredito, se tivesse de fazer a estátua mais uma vez, minha vida não seria suficiente: é trabalho para um gigante".

O resultado não compensou. A estátua de Júlio II, erguida em fevereiro de 1508 diante da lgreja de São Petrônio, teria apenas quatro anos de vida. Em dezembro de 1511, foi destruida por uma facção política inimiga do papa e seus escombros vendidos a um certo Alfonso d'Este, que deles fez um canhão.

"O Papa Júlio II"


De regresso a Roma, Michelangelo deve responder a novo capricho de Júlio II : decorar a Capela Sistina. O fato de o mestre ser antes de tudo um escultor não familiarizado com as técnicas do afresco não entrava nas cogitações do papa. Todas as tentativas de fugir á encomenda são inúteis. O Santo Padre insiste, segundo alguns críticos, manejado habilmente por Bramante que, dessa forma, desejaria arruinar para sempre a carreira de Michelangelo e o artista cede mais uma vez.

Michelangelo considerava a pintura como arte inferior e achava que, entre todas as artes, a mais próxima de Deus era a escultura.
Deus havia criado a vida a partir do barro, e o escultor libertava a beleza da pedra. Segundo ele, sua técnica consistia em “libertar a figura do mármore que a aprisiona”. Enquanto outros escultores adicionavam pedaços de mármores para disfarçar seus erros, Michelangelo fazia suas esculturas num bloco único.

Ainda que rolem do alto de uma montanha, não caíra um só pedaço”, afirmava.

Entre 1508 e 1512, trabalhou na pintura do teto da Capela Sistina, no Vaticano e criou mais de 340 figuras representando a origem e a queda do homem. O teto tinha três mil metros quadrados para o projeto e mais de 20 metros de altura, e, apresentava muitos desafios: as infiltrações umedeciam a alvenaria; a curva da abóbada cilíndrica, atravessada por abóbadas cruzadas, dificultava mais ainda o trabalho do artista, além de ter que trabalhar encolhido numa posição desconfortável, num andaime com altura equivalente a sete andares.
Michelangelo dedicou-se a tarefa e fez com tanta mestria que praticamente ofuscou as obras primas de seus antecessores. De fato, um dos maiores tesouros artísticos da humanidade.
É difícil acreditar que tenha sido obra de um só homem, e que o mesmo ainda encontraria forças para retornar ao local, duas décadas depois, e pintar na parede do altar, sacrificando, inclusive, alguns afrescos de Perugino, o “extraordinário espetáculo” do Juízo Final, entre 1535 e 1541, já sob o pontificado de Paulo III.

Teto da capela Sistina” (1508-1512)


O afresco de Michelangelo continha figuras não do mundo real, mas do mundo de sua própria criação. Os nus são apresentados sem cenário e sem ornamentos.

De início, o artista deveria pintar os 12 Apóstolos, mas protestou e pediu uma tarefa mais audaciosa, um esquema que representasse toda a doutrina da Igreja Católica centrada nas cenas do Gênesis (a “Criação da Terra por Deus”, a “Criação de Adão” e “Adão e Eva no Paraíso”, a “Criação da Humanidade e sua queda”, a “Humanidade” representada por Noé), e por fim, “O Juízo Final”.
A superfície da abóbada foi dividida em áreas concebendo-se arquitetonicamente o trabalho de maneira que resultasse numa articulação do espaço dividido por pilares. Nas áreas triangulares alocou as figuras de profetas e sibilas; nas retangulares, os episódios do Gênese. Para entender estas últimas deve-se atentar para as que tocam a parede do fundo.
Dia 10 de maio de 1508, começa o gigantesco trabalho. A primeira atitude do artista é recusar o andaime construído especialmente para a obra por Bramante. Determina que se faça outro, segundo suas próprias ideias. Em segundo lugar, manda embora os pintores que lhe haviam sido dados como ajudantes e instrutores na técnica do afresco. Terceiro, resolve pintar não só a cúpula da capda mas também suas paredes.
É a fase dc Michelangdo herói. Herói trágico. Tal como Prometeu, rouba ao Olimpo o fogo de sua genial inspiração, embora os abutres das vicissitudes humanas não deixem de acossá.lo. O trabalho avança muito lentamente. Por mais de um ano, o papa não lhe paga um cêntimo sequer. Sua família o atormenta com constantes pedidos de dinheiro. A substância frágil das paredes faz logo derreter as primeiras figuras que esboçara. Impaciente com a demora da obra, o papa constantemente vem perturbar-lhe a concentração para saber se o projeto frutificava. O diálogo é sempre o mesmo:

- "Quando estará pronta a minha capela?"
- "Quando eu puder!"

Irritado, Júlio II faz toda a sorte de ameaças. Chega a agredir o artista a golpes de bengala, que tenta fugir de Roma. O papa pede desculpas e faz com que lhe seja entregue, por fim a soma de 500 ducados. O artista retoma a tarefa.
No dia de Finados de 1512, Michelangdo retira os andaimes que encobriam a perspectiva total da obra e admite o papa à capela. A decoração estava pronta. A data dedicada aos mortos convinha bem á inauguração dessa pintura terrível, plena do Espírito do Deus que cria e que mata. Todo o Antigo Testamento está ai retratado em centenas de figuras e imagens dramáticas, de incomparável vigor e originalidade de concepção: o corpo vigoroso de Deus retorcido e retesado no ato da criação do Universo; Adão que recebe do Senhor o toque vivificador de Sua mão estendida, tocando os dedos ainda inertes do primeiro homem; Adão e Eva expulsos do Paraíso; a embriaguez de Noé e o Dilúvio Universal; os episódios bíblicos da história do povo hebreu e os profetas anunciando o Messias.
São visões de um esplendor nunca dantes sonhado, imagens de beleza e genialidade, momentos supremos do poder criador do homem. No olhar do Papa Júlio II naquele dia de Finados de 1512 já se prenunciavam os olhares de milhões de pessoas que, ao longo dos séculos e vindas de todas as partes do mundo, gente de todas as raças, de todas as religiões, de todas as ideologias políticas, se deslumbrarão diante da mais célebre obra de arte do mundo ocidental.

Deus separando a Luz das Trevas


Deus criando o Sol e a Lua


Deus separa a terra das águas


A Criação de Adão


"Criação de Adão" é um afresco de 280 cm x 570 cm, pintado por volta de 1511, que figura no teto da Capela Sistina.

A cena representa um episódio do Livro do Gênesis no qual Deus cria o primeiro homem: Adão.
Deus com aparência de Zeus é representado por um homem de cabelos brancos e de corpo vigoroso, envolto em um manto e cercado por anjos.
Seu braço esquerdo está abraçado a uma figura feminina, normalmente interpretada como Eva, que ainda não foi criada e, figuradamente, espera no céu para ganhar uma forma humana.
O braço direito de Deus está esticado para criar o poder da vida de seu próprio dedo para Adão, representado por um homem jovem, de corpo harmonioso e que está com o braço esquerdo estendido em contraposição ao do criador. Os dedos de Adão e de Deus estão separados por uma pequena distância.
A composição é obviamente artística e não literal, já que Adão é capaz de alcançar Deus mesmo antes de ter ganho vida. Pela mesma razão, Eva é vista representada antes de sua própria criação. Esse motivo levou algumas pessoas a acreditar que a figura feminina fosse a primeira esposa mística de Adão, Lilith; Entretanto, essa interpretação não faz o menor sentido por Lilith também ter sido criada depois de Adão.
As posições de Deus e Adão, a pintura do braço direito de Deus e esquerdo de Adão são quase idênticas e representam o fato de que, como diz o Gênesis 1:27, “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.” O dedo indicador de Adão, a mais famosa representação do afresco, não é de fato um trabalho de Michelangelo. Ele foi danificado durante reparos de um desabamento em meados do século XVI e foi repintado por um restaurador do Vaticano.
Existem várias teorias sobre o significado da composição original de "A Criação de Adão", levantadas principalmente por causa do amplo conhecimento que Michelangelo possuía em anatomia. Em 1990, um médico chamado Frank Lynn Meshberger, em artigo no Journal of the American Medical Association, afirma que a figura em que Deus está apoiado tem o formato anatômico de um cérebro, incluindo o lobo frontal, nervo ótico, glândula pituitária e o cerebelo. Também observou que o manto vermelho de Deus tem o formato de um útero, e que a echarpe verde que sai de seu ventre poderia ser um cordão umbilical.

A Criação de Eva



O Pecado Original e a expulsão do Paraíso


O Sacrifício de Noé

De acordo com o texto bíblico, Noé teria vivido 950 anos. Tinha 500 anos quando gerou a Sem, Cam e Jafé. Com a idade de 600 anos, enfrentou o dilúvio e viveu mais três séculos e meio, significa ter falecido nos dias de Abraão, na décima geração de seus descendentes. A vida de Noé após o dilúvio, porém, é curiosamente deturpada pelo alcoolismo. Em certa altura, embebedara-se com o vinho produzido de sua própria videira de tal modo que ficou nu em sua tenda. Seu filho Cam o viu e faz saber aos que estavam fora. Seus irmãos sabendo entraram na tenda de costas para cobrirem Noé sem o ver nu. Quando recobrou a consciência, Noé amaldiçoou seu filho Cã e seu neto Canaã, porém abençoando seus outros filhos, Sem e Jafé.



O Dilúvio Universal



Noé "descanso, alívio, conforto" é o nome do herói bíblico que "recebeu ordens de Deus para a construção de uma arca, para salvar a Criação do Dilúvio".  

Em Gênesis diz que "E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente." (Gênesis 6:5) e decidiu eliminar a população provocando uma grande inundação. Resolveu poupar a vida de Noé e de sua família, o qual era um homem justo e achou graça aos olhos do senhor (Gênesis 6:8). Deus, então, falou com Noé, ordenando-lhe a construção de uma grande embarcação, onde ele reuniria todos os animais da Terra pelos 40 dias de dilúvio. Noé então reuniu um casal de cada espécie e abrigou sua família no interior da arca. A arca repousou nos Montes Ararat (Urartu), atual Turquia, por um período de quase 8 meses até que Deus confirmou o momento que poderiam descer dela.


O Noé Embriagado


“O Juízo Final”


Este afresco encontra-se na parede ao fundo do altar da Capela Sistina, terminado 29 anos após a pintura do teto, e é a representação magnânima do inferno dantesco. A obra dá-nos a sensação de uma atmosfera sinistra e apresenta monstros e demônios infernais que puxam, arrastam e carregam às costas aqueles que foram condenados no Juízo Final, como o pormenor “Ressurreição da Carne”, no qual um dos julgados é agarrado por demônios e pode-se ver em sua face o terror assustador e marcante de sua angústia interior.

Cristo representado transmite-nos a ideia de um Juiz vingativo e punitivo; formas humanas em movimento; figuras contorcidas em luta e sendo atiradas ao inferno, como exemplo, São Bartolomeu, mártir queimado vivo, segura sua própria pele com um grotesco auto-retrato de Michelangelo. O terror pavoroso expresso nos rostos deles faz referência direta à “Divina Comédia”, de Dante Aliguieri.
"O Juízo Final "é a reação de Michelangelo à crise social e cultural vivida naquele momento. O tema, além do dogmatismo cristão, fala do drama do homem em um momento de total insegurança e dualismo entre o teocentrismo e o antropocentrismo. É expressão do desespero e desânimo de um cristão frente à instabilidade política e religiosa trazida com a Reforma. É um grito agonizante e uma súplica por socorro.
Jesus encontra-se no meio simbolizando Júpiter; à direita, temos os condenados. São Pedro está com as chaves e a Virgem vira o rosto para os condenados.
Há uma espécie de cemitério (julgamento) em que os absolvidos somem (são salvos).

Os sete Profetas:



Isaías - teria vivido entre 740 a.C. e 681 a.C., durante os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, sendo contemporâneo à destruição de Samaria pela Assíria e à resistência de Jerusalém ao cerco das tropas de Senaqueribe que sitiou a cidade com um exército de 185 mil assírios em 701 a.C. Isaías, cujo nome significa Iavé salva ou Iavé é salvalção exerceu o seu ministério no reino de Judá, tendo se casado com uma esposa conhecida como a profetisa que foi mãe de dois filhos: Sear-Jasube e Maer-Salal-Hás-Baz.

O capítulo 6 do livro informa sobre o chamado de Isaías para tornar-e profeta através de uma visão do trono de Deus no templo, acompanhado por serafins, em que um desses seres angelicais teria voado até ele trazendo brasas vivas do altar para purificar seus lábios a fim de purificá-lo de seu pecado. Então, depois disto, Isaías ouve uma voz de Deus determinando que levasse ao povo sua mensagem.
Focando em Jerusalém, a profecia de Isaías, em sua primeira metade, transmite mensagens de punição e juízo para os pecados de Israel, Judá e das nações vizinhas, tratando de alguns eventos ocorridos durante o reinado de Ezequias, o que se verifica até o final do capítulo 39. A outra metade do livro (do capítulo 40 ao final) contém palavras de perdão, conforto e esperança.
Pode-se afirmar que Isaías é o profeta quem mais fala sobre a vinda do Messias, descrevendo-o ao mesmo tempo como um servo sofredor que morreria pelos pecados da humanidade e como um príncipe soberano que governará com justiça. Por isso, um dos capítulos mais marcantes do livro seria o de número 53 que menciona o martírio que aguardava o Messias: "Mas ele foi ferido pelas nossas, transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, pelas suas pisaduras, fomos sarados". (Is 53:5). De acordo com a tradição judaica, Isaías teria sido morto serrado ao meio na época do rei Manassés.


Daniel - O livro de Daniel contém um registro de certos incidentes históricos da vida de Daniel e de seus três amigos, judeus deportados que estavam ao serviço do governo de Babilônia, e o registro de um sonho profético do rei Nabucodonosor, interpretado por Daniel, juntamente com o registro de visões recebidas pelo mesmo profeta. Mesmo o livro sendo escrito na Babilônia durante o cativeiro, e pouco depois dele, não tinha o propósito de proporcionar uma história do desterro dos judeus nem uma biografia de Daniel. O livro relata as vicissitudes principais da vida do estadista-profeta e de seus colegas, e foi compilado com fins específicos.

Ezequiel é um dos livros proféticos do Antigo testamento da Bíblia. Possui 48 capítulos.

Chamado para profetizar durante o cativeiro babilônico do povo judeu. Diz-se que fundou uma escola de profetas e que ensinava a Lei à beira do rio que corta a cidade de Babilônia. São curiosas as visões que o profeta teve sobre a glória de Deus e os sinais que aconteceram em sua própria vida demonstrando a ação de Deus são fortes e marcantes. Ezequiel perdeu a sua esposa como sinal da queda de Jerusalém.


Joel - Livro do Antigo Testamento. Segundo a tradição, foi escrito pelo profeta Joel. A sua datação atribuída é do ano 830 a.C., porém existem os que datam dos anos 775 a 725 a.C. ou de 500 a.C.. A mensagem do livro fala sobre o "julgamento que Deus fará contra os inimigos de Israel e, de uma perspectiva escatológica, a vitória final do povo de Deus". Joel 2:28, 29 citada por Simão Pedro no sermão de Pentecostes em Atos 2:14-36. Joel tem enorme importância na teologia cristã.



Jonas - profeta israelita da Tribo de Zebulão, filho de Amitai, natural Gete-Héfer. Profetizou durante o reinado de Jeroboão II, Rei de Israel Setentrional. (II Reis 14:25; Jonas 1:1) Crê-se que tenha sido o escritor do livro bíblico do Antigo Testamento que leva o seu nome. Comissionado pelo Deus de Israel para ir a Nínive, capital da Assíria. A sua missão era admoestar os assírios que devido a sua crueldade e ao muito derramamento de sangue, iriam sofrer a ira Divina caso não se arrependessem dentro de quarenta dias. Os assírios eram famosos, por exemplo, por decapitar os povos vencidos, fazendo pirâmides com seus crânios.

Crucificavam ou empalavam os prisioneiros, arrancavam seus olhos e os esfolavam vivos. Temendo pela sua vida, Jonas foge rumo a Társis, no SE da Península Ibérica (na moderna região da Andaluzia). Situa-se a aproximadamente 3.500 km do porto de Jope (a moderna Tel Aviv-Yafo). Segundo a bíblia, durante a viagem acontece uma violenta tempestade. Esta só acaba quando Jonas é lançado ao mar. Ele é engolido por um "grande peixe" (Jonas 1:17) e no seu estômago, passa 3 dias e 3 noites. Arrependido reconsidera a sua decisão e é vomitado pelo peixe numa praia e segue rumo para Nínive.


Zacarias - profeta das tribos Reino de Judá, e foi o 11º profeta dos 12 profetas menores. Conforme Ezequiel, ele foi um profeta do exílio. Ele descreveu a si mesmo (1:1) como "o Filho de Baraquias." Em Esdras 5:1 e 6:14 chamado "o filho de Iddo," na realidade seu avô. Sua carreira profética iniciou-se no 2º ano de Dario, Rei da Pérsia (520 A.C.), cerca de 6 anos antes do 1º grupo que retornou do exílio babilônico. Embora haja algumas indicações de que Targum Lamentações o "Zacarias filho de Ido" tenha sido morto no templo.


Jeremias - nome de vários personagens da Bíblia, o mais conhecido é o profeta do Antigo Testamento, autor do Livro das Lamentações e do Livro de Jeremias que é o 2º dos livros dos principais profetas da Bíblia. Os capítulos 1 a 24 registram muitas das suas profecias. Os capítulos 24 a 44 relatam suas experiências. Contém Profecias contra as nações. É provável que seu auxiliar, Baruque, tenha reunido e organizado grande parte do livro.


Michelangelo, em seguida, volta a entregar-se ao projeto que jamais deixara de amar: o túmulo monumental de Júlio II. Morto o papa em fevereiro de 1513, no mês seguinte o artista assina um contrato comprometendo-se a executar a obra em sete anos. Dela fariam parte 32 grandes estátuas. Uma logo fica pronta. É o “Moisés” considerada a sua mais perfeita obra de escultura. Segue-se outra, “Os Escravos”, que se acha no Museu do Louvre, doada ao soberano Francisco I pelo florentino Roberto Strozzi, exilado na França, que por sua vez a recebera diretamente do mestre em 1546.

“Moisés” (1515)



Mostrado como um todo poderoso e forte. Foi colocado no túmulo do papa Júlio II.

Diz-se que quando terminada a obra, Michelangelo bateu em seu joelho e disse: “Fala!”
Freud leu muito a respeito do tema e se sentiu mais intrigado ainda quando se deparou com um número enorme de interpretações e quando viu até que ponto elas diferiam entre si.

1. Na primeira parte do ensaio, são apresentadas várias descrições de diferentes críticos do Moisés de Michelangelo, um fragmento da gigantesca tumba que o artista deveria ter erigido para o poderoso Papa Júlio II. A estátua representa Moisés segurando as tábuas dos Dez Mandamentos. Moisés é representado sentado; o corpo está de frente, a cabeça ostenta os cornos míticos, que representam a luz radiante que veio ao rosto de Moisés após ver Deus. Ostenta também uma barba possante. Moisés olha para a esquerda, o pé direito se apóia no chão e a perna esquerda está levantada de modo tal que apenas os artelhos tocam o chão. A expressão facial de Moisés caracteriza-se por mostrar uma mistura de ira, sofrimento e desprezo. Pois, é o momento em que ele percebeu que o povo se rejubilava com o Bezerro de Ouro. Para Freud, não se pode imaginar a figura de Moisés como prestes a se levantar abruptamente; ele está em sublime repouso. Sem mostrar as emoções de ira, o desprezo e sofrimento não seriam possíveis retratar a natureza de um super-homem desta espécie. Michelangelo criou não uma figura histórica, mas um tipo de caráter encarnando uma força interior inesgotável, capaz de domar o mundo recalcitrante.
O artista deu forma não apenas à narrativa bíblica de Moisés, mas às suas próprias experiências internas e às suas impressões, tanto da individualidade do próprio Papa Júlio quanto as fontes dos eternos conflitos de Savona-rola (monge italiano que pregava contra o pecado e a impiedade do povo que acabou enforcado e queimado em praça pública, por ir contra a Igreja de Roma em alguns aspectos).

2. A parte II do ensaio fala sobre detalhes que passaram não apenas despercebidos, como nem sequer receberam uma descrição adequada dos outros críticos. E é aí que Freud vai se deter. São eles: a atitude da mão direita e a posição das duas Tábuas da Lei. O polegar está escondido e só o dedo indicador está realmente em contato com a barba. E está tão fortemente pressionado contra a massa de cabelo que sobram mechas para cima e para baixo. Para começar, Freud presume que a mão direita estava afastada da barba e que se projetou então para a esquerda, num momento de grande tensão emocional, agarrando a barba, e que finalmente voltou para trás trazendo parte da barba com ela. Há algumas dificuldades envolvidas nessa interpretação, já que a mão direita é a responsável pelas tábuas, que estão viradas para baixo. As tábuas estão de cabeça para baixo, praticamente equilibradas sobre uma quina. A borda superior é reta, a inferior tem uma protuberância, uma espécie de chifre na parte frontal, e as tábuas tocam o assento de pedra precisamente com essa protuberância. Foi para impedir que as tábuas caíssem no chão que a mão direita se encolheu, soltou a barba, parte da qual veio junto sem querer, encontrou a parte superior das tábuas a tempo, segurou-as pelo canto de trás, que depois virou para cima. Dessa maneira, o aspecto especialmente forçado do conjunto barba, mão e tábuas inclinadas são atribuídos àquele movimento apaixonado da mão e às suas consequências naturais.

3. Nas partes III e IV, Freud continua dizendo que Moisés em seu primeiro transporte de fúria quis agir, levantar-se, se vingar e esquecer as tábuas, mas dominou a tentação e permaneceu sentado e quieto, com sua ira gelada e seu sofrimento mesclado de desprezo. Também não são jogadas fora as tábuas para que se quebrem nas pedras, pois foi especialmente por causa delas que controlou sua raiva; foi para preservá-las que conteve sua paixão. À medida que nossos olhos descem pela estátua vemos três estados emocionais distintos. As linhas da face refletem os sentimentos que predominaram; a seção média mostra os traços do movimento reprimido e o pé permanece ainda na atitude da ação projetada. O Moisés da lenda e da tradição tinha um temperamento impetuoso e era sujeito a crises de paixão. Porém Michelangelo colocou um Moisés diferente na tumba do papa, um Moisés superior ao histórico e tradicional, porque conseguiu dominar sua ira, na visão de Freud, em razão de uma causa à qual se havia consagrado.
O próprio Freud fica feliz ao ver outra escultura cuja reprodução foi levada por Ernest Jones. Tratava-se de uma pequena escultura de Moisés, feita por Nicolás de Verdun, no século XII. O detalhe característico dela era que representava Moisés quanto ao gesto de segurar a barba, exatamente na postura que Freud supôs que havia precedido aquela em que Michelangelo o representava em sua famosa obra. Freud considerou que isto confirmava sua interpretação da dita obra e que representava “a calma depois da tempestade”. Mas essa confirmação só foi acrescentada num pós-escrito ao artigo, feito em 1927.
Os biógrafos de Freud, Ernest Jones e Peter Gay, têm as seguintes interpretações para esse interesse desmesurado de Freud pela a estátua de Moisés.
Ernest Jones, ele mesmo personagem importante nas buscas de Freud sobre o sentido de sua fascinação por essa obra específica de Michelangelo, fala: “O inverno de 1913-1914, seguindo-se ao infeliz congresso de Munique, foi a pior época no conflito com Jung. O Moisés foi escrito no mesmo mês, assim como os longos ensaios em que Freud apresentava a seriedade das divergências entre suas ideias e as de Jung (“Narcisismo” e “A história do movimento psicanalítico”), e não há dúvidas de que estava se sentindo, na época, amargamente desapontado com a defecção de Jung. Isso lhe custou uma luta interna para controlar suas emoções de modo firme o suficiente a lhe permitir dizer calmamente o que sentia ter a dizer. Não se pode evitar a conclusão óbvia de que nessa época e provavelmente antes, Freud tenha se identificado com Moisés e estava lutando para imitar a vitória sobre as paixões que Michelangelo retratava em sua magnífica obra” (Jones, II, p.385). A turba de apóstatas era para ele os numerosos ex-partidários que o haviam abandonado renegando sua obra, nos últimos quatro anos: Adler e seus amigos, Stekel e agora os suíços com Jung.
Freud escreve a Ferenczi que, naquele momento, “a situação em Viena faz com que meu ânimo seja mais semelhante ao do Moisés histórico do que ao outro, o de Michelangelo”. Mas acima de todas as emoções estava á suprema necessidade de salvar, de algum modo, a obra de sua vida, a psicanálise, exatamente como Moisés pôs sua força de vontade para salvar as preciosas tábuas da Lei.
Jones diz mesmo que todas as dúvidas de Freud sobre a exatidão de sua interpretação do Moisés de Michelangelo se deviam em parte à insegurança a respeito de sua própria certeza de poder impor-se a si mesmo a calma e a temperança que o Moisés do artista se impôs.
Vinte anos mais tarde, quando da tradução do artigo para o italiano, Freud escreveu ao tradutor: “O que sinto por esse trabalho se parece muito ao sentimento que inspira um filho natural. Todos os dias, durante três semanas que foram de solidão, em setembro de 1913 parava na igreja (San Pietro in Vincoli) em frente da estátua, a estudava, a media, fazia croquis, até que captei seu sentido, que só de forma anônima me aventurei a expressar. Só muitos anos mais tarde reconheci essa criatura não-analítica”. (Carta a Edoardo Weiss, em abril de 1933).

Só com o sucessor de Leão X, o Papa Clemente VII, Michelangelo encontra novamente um mecenas que o incita a trabalhar arduamente: deverá construir a capela e a tumba dos Medici, sendo-lhe paga uma pensão mensal três vezes superior á que o artista exigira. Mas o destino insiste em turvar seus raros momentos de tranquilidade: em 1527, a guerra eclode em Florença e Michelangelo, depois de ajudar a projetar as defesas da cidade, prefere fugir, exilando-se por algum tempo em Veneza. Restabelecida a paz, o Papa Clemente, fiel a seu nome, perdoa-lhe os "desvarios" políticos e o estimula a reencetar o trabalho da Capela dos Médici. Com furor e desespero, Michelangelo dedica-se á obra. Quando o interrogam sobre a escassa semelhança das estátuas com os membros da paderosa familia, ele dá de ombros: "Quem perceberá este detalhe daqui a dez séculos?”

“Tumba da Família Médici”



Michelangelo realizou trabalhos de esculturas nas tumbas dedicadas a Lourenço, “O Crepúsculo e a Aurora” e no túmulo de Giuliano de Medici, “O Dia e a Noite”, na capela da família Médici.

De forma triangular e simétrico, à direita, temos a alegoria do dia versus à esquerda, a alegoria da noite (feminina) de forma brilhante representando o descanso, o sonho. As figuras são volumosas. Em cima, temos Giuliano trajando um cinturão romano (como imperador) e não florentino.
A “Aurora”, embora simbolize o despertar da vida, traz um véu na cabeça, que é sinal de luto. O “Crepúsculo”, apesar de ser um homem maduro, um homem sábio, tem o rosto indefinido. A “Noite”, melancólica, parece não conseguir repousar e o “Dia”, aparentemente inacabado, revela incerteza.

Os últimos anos do mestre ainda foram fecundos, embora numa atividade diferente: a arquitetura. Dedicou-se ao projeto de São Pedro, tarefa que lhe custou exaustivos esforços devido às intrigas que lhe tramaram seus acirrados inimigos. Projetou também o Capitólio, onde se reúne o Senado italiano e a Igreja de São João dos Florentinos (cujos planos se perderam).
Ainda encontra energias para esculpir. Renegando cada vez mais o mundo, Michelangelo busca uma união mística com o Cristo. Sua criação, como a de Botticelli no final da vida, é toda voltada para as cenas da Paixão.
Em 1547, Michelangelo foi apontado como arquiteto da Basílica de São Pedro no Vaticano. Anos mais tarde, em 18/02/1564, Michelangelo morre, em casa, em Roma aos 88 anos de idade, solicitando em testamento que seu corpo fosse enterrado em Florença.
Abstêmio, indiferente à bebida e à comida, pessoa solitária e melancólica. Deixou também cerca de 300 poemas em italiano vernáculo, que escreveu entre 1501 e 1560, marcados por uma forte carga homoerótica. Porém, esta foi alterada na primeira edição da sua poesia, em 1623, publicada pelo seu sobrinho. Em 1893, John Addington Symonds traduziu os poemas originais para inglês.

"Espero que eu sempre possa desejar mais do que consigo fazer."